2112. Sua carreira começou em 1968 período que conheceu e ficou amigo do Milton "Bituca" Nascimento, Wagner Tiso e Marilton Borges. Como foi que aconteceu esse encontro histórico?
Fredera. Ingressei na vida profissional em 12/05/1968 a convite de José Roberto Bertrami (anos depois fundador do Azimuth), que era músico da noite e tocava no Canecão, Rio. Conhecemo-nos no apto do pianista Leonardo Luz, de Juiz de Fora, e que morava, como o Zé Roberto, no Solar da Fossa, e tentava se colocar também na noite. Como eu também tocava contrabaixo, não só guitarra, e o Cláudio, irmão do Zé, voltou para São Paulo, sobrou essa vaga no Canecão, e eu assumi, sem jamais ter tocado um contrabaixo de pau. O trio então ficou: Zé Roberto, Robertinho Silva na bateria e eu no contrabaixo. Milton, Wagner e Marilton vieram um ano depois.
2112. Uma coisa que me chama a atenção em Minas é esse senso de unidade, de família onde todos se curtem e se ajudam mutuamente. Isso é um tanto incomum nos dias de hoje, não?
Fredera. O que nos unia era a música. Família mesmo era Milton e Wagner, que foram criados juntos no Sul de Minas. E amizade real, à época, tive foi com o Robertinho, com quem, nos tempos duros iniciais, juntava moedas pra dividir u'a média com pão c/ manteiga depois de tocar a noite inteira, no bar em frente ao Solar, onde morávamos e que ficava praticamente a lado do Canecão.
2112. Entre 1968/69 você participou do grupo A Turma da Pilantragem. Como foi que surgiu a banda e que tipo de som vocês faziam?
Fredera. Foi um trabalho puxado pelo Nonato Buzar, ex-goleiro do Fluminense e que partiu pra fazer sucesso na música popular; estourou uma cançãozinha, Vesti Azul, gravada pelo Simonal. Era um trabalho que chamamos de guigue, coisa pra ganhar grana para a subsistência. Quem chamou foi de novo o Zé Roberto, e nessa trabalhamos com grandes nomes da música instrumental moderna brasileira, como Raul de Souza ao trombone, Vítor Manga de bateria, Márcio Montarroyos ao trompete, Yon Muniz no sax. Isso durou uns seis meses e acabou. Gravamos um disco chamado Pilantragem Intrenacional, uma bobagem com finalidade puramente comercial.
2112. Porque a banda acabou? Vocês chegaram a lançar algum trabalho?
Fredera. Essa banda chamada Pila 7 foi extinta porque o trabalho saiu de moda e perdeu o investimento de Shell, Rhodia e tal. A partir disso montei com o Raul de Souza um grupo de baile chamado Impacto 8, para o que fiz os arranjos e ensaiei a turma toda. Durou um tempinho também, uns oito meses, e acabou-se.
2112. Tão logo a banda encerrou atividades você entra para o lendário Som Imaginário. Como surgiu o convite?
Fredera. O Som Imaginário começou em 1970. O baterista Robertinho Silva, que tocou comigo no Impacto 8, foi convidado para o Som Imaginário, que foi reunido para acompanhar o relançamento do Milton pela empresária Maria Mynssen. Quem reuniu a banda foi o irmão dela, José Mynssen, juntando dois músicos que ele ajudava na noite, Tavito e Zé Rodrigues, com o trio Wagner/ Luís Alves/ Robertinho Silva. O Robertinho viu que era preciso um guitarrista que solasse, e indicou meu nome. Estreei com eles ainda em 1970.
2112. O grupo foi criado a início para acompanhar Milton Nascimento no show "Milton Nascimento, ah, e o Som Imaginário”. Como eram esses shows?
Fredera. Eram shows que eletrizavam a galera, que jamais vira tanta inovação musical. Milton cantava com um grupo que potencializava as composições dele com criação musical inédita para o tempo. O trabalho durou porque eu assumi dirigir a parte empresarial, promovendo temporadas em Belo Horizonte e São Paulo. Até que o Milton resolveu cuidar de sua nova perspectiva de carreira, e ficamos a pé. Nessa nova situação, acabou que tive de sumir do Rio para fugir da ação da Inteligência do regime militar, porque andei abrigando gente da esquerda e caí na malha fina da segurança do governo. Fiquei dois anos e tal quieto em BH, quando, em 1973, voltei para o Rio com a situação esfriada e passei a tocar com o Raul Seixas, convidado pelo Wagner pra organizar a banda de rock, um quarteto que acompanhou o lançamento do Maluco Beleza.
2112. Vocês tinham espaço para fazer solos ou jams no palco?
Fredera. Com o Som Imaginário fazíamos loucuras musicais que entortavam as platéias. Era liberdade total. Já tínhamos gravado o primeiro disco do grupo, em que emplaquei os sucessos Sábado e Nepal. Ainda antes de me malocar em BH gravamos o Som Imaginário II, que emplacou outra composição minha, Cenouras.
2112. Naquela época você usava o nome Frederyko... porque você mudou para Fredera?
Fredera. Porque eu só usei o Frederyko para gravar meu disquinho solo de estréia que tinha No Nepal Tudo é Barato. Estava em voga envenenar os nomes pra criar clima de psicodélia, seguindo a linha do Hendrix, que era James Marshall Hendrix de pia batismal. O José Rodrigues virou Zé Rodrix, eu virei Frederyko. Mas acabou o Som, assumi meu apelido no meio musical, Fredera, posto pelo baterista Pascoal Meireles.
2112. Além de guitarrista você também é pintor, escultor e jornalista. O que te levou para a música?
Fredera. Inicialmente eu era professor estadual no Rio. Das salas de aula e da faculdade de Letras migrei para os palcos na noite carioca, ainda viva. A pintura, a escultura e o jornalismo, tanto quanto a tarefa de escritor/historiador só viriam a partir de 1984, quando a tarefa de acompanhar cantores que começara com o Milton e prosseguira com Gal, Raul, Gil, Fafá, Ivan Lins e Gonzaguinha – com este trabalhei os últimos sete anos de minha tarefa de guitarrista acompanhante. Deixei o Rio e me instalei no Sul de Minas a partir de outubro de 1984, e passei a viver de pintura, pesquisar escultura em cimento e começar a escrever profissionalmente no jornal local.
2112. Quem mais te influenciou o seu jeito de tocar?
Fredera. Boa pergunta. Ouvi muito jazz, com ênfase no trabalho do guitarrista Barney Kessel. Quando começou a onda pop no Brasil, ouvi muito Hendrix e Jimmy Page, do Zepellin. Mas o que faço começou a partir de 1971 veio de minha própria pesquisa, porque foram acontecendo descobertas através dos pedais que apareciam e que eu assimilava. Minha tarefa pessoal começou já no disco Milton, através de um pedal nacional de marca Sound, do qual parti para minha própria concepção musical/guitarrística. Hoje sou classificado como precursor da guitarra melódica, estilo concretizado a partir do trabalho com o Milton e firmado através do meu disco solo de 1981, Aurora Vermelha, em que mimetizei o violoncelo através da guitarra com pedais, coisa que à época foi uma novidade causando grande impressão.
2112. Você e o Toninho Horta são dois músicos que eu muito admiro justamente por não seguir tendências e sim a própria intuição. O que mais te inspira na hora de compor?
Fredera. Essa pergunta sempre meio que me bota em sinuca. O que ocorre é que todo o meu trabalho composicional é mediúnico, por assim dizer. As composições sempre “descem”, como se eu já as conhecesse de outra dimensão. Isso começou com Sábado, lá nos primórdios.
2112. Uma curiosidade: o disco Milagre dos Peixes Ao Vivo teve acréscimo de overdubs em estúdio ou tudo está como foi gravado?
Fredera. Eu já tinha deixado o Som quando eles gravaram esse disco, que mal ouvi.
2112. Logo vocês lançaram seus próprios álbuns que se tornaram cultuados com o passar dos anos. Isso prova que vocês estava bem a frente do seu tempo, não é?
Fredera. Sem dúvida. Estou hoje com três trabalhos instrumentais gravados, o Aurora, todo gravado em São Paulo em 1981 pelo selo instrumental Som da Gente; o Fredera e Nenê ao Vivo no CCBB/Rio lá prá 1995, e o Balada a um Anjo na Terra/ Iris Blues, todo gravado em Minas - BH e Alfenas -, que comecei a gravar em 1998 e terminei em 2018. O Aurora é referência até no exterior, com menção do maestro do Século, Gil Evans, que me conferiu a qualificação de “Padrão de composição contemporânea brasileira”, estando isso registrado nas librarys das escolas norte-americanas Berkeley, Julyard School e GIT. No Brasil o Aurora ganhou o maior número de prêmios conferidos a um trabalho instrumental. Mas todo esse trabalho permanece em oculto, o que é natural para obras que não se baseiam em padrões mercadológicos.
2112. Vocês faziam uma mistura interessante de rock progressivo, folk e música brasileira ainda que soassem pesados em alguns momentos. Como você definiria o som da banda?
Fredera. Sou classificado como compositor/guitarrista de música contemporânea com incursões no jazz e no erudito. Em relação ao Som Imaginário, fazíamos o que nos dava na telha. Quando me preocupei com dar um som identificável pra banda, a turma não entendeu isso, e a formação de então entrou em colapso. O Zé já tinha saído, já gravava com Sá e Guarabyra o tal de rock rural, que teve coisas muito boas, criações bonitas do Sá e do Guarabyra. O Zé não tinha muita inspiração pra compor, o que era percebido à época.
2112. O que mais te chama a atenção ainda hoje nos álbuns da banda?
Fredera. A liberdade para compor e tocar. É uma lembrança divertida voltar a considerar aquela conjuntura musical em nossas vidas.
2112. Você ouve os discos da banda?
Fredera. Não, não ouço. Apenas mostrei pros meus filhos músicos, mostro pra meus pupilos ou para quem se interessa em conhecer a coisa daqueles tempos, e nessas audições acabo ficando de cara com o que a gente, especialmente eu, aprontava musicalmente.
2112. Sabe dizer se existe sobras de estúdio ou demos dos três álbuns de vocês ou mesmo gravações ao vivo?
Fredera. Sei apenas de uma gravação que foi feita quando produzi a banda ao vivo em concertos patrocinados pelo produtor César Augustus Pereira em 1976. E considero algo pouco ligado à idéia inicial: ali estávamos tocando roque progressivo meio que sem direção, só pra estar no palco e produzir algo interessante.
2112. Pouco tempo depois do lançamento do Matança do Porco a banda decreta o seu fim. O que levou vocês a tomarem essa decisão?
Fredera. Invenção do Wagner, o que se constitui uma transgressão à regra: Está no dicionário: “Matança: massacre de muitas pessoas; morticínio, mortandade; ou ato de abater gado para consumo”. Éramos pessoas muito diferentes, com experiências pessoais muito diversas. Para mim era difícil me entrosar com a turma, porque eles só sabiam fazer música. Eu tinha outros interesses, e isso acabou determinando um divórcio na convivência do grupo.
2112. Com o fim da banda você passou a trabalhar com diversos artistas além de manter carreira solo. Por algum momento você pensou na possibilidade de largar a música?
Fredera. Primeiro, tive de me acoitar em BH pra escapara dos mecanismos de segurança do governo Médici, e acabei por largar mesmo a música profissional em 1984. Sempre sonhei com outras tarefas artísticas e culturais. Mesmo sendo músico, sempre fui um intelectual, cursado em Letras, conhecedor de Arte em geral, interessado em filosofia transcendente e enamorado dos conteúdos esotéricos.
2112. Em 1981 é lançado Aurora Vermelha todo instrumental. As composições são todas inéditas ou também tem material não aproveitado do período do Som Imaginário?
Fredera. O Som Imaginário foi uma escola para nós todos, e eu fui um dos que mais extraiu visão de progresso através das experiências que fizemos. Mas o Aurora foi todo composto de uma sentada, nasceu de minha fase de estudo de teoria musical, isso desde 1979, quando eu já convivia com os músicos da banda que acompanhava o Gonzaguinha. Minha maturidade musical se realizara, mas confesso que a tarefa com o Som foi uma base bastante sólida para minha libertação musical e para largada no disco solo. Mas o Aurora Vermelha “desceu” todo ali entre 1979 e 1980, não inseri nele nada do passado musical da década passada.
2112. Quem participou das gravações?
Fredera. A turma que acompanhava o Gonzaguinha: Jota Moraes nos teclados e piano; Paulo Maranhão no baixo; Pascoal Meireles na bateria. Entramos no Nossoestúdio, em São Paulo, sem que eles tivessem idéia do que gravariam. Sai tudo na hora, gravávamos quando passávamos tocando por São Paulo ou nas brechas de temporadas com o Gonzaguinha. Teve ainda a participação do pessoal de São Paulo, o Amilson Godoy ao piano em uma faixa, o Téo da Cuíca em várias. Até o Valter Santos, ícone do tempo da Bossa Nova, conterrâneo do João Gilberto e que fora meu ídolo por ter composto a linda Azul Contente, participou do disco tocando uma cabacinha na faixa Clara, Cheia de Luz.
2112. Em 1984 você se muda para Alfenas onde passa a ministrar aulas, pintar, fazer esculturas e concertos com a Oficina de Guitarra e Baixo. Você ainda tem idéia de lançar novos álbuns ou mesmo criar uma nova banda?
Fredera. Sim. Tratei de começar a viver minha própria vida, dar asas a meus próprios sonhos ao contrário de viver azeitonando empadas alheias. Trabalhei muito por aqui, pintei muito, pesquisei o que pude e escrevi vários livros, sendo o mais importante o O Crime contra Tenório, que relata o martírio do pianista genial assassinado em Buenos Aires, onde foi tocar acompanhando aqueles sambas do Toquinho e Vinícius. Foi baleado na testa, encapuzado e caído na cela depois de nove dias de tortura na Escola Mecânica da Armada. Quanto a meu trabalho musical, preparei muitos instrumentistas, ensinei muita música para a juventude local. Tem ex-aluno meu tocando pra todo lado. Gravei o Balada a um Anjo na Terra com muita participação de minha oficina, são faixas realmente impressionantes as que têm participação dos meus pupilos.
2112. Você é visto por muitos como uma verdadeira lenda viva da guitarra brasileira. O que você pensa a respeito disso?
Fredera. Considero isso natural, porque aconteceu sem que eu buscasse fama e brilho de carreira e coisas assim. Sempre fui avesso a honrarias e salamaleques. Meus trabalhos marcaram várias décadas, e, acredito que por ter feito coisas diferentes do normal, isso porque tenho profunda formação em ópera e erudito, marquei de forma diferente do restante. Sou uma lenda até pra mim mesmo, porque, quando ouço o que fiz no passado, sempre me assusto. Parece que sou um “cavalo” conduzido por meus guias transdimensionais. Fico eu mesmo de cara!
2112. Em 2012 Wagner Tiso reativou o Som Imaginário para vários shows. Ele chegou a contactar você para tratar sobre o retorno do grupo?
Fredera. Não. Ele sabe que estou em outra praia, acho até que não conseguiria retomar nada com Wagner e cia, e ele sabe disso. É, para mim, aquilo dos índios brasileiros: nunca voltar a trilhar um caminha já trilhado. Pelo Som como a grife daquele passado com o Milton, considero que minha participação seria obrigatória; mmas aquilo, aquela religiosidade, já passou. Prefiro mesmo é ficar nestas montanhas fazendo minhas coisas pela evolução, para mim é o que faz sentido hoje e para diante.
2112. Estamos nesse período da pandemia e tudo está parado no momento. Mas quais são os seus projetos para o futuro?
Fredera. O que os meus instrutores invisíveis resolverem fazer através de mim. Estou aberto para a ação deles. O fato de estar tudo parado por causa da sanha de dominação chinesa sobre o mundo não interrompe a evolução. O mundo transdimensional prossegue em vida normal, a evolução ocorre até por causa dessa porcaria que eles nos enviaram no plano do físico material grosseiro.
2112. ... o microfone é seu!
Fredera. Eu é que agradeço. Gostaria de informar que o Balada a um Anjo na Terra - Iris Blues está nas plataformas. Seria muito positivo pra mim que pessoas como vocês ouvissem essa tarefa carregada de amor e sofrimento. Blues significa isso: sofrimento. E do sofrimento vem a evolução. “Somente a dor é positiva”, porque nos faz transcender o conforto paralisante. O prazer é traidor, só faz querer mais e mais, e nisso caímos na teia da aranha fatal. Minha música busca outras esferas, calca no amor e na beleza, é indiferente a resultados comerciais. E meu nome é apenas mais um no catálogo dos que trabalham em busca de melhorar o mundo através do som.
Obs.: As fotos utilizadas nessa entrevista foram todas retiradas do Facebook do músico e infelizmente não deu para identificar o nome dos fotógrafos. Quem tiver alguma informação favor enviar para o meu e-mail: furia2112@gmail.com que eu faço as devidas correções.
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