Mais uma
entrevista histórica... desta vez com uma das grandes lendas do prog rock brasileiro:
Terreno Baldio. A banda é uma das grandes sobreviventes da década de 70, lançou
dois álbuns maravilhosos e mantém uma carreira íntegra que com a ajuda dos fãs e
admiradores manteve-se vivos mesmo quando a banda se ausentou dos palcos por um
certo tempo. Espero que gostem...
2112. O Terreno
Baldio é uma das bandas mais importantes da história do rock brasileiro. O que
muitos talvez não saibam é que a sua história remonta ao início dos anos 60
quando você (teclado) e outros amigos de escola como João Kurk (vocais e
flauta), Gerson Abbate (vocais e guitarra), Paolo Battaglia (vocais e baixo),
Léo Suzuki (vocais e guitarra solo) e Joaquim Correia (bateria) formaram o
grupo The Islanders. Como surgiu a idéia de formação da banda?
Roberto
Lazzarini. Estávamos na idade de 14 anos mais ou
menos. Éramos amigos de bairro e naquela época os conjuntos tocavam em
bailes e domingueiras. O grupo se formou com a intenção de tocar somente pelo
prazer, estávamos começando a aprender música e alucinados com as
possibilidades. Queríamos um grupo diferenciado dos que faziam as domingueiras,
mas como não sabíamos compor ainda, tirávamos músicas de bandas que não estavam
tanto na mídia, como Kinks, Animals, Guess Who, Procol Harum e outros mais.
Começamos a descobrir sons e possibilidades.
2112. Segundo uma
entrevista de Kurk a banda tocava covers de Beatles, Steppenwolf, Procol Harum,
Johnny Rivers, Cream... e nos bailinhos rolava Bee Gees para o povo dançar
coladinho. Em algum momento vocês pensaram em criar um repertório próprio?
Roberto
Lazzarini. Naquela época ainda não pensávamos em
repertório autoral, pois começamos a fazer sucesso no circuito de bailes e só
pensávamos em ser diferentes dos demais, o que nos levou a um repertório
diferenciado.
2112. Existe
alguma gravação deste período?
Roberto Lazzarini. Não.
2112. O The
Islanders durou de 1966 a 1971 quando encerrou carreira. O que levou vocês a
acabarem com a banda?
Roberto
Lazzarini. Fui convidado a ser o diretor musical de um
cantor chamado Pete Dunaway, que era brasileiro e estava nas paradas de sucesso
cantando em inglês como se fosse gringo. Aí pintou uma turnée com a Ducal
(roupas) que unia modelos fashion ao show do Pete. Nesta banda o guitarrista
era o Mozart e o baixista era o João Ascenção, e o Fábio Junior era o vocalista
(kkk) todos jovens e tomados por música. Daí surgiu a idéia de formarmos uma
banda de Rock autoral. Éramos fixados em álbuns das bandas com um tema central,
uma estória. Então juntei o Kurk e o Joaquim com o Mozart e João e começou aí o
Terreno, com composição coletiva a partir de temas que cada um levava.
2112. Em 1971
Kurk forma o Utopia com o músico Egídio Conde. Você sabe dizer que tipo de som
eles faziam e porque o projeto durou tão pouco?
Roberto
Lazzarini. Grande e saudoso Egídio Conde. Na época não
se falava em Rock progressivo. Era só Rock, só que a gente era muito
influenciado pelas bandas que tinham o som mais elaborado.
O Utopia foi um desses projetos. Realmente não durou, não sei o porquê,
logo em seguida começamos a ensaiar o Terreno aí já com idéias de músicas
autorais
2112. As mortes
de Jimi Hendrix, Janis Joplin, Duanne Alman, Jim Morrison... deixou claro
que o rock fechava um ciclo com o fim da Era de Aquárius e uma nova porta se
abria com os anos 70. Como foi montar a banda em meio a todas essas transformações
culturais e porque não dizer também ruptura musical?
Roberto
Lazzarini. As mortes, principalmente a do Jimi foi um
grande choque para todos, um baque na juventude da época e também para nós.
Acredito que o rock nunca se fechou e sempre continuou, porém morreram ícones
da juventude Woodstock.
2112. Vejo que
foi uma grande mudança quando vocês deixam de ser uma mera banda de covers para
se tornarem um dos pilares do prog rock mundial. Como se deu essa metamorfose?
Foi um grande desafio...
Roberto
Lazzarini. Estávamos tomados pela música. Aí já
começamos a ter muitas influências do Gentle Giant, Yes, Genesis, King Crimson,
Deep Purple, etc. Começamos a experimentar e sentimos que as composições
rolavam bem. Daí ninguém parava mais de tocar e compor, foi uma alucinação
grupal.
2112. Vocês
juntamente com o Som Nosso de Cada Dia, Casa das Máquinas, Mutantes, A Bolha,
Módulo 1000, Veludo, Vímana etc; faziam a linha de frente do prog brazuca. Como
era o cenário naquela época?
Roberto
Lazzarini. Era muito fértil. Todos faziam shows e sempre
lotavam as casas e as diferenças de estilo não nos causavam estranheza. Não
havia rivalidade, todos se curtiam e tinham espaço para mostrar o trabalho e o
povo sempre vinha.
2112. Mesmo com
toda a perseguição da censura a MPB e o brega disputavam a tapa o espaço nas
rádios. E para bandas como vocês era muito difícil conseguir incluir suas
músicas nas programações das rádios?
Roberto
Lazzarini. Corríamos em raias separadas. O rock não
tinha espaço fácil nas rádios. O que fazíamos eram shows e tiveram algumas
gravadoras que investiram na gravação de discos contratando algumas bandas de
rock que se destacavam.
2112. Vocês
deviam ouvir muito aquele papo de que a música do Terreno Baldio não tinha
apelo comercial e por isso não era incluída nas programações. Devia ser muito
frustrante...
Roberto
Lazzarini. Sempre ouvimos esta conversa, afinal, frente
ao que as rádios tocavam nossa música era mesmo diferenciada. Mas apesar deste
julgamento não tínhamos a menor intenção de transformar nossas músicas no
estereótipo da mídia da época. Ou seja, não queríamos ser comerciais, queríamos
fazer a música em que acreditávamos e nos dava prazer.
2112. Mas embora
a mídia e uma parcela do público não desse a merecida atenção ao trabalho
de vocês uma outra parcela em compensação lotava os shows e comprava os discos
não é?
Roberto
Lazzarini. Os shows sempre foram lotados desde o
primeiro e os discos vendiam bem proporcionalmente. Para nossa surpresa o
pessoal logo começou a cantar junto e a conhecer o trabalho, o que nos dava uma
garra muito grande para seguir fazendo o que acreditávamos
2112. Eu vejo que
o rock progressivo ao absorver diversos estilos musicais confundiu a cabeça das
pessoas acostumadas com a batida do rock’n’roll e do próprio blues que dominou
o cenário musical nos anos 60. Um exemplo: o prog traz elementos da música
clássica mas nunca foi aceito pelos puristas da música erudita como também não
foi aceito por muitos roqueiros que não via no movimento elementos do próprio
rock’n’roll. Como vocês ficavam no meio desse tiroteio?
Roberto
Lazzarini. Eu estudava piano erudito e queria aplicar o
som sinfônico com o rock. Com o tempo fomos influenciando um ao outro e depois
que ouvimos as bandas prog da época sentimos que era esse o caminho. Não tínhamos
escrúpulos para misturar sons e começamos a perceber que estava dando muito
certo para o nosso prazer. Acho que rock prog com música erudita e até
sinfonica tem tudo a ver.
2112. Como você definiria o som da banda?
Roberto
Lazzarini. Poliharmonico, polirritmico e
contrapontistico e rock. Não tenho uma definição em uma só palavra. O
estilo também foi se alterando com o tempo, mas sempre fizemos questão de não
perder o foco nem a unidade.
2112. O grupo
surgiu praticamente no começo do movimento o que dá a vocês o título de um dos
pioneiros do prog brazuca. Neste período de tantas mudanças quais bandas mais
influenciavam vocês?
Roberto
Lazzarini. Como disse acima, Giant, Yes, Genesis, Procol
Harum, King Crimson, Deep Purple, Hendrix, Cream, Zappa, etc
2112. Vocês
também tiveram problemas com a censura durante a ditadura?
Roberto
Lazzarini. Não
2112. Hoje virou
“fato corriqueiro” uma banda gravar um cd sem ao menos amadurecer o seu som.
Vocês levaram um bom tempo até gravarem o primeiro trabalho. Era muito difícil
conseguir contrato com gravadoras?
Roberto
Lazzarini. Nunca fizemos isso. Só entramos em estúdio
com o som super amadurecido, enxuto e ensaiado. No nosso caso não foi difícil
conseguirmos o primeiro contrato (1974). O produtor italiano Cesare Benvenutti
que morava no Brasil viu um show e nos chamou para gravar nosso primeiro disco.
2112. O progressivo é um estilo musical
que sempre precisou de mais tempo em estúdio que os demais estilos. Havia muita
cobrança por parte da gravadora em relação a isso? Que lembranças você tem das
gravações?
Roberto
Lazzarini. O progressivo é um som
que exige técnica e conhecimento musicais, portanto sempre levava um pouco mais
de tempo para gravar, mas nunca fomos pressionados em estúdio. Gravamos
tranquilamente e com liberdade (esse era nosso acordo para assinarmos o
contrato). O primeiro disco foi gravado em 4 canais , era tudo meio ao vivo e
normalmente não fazíamos emendas.
2112. Na época o disco teve uma tiragem
de três mil cópias pelo selo Pirata. O trabalho teve uma boa aceitação?
Roberto
Lazzarini. Sim, tanto que o Cesare
nos chamou para fazer um segundo (Além das Lendas Brasileiras) agora pela
Continental. A Pirata era uma gravadora do Aurino Araújo, irmão do Eduardo
Araújo e o Cesare tinha carta branca.
2112. Como foram os shows de lançamento
do disco?
Roberto
Lazzarini. Todos lotados e com
intensa participação da moçada que através dos discos decoravam as músicas. A
música Pássaro Azul chegou a tocar um pouco nas rádios comerciais.
2112. No ano seguinte vocês
participaram do Festival Banana Progressiva com a nata do movimento prog. O
festival na sua opinião foi o ápice do movimento no país? O que mais te chamou
a atenção.
Roberto
Lazzarini. O Banana foi um festival
arrojado, com grupos de São Paulo e Rio. Na época não tínhamos o jargão
Progressivo. Para nós era só rock, mas já se delineava o estilo prog pela
própria tendência da época. Foi produzido pelo Fernando Tibiriçá que era nosso empresário
juntamente com o Som Nosso e os Dzi Croquetes que era um embrião das
Frenéticas. Foi considerado realmente um ápice, foi muito organizado, artístico
e teve grande público
2112. Na
época o disco teve uma tiragem de três mil cópias pelo selo Pirata. O trabalho
teve uma boa aceitação? Soube que o trabalho extraviou inviabilizando novas
prensagens. O que de fato aconteceu?
Roberto
Lazzarini. Sim, teve muito boa aceitação mas a gravadora
fechou e com ela perdeu-se nossa fita master. Mas com a tecnologia da
masterização isto acabou não nos afetando muito.
2112. Em 1976
João Ascenção sai da banda sendo substituído por Rodolfo Braga do grupo Joelho
de Porco. O que levou ele deixar a banda?
Roberto
Lazzarini. Problemas pessoais, conforme disse na época.
Nada musical.
2112. O segundo
álbum “Além das Lendas Brasileiras” inovou ao trazer elementos musicais
brasileiros além de evocar figuras do nosso folclore. A intenção era criar um
prog com conotações musicais brasileiros?
Roberto
Lazzarini. A intenção era essa sim. Abrasileirar o
progressivo. Gravamos num estúdio de 16 canais. A gente gostava de prog e de música
brasileira também. Quanto aos temas folclóricos, as lendas, foram objeto de
estudo desde que eu era pequeno. Estas lendas já eram vividas por nós.
2112. Neste álbum vocês incluem Passaredo de Chico Buarque e Francis Hime que
tinha como tema a preservação da natureza. Afinal, de quem foi a idéia de
gravá-la?
Roberto
Lazzarini. Minha!
2112. Você sabe
dizer se o Chico ou Francis ouviram a gravação de vocês?
Roberto
Lazzarini. Não sei se ouviram não, mas autorizaram a
gravação.
2112. Confesso
que o arranjo ficou super bacana... melhor que a original, diga-se de passagem!
Roberto
Lazzarini. Que bom. Eu também gosto muito. Era
exatamente a onda que o Terreno tava a fim de fazer, um álbum místico e
ecológico.
2112. A banda
encerra carreira em 1979 ano em que muitas bandas progs mudaram sua direção
musical para sobreviver após a passagem do furacão punk rock. Esse foi um dos
motivos ou não havia mesmo mais condições de continuar como banda?
Roberto
Lazzarini. Quando o Rodolfo saiu, o Mozart que era seu
cunhado resolveu parar também. Aí continuamos com outra formações mas não tinha
mais o mesmo espírito, aí resolvemos dar um tempo.
2112. Li num
artigo que vocês são considerados o Gentle Giant brasileiro. Esse tipo de
comentário incomoda ou serve como um elogio?
Roberto
Lazzarini. Pra mim é um elogio porque considero o Giant
uma super banda e não negamos a influência, porém nunca copiamos, só fomos
muito influenciados.
2112. Mesmo após
o fim da banda vocês mantinham contato?
Roberto
Lazzarini. Sim, sempre mantivemos contato, pelo menos
eu, o Mozart e o Kurk.
2112. E você
continuou na carreira musical?
Roberto
Lazzarini. Sim, fazendo arranjos e
produzindo discos. Trabalhei com Sá e Guarabyra, Falamansa (produção), Fábio
Junior, Bibi Ferreira, etc. depois trabalhei como criador na TV Record e
até hoje faço trilhas para a televisão.
2112. Em 1993
vocês voltam a se reunir em estúdio para regravar o primeiro trabalho da banda
em inglês. Como surgiu a idéia desse projeto?
Roberto
Lazzarini. O selo Progressive Rock quis regravar o
primeiro disco e aproveitamos para gravar também em inglês com versões feitas
pelo André Christóvão
2112. Em algum
momento dessa reunião vocês pensaram em continuar como banda?
Roberto
Lazzarini. Sim, neste momento resolvemos voltar a fazer
shows e fizemos Centro Cultural São Paulo, Britânia e outros
2112. Após anos e
anos de espera o primeiro trabalho de vocês é enfim lançado em cd com o som
remasterizado na Itália pelo produtor original dos dois álbuns da banda: Cesare
Benvenuti. O disco era um verdadeiro ítem de colecionador, não é mesmo?
Roberto Lazzarini. Ao que me consta se tornou sim peça de coleção. Os vinis estão sendo
vendidos bem caros na praça e tem colecionadores fanáticos.
2112. Existe
projeto de relançar o Além das Lendas Brasileiras também em cd?
Roberto
Lazzarini. Sim, com o Roberto Oka que é o nosso
empresário no momento.
2112. O sucesso
do Festival Totem Prog apenas comprovou que as bandas daquela época estavam
certos e a crítica mais uma vez equivocada...
Roberto
Lazzarini. A crítica não deve ser o norte de um trabalho
criativo, apenas opina sobre o que já está feito e não cria nada. No Totem
tivemos a oportunidade de ouvir e conviver com velhos lobos do rock com muita
gente nova. Tem bandas novas de prog muito boas. Acho que o Totem é muito
importante para juntar e divulgar as bandas deste estilo que estão cada vez
mais em evidencia
2112. O que vocês
sentiram diante daquele público ensandecido que na sua maioria nem era nascido
quando vocês surgiram?
Roberto
Lazzarini. Pura emoção. É muito gratificante ver que o
trabalho é reconhecido pelos mais jovens. Isso é tudo que um músico deseja.
2112. A morte de
Kurk deixou uma grande lacuna na história do rock brasileiro e na própria
banda... afinal ele era vocalista, compositor e instrumentista. A sua morte
coloca um ponto final na trajetória da banda ou já existe projetos de novos
shows e novas gravações?
Roberto
Lazzarini. O Kurk foi uma grandiosíssima perda, irmão de
batalhas e grande amigo. Não é ponto final, é recomeço. Com a entrada do Roger
Troyjo o Terreno ganha sangue novo e estamos gravando uma nova música. Outras
virão com a colaboração do Edson Ghilardi, o Geraldo Vieira, o Cassio Poleto e
é claro do Mozart Mello. Esta é a nova formação da banda e um time de
virtuoses.
2112. Dá para adiantar alguma coisa?
Roberto
Lazzarini. Sim. A música se chama Indignação, daqui a
pouco vão ouvir.
2112. Confesso que foi um prazer muito grande entrevistar uma das maiores
lendas do prog rock brasileiro. O microfone é seu...
Roberto
Lazzarini. Estou muito feliz e renovado com esta
formação do Terreno. Se Deus quiser vamos continuar a compor novas músicas e
contribuir com o que pudermos para a música que é nossa grande mãe e
companheira. Como diz na Letra da música Indignação: " A música é a nossa
união!"
Dedico esta
entrevista à memória da lenda João Kurk...
e também dar as boas-vindas a Roger Troyjo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário