O blog 2112 foi formado com intenção de divulgar as bandas clássicas de rock, prog, hard, jazz, punk, pop, heavy, reggae, eletrônico, country, folk, funk, blues, alternativo, ou seja o rock verdadeiro que embalou e ainda embala toda uma geração de aficcionados. Vários sons... uma só tribo!



sábado, 25 de novembro de 2017

Entrevista Robertinho do Recife




Já falei isso várias vezes, mas vou tornar a repetir: o melhor de trabalhar no 2112 é poder entrevistar (ainda que por e-mail!) pessoas que você curte e que muitas vezes te inspirou a várias e várias viagens sonoras. Por isso afirmo que foi uma honra muito grande entrevistar este que é um dos melhores guitarristas do mundo. Um músico que nunca se prendeu a rótulos ou estilos… pois tudo que ele queria era ser livre para tocar música. Leiam a entrevista para entender o porque de Robertinho ser tão admirado por todos que o conhecem. E viva a democracia musical!  

2112. Primeiramente devo dizer que é uma grande honra entrevistar e postar no 2112 este papo com um dos maiores guitarristas do mundo... Soube que com doze anos você já era um exímio guitarrista e que inclusive tocava com os pés. Conte um pouco do início de sua carreira!       

Robertinho do Recife. Começei a tocar em 1962 aos 11 anos de idade, depois de ter sido atropelado por um carro, fiquei quase um ano de cama e assistindo os Beatles na tv. Fiquei alucinado pelo som da guitarra do George Harrison, daí pedi ao meu pai que junto com meu avô Raul me compraram uma guitarra. Tocava na minha escola com amigos do bairro e entramos num festival chamado “Primeiro Festival de Músicos Jovens do Nordeste”, então meu pai me deu a sugestão de tocar com os pés que realmemte foi importante para levarmos o prêmio de melhor banda kkkkk.

2112. Você já conhecia Hendrix?

Robertinho do Recife. Hendrix, vim conhecer o som dele em 1970, quando um amigo tinha trazido um disco dele da América e quando ele me mostrou eu fiquei louco, definitivamente a guitarra se tornou outro instrumento para mim.

2112. Neste período quem era seus ídolos?

Robertinho do Recife. George Harrison, The Ventures, Gato dos Jet Blacks, Risonho dos Incríveis.

2112. Você foi aluno de um seminário e lá aprendeu música sacra, certo? Esse tipo de música influenciou você como músico e compositor? 

Robertinho do Recife. Sim, eu descobri que gostava mais da obra sacra dos grandes compositores clássicos como Bach, Mendelssohn, Beethoven e outros. Compus aos 15 anos de idade uma música chamada ‘’A brilhante Estrela da Manhã” com versos do livro do Apocalipse.
Fui seminarista estudante de teologia e estudei filosofia e religiões orientais, assim como a música oriental, principalmente a Indiana. Sei tocar Sitar Indiana e tenho um profundo conhecimento das fusões que artistas como Maravishnu John Mclaughlin, Alice Coltrane e outros que fizeram com a música do oriente/ocidente.

2112. Como o rock entrou em sua vida? 

Robertinho do Recife. Pela guitarra kkk, sabe o que é Recife? Pedra! Rock em Inglês, kkkk

2112. Já no final dos anos 60 você estava enturmado com várias pessoas da Jovem Guarda como Rosemary e Jerry Adriani. Como surgiu estes contatos?     

Robertinho do Recife. Eu tocava na Tv Jornal do Comécio em Recife acompanhando cantores e cantoras, esses artistas quando se apresentavam não levavam banda, nós é que tocavamos com eles.

2112. O cenário daquela época era muito concorrido?

Robertinho do Recife. Não, a nossa maior concorrência eram as dificuldades de estarmos iniciando um movimento de fazer música em Recife, no tempo ser músico era tocar ou na orquestra sinfônica, orquestra de frêvo ou tocar em puteiro e eu toquei aí muitas vezes kkk.

2112. Conte um pouco da sua experiência tocando nos EUA. Com quem você tocou lá? 

Robertinho do Recife. Tocando um dia no Teatro Santa Isabel com um projeto de música psicodélica chamado LSE (Laboratório de Sons Estranhos), um grupo de americanos assistiram e me levaram para os Estados Unidos para fazer um teste lá. Daí lá tive a oportunidade de tocar com o Watchpocket, uma banda de Memphis que fazia muito sucesso com a música “Mammy Blue”. Conheci Steve Cropper um grande produtor que era o nosso produtor e também do Jeff Beck, Booker T. Blues Brothers e outros,  BB.King, Bob Rush e muitos artistas do sul dos Estados Unidos.

2112. Deu para assistir muitos shows bacanas por lá?

Robertinho do Recife. Os shows que não me saem jamais da memória foram os do Allman Brothers, Yes formação original com Rick Wakeman nos teclados, Humble Pie com Peter Frampton na guitarra, James Gang, BB King assisti 10 shows no backstage com a banda.

2112. Sempre digo em conversas que um músico não deve se prender a apenas um ritmo... mas que deve ouvir vários sons para criar um estilo próprio. Você concorda?   

Robertinho do Recife. Tem guitarristas que estão na música por causa do Metal outros por outros estilos, outros ainda por outros motivos como um ídolo por exemplo. Eu estou por causa da guitarra daí onde ela estiver e o som está me chamando, para mim está bom, acho esse lance de estilos uma coisa que me lembra partidos políticos, uma turma, uma filosofia, uma estética, uma comissão julgadora com gente chata demais, esses fundamentalistas são a pior ditadura para a arte, que deve ter livre expressão.

2112. Os nordestinos foram os que melhores entenderam essa mensagem ao misturar a música regional com Elvis, Chuck Berry, música sacra, clássica... o que gerou uma música que ainda influencia gerações inteiras caso do Raul Seixas, Alceu Valença, Zé Ramalho, Heraldo do Monte, você entre outros. O que você tem a dizer sobre isso? 

Robertinho do Recife. Bem, você só cita nordestinos mas, tem muitos na música brasileira que tiveram um papel muito importante nessa atualização sonora como gosto de chamar, pois continuamos a usar os elementos da tradição liquidificado com as informações e tecnologias da atualidade.

2112. Afirmo isso levando em conta que a maioria das bandas do Rio e de São Paulo os maiores redutos do rock neste período seguiam à risca seus ídolos ao invés de arriscar um caminho próprio. Apenas Os Mutantes, os Tropicalistas e uma minoria tentavam criar uma sonoridade rock brasileiro o que levou muitos ao ostracismo por longos anos mas que redescobertos pela nova juventude sedenta por novidades. Você concorda?  

Robertinho do Recife. Não podemos ser injustos e negligenciar que as bandas de rock da epóca produziram grandes nomes da MPB como Lulu Santos, Lobão, Ritchie.

2112. Em 1982 você alcança grande sucesso com a música O Elefante junto a Emilinha. Conte um pouco sobre esse disco e o sucesso com a criançada! 

Robertinho do Recife. O Elefante realmente foi a primeira música infantil gravada na época, antes tínhamos apenas o palhaço  Carequinha em vinil 78 rotações. O letrista da música é o Fausto Nilo que depois de uma longa conversa nossa sobre elefantes, veio com essa idéia, quando fizemos essa música não tinhamos noção que faria sucesso com as crianças pois a letra é muito complexa.

2112. Depois de tocar com tanta gente como Jane Duboc, Cauby Peixoto, The Fevers, Luiz Melodia, Fagner, Wagner Tiso, Luiz Caldas, Hermeto Pascoal... além do mega sucesso O Elefante você investe no metal criando a banda Metalmania. O início foi difícil ser aceito entre os roqueiros mais radicais?     

Robertinho do Recife. Ainda sou rejeitado pelos radicais, a questão é que não faço o que eles gostam e sim o que eu gosto, I’m Sorry About That!

2112. E o público como reagia nos shows? 

Robertinho do Recife. A metalmania na época gozava do prestigio de ser uma das pioneiras e a única banda de Metal que aparecia na TV Globo em programas populares como Chacrinha que inclusive fez um programa especial para nós chamado “a noite dos Metaleiros”, tocamos fogo no palco para o pânico da produção da Tv kkk.

2112. A Metalmania abriu para vários nomes de peso na época como o Quiet Riot que estava no auge com seu hard metal. Essas apresentações abriu portas para a banda? 

Robertinho do Recife. Sim, ainda hoje tem pessoas que dizem que foi o primeiro show de metal da vida deles e consideram que nosso show foi o melhor da noite. Abrimos depois para o “Deep Purple” no Maracanãzinho.

2112. Vocês lançaram apenas um disco em 1985 e que hoje é visto como um clássico do estilo. Na época como foram as vendagens?

Robertinho do Recife. Por ser um disco de Metal um estilo  que não tinha uma vendagem expressiva no tempo, a nossa vendagem foi boa, mas, não havia interesse da gravadora RCA para eu continuar gravando metal pois, na música infantil eu tinha vendido quase um milhão de discos, kkk.

2112. Já em 1988 você funda o grupo Yahoo que gravou entre material próprio covers de Love Bites (Mordida de Amor) do Def Leppard e Angel (Anjo) do Aerosmith com boa aceitação. Porque você optou pelo do fim do Metalmania e a criação de um grupo com uma orientação mais pop? A mutação sonora te atrai? 

Robertinho do Recife. Foi a pressão da gravadora que me cobrava vendas e sucesso na rádio. O Yahoo foi a minha resposta a isso, ficamos 6 meses em primeiro lugar na parada de sucesso, tivemos temas de 3 novelas da Globo. Podem criticar mas, até os caras do Def Leppard agradeceram a mim ter feito eles serem conhecidos aqui, inclusive o Phil Colen qundo ouviu o meu solo falou “waw! it’s better than my solo”.

2112. Depois do sucesso você largou a música por um tempo e passou a trabalhar apenas como produtor. O que te estimulou a toma essa decisão?  

Robertinho do Recife. Isso foi depois do disco Rapsódia Rock e do show com George Martin na Quinta da Boa- Vista com a Orquestra Sinfônica Brasileira. Fui para Londres e decidi seguir os passos do mestre Martin de ser apenas produtor que já algum tempo me dedicava a essa função para artistas como Fagner, Elba , Zé Ramalho.
2112. Você como músico participou de shows e gravações com gente importantes como George Martin, Stanley Clark, Peter Tosh, Andy Summer, John Lee Hooker, Deep Purple, Taj Mahal, Dr. John, Simon Kirke (Free), Steve Cropper entre outros. O que isso representou para você como músico e mesmo fã?      

Robertinho do Recife. Alguns desses nomes estavam em um festival que participei o Jubilee Jam em Jackson Mississippi, o Andy Summers, Copperland e o Stanley Clarke foi para um especial da tv japonesa numa formação do The Police depois da saída do Sting. O Simon Kirke do Free, depois da morte do Paul Kossoff , tocamos muito juntos.

2112. Em especial como foi trabalhar com George Martin, lendário produtor dos Beatles? Como ele é fora do holofotes? Vocês conversaram sobre a banda?

Robertinho do Recife. O Master era uma pessoa humilde e de uma energia divina, aprendi muito com ele em conversas longas que tivemos em Londres e aqui no Brasil, ele me tratava com um carinho e admiração que me deram muita força na minha carreira. Cheguei em Londres um dia depois da gravação de “Free as a Bird” e tive a honra de ser o primeiro humano no mundo a ouvir a gravação dessa música kkkk.

2112. Existe uma informação que você dispensou um convite para participar do lendário grupo Chicago. O que fato aconteceu?  

Robertinho do Recife. Eu tinha parado de tocar estava em Recife depois da morte me meu filho Abel, foi quando o Laudir de Oliveira percussionista da banda me convidou para fazer uma audition (teste), mas, eu estava em pedaços e sem condições emocionais nenhuma para assumir essa responsabilidade.

2112. Hoje você olhando para traz o que faria e o que você não faria?  

Robertinho do Recife. Fiz o melhor que pude, sempre estamos diante das condições do “Possível e do Desejado”, nem sempre é possível o que desejamos e vice-versa, portanto, não me arrependo e sempre respeitarei essas condições.

2112. O cenário musical atual te empolga? O que você destacaria de interessante? 

Robertinho do Recife. Não me empolga, a internet é uma fabrica de gente lançado videos sem teor, só técnica, mas, tem gente boa também, por isso não vou aqui destacar nada para não esquecer de ninguém.

2112. O que você sente falta nesta nova geração de músicos?

Robertinho do Recife. Acho um problema essa coisa de muita técnica e pouca música, muita gente tocando muito bem seus instrumentos mas, sem saber interpretar uma melodia simples como Parabéns prá Você kkk, tem poucos que estão dando atenção a isso.

2112. Ultimamente temos perdido excelentes músicos do calibre de Johnny Winter, John Lee Hooker, Joe Cocker, Belchior, B.B.King entre outros que foram influências fundamentais para o nascimento de ótimos cantores, músicos, bandas e que não vemos nos dias de hoje. O que você tem a dizer sobre isso? 

Robertinho do Recife. É o curso da vida, amigo, portanto, apoie o artista que você gosta, talvez amanhã, ele não esteja mais aqui. Esses artistas que você citou são de um
a geração que estava aberta a ouvir o que criavam e não o que o público queria ouvir. Hoje o público principalmente do Brasil, vai para ver o que eles conhecem no disco, para mim é assistir o Rambo 1 milhão de vezes kkkk.   

2112. Algum recado para os músicos que estão começando agora? 

Robertinho do Recife. Tenha amor pelo que faz e não espere nada em troca disso e tudo será ganho!

2112. Agradeço a sua boa vontade em responder a todas as perguntas e dizer que o microfone é seu...

Robertinho do Recife. Obrigado a oportunidade de falar com vocês, sucesso e um abraço forte em todos!

domingo, 19 de novembro de 2017

Entrevista Álvaro Assmar



Nem só de cravo e canela vive a famosa terra de Gabriela! Aqui o tom é blues em alta voltagem pelas mãos de um verdadeiro conhecedor musical que além de cantor, músico, compositor, chefe de família... é um agitador cultural que divulga através de seu programa de rádio o blues em todas as suas vertentes. E é com muito orgulho que apresento esta entrevista não só para os amantes do blues, mas também para “você” que procura por música de qualidade. Creiam, aqui o blues é regado com muito dendê, yeah! 

2112. Este ano você comemorou 31 anos de estrada dedicada ao blues... Analisando todos esses anos de luta a cena blues brasileira melhorou ou ainda está precisando de ajustes?

Álvaro Assmar. Na verdade são 32 anos de carreira, pois eu comecei como profissional em 1985. Acho que houve uma evolução do movimento sim, mas ainda existe um longo caminho a ser percorrido. Atualmente acompanhamos nas redes sociais a movimentação dos artistas que pretendem viabilizar os seus projetos através de festivais no Brasil e fora dele. O importante, é que os artistas precisam se organizar cada vez mais, se utilizando da internet para chegar ao seu segmento.

2112. Em 1986 o lendário Celso Blues lançou Marginal Blues... O título desse disco ainda é profético?

Álvaro Assmar. Teve a sua importância no contexto da época, abrindo caminho para uma evolução que se verifica nos dias atuais através dos artistas que viabilizam suas ideias em discos, shows e festivais. É a vida que segue.

2112. Apesar de todas as mudanças no cenário musical o blues ainda é underground apesar das muitas bandas e eventos espalhados pelo país dedicados ao gênero. Na sua opinião o que poderia ser feito de imediato para mudar essa situação? 

Álvaro Assmar. Acredito que nada é estático. O panorama que se tem hoje, passa ainda pela falta de cultura de um povo, que ainda vê música como sendo um instrumento de manipulação de massas. O Rock & Roll também foi visto dessa forma no passado mas artistas brasileiros mudaram isso através de novas ideias. Rita Lee, na minha opinião, foi quem tornou o rock mais acessível à população, seguida de Raul Seixas e o efeito “Rock in Rio”(1985), que revelou outras bandas do segmento de forma mais popular, afastando uma ideia “xenofóbica”, de que era música importada ou “música de gringo” que queria afundar a MPB. Música é um instrumento de cultura, que deve ser colocada nas escolas de forma clara e imparcial para as pessoas exerçam o seu livre arbítrio à informação.

2112. Em 1985 você junto ao seu irmão Adelmo mais os músicos José Luiz Lima e Alfredo Martins fundaram o Cabo de Guerra. O que mais o motivou a fundar a banda além do gosto pelo blues?

Álvaro Assmar. Naqueles dias, formamos um grupo que fazia o que ninguém fazia. As múltiplas influências de cada um, foram essenciais à criação de um gênero que misturava “hard rock” com “progressive rock” e alguns ingredientes “pop”, já que os mecanismos de divulgação eram rádio e TV. Inocentemente, achávamos que alguém iria reparar no nosso suposto talento, por conta do grau de dificuldade de execução dos temas. Ainda lembro que durante os shows, as pessoas ficavam meio que inertes, apenas prestando atenção na nossa execução. Nossas músicas eram cheias de convenções coletivas e isso não fazia parte do contexto da época. Sendo em Salvador, a coisa era mais grave, pois a “cultura” do trio elétrico promovia que todos deveriam “pular” ao invés de prestar atenção à música. Nos meus fraseados, era possível notar a forte influência do blues e do “hard rock”, por conta do que eu ouvia na época.

2112. A Bahia nunca teve antes de vocês vínculos profundos com o blues, certo? Como as pessoas que iam aos shows viam o trabalho de vocês? Como foi o princípio da banda?

Álvaro Assmar. Como tudo é difícil no começo, nós promovíamos circuitos colegiais, onde era possível evidenciar o que fazíamos e tivemos muita sorte por trabalhar em atividades paralelas, que garantiam a nossa sobrevivência e das nossas famílias, já que todos eram casados e com filhos. Sempre era possível mensalmente, investir parte do nosso salário em equipamentos e um local de ensaios com o mínimo de estrutura para preparar o repertório. Naqueles dias, as bandas não tinham essa estrutura pois eles estavam na batalha, apenas com a música como forma de sobrevivência. Não havia essa preocupação da nossa parte.

2112. Gosto muito do bluesman Ari Frello que toca vários instrumentos em eventos tradicionais mas também em praças públicas para divulgar sua música. Vocês também fizeram este roteiro?

Álvaro Assmar. Não. Eu penso que tudo depende da forma como você disponibiliza o seu trabalho. Entendo que é necessário se transformar no seu maior fã. Se você coloca o seu trabalho do tipo “pague o que quiser”, inevitavelmente será tratado como um “qualquer que ninguém quis”. Isto tem a ver com a autoestima pessoal e profissional do artista. Música é um negócio como outro qualquer, que tem que gerar viabilidade. Caso contrário o artista vai “padecer” de música e não “viver” de música. Se tais eventos forem respaldados financeiramente de algum modo, acho muito importante tal prática. Tudo envolve investimento e é preciso haver retorno. Não existe mais lugar para a expressão “tudo por amor à arte”. Música é “negócio”!

2112. Mas havia lugares para tocar ou vocês plugavam seus instrumentos aonde davam chances para vocês tocarem!

Álvaro Assmar. Tudo era previamente articulado. Não acredito em acaso. Para algo acontecer, a estratégia tem de ser pensada antes.
2112. Depois do surgimento do Cabo de Guerra o cenário blues na Bahia melhorou um pouco ou ainda é minoria perto dos ritmos regionais como o forró, o axé, o maracatu, o samba de côco... 

Álvaro Assmar. A predominância musical na Bahia, ainda é o que chamamos de “música bovina”. Claro que sempre houve segmentos interessados em outras tendências e procurei fazer a minha parte, de modo a proporcionar sempre o meu melhor. Nada é cem por cento perfeito. No Cabo de Guerra, tivemos o mérito de construir um público que se identificava com o que fazíamos mas em termos de blues, só com o Blues Anônimo, foi possível criar um “instante zero” e o que aconteceu daí em diante, foi apenas consequência.

2112. Você acha que a falta de informação é o que mais dificulta a entrada do blues no cardápio musical do dia a dia dos brasileiros ou ainda existe muito preconceito e mal entendido musical?  

Álvaro Assmar. Na minha forma de ver, tudo é contexto de época. A “xenofobia musical” ainda é uma atitude “burra”, que acaba sempre em um dano cultural de proporções imprevisíveis. A falta de informação e ausência de políticas públicas claras nesse sentido, dificultam ainda mais a difusão da informação. Hoje temos a internet, que dá oportunidade de qualquer um evidenciar o seu trabalho. No dia em que todos entenderem que música é uma linguagem universal, talvez eles tenham alguma chance de sobreviver à esse “zoológico musical” em que o Brasil vive hoje.

2112. Uma vez postei no meu blog uma nota sobre o sambista Cartola comentando que sua poesia tem o mesmo valor que as músicas Robert “Crossroad” Johnson e muitos me criticaram duramente. Você concorda ou discorda?  

Álvaro Assmar.  Todos os artistas, em tese, tem algo a dizer, dentro do seu contexto de época. Não se pode comparar grandezas heterogêneas. Cada um tem a sua importância a depender do contexto cultural.

2112. Acho que seria bem interessante bandas ou solistas de blues lançarem um disco tributo tipo “Cartola Blues”. Eu sonho com isso cara... se convidado você aceitaria participar de um projeto desse porte?  

Álvaro Assmar. Quando me propus a seguir uma carreira profissional, sempre quis escrever o meu próprio discurso. No meu começo com o blues, era necessário fazer referência aos “standards”, para que o artista brasileiro se sinta aceito pelo segmento. A escolha por um trabalho autoral ou releitura do que já foi feito, é uma questão pessoal de cada artista. Com relação à participar ou não, de algum tributo ou coisa parecida, tudo depende da natureza do projeto.

2112. Sua poesia é tão cortante e poética quanto as dos bluesmens do Delta com seus sofrimentos, racismo, falta de perspectivas de vida melhores além de que existe uma ponte muito forte entre o samba de raiz e o blues, você não acha?

Álvaro Assmar. Em termos de ritmo, não existe limite para a música. O compositor, procura trazer à música, o que está à sua volta. Os temas são variados e depende da visão de cada artista.

2112. Falando de samba, preconceitos etc; como surgiu a história de Forró Blues? Explica isso pra gente...

Álvaro Assmar. Como disse na pergunta anterior, não existe limitações rítmicas na música. O blues não é conceito rítmico e sim, harmônico. Se houver um entendimento claro com relação à isso, sempre será possível uma mistura estimulante entre as várias tendências rítmicas, obedecendo sempre à um conceito estético que torne possível tais misturas. O “Forró Blues” é composto por uma frase rítmica ou “riff”, seguidos de dois “chorus” de doze compassos alternados de improvisos entre a guitarra e o acordeom, que traduz a sonoridade nordestina mais pura. Quando compus, tinha estes conceitos muito claros na minha cabeça.

2112. Você ouve outras coisas além do blues?   

Álvaro Assmar. Claro. Quando me tornei radialista em 1981, o meu horizonte musical se ampliou de forma surpreendente, pois era necessário ter a mente aberta para tudo que acontecia naqueles dias. Comecei na radiodifusão, produzindo e apresentando um programa de “jazz” e mais tarde me tornei coordenador artístico e programador musical. Tais atribuições, exigem do profissional uma atitude mais atenta quanto à demanda do público e os propósitos da emissora. Enfim, tudo é uma questão de “segmento” que se pretende atingir.

2112. Cara, tenho alguns bootlegs do mestre Buddy Guy fazendo jams com seus pupilos Eric Clapton, Jeff Beck e Stevie Ray Vaughan que é bom demais. Você gosta de participar de jams? 

Álvaro Assmar. Sim, desde que haja uma organização prévia. Tem que haver algum tipo de identificação de modo a proporcionar à audiência, algo agradável. Do contrário, seria um “tiroteio musical”, onde ninguém se entende, pela ausência de entendimento do que o blues significa, em termos de conceito de forma. Acho pouco provável que um músico de uma outra “escola”, conseguisse se sair bem numa “jam” com os nomes que você citou.

2112. Músicos mais jovens te procuram pedindo uma “palhinha”? 

Álvaro Assmar. Sempre! Pra mim, sempre é uma experiência enriquecedora, interagir com músicos de outras gerações mas nem sempre tudo é cem por cento. Alguns ainda não tem preparo suficiente para uma “palhinha”. Quando o músico tem algo a oferecer, tudo acontece de forma estimulante e enriquecedora.

2112. Mas voltando ao Cabo de Guerra o que realmente levou você a sair da banda e formar o Blues Anônimo?

Álvaro Assmar. Apenas a insatisfação musical quanto ao que fazíamos. Nada pessoal. Continuei ainda ajudando no que era possível, indicando um substituto e indo aos shows ajudar na mixagem e coisas assim. Apenas não queria atrapalhar o propósito da banda. Eu estava com outras ideias que não eram compatíveis aos objetivos do Cabo de Guerra.

2112. Houve divergências de idéias ou musicais?

Álvaro Assmar. Eu diria que, houve apenas uma divergência de caráter musical. Estava me sentindo fora da “vibe” deles. Isso acontece com qualquer artista.

2112. Existe registros dessas bandas em seus arquivos pessoais?

Álvaro Assmar. Sim. Lançamos um LP em 1992 e em 2009, fizemos alguns registros em meu estúdio, onde algumas das principais músicas foram gravadas e nunca lançadas oficialmente. Criei um perfil do Cabo de Guerra no Facebook, onde disponibilizei duas delas.

2112. Você nunca pensou em reunir essas bandas e registrar esses materiais como faz muitos músicos?

Álvaro Assmar. Tentamos reunir o grupo em 2009 mas acabou sendo inútil, pois cada um acabou enveredando por caminhos diferentes.

2112. Você é do tipo que acompanha a evolução da música através dos jornais, das revistas, da internet... ou como eu e tantos outros continua preso nos trabalhos clássicos do blues, do jazz, do hard, do prog produzido desde os anos 20 até o final dos anos 70 quando a música começou a retroceder em favor de um comercialismo barato que continua ativo até os dias de hoje?   

Álvaro Assmar. Sempre estou atento à evolução da música em termos gerais. O fato de ser radialista, acabou me facilitando o acompanhamento desse movimento. Nem tudo é evolução mas existe uma nova geração que tem coisas importantes a dizer. Em vários gêneros, é possível ver esta evolução. No meu caso, sou mais atento ao que acontece na esfera do blues, por conta de produzir a apresentar o programa semanal de rádio “EDUCADORA BLUES” desde abril de 2003, pela Rádio Educadora FM 107,5 Mhz, uma emissora do IRDEB (Governo Estadual da Bahia).

2112. Musicalmente falando pouco ou quase nada de original se produziu no anos 80 e os anos 90 foi época de reciclagem de muito do que se fez nos anos 60/70. Olhando o cenário atual o que você destacaria como interessante?

Álvaro Assmar. Em termos de blues, existe um grande número de excelentes artistas de várias partes do mundo, onde divulgo através do “Educadora Blues”. Nos demais gêneros, gosto muito da banda polonesa “Riverside” , da sueca “Work Of Art”, “Vintage Trouble” , “Black Country Communion”e “The Steel Woods”.

2112. Pessoalmente sou fissurado em Muddy Watters, Freddie King, Buddy Guy além do eterno Jimi Hendrix que deu ao blues uma nova dimensão e foi comparado por Guy a John Coltrane pelas inovações que trouxe ao gênero. Enfim, quais são as suas influências?  

Álvaro Assmar. Os Beatles me despertaram a vocação pela música. Isso aconteceu em 1964, onde eu tinha apenas 6 anos de idade. Na mesma época, conheci os trabalhos dos Yardbirds, Animals, Dave Clark Five, Rolling Stones e John Mayall. O movimento da Jovem Guarda também me trouxe informações essenciais ao meu crescimento musical. Quando eu conheci o trabalho de Jimi Hendrix e o Cream, já houve uma necessidade maior de buscar outras informações pertinentes à isso. Na minha infância, os garotos da minha geração pediam brinquedos aos seus pais. Eu pedia discos. Muito curioso para um garoto de 6 anos. Na década de 1970, descobri os supergrupos, como Black Sabbath, Led Zeppelin, Deep Purple, Pink Floyd, Yes, Emerson Lake & Palmer, Rush, Slade, Derek & The Dominos, The Allman Brothers Band e uma infinidade dos que eram destaque na época.

2112. Na época do Cabo de Guerra e dos Blues Anônimo vocês já compunham? Você aproveitou alguma dessas composições em sua carreira solo?

Álvaro Assmar. Não. Um ciclo havia se encerrado. Era preciso ir numa outra direção e foi o que fiz.

2112. Quais covers que nunca podem faltar nos shows senão o público reclama?

Álvaro Assmar. Atualmente, faço shows autorais para promover os 6 discos que lancei. Quando a circunstância é de show em bares ou restaurantes, toco alguns clássicos essenciais mas sempre com uma leitura particular. Não faço “covers”. Temas como “Statesboro Blues”, “Hoochie Coochie Man”, “You Got Me Running”, “Crossroads”, “Walking By Myself” e coisas do tipo. Às vezes, um colega aparece e quer participar. Os clássicos dão essa abertura de interagir com outros músicos.

2112. O que mudou no cenário desde que você começou até os dias de hoje? Houve alguma renovação em termos de bandas, músicos ou espaços para tocar?

Álvaro Assmar. Sempre existe alguma evolução mas existe um longo caminho a ser percorrido. Isso torna a música mais estimulante e a vontade de seguir em frente, é sempre o melhor caminho. Tudo está sempre em movimento.

2112. No final dos anos 90 você criou o Projeto Wednesday Blues que fazia intercâmbio levando músicos e bandas de blues para tocarem na Bahia. Como surgiu essa idéia e como foi a aceitação?

Álvaro Assmar. A ideia surgiu por conta de uma ausência total de iniciativas para levar o blues ao teatro e dar uma forma mais profissionalizada ao gênero, envolvendo emissoras de rádio, TV e jornais que estavam meio que alheios ao que eu tentei junto à minha esposa Gisa Oliveira. Foi uma nova experiência para nós, enquanto produtores, ainda meio que perdidos à tudo em torno da ideia. Fizemos durante 5 anos mais a ausência de patrocinadores acabou inviabilizando nossa iniciativa. Demos a oportunidade ao público de Salvador, assistir ao vivo, artistas como o Blues Etílicos, André Christovam, Solon Fishbone, Lancaster, Big Gilson, Danny Vincent, Beele Street, Blue Jeans, Jefferson Gonçalves e o americano Kenny Brown. Foi uma grande experiência e que serviu para o meu amadurecimento musical.

2112. Na sua opinião quem se destacou mais na opinião do público? 

Álvaro Assmar. O show mais esperado foi o do Blues Etílicos. André Christovam, Blue Jeans, Kenny Brown, Lancaster também foram muito bem recebidos pelo público e a TVE Canal 2 Bahia, registrou os shows entre 2000 e 2003 e até hoje exibe ocasionalmente

2112. Fale um pouco sobre o seu programa de rádio...

Álvaro Assmar. Está sendo uma experiência gratificante ao longo desses 14 anos e uma grande responsabilidade em proporcionar ao público, um conteúdo atualizado e na maior parte, exclusivo pois nem tudo é lançado no Brasil, devido à pobreza da indústria fonográfica, que aposta no “lixo musical” que vê na TV e se ouve no rádio. Tento fazer a minha parte, sempre proporcionando o meu melhor. O “Educadora Blues” é o programa de rádio voltado para o gênero, há mais tempo no ar. Acredito que a escolha dos conteúdos atualizados, foi o grande “gancho” para a longevidade do programa. Outras emissoras do país cometeram os mesmos erros, ao priorizar seus conteúdos em cima do que já aconteceu, se esquecendo da cena atual e de uma nova geração de artistas que tem algo a dizer! Tenho muito orgulho de ser um “recordista” em permanência no ar por tanto tempo. Em abril de 2018, o “Educadora Blues” completa 15 anos de existência. É um grande orgulho pra mim fazer parte disso. Seria legal que outras emissoras fizessem o mesmo.

2112. As bandas que desejarem enviar material para você tocar nos seus programas o que elas devem fazer? Existe um endereço específico para envio deste material?

Álvaro Assmar. Sempre recebo conteúdos através do meu Facebook e tenho o maior prazer em divulgar o que os meus colegas estão fazendo. Claro que nem todos os conteúdos tem um nível de exigência à altura do programa mas como eu disse antes, nada é cem por cento perfeito. O meu e-mail é alvaroassmar@gmail.com. Aqueles que quiserem entrar em contato para envio de material, terei o maior prazer em ouvir. Ouço tudo que me enviam.

2112. O blues é uma música tipicamente americana mas com os pés fincados nos lamentos africanos diga-se de passagem. Cantar blues em português descaracteriza um pouco o gênero ou isso é lenda de quem não gosta de cantar em português? Digo isso mencionando Celso Blues Boy que sempre cantou em português e era adorado por uma legião fiel de fãs que cantavam todas as músicas nos shows. Você acha que isso atrapalha ou ajuda no resultado final?    

Álvaro Assmar. Acho que não. Tudo depende da forma como a música se apresenta pra mim no momento da sua criação. A métrica poética em português é completamente diferente do inglês. No meu caso, músicas como “Rota Suicida”, “I Wanna See You Again”, “Crazy For You”, “Armadilha”e “When She Was Gone”, sempre são solicitadas e acabam ocasionando a venda de CDs e DVDs.

2112. O que te excita mais: palco ou estúdio?

Álvaro Assmar. Gosto de ambos. Cada um no seu momento. A oportunidade de interagir com o público é mais estimulante porque é preciso divertir as pessoas.

2112. Dos trabalhos que você lançou qual você destacaria como sendo o seu preferido ou o mais foda?

Álvaro Assmar. Geralmente no meu caso, gosto mais do álbum mais recente por traduzir a atualidade do meu momento musical. As canções mais antigas, já tomam um outro caráter em relação ao momento em que foram registradas no estúdio mas tudo é estimulante.

2112. Você se considera o pai do blues baiano ou você pouco se importa com isso?

Álvaro Assmar. Tenho muito orgulho em ser o pioneiro do gênero na Bahia e de ter lançado o primeiro disco de blues na minha terra. Gosto quando tenho reconhecimento do público pelo que realizei e ainda realizo. Espero oferecer um pouco mais.


2112. Para terminar, quero agradecer sua paciência e boa vontade em responder todas as perguntar e dizer que a casa é nossa e que o microfone é seu... pode fazer as considerações finais!

Álvaro Assmar. Em primeiro lugar, gostaria de agradecer a oportunidade de me pronunciar sobre meu trabalho e do seu interesse a respeito. Posso dizer que depois de 32 anos na música, sou um homem feliz por ter realizado o que realizei e que ainda realizo. Estou gravando um novo álbum para o segundo semestre de 2018 e que terá um tom comemorativo, por ser o ano em que completarei 60 anos de vida. O disco terá o título de “Family & Friends”. Em paralelo à isso, o escritor baiano João Paulo Barreto está escrevendo a minha biografia e que tem como título provisório “Álvaro Assmar, 60 Anos de Blues”. Será o ano em que o “EDUCADORA BLUES” completará 15 anos no ar e o ano em que completarei 20 anos de casamento com Gisa Oliveira. O ser humano precisa de pouco para se sentir feliz mas com tantas celebrações para 2018, só tenho a agradecer à Deus por ter me concedido tantas coisas boas pra guardar na memória. Espero ter saúde suficiente para realizar muito mais e tenho certeza que vontade não faltará. O meu filho caçula Eric Assmar está sendo responsável por esta continuidade, sendo atualmente um dos mais importantes guitarristas brasileiros. É uma grande alegria pra mim, ser contemplado por tanta coisa boa! Muito obrigado e um grande abraço à todos! Yeah!

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