2112. Você cresceu num ambiente de ensaios, gravações e turnês do seu pai. O que mais te marcou e o que ficou como ensinamento?
Bianca. A primeira coisa foi a
imensa generosidade que o meu pai teve ao nos incluir (a mim e ao meu irmão,
Alexandre), em sua música, seus palcos, seu público. Em seguida, foi ter
podido crescer em um ambiente aonde a música fazia parte da vida e da existência
familiar; podendo experimentar o fazer musical (estudo, ensaio, turnês) com
pessoas com as quais eu tenho um laço e uma confiança muito grandes; além de
ter tido a convivência, desde nova, com um público extremamente devoto da
música. Isso tudo determinou a minha maneira de acreditar na vida e na arte
como elementos profundamente necessários e integrados.
2112. Entre os músicos que você
conviveu qual deles mais te influenciou?
Bianca. Dentre os músicos que tive o privilégio de conviver, não há dúvida que o que mais me ensinou (e influenciou) foi o meu pai, Egberto Gismonti.
2112. Além do piano que outros instrumentos você toca?
Bianca. Além do piano, eu apenas me
dediquei (dedico) ao estudo vocal.
2112. Aos nove anos você começou
seus estudos de piano, com quinze passou a tocar com seu pai e com dezoito fez
bacharelado em piano pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Foi tudo
muito rápido, não?
Bianca. Como nasci em uma família aonde a arte era parte integrante do dia a dia, eu diria que o caminho musical foi cotidiano e extremamente natural.
2112. Egberto é muito exigente durante os ensaios, shows e gravações?
Bianca. Sim, meu pai sempre buscou a
união da inspiração/naturalidade com o estudo/seriedade. Assim como ele lida
com a música com muita dedicação e devoção, ele também nos ensinou (a mim e ao
meu irmão, Alexandre), da mesma forma.
Bianca. Olha, são 70 discos e cada um deles representa, claramente, a vida que ele estava descobrindo em cada momento. Eu indicaria todos, mas, se tivesse que escolher alguns: "Trem Capira" (1985), "Dança das cabeças" (1977), "Circense" (1980), "Mágico" (1980), "Alma" (1987), "Infância" (1991) e "Meeting Point" (1997).
2112. A cantora Maria Rita apesar do seu talento quase sempre é mencionada como a filha da Elis Regina. Você também já passou por esse tipo de situação? Isso te alguma forma te constrange?
Bianca. O meu pai teve a imensa sabedoria e generosidade de nos incluir na sua música (a mim e ao meu irmão) quando éramos muito jovens. Como tivemos (e temos) a proximidade pessoal (e musical) dele, sempre considerei uma grande bênção ser sua filha e poder seguir aprendendo.
2112. Entre os zilhões de álbuns que já ouviu quais foram fundamentais na sua formação como musicista?
Bianca. Certamente todos foram. Escolhendo alguns: Köln Concert (Keith Jarrett); Music for 18 Musicians (Steve Reich); Matita Perê (Tom Jobim); Elis 1973 (Elis Regina); Début Recital (Martha Argerich); Evgeny Kissin 1998 (Evgeny Kissin); Montreux Jazz ao vivo (Hermeto Pascoal); Play (Bobby McFerrin e Chick Corea); Alma (Egberto Gismonti); Concert in the Garden (Maria Schneider), Saudades (Naná Vasconcelos).
2112. Você é de ficar pesquisando novidades em plataformas como o streaming?
Bianca. Muito antes do streaming, sempre pesquisei muito discos de compositores de todas as partes do mundo. Como meu pai sempre foi um pesquisador musical, desde criança eu desenvolvi a curiosidade da busca e da inspiração.
2112. Entre bandas e músicos da nova geração quem você indicaria com um trabalho inspirador?
Bianca. São muitos. Da Armênia, o compositor e pianista, Tigran Hamasyan. Da Argentina, o grupo Aca Seca. De Cuba, o grupo OKAN. Do Japão, a compositora e pianista, Hiromi. Da Índia, a cantora Varijashree Venugopal. De Israel, o pianista e compositor Shai Maestro. Do Brasil, muitos! Para citar alguns, da nova geração: os violonistas Daniel Murray, Alexandre Gismonti, João Camarero, Jean Charnaux; os baixistas Michael Pipoquinha, Ana Karina Sebastião; os acordeonistas Mestrinho, Bebê Kramer e Vitor Gonçalves; o dueto do pianista Salomão Soares e da cantora Vanessa Moreno; as clarinetistas Joana Queiroz, Aline Gonçalves; os pianistas Rafael Martini, Maíra Freitas, Hércules Gomes, Amaro Freitas, Erika Ribeiro; os violinistas Renata Neves, Carol Panesi, Ricardo Herz; a pianista/cantora/compositora Claudia Castelo Branco; as cantoras Dani Gurgel, Tatiana Parra, Grazie Wirtti, Julia Vargas, Dora Morelenbaum, dentre muitos e muitos e muitos outros que me inspiram diariamente.
2112. Eu te indico uma audição atenta do Bombay Groove, Jazzmine, Duo Tauffic, Projeto Novell, Peu Abreu, Hammätrio, Quartetinho Jazz, Duo Instrumental, Silibrina etc. Vale uma audição atenta...
Bianca. Sim, muito bem indicados!
2112. Atualmente poucas são as rádios que tocam a MPB mais clássica. Muitos produtores alegam que o material está muito elitizado para os atuais padrões do mercado popular. Qual a sua opinião acerca disso?
Bianca. Olha, eu cresci em um ambiente de sonoridade instrumental e de MPB. Para mim, as referências que tive serão, eternamente, os padrões populares. Acredito que cada pessoa possui uma história e deve ter o direito de escolher as fontes que lhe pareçam inspiradoras. Atualmente, independente das rádios, sabemos que todos os estilos musicais estão disponíveis de forma muito mais acessível. Torço para que todas as pessoas possam descobrir as maravilhas que existem neste material que você chamou de "MPB mais clássica".
2112. Nomes como Marcos Valle, Milton Nascimento, Ivan Lins, Naná Vasconcelos, Toninho Horta, Joyce, Hermeto Paschoal, Tom Jobim, Mutantes e o seu próprio pai... são mais cultuados no exterior do que em seu próprio país. Isso te incomoda?
Bianca. Aonde a música inspirar, ela
deve ser festejada. A arte, para mim, representa razão de sonhar e viver.
Jamais me incomodarei com o fato de qualquer local cultuar quais artistas
forem. Devemos seguir difundindo a arte para que a maior parte das pessoas
possa descobrir este portal de sobrevivência e felicidade.
Bianca. Como comentei, se cada um de nós seguir divulgando o valor das pedras preciosas musicais existentes em nosso país (e no mundo), cada dia mais pessoas serão felizes por terem razão para viver (e manter tais pedras preciosas musicais eternamente vivas).
2112. Para você que já viajou por muitos países qual a reação dos gringos quando o assunto é música popular brasileira?
Bianca. Não há dúvida de que a música brasileira é cultuada e profundamente admirada em todo o mundo. Agradeçamos aos africanos, aos índios, aos orientais e a todos os povos europeus (e demais etnias) por terem nos proporcionado tal miscigenação singular (e universal).
2112. O Japão por exemplo mantém um rico catálogo da nossa música enquanto nós vivemos uma dura realidade...
Bianca. Sinceramente, só conhecemos um país profundamente quando vivemos, trabalhamos e sonhamos nele. Eu não posso afirmar nada sobre outro país sem ter a intimidade que tenho com o meu. Sejamos, nós, os ricos catálogos de divulgação da nossa maravilhosa música brasileira.
2112. Quando você decidiu que era a hora de criar o seu próprio som?
Bianca. Na minha família, a tradição da composição vem desde o meu bisavô, Antonio Gismonti, vindo da Sicília (Itália). Desde muito jovem, eu já compunha, porém, o verdadeiro salto foi quando o meu marido, Julio Falavigna, teve a ideia de montarmos um trabalho musical com as minhas composições, em 2010. Eu já tocava algumas músicas minhas em trilhas para teatro e no Duo Gisbranco (duo de pianos com Claudia Castelo Branco), mas, de fato, a montagem desta ideia com Julio determinou um aprofundamento e vôo muito maiores neste caminho criativo.
2112. Você poderia falar um pouco sobre os projetos Duo Gisbranco e Bianca Gismonti Trio.
Bianca. Eu conheci a minha irmã musical, Claudia Castelo Branco, em 2002, na UFRJ, enquanto cursava Bacharelado em Piano no RJ. Nos identificamos desde o primeiro momento e começamos a tocar imediatamante. Depois de alguns anos tocando na faculdade, estreamos o Duo Gisbranco profissionalmente, em 2005, e não paramos mais. É um processo de profunda amizade e busca/complementariedade musical. O Trio surgiu a partir do meu primeiro disco de composições, de 2013, ("Sonhos de Nascimento"), em decorrência da ideia do Julio Falavigna (que mencionei na resposta anterior) e, a partir da união de diversos músicos para este disco, me identifiquei muito com o baixista Antonio Porto, que acabou residindo conosco por 6 anos, viajando para diversos continentes e países, e gravando quatro discos conosco. As descobertas, com o Trio, seguem sendo infinitas, porque cada um dos músicos me apresenta influências musiciais múltiplas e profundamente inspiradoras. Os meus arranjos e composições seguem, constantemente, mudando por conta das tantas influências que eles me trazem.
2112. O que te inspira ou chama a sua atenção na hora de compor?
Bianca. Como comentei lá em cima, para mim, a arte sempre fez parte da vida. A existência me traz, diariamente, inspiração composicional, porque considero a composição/arranjo a minha melhor forma de traduzir os meus pensamentos, sonhos, alegrias, desejos, questionamentos. Enquanto formos tocados pela vida, seguiremos inspirados à criação.
2112. Quando as influências se tornam referências na criação da sua música?
Bianca. Acredito que tudo o que me toca, me influencia e acaba por se tornar, de alguma maneira, referência nas minhas criações; já que acredito na vida de uma forma integrada e complementar.
2112. Você já gravou vários álbuns e
dvds. Quais são seus projetos pós-pandemia?
Bianca. Infelizmente, como
brasileiros, ainda não vejo a possibilidade de vislumbrarmos, de fato, uma
realidade "pós-pandemia". Precisamos conseguir lidar com a
atualidade, que já tem sido extremamante difícil. Enquanto passamos por este
período, sigo tendo muitas ideias e criando diversos projetos (obviamente, por
enquanto, os gravando em casa). Estou finalizando a edição do meu disco com o
Trio (Julio Falavigna, bateria e Antonio Porto, baixo), chamado "Gismonti
70" (em homenagem ao meu pai, Egberto - só com músicas dele) que será
lançado pelo selo húngaro Hunnia Records. Também sigo criando os arranjos para
um disco de arranjos inovadores para clássicos da nossa MPB com a formação de
piano/voz, bateria e percussão; e, com o Duo Gisbranco, recém fizemos um
repertório (que sairá em disco), em homenagem a Chico César; lançaremos um EP
com a cantora Julia Vargas dentro do projeto "Primeiro abraço" e
pretendemos gravar o belíssimo repertório com o grupo vocal MPB4, em homenagem
a Milton Nascimento e Fernando Brant, chamado "O som da
palavra".
2112. ... a solução para muitos nesse momento de pandemia tem sido as lives, não é?
Bianca. Desde que vivenciei a internação (por covid) e falecimento da minha madrinha, Dulce Bressane; eu levei a pandemia muito a sério e passei a criar muitos projetos de dentro de casa. Foram algumas lives gravadas, assim como muitos projetos com músicos de todo o mundo.
2112. O clipe do Projeto Embassy Of Brazil In New Delhi junto com a Embassy Of Italy In India ficou maravilhoso. Soa como uma deliciosa jam session. Parabéns!
Bianca. Muito obrigada! Desde o ano
passado, após a turnê na Índia (exatamente antes de iniciar a pandemia na
América do Sul), criamos um laço artístico muito forte com a Embaixada
Brasileira de lá e criamos diversos projetos de união de influências e músicos
de várias partes do mundo. O projeto com a Embaixada da Itália foi uma
seqüência disso, unindo músicos indianos, brasileiros e italianos.
2112. A mistura de sons brasileiros
com outras culturas além de enriquecê-la deixa os músicos mais abertos para
experimentar novas texturas musicais, não é?
Bianca. Com certeza! Como somos um país, essencialmente, miscigenado; me sinto profundamente agradecida quando tenho a oportunidade de seguir aprendendo com a diversidade (e confluência) de culturas tão diversas!
2112. O Embassy Of... tem representantes em todos os continentes? Como funciona o projeto?
Bianca. O projeto, basicamente, foi feito a partir de
nossa identificação artística com a Embaixada do Brasil na Índia. A partir
disso, fomos criando diversos projetos com outras embaixadas e culturas.
2112. Qual o telefone/e-mail para
futuros shows e aquisição dos seus álbuns e o DVD?
Bianca. O email de contato (para shows ou trocas artísticas) é biancagismonti.prod@gmail.com Para conhecer os cd's, acredito ser maravilhoso que escutem todos nas plataformas digitais (Spotify, por exemplo) e, em se identificando, busquem pelos títulos na internet, já que é a melhor forma de comprar cd's e dvd's hoje em dia. Durante muito tempo, nós enviávamos pessoalmente, quando as pessoas gostavam de receber autografados, mas, infelizmente, por conta do risco de contágio, não estamos freqüentando os Correios, por enquanto. E, claro, para os que freqüentam as redes sociais, estamos sempre atualizando os projetos e incluindo muito material novo de vídeos nas páginas Bianca Gismonti do Facebook e Duo Gisbranco, no Instagram.
2112. Foi um grande prazer entrevistar você... o microfone é seu!
Bianca. Eu que agradeço o interesse e a manutenção/inovação da nossa tão rica cultura brasileira. Através da ação de cada um de nós, a arte seguirá mantendo a justificativa da alegria, esperança, inovação e vida. Obriada a cada um de vocês e, especialmente, à arte universal!
Discografia
01. Duo Gisbranco:
CD’s
2008 - Gisbranco (Delira Música)
2011 - Flor de Abril (Delira Música)
2015 - Gisbranco 10 Anos (Mills Records)
2018 - Pássaros (Mills Records)
DVD
2015 - Gisbranco 10 Anos (Mills Records)
02. Bianca Gismonti Trio
2013 - Sonhos de Nascimento (Biscoito Fino)
2015 - Primeiro céu (Fina Flor)
2018 - Desvelando Mares (Hunnia Records)
2021 - Gismonti 70 (Hunnia Records) (a ser lançado)
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