O blog 2112 foi formado com intenção de divulgar as bandas clássicas de rock, prog, hard, jazz, punk, pop, heavy, reggae, eletrônico, country, folk, funk, blues, alternativo, ou seja o rock verdadeiro que embalou e ainda embala toda uma geração de aficcionados. Vários sons... uma só tribo!



segunda-feira, 8 de maio de 2023

Entrevista Thiago Valle

2112. Walking Alone foi lançado recentemente em single antecedendo o novo álbum Gypsy Tears II. Ele já está pronto ou ainda falta alguns ajustes finais?

Thiago. O álbum já está completamente finalizado. São ao todo 13 faixas. Walking Alone segue uma estética que gosto muito: timbres sujos e pesados costurados por um slide ao longo de toda a música. Gosto muito do momento final da música, com o vocal cantando junto ao solo, em um crescente bem marcante.

2112. A letra em inglês significa que você pretende lançar o álbum no mercado externo? Você está em contato com algum selo? 

Thiago. O disco tem várias influências distintas mas, a mais evidente, é o hard rock. Trata-se de um disco de hard rock. Escrevi boa parte das músicas do disco em inglês porque entendo que, dentro do hard rock, é assim que funciona melhor. Tem duas músicas do disco (Carcará e O Rio da Vida) que escrevi em português. Nessas duas faixas o português caiu como uma luva! De qualquer forma, pretendemos sim lançar esse material novo no mercado externo. Estamos em contato com alguns possíveis colaboradores.

2112. Os vocais de Walking Alone são seus? Quem mais participou das gravações? 

Thiago. Não, os vocais são todos de John Laporte, um grande vocalista de Belo Horizonte. Eu gravei umas demos de voz, por cima do instrumental que já tínhamos gravado, para assim direcionar o John sobre o que ele deveria fazer. A partir disso, ele gravou todos os vocais, inclusive criando várias nuances e melodias de voz. O disco foi todo gravado da seguinte forma:

-Thiago Valle: composições, arranjos, guitarras

-Arthur Luíz: baixo, bateria, produção musical

-John Laporte: vocal, backing vocal

Em uma das faixas, Carcará, há também uma gaita, que foi habilmente executada pelo gaitista Bruno Carvalho.

2112. Você poderia falar sobre o processo de criação das músicas, dos arranjos, da escolha do repertório, das gravações... etc?

Thiago. Com exceção de duas faixas, as músicas desse disco são músicas que carrego comigo há um bom tempo. Algumas já estavam com tudo pronto (arranjos, letras...), em outras faltava um verso ou outro. Walking Alone é uma música que escrevi em 2010. A primeira demo que fiz dessa música foi em 2012, com uma pegada diferente da atual, mas já com quase todos os arranjos que viriam a estar na versão final. Outras faixas são ainda mais antigas. Por exemplo, uma das faixas do disco, Angel of Sin, é um caso curioso. Compus o riff de abertura em 2004 (e agora, além de me sentir velho, passo a achar bizarro eu lembrar de todas essas datas). Depois, em 2006, fiz todo o resto da música, com exceção da letra. Essa música tem vários riffs, inclusive nas estrofes cantadas. Mantive essa música assim, sem letra, até um dia antes dela ser gravada para entrar no disco. Foi um rompante criativo que tive que aproveitar e virou uma de minhas faixas favoritas. Meu processo de criação não difere muito do processo da maioria. 10% de inspiração e 90% de transpiração. Normalmente estou tocando violão ou guitarra e percebo que saiu algo legal. A partir daí eu trabalho nisso e vou criando por cima. Crio então as linhas melódicas principais e escrevo a letra, seguindo o clima que a música passa. Os arranjos seguem o mesmo princípio, vou trabalhando nos pontos que acho que preciso “encher” mais e dando sentido ao vazio em outros pontos. É um jogo de balanço onde o silêncio também tem que falar. Quanto às duas faixas que mencionei logo no começo desse item: Tratam-se das músicas Carcará e Vuela Condor. Essas são as composições mais recentes do disco, foram totalmente compostas em 2022, ano de gravação do disco.

2112. Foi você mesmo quem fez todos os arranjos?

Thiago. Eu fiz todos os arranjos de guitarra. Quanto ao baixo e bateria, cheguei a dar algumas indicações do que eu queria, mas o grande mérito é do Arthur Luíz, que foi quem gravou esses instrumentos. O mesmo vale para o vocal. Eu gravei umas demos cantando as músicas, mas foi John Laporte quem soube interpretar isso e elevar ao máximo o nível do vocal, criando uma série de nuances e melodias para enriquecer o trabalho. Achei o resultado incrível.

2112. Como você trabalha as músicas em estúdio até chegar ao ponto que você deseja ou você já chega com tudo na cabeça?

Thiago. Isso depende. Eu nunca chego ao estúdio com “pouca coisa”. Sempre já tenho a estrutura da música já definida e boa parte dos arranjos. Em muitas das vezes já chego com tudo pronto na minha cabeça, pois já fiz várias demos na minha casa. A partir daí, vamos gravando as pistas de guitarra, as guias, solos, baixo, bateria e tudo mais. O vocal entra por último. Porém, acontece as vezes de mudarmos alguma coisa, pois concluímos que assim seria melhor. Nessa etapa, estamos apenas Arthur Luíz (produtor, baixista e baterista) e eu. Resolvemos então, por exemplo, diminuir certa estrofe, aumentar outra, dobrar o tempo do solo (ou diminuir pela metade) ... Tudo priorizando a música em si. Arthur é um excelente profissional, produziu o primeiro disco e trabalhamos muito bem juntos. Depois de todo o instrumental gravado, partimos para as gravações dos vocais com o John Laporte.

2112. As músicas do II serão todas cantadas ou terá alguns temas instrumentais também?

Thiago. Todas são cantadas, sem exceção.

2112. ... o álbum será lançado em todos os formatos: vinil, cd e cassete? E na parte gráfica teremos surpresas como no primeiro álbum? 

Thiago.  Certamente farei um material físico. Para o primeiro disco, fiz CD, revista em quadrinhos, livretos... Gosto muito disso, é um espaço que tenho para poder colocar meus desenhos e pinturas em prática. Farei uso disso também no segundo disco, acompanhado de vídeos. Estou desenvolvendo esse “kit gráfico” para esse novo disco e em breve faremos o lançamento.

2112. Thiago, como foi a aceitação do primeiro álbum? Ele correspondeu a suas expectativas? 

Thiago. Gostei muito, obtive muitas opiniões e críticas positivas. Foi minha primeira experiência em gravar e lançar disco, bem como a primeira experiência com plataformas digitais. É curioso saber que tenho fãs na Noruega e outros países tão distantes do meu, que ficaram sabendo do meu trabalho por conta dessas plataformas. 

2112. O que você tirou como lição da gravação do primeiro álbum e que não repetiu nesse segundo trabalho?

Thiago. São álbuns bem diferentes. O primeiro foi instrumental, o atual é cantado. Isso já muda bastante as coisas. Dediquei-me ao máximo em ambos. Como lição, do primeiro para o segundo, conduzi as coisa com mais leveza. Foi um processo muito prazeroso e enriquecedor.

2112. O primeiro álbum teve cópias vendidas no exterior? Como foi a aceitação?  

Thiago. Vendemos cópias físicas para o exterior, principalmente Europa e Japão. Lá ainda tem mercado para esse tipo de material. Pretendemos fazer o mesmo com esse segundo disco.

2112. Disco pronto na mão... você pretende montar uma banda ou mesmo manter os músicos que participou das gravações do álbum para fazer shows? Quais são os seus projetos? 

Thiago. Já começamos com as apresentações ao vivo. Fizemos alguns shows de pré-lançamento, em formato acústico, tocando ao vivo 11 das 13 faixas do disco. Foi ótimo, o público interagiu bastante com essas músicas autorais. Bruno Carvalho, que tocou gaita na faixa Carcará, participou dessas apresentações, tocando em todas as músicas, com gaita e flauta. Ficou excelente, mostrando um possível caminho de ele entrar definitivamente para a banda. Estamos ensaiando regularmente para as apresentações em formato elétrico, que ocorreram em breve.

2112. O nome Gypsy Tears continua sendo um projeto solo com a participação de outros músicos ou a partir de agora será uma banda? 

Thiago. Difícil dizer com certeza. Tudo indica que virou uma banda de fato. Deixa rolar.

2112. Qual o telefone/e-mail de contatos para shows e aquisição dos cds?

Thiago. Telefone: (31) 9 9151-3364

               Email: thiagobvalle@gmail.com

2112. ... o microfone é seu! 

Thiago. Gypsy Tears II é um disco de hard rock pesado, do começo ao fim. Riffs de guitarra, slide, solos bem colocados e vocal poderoso. Baixo gorduroso, bateria fincada e cheia de brilho. Um trabalho do qual me orgulho muito e fico feliz em saber que eu estava acompanhado de pessoas tão talentosas. Pessoas essas que, assim como eu, deram o máximo de si. Vamos pra cima!

Contatos:

Instagram:

Gypsy Tears: 

https://instagram.com/gypsytearsband?igshid=NTc4MTIwNjQ2YQ==

Thiago Valle:

https://instagram.com/thiagobvalle?igshid=NTc4MTIwNjQ2YQ==

Arthur Luiz:

https://instagram.com/arthurluizmf?igshid=NTc4MTIwNjQ2YQ==

John Laporte:

https://instagram.com/johnlaporteofficial?igshid=NTc4MTIwNjQ2YQ==

YouTube Thiago Valle: 

https://youtube.com/channel/UCCE_TWcRWdGT-suwkkVAecA

Link entrevista sobre o primeiro álbum:    

http://furia2112.blogspot.com/2021/11/entrevista-original-thiago-valle.html?m=1

 

segunda-feira, 1 de maio de 2023

Entrevista Gilmar Eitelwein

 

Fuguetti se foi... mas sua obra continua guardada no coração daqueles que o conheceram, vivenciaram a sua música e sua poesia. E Gilmar Eitelwein não era apenas mais um fã... era amigo e dono da única biografia sobre essa verdadeira lenda do rock brasileiro: Fughetti Luz, O Rock Gaúcho lançada em 1996.    

2112. Como você se tornou amigo e biógrafo de Fugheti Luz e o mais te impressionou ao conhecê-lo pessoalmente?

Gilmar. Eu era repórter da editoria de Geral do jornal Zero Hora, onde ingressei em abril de 1983, mas, desde 1978, quando cheguei em Porto Alegre vindo do interior (da cidade de Tenente Portela) já circulava pelo meio musical, tanto do rock como do regionalismo e da chamada música popular gaúcha (MPG). Eu sempre gostei de música e cheguei a cursar dois anos e meio de Licenciatura em Música pela UFRGS, no Instituto de Artes, curso que não concluí mas que serviu para embasar meus conhecimentos sobre o tema e que mais tarde me seriam de grande valia. Foi nesse período, entre 1982 e 1983, que eu conheci o pessoal da Bandaliera e comecei a frequentar os ensaios deles, na casa de um dos músicos, na zona norte da cidade. A Bandaliera tinha em seu repertório basicamente canções do Fughetti Luz, e ele aparecia nos ensaios. Foi ali que o conheci pessoalmente. Tivemos uma ligação imediata, ambos somos piscianos, temos um radar de alta sensitividade e nas primeiras conversas vimos que pensávamos da mesma maneira sobre vários temas, tínhamos sonhos e utopias em comum. Comecei a frequentar a casa dele e a partir daí nos tornamos grandes amigos. Me impressionou sua imagem, a de um sábio, meio ermitão, meio duende, um tanto de visionário e hippie remanescente de Woodstock, e sua história de superação da paralisia infantil, que o deixou com problemas em uma das pernas.

2112. Pelos depoimentos de Fugheti no livro dá para notar que ele era um grande contador de histórias, não?

Gilmar. Sim, o Fughetti era um bom contador de histórias (e também de estórias), como ele mesmo se auto definia, um ‘alto falante’. Falava bastante e gostava de conversar sobre vários temas. Era um crítico do sistema, da exploração do homem pelo homem, não dava bola pra questões materiais, gostava de reunir amigos, principalmente gente mais nova, a juventude da zona norte, do bairro Jardim Sabará, especialmente, onde ele residiu por cerca de 20 anos; de passar adiante suas canções e de escrever letras em seu caderno de anotações sempre próximo junto a cama, onde permanecia na maior parte do tempo. Tanto que ajudou a formar várias bandas, que levavam seu repertório adiante, principalmente a Bandaliera e Guerrilheiro Anti Nuclear. Também gostava de fazer um ‘rango’ pra servir aos amigos que iam visita-lo. Vale lembrar aqui que eu fui produtor da Bandaliera durante um bom tempo, entre 1987 e 1991, mais ou menos.

2112. ... a entrevista que fecha a biografia é uma lição de sobrevivência de quem aproveitou a vida a sua maneira. Isso de alguma maneira te influenciou?

Gilmar. Sim, ele se tornou um dos meus melhores amigos e de alguma maneira me influenciou em muitas coisas. A visão holística de um mundo onde a paz e o amor sejam predominantes, mais do que a corrida pelo dinheiro, onde alguns poucos se dão bem em detrimento de grande parcela da população; sua generosidade em partilhar objetos e conhecimento, uma certa timidez em se colocar em ambientes onde há muita gente reunida; o gosto pelas coisas simples da vida e o valor que precisamos dar a família e aos amigos; a capacidade de criar músicas simples, a partir de três acordes básicos, mas de grande profundidade poética. Seu radar e sensibilidade em detectar pessoas de má índole, caretas, covardes ou interesseiras entre os grupos e amigos por onde circulava e recebia em casa - quando alguém começava a falar em sucesso, carreira, ganhar grana, vender seu produto e coisas materiais, similares, ele cortava o papo, mandava uma resposta da lata do indivíduo e o limava das relações pra sempre. Assim, com o tempo, foi reduzindo seu leque de pessoas em quem confiava e gostava. Mais para o fim da vida, transformou-se num ‘solitário rocker’, como diz na música que abre seu primeiro disco.

2112. E como foi que surgiu a idéia de escrever o livro Fugheti Luz, O Rock Gaúcho?

Gilmar. Quando eu decidi fazer esse projeto eu já tinha saído da Zero Hora há três anos (foi em abril de 1992) e estava me dedicando a fazer um jornal mensal só de música chamado Rotação (nome tirado de uma das canções do Fughetti). Tinha criado um produtora chamada Tocha (nome também retirado de uma canção dele) e, além de produzir o jornal praticamente sozinho, uma empreitada inédita que, hoje, olhando pra trás vejo que não havia maneira de sustentar, não tinha pernas nem condições financeiras pra tocá-lo por muito tempo, eu fazia alguns ‘freelas’ em revistas pra sobreviver. Na época o mercado já era pequeno fora da grande mídia, e o jornal acabou durando apenas dois anos, de 1995 a 96. Foi nesse período que eu pensei em escrever a biografia dele junto de seu primeiro disco solo, que já saiu em formato de CD. Bolei um projeto de um até então inédito (por aqui) ‘songbook’ e inscrevi no Fumproarte, da prefeitura de Porto Alegre. O projeto foi aprovado. No lançamento, que fizemos com um raro show do Fugha no Opinião, em 1996. Na ocasião, Fughetti também recebeu o título de Cidadão Emérito de Porto Alegre, concedido pela Câmara dos Vereadores da capital. Foi o primeiro projeto do gênero feito em Porto Alegre, um livro e um CD juntos. Eu já havia pesquisado e escrito a história do rock de Porto Alegre para um fascículo lançado junto de um CD coletânea, bancado pela prefeitura da capital, que eu havia produzido em 1993. Esse projeto teve cinco fascículos lançados de uma dezena que estavam programados, para contar a história dos vários segmentos e estilos musicais existentes. O meu, sobre o rock, foi o primeiro a ser produzido. Me baseei naqueles dados que havia levantado da pesquisa sobre a história do rock em Porto Alegre para inserir a biografia do Fugha, e então escrever o livro. Quem me ajudou na produção musical do disco, fez os arranjos, a direção musical e escreveu as partituras que estão no livro, foi o Duca Leindecker. Repetimos a dupla em 2002, também via Fumproarte, para produzir o segundo disco (CD) do Fughetti, o Xeque Mate, gravado então no estúdio particular do Duca. Eu estava pronto pra produzir o terceiro disco dele, Tempo Feiticeiro (lançado em 2017), já havia aprovado o projeto na Lei Rouanet (lei federal de incentivo à cultura). Mas como havia dificuldade na captação de recursos e o Fughetti não queria esperar muito a produção foi entregue a outras pessoas, que fizeram uma vaquinha virtual para arrecadação dos custos da produção. O Marcelo Truda fez a direção musical, gravando o disco na própria casa do Fugha, em Tapes e depois masterizando e editando em seu estúdio.

2112. A início o que ele achou da idéia? Vocês conversaram muito de como deveria ser o livro, a construção dos textos, a capa, a escolha das fotos... Enfim como era o dia a dia antes do lançamento do livro?

Gilmar. Não teve muito segredo, eu sugeri e ele topou na hora. Éramos bons amigos, eu estava indo na casa dele com bastante frequência e criamos uma ‘liga’, uma identificação muito grande. O Fughetti sempre foi muito reservado com suas opiniões e ideias, não gostava de ficar falando sobre nenhum assunto em público, ou com muita gente perto. Ele só gostava de reuniões com mais pessoas quando era pra fazer um som e se divertir, contando histórias e rindo muito. Ele gostava de contar piadas, fazer ‘pegadinhas’ com os amigos e ria muito quando alguém criava alguma frase, algum ‘repente’, uma ‘pajada’ ou inventava alguns versos mais engraçados. Ele também era receoso de expor algumas idéias ou opiniões por conta da perseguição que sofrera no período da ditadura militar - vale lembrar que as bandas Liverpool e Bixo da Seda praticamente atravessaram o período mais duro da repressão, entre 1968 e 1976. Era bastante ‘cabreiro’ quando saíamos dar umas bandas pela cidade, ver algum show, ficava nervoso com a presença de policiais e sempre procurava encurtar caminhos, buscar atalhos pra ir a algum lugar. Na edição final do livro e do CD, ele não fez muitas observações, apenas ficou sentido pelo fato de não termos conseguido um piano melhor no estúdio da antiga Eger (usado na canção Homem que caminha nas calçadas) e não conseguimos reproduzir a ideia original que tínhamos, de, na capa de ambos, livro e CD, colocarmos apenas uma foto do quarto e da cama dele, com algumas partituras, voando. Até produzimos a foto, quem a fez e está na contracapa do CD foi o saudoso Rodrigo Baleia, que depois viria a ser fotografo do Greenpeace. Acabamos optando por uma foto produzida pela Dulce Helfer, minha amiga e ex-colega de Zero Hora, que colocou nele o sobretudo dela e o fotografou no muro da esquina da rua Alberto Pasqualini, próximo à casa onde ele morava, na parte debaixo de uma residência de dois pisos, onde havia um quintal com muitas árvores, uma pequena horta e algumas flores.

2112. Houve algum fato ou assunto que por algum motivo ele não quis que entrasse no livro? Afinal, todos temos direito a um pouco de privacidade, não é?

Gilmar. Sim, ele teve alguma reserva sobre o tema ‘drogas’, que abordamos na entrevista. Ele sempre foi muito cuidadoso com essa questão pois tinha consciência de que suas palavras seriam lidas e ouvidas por muita gente. Não queria que os mais jovens, principalmente, tivessem uma visão errada do como eles viveram e como enfrentaram a questão da liberdade de expressão e do consumo de drogas pela sua geração. É notório que ela, sua geração, se utilizou muito de maconha e de LSD, tanto para criar quanto para seus momentos de lazer e prazer, mas ele não queria abordar o tema com receio de que fosse mal interpretado. No fim das contas, ele resume essa questão na música que fez para o Guerrilheiro Anti Nuclear: “Droga é ver a floresta queimar / Droga é ver o governo mentir / Droga é a caretice / Que só faz tolice / Pro homem não evoluir / E ver que droga ele fez / Na drogaria e no bar”. E também na música Tocha, que está em seu primeiro CD: “Verdade / Quanta mentira em teu nome / Ignorância e fome / Guerras e religiões”.

2112. ... mesmo bebendo direto na fonte foi preciso recorrer a recortes de revistas, jornais, vídeos de entrevistas ou depoimento de amigos para finalizar o trabalho?

Gilmar. Sim, como falei acima, eu me servi de trechos que já havia pesquisado para o fascículo da História do Rock em Porto Alegre, que fiz para a prefeitura de Porto Alegre em 1993. Para aquele fascículo, eu havia entrevistado muita gente, pesquisado em vários locais e já tinha um bom histórico em mãos. Alguns trechos eu inseri na biografia, pra mostrar sua vivência naquele período. Afinal, o Fughetti faz parte das origens, dos primórdios do rock gaúcho. Até o surgimento do Liverpool, eram poucas as bandas que trabalhavam um repertório próprio, a maioria ainda eram melódicos e conjuntos de baile, que faziam ‘covers’ de sucessos nacionais e internacionais dos anos 50 e 60. Havia Os Cleans (que anos depois formariam o conjunto Impacto) e Os Brasas, que eram do Partenon, mas eram mais da jovem guarda, embora também já começassem a compor no final dos anos 60, de onde saiu o ‘guitarreiro’ Luis Vagner e o Franco (mais conhecido como empresário de duplas sertanejas famosas e também como pai dos três rapazes do KLB). Também, entrevistei parentes e amigos dele, na época, o Fughetti tinha apenas uma irmã viva, seu irmão mais velho havia morrido há muito tempo, assim como seus pais.

2112. Perguntei isso levando em conta que Rita Lee ao escrever a sua auto biografia precisou da ajuda de um fã para confirmar algumas passagens da sua vida. Fugheti era bom de memória?

Gilmar. Sim, ele tinha boa memória, mas, como disse acima, eu fiz uma ampla pesquisa sobre a história do rock gaúcho, que na verdade sempre ficou muito restrito a capital, embora alguns grupos da grande Porto Alegre e do interior (principalmente Pelotas, Rio Grande, Canoas e Caxias do Sul) tenham aparecido pra nós no início dos anos 70.

2112. O livro cobre uma grande lacuna na história do nosso rock levando em conta que são poucas as biografias de músicos e bandas brasileiras. Há projeto de relançamento visto que a obra está completamente esgotada e agora com a morte de Fugheti a procura será ainda muito maior, não é?

Gilmar. Sim, eu venho pensando há tempo em relançar essa biografia e o disco, que foi o primeiro solo do Fughetti. Muita gente me fala sobre isso. Ainda não consegui colocar o projeto no papel, mas tenho pensado em fazer um vaquinha virtual (crowfundig) pra arrecadar recursos e viabilizá-lo. Outra possibilidade é inscrever o projeto no Fundo de Apoio à Cultura (FAC). Minha ideia é fazer um ‘box’, uma caixa com o livro e um CD com uma seleção das 20 principais composições do Fugha, que foram registradas em seus três CDs solo. Antes de partir, na última vez que conversei com ele, por telefone, ele me autorizou a fazer o projeto, e sua filha única, a Shanti, também já se colocou à disposição pra ajudar. Espero poder tocar isso em frente, em breve. Um amigo nosso também sugeriu que em homenagem ao seu legado e a maneira como ele viveu eu propusesse um festival de rock pra novas bandas, em Tapes, local de sua última morada. É uma boa idéia pra se pensar.

2112. ... em caso de relançamento você pretende atualizar o texto incluindo os momentos finais do nosso querido Fugheti?

Gilmar. Sim, pretendo atualizar o texto e algumas informações contidas nele. Tem uma excelente entrevista feita pelo jornalista Juarez Fonseca, para o jornal Zero Hora, em 2017, quando do lançamento do seu último disco dele, o CD Tempo Feiticeiro. Tem também uma ótima reportagem feita pelo Cristiano Bastos para o Jornal do Comércio, em 2020. Essa matéria, inclusive, é ilustrada por algumas fotos que eu fiz na última vez em que estive na casa dele, em 2016. Queria muito poder visita-lo novamente, nos últimos meses. Infelizmente, não consegui.

2112. Qual a melhor lembrança que você guarda desse convívio com Fugheti?

Gilmar. A do homem, o ser humano, Marco Antônio de Figueiredo Luz, e do compositor Fughetti Luz. Era um cara emblemático, único, um ser raro por sua lucidez, solidariedade, generosidade e pensamento humanista. Além de um grande compositor, que nos legou canções incríveis, feitas da forma mais original que algum criador de rock já produziu no Brasil. Fughetti perseguiu muito isso, a formatação de uma linguagem original, brasileira, para o rock. Sabemos o quanto o rock tem de ‘importado’ da Inglaterra e dos Estados Unidos, o quanto o rock casou bem com a língua inglesa. Muitos consideram, inclusive, que os roqueiros brasileiros tiveram dificuldade em criar uma linguagem própria, nacional. Fughetti perseguiu isso e encontrou palavras e frases certas, no ritmo e tempo certos, no compasso e marcação do rock. E acho que conseguiu. Talvez, apenas Rita Lee tenha chegado próximo a ele nesse quesito, Raul Seixas também pode ser referido, em seu tempo, mas Raul não era apenas um roqueiro. Depois, nos anos 80, vimos o surgimento de grandes poetas do rock, Cazuza e Renato Russo podem ser citados como os principais. Mas Fughetti foi único ao criar termos e frases e usá-los perfeitamente, dentro da métrica. Veja e ouça, por exemplo, em Falta Pouco como ele encaixava as palavras na métrica e no ritmo do som: “Falta sempre um pouco pra dizer toda verdade / Falta mais um pouco na balança da igualdade / Falta um pouco mais / Na guerra e na paz / E mais um pouquinho / Pra ficar ligado / Falta novidade junto às pedras do caminho /Falta escancarar / Falta um pedaço / Falta todo mundo se flagrar que é sozinho / Falta pouco, muito pouco / Pra sacar que o vento faz mudar a correnteza / Desbaratinando o que é feio na beleza / Falta um segundo pra se chegar no futuro / Vamos colorir / E imaginar / Que um homem livre vai habitar o planeta / Que a juventude não vai dormir na sarjeta / Que a realidade não seja um pesadelo”.

2112. ... o microfone é seu!

Gilmar. Obrigado pela oportunidade desta entrevista e por poder trazer um pouco mais à luz o pensamento e a obra desse querido amigo e grande compositor. Na minha modesta opinião, o maior cantor de rock que já tivemos e um de seus maiores e mais originais poetas e criadores.

 

Entrevista dedicada a memória do grande Fughetti

 

Obs.: As fotos usadas pertencem a Dulce Helfer, outras do próprio Gilmar e outras não tinham o nome do autor. Qualquer coisa é só entrar em contato via retamero2112@gmail.com que eu faço as devidas correções.