A música de tempos em
tempos se recicla, se reinventa... e o progressivo tido como morto por muitos
depois do vendaval punk rock retornou melhor e mais forte com o surgimento de
novas bandas, novos trabalhos, vários eventos dedicados ao estilo. E o
Arcpelago apenas comprova este círculo evolutivo...
2112. O prog
brasileiro nos últimos anos deu uma guinada de 360° com o surgimento de um
número expressivo de novas bandas. Acredito que o movimento nunca esteve tão
forte como agora, não é?
Renato. Estou certo de que sim!! Novas bandas têm surgido e um bom número de
eventos têm ajudado a levantar novamente a bandeira do prog, como os shows
promovidos pela CCMP (Cena Carioca de Música Progressiva), o Carioca
ProgFestival (cuja primeira edição aconteceu nesse ano de 2018), o Totem Prog
(em São Paulo) e o Aldeia Rock Festival. O Arcpelago teve a felicidade de tocar
nesses eventos todos, dividindo o palco com artistas e bandas excelentes da
nova safra nacional, como Caravela Escarlate, Kaoll, Anxtron, Vitral, Luiz
Zamith, Únitri, Chronus, Kosmus etc. Durante um bom tempo, se queríamos ver um
show de prog brazuca aqui no Rio, as opções se resumiam ao Tempus Fugit, ao
Quaterna Réquiem e uma ou outra banda. Antes do Arcpelago, toquei com outra
banda prog, a Mind the Gap, mas, a despeito de muita dedicação à banda, tive
poucas oportunidades de tocar em público, o cenário era muito mais restrito.
Outra coisa legal é que, paulatinamente, observo uma renovação do público,
embora boa parte dele ainda se restrinja a prestigiar shows de bandas prog mais
famosas, como o Sagrado Coração da Terra ou bandas estrangeiras. É uma barreira
a ser transposta, mas com paciência, qualidade e boas estratégias de divulgação
(santa internet!!) a gente chega lá!!
2112. O retorno de
bandas lendárias como O Som Nosso de Cada Dia, Recordando o Vale das Maçãs, Ave
Sangria, Terreno Baldio etc reforça o que estamos conversando...
Ronaldo. Com certeza. Creio que estes grupos viram a movimentação em torno de
seus nomes com toda a aproximação que as redes sociais trouxeram e também com o
aquecimento do cenário com as novas bandas.
2112. A
Arcpelago é uma banda relativamente nova mas com músicos bem experientes. Como
surgiu a banda?
Ronaldo. Temos uma “pré-história”, digamos assim, que começou em 2011.
Mas a formação se estabilizou de fato em 2014. Eu e o Eduardo Marcolino
estávamos em franca atividade, cada um trabalhando com uma outra banda
paralelamente. O Jorge Carvalho tinha uma vivência com banda em sua época de
estudante (anos 80), chegou a tocar brevemente com o Catedral, e depois se
envolveu em projetos bastante esparsos; não estava tocando regularmente quando
o convidei. O Renato Navega também estava em um momento de inatividade, mas
tinha conseguido uma boa experiência com sua banda anterior (Mind the Gap), que
chegou a abrir o show do Focus no Canecão, no Rio. Eu e o Eduardo já tínhamos
discos gravados e um bom número de shows (pequenos) na bagagem. Então, ninguém
era exatamente um “novato”. A banda surgiu da minha vontade de tocar um som
orientado pela vertente progressiva, mas que fosse também amplo na abordagem.
Fui pesquisando e convidando um a um, até conseguir juntar essa turma boa.
Eduardo saiu da banda em 2016 e convidamos o Diogo Aratanha, nosso atual
guitarrista, que tocava com uma outra banda (Gypsyfolk) que dividiu o palco
conosco em uma ocasião no Rio.
2112. Ronaldo você é
remanescente de duas bandas lendárias: Massahara e Módulo Mil criou a Arcpelago
e ainda participa da Caravela Escarlate e o Terço Lado B. Como você mantém sua
agenda?
Ronaldo. É um desafio constante de conciliação de compromissos e de bastante
disciplina, para poder extrair o melhor proveito do tempo. As bandas não têm
uma atividade constante ao longo de todo o ano, então, isso ajuda a conciliar.
Não vivo exclusivamente de música e tenho outro trabalho regular nos dias
úteis. Fazemos cerca de 4 a 5 shows/ano e tento fazer com que os encontros nos
ensaios sejam aproveitados da melhor maneira possível. Muito trabalho é feito
em casa e de forma bastante fracionada (composições, arranjos, treinos). O
ritmo de produção, como é de se esperar, não é tão intenso mas primamos pela
qualidade. Creio que tem funcionado.
2112. 2014 foi um ano
chave para o Arcpelago com as primeiras apresentações e também a composição do
que seria o primeiro trabalho da banda. Foi um ano bem corrido, não?
Renato. Pra mim, pelo menos, foi, rsrs. Eu não tocava com bandas há um ano ou
mais e tive que dar uma “ralada” pra entrar nos eixos e me adequar à sonoridade
da banda. O primeiro show, nosso “rito de passagem”, rsrs, foi estimulante, eu
fiquei muito satisfeito tanto quanto à performance de todos, quanto à recepção
do público. Esse “feedback” facilitou as coisas, que já vinham num bom passo,
com ensaios regulares e muita dedicação de todos, dentro das possibilidades de
tempo de cada um.
2112. Simbiose é um
trabalho magnífico que resgata todo o sentimento prog esquecido no final dos
anos 70. Quais bandas influenciam o trabalho de vocês?
Ronaldo. A resposta mudaria se cada um respondesse esta pergunta e isso é muito
bom, reflete bem o conceito do grupo. As intersecções dos nossos gostos e
influências é o que dá coesão, mas a particularidade do que cada um traz como
influência individual é o que ajuda a dar singularidade ao nosso som. Da minha
parte, para o som do Arcpelago tenho como norte o som de bandas como o Focus,
ELP, Nektar, Atomic Rooster, Camel, Pink Floyd, Yes, Jethro Tull, Deep Purple,
Hatfield and the North, Caravan, Genesis, Veludo, Som Nosso de Cada Dia, O Terço.
2112. Falando em
década de 70 foi triste ver bandas do quilate do Yes, ELP, Genesis, Pink
Floyd... sucumbirem as fórmulas do mercado. Naquele momento era necessário essa
mudança? Qual a sua opinião?
Renato. Há diferentes explicações para guinada comercial dos dinossauros do
prog. A que mais ouvi teria relação com o cansaço de parte do público com
relação a um possível excesso de sofisticação nas composições, abrindo o
caminho para o punk rock, uma proposta de volta à simplicidade no rock, a qual
foi, na verdade, uma solução radical: três acordes tomando o lugar de
elaboradas sinfonias roqueiras. A indústria cultural, além disso, desenvolvia
suas estratégias de massificação, deixando pra trás uma certa ingenuidade
associada aos primórdios do prog rock. Cá entre nós, uma composição de 20 e
poucos minutos como "The Gates of Delirium" não seria exatamente a
mais apropriada para frequentar as “Top 10” das rádios e TVs... Pelo que ouço
dos amigos que viveram a década de 70 ouvindo rock progressivo, esse nunca foi
um estilo “midiático”, ainda que tivesse uma penetração muito maior do que
agora. Genesis e Rick Wakeman fizeram shows super comentados na época, embora
não tivessem o “status” de artistas muito populares. Acredito que essa era a
realidade fora daqui também, na Europa e Estados Unidos. Folheando revistas de
música da época, percebo que, aqui no Brasil, a despeito da obscura conjuntura
política, esse foi, em certo sentido, um momento democrático musicalmente, com
espaço para inúmeros artistas da MPB, como Milton Nascimento, Zé Ramalho e
Hermeto, bem como para roqueiros de todas as tribos, como King Crimson, Stones
e Nazareth. Acho que isso não volta, foi uma rara conjunção de
planetas... Mas, voltando à pergunta, acho que a guinada ao pop foi uma
tentativa legítima do ponto de vista comercial para essas bandas (pra pagar as
contas...), mas desastrosa artisticamente falando. Músicos como Al Stewart e
Elton John faziam música pop de qualidade, mas foi a isso que eles sempre se
propuseram, e o faziam com autenticidade. Não podemos dizer o mesmo dos
medalhões do progressivo. No final das contas, essas bandas “renovadas” não
agradaram nem o público antigo, nem os amantes do pop. O Genesis foi um caso à
parte, acabou conquistando um público diferente, mais adepto do pop, até porque
a banda foi se desvinculando cada vez mais do prog ao longo dos anos 80.
Radicalismos à parte, até gosto de algumas das composições pop do Yes, Camel e
do próprio Genesis, mas é frustrante compararmos trabalhos como o “90125” e
“Duke” com os grandes álbuns das fases progressivas do Yes e do Genesis.
2112. Voltando ao
Simbiose ele foi composto em 2014, gravado ao longo de 2015 e lançado em 2016.
Foi uma gestação bem tranquila, não?
Renato. Acho que sim. Na verdade, quando entrei na banda, em 2014, a maior parte
das composições já estava bem adiantada em termos de arranjos. Fomos ensaiando
e tocando ao vivo, polindo o material até nos sentirmos confiantes pra entrar
no estúdio. Acho que fomos bem focados quanto a isso, o que ajudou a acelerar
esse processo.
2112. E como foi a
gravação em estúdio? Vocês mesmo produziram?
Ronaldo. É um processo no qual naturalmente existe uma pressão, de si próprio,
dos companheiros, de quem tá na expectativa pelo material. Mas também é um
processo que representa um grande amadurecimento, tem toda uma riqueza
embutida. Para mim particularmente, é algo que amo fazer. Tudo correu bem, sem
grandes divergências, chegamos com tudo já bem decidido no estúdio. Não
dispusemos de uma estrutura muito sofisticada, mas que atendeu bem essa nossa
primeira aventura em estúdio. Foi produzido integralmente por nós e contou com
o apoio do selo Masque Records na prensagem do CD.
2112. Fica muito
complicado manter uma agenda de shows e gravações ao mesmo tempo?
Ronaldo. É bem complicado mesmo. Contudo, quando estávamos gravando não nos
abrimos muito para shows, para manter o foco na gravação. São duas energias
distintas; a gravação exige um nível de detalhamento musical maior, mais
aprofundamento e concentração. A preparação para um show tem outras energias
envolvidas e também suas próprias preocupações.
2112. Os
arranjos são feitos em conjunto?
Renato. De modo geral, sim. Não acompanhei a gestação de algumas das músicas do
“Simbiose”, mas posso afirmar que é um trabalho coletivo. Às vezes a música vem
mais pronta, com todas as partes, às vezes é concebida de modo mais
colaborativo, cada um vai colocando naturalmente suas ideias e influências ali.
De certa forma, influenciamos um ao outro, o que acho essencial em uma banda. É
legal quando ela é mais do que a soma aritmética das partes... Claro, o
compositor frequentemente sugere como ele quer que soe certa parte, que tipo de
clima ou de levada ele quer, mas você é que vai desenvolvê-los a partir desse
"esboço". E, no meio disso tudo, vejo o Ronaldo Rodrigues como um
maestro, o cara que busca “dar liga” à banda como um todo, atentando pra
diferentes e sutis detalhes no arranjo de todos os instrumentos. Ele é muito
bom nisso, entre outras qualidades!!
2112. A complexidade
das letras e do próprio som progressivo foge do esquema natural do rock'n'roll:
carros, mulheres, bebedeira etc. O que mais influência vocês na hora de compor?
Ronaldo. Acho que a vivência do dia-a-dia é o maior combustível. Nada pode
superar a base que obtemos com as nossas experiências enquanto ser humano e
como a gente lida com o que nos acontece ou acontece ao nosso redor. Por isso
que compositores que compõe 10 músicas românticas em um disco de 10 faixas são
tão falsos e vazios. E o dia-a-dia traz de tudo – futilidade, bons e maus
sentimentos, prazeres e desprazeres...tudo pode ser assunto. Compor sobre
coisas mais profundas não significa que eu não goste das demais que você citou
ok?! (risos).
2112. A literatura
ajuda bastante, não?
Ronaldo. Sim. Gostaria até de ter mais tempo pra literatura, especificamente pra
poesia, que é o que mais gosto. Romance não é muito a minha – a quase obrigação
de haver um conflito a se resolver não me cativa muito. Contudo, o
dia-a-dia me expõe a necessidade de muita leitura técnica e científica. Além
disso leio muita notícia, crítica de cinema e de música. Todo esse mar de
palavras ajuda na hora de escrever. A música “Cidade Solar” teve seu nome
inspirado em um artigo do jornal O Globo, por exemplo.
2112. Todo criador é
um perfeccionista... Ouvindo hoje o trabalho pronto tem algo que você gostaria
de mudar mas que na época não deu para ser feito?
Renato. Olha, como já disse alguém, o compositor não conclui uma obra, ele
desiste dela, rsrs. Observando os diferentes shows, acho que dá pra perceber
diferentes nuances nas composições, há sempre uma busca por aprimoramento aqui
e ali e as músicas, de certa forma, têm vida própria, seguem seus próprios caprichos...
Eu mesmo, se pudesse, regravaria tudo de novo!! Minha pegada e técnica são
diferentes atualmente, toco com mais pressão e precisão. Então sinto um pouco
de falta disso no CD, ainda que eu esteja satisfeito com o resultado, na medida
que o CD é o registro de um momento. Tudo está em constante mutação e, como
músicos, certamente temos nossas “fases”, buscando coisas diferentes a cada
momento. Acho que essa é nossa essência, eternos insatisfeitos... rsrs
2112. Simbiose teve
uma ótima aceitação aqui no Brasil. E no exterior a repercussão?
Ronaldo. Teve uma repercussão um pouco mais tímida em termos de quantidade de
resenhas escritas, mas todas foram bastante positivas. O trabalho de
aproximação com a crítica musical no exterior é algo que eu venho construindo
paulatinamente. Com certeza, nosso próximo trabalho chegará nas mãos de mais
críticos e veículos especializados no exterior.
2112. Já pintou algum
convite para tocar fora do país?
Ronaldo. Ainda não, mas também depende muito de um trabalho de médio
prazo de aproximação, de construção de relacionamentos. Em uma época de tantas
relações voláteis, construir uma proximidade mais isenta e duradoura é bem
difícil, mas... o que não é difícil neste meio?
2112. Vocês agora
estão em meio a composição do novo trabalho da banda. O processo já está bem
adiantado?
Renato. Esse é um processo longo, envolvendo várias
fases. É claro que estamos tentando agilizá-lo, mas como todos têm seus
afazeres fora da banda, isso não é tão fácil. De qualquer forma, já temos duas
composições novas, já inclusive testadas ao vivo, com ótima recepção do
público, e acho que nesse ano de 2019 daremos uma acelerada nesse processo, já
que temos composições de todos os integrantes da banda sendo trabalhadas nos
seus estágios iniciais. O que me parece é que vai ser um álbum diferente do
“Simbiose”, porém mantendo nossa “vibe” progressiva. Quando entrei para a
banda, em 2014, percebi de cara que ela tinha uma identidade, uma “sonoridade
Arcpelago”, com um toque setentista acentuado, porém com um diferencial, uma
marca da banda. Ouvimos MUITA música e, por isso mesmo, temos influências das
mais diversas, um caldeirão que vai do psicodélico, MPB, rock progressivo
(claro, rsrs) até o jazz e a música erudita e, de fato, acho que essas influências
- em maior ou menor grau – estiveram presentes no Simbiose e estão alinhavando
as composições novas. Acho que estamos evoluindo como músicos e, melhor, como
banda e buscando alçar vôos maiores. Além do baixo expressivo do Jorge
Carvalho, dos teclados super viajantes do Ronaldo Rodrigues e da minha bateria
com toques jazzísticos, já presentes no “Simbiose”, tenho que destacar a
contribuição certeira do novo guitarrista Diogo Aratanha, trazendo suas
influências de Hendrix. Pelo que já ouvi até agora, arrisco dizer que o próximo
CD será tão bom ou melhor do que o Simbiose!!
2112. O que os fãs da
banda e do próprio prog podem esperar deste novo trabalho?
Ronaldo. Um trabalho bastante variado, que vai intensificar a visão musical já
presente no Simbiose e abrir alguns novos caminhos dentre dessa trajetória
progressiva. Vai mostrar a gente com a mesma postura, que busca um tanto de
ousadia e outro tanto de pretensão, mas sempre com o objetivo nobre de fazer
uma música de qualidade, que se comunique com as pessoas.
2112. O material já
está sendo testado nos shows?
Ronaldo. Sim, como o Renato disse, já temos material novo sendo mostrado
ao vivo e a recepção tem sido calorosa.
2112. Você já tem
data marcada ou previsão de quando entram em estúdio?
Renato. Ainda não, mas torço que seja lá pelo final de 2019!! Estou animado com
as novas composições e não vejo a hora de entrar no estúdio para
gravá-las!!
2112. O microfone é
de vocês...
Ronaldo. A palavra final é de gratidão pela iniciativa do Fúria 2112 em promover
estas entrevistas e divulgações, mesmo enfrentando os boicotes dos leões da Big
Data... É um trabalho de divulgação mas principalmente de registros das ideias
destas pessoas que tem feito música, feito rock no Brasil. Isso tem um valor
enorme e é uma lacuna que o 2112 tem preenchido. Já li várias entrevistas e
gosto bastante! Vida longa!
2112. Muitíssimo obrigado, mas eu só retribuo o que eu recebo do trabalho de
vocês: música de qualidade!
Próxima entrevista
Masmorra 10/12
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