Eis que tenho
a chance de entrevistar uma nova lenda do rock brazuca, o baterista Dinho Leme
da banda Os Mutantes. Muito educado e atencioso, conversamos sobre vários momentos
da banda, sua mudança do psicodelismo para o progressivo entre outras. Foi
muito bacana...
2112. É um imenso
prazer estar batendo esse papo com você. Podemos começar com você contando
sobre a volta dos Mutantes depois de mais de trinta anos longe dos palcos, ok?
Dinho Leme: Foi
interessante, trabalhoso, emocionante e no final senti que estávamos tocando
melhor que antes.
2112. Neste
período que esteve longe dos palcos você treinava bateria?
Dinho Leme: Muito pouco porque bateria não é
igual guitarra que o cara pode estar sempre dedilhando um violão e não perde a
técnica. No início que parei, andei fazendo alguns trabalhos inclusive com o
maravilhoso Carlos Erasmo - disco e show no primeiro Hollywood Rock. E tocava
muito numa escola de samba que montamos em Paúba. Mas sabe como é escola de
samba só é bom para quem toca, quem ouve é uma merda. Mas valia para tirar a
poeira dos braços.
2112. Como foi o
reencontro entre você, Arnaldo e Serginho? Qual foi a reação inicial? Vocês
conversaram muito?
Dinho Leme: Muito amor
e curiosidade. Fomos falando, lembrando e nos conhecendo novamente. No final
estávamos companheiros. Bons companheiros
2112. A primeira
vez que subiram no palco após o reencontro qual foi a reação do público?
Dinho Leme: Tudo foi
muito impressionante. A gente não esperava que tinha tanta gente que gostava
dos Mutantes. Lá fora então a coisa é muito grande. Em qualquer lugar do mundo
tem fãs dos Mutantes e que tem a criatividade do grupo como uma das melhores
dos anos 60 e 70.
2112. E vocês o
que sentiram?
Dinho Leme: Muito doido
ver que agora a gente podia tocar músicas como Dom Quixote que tinha uma grande
orquestra com arranjos do Rogério Duprat. Usamos três teclados para colocar
todos os instrumentos e ficou mais gostoso tocar ouvindo o que a gente só ouvia
depois de pronto o disco com quatro canais, ahahahahahaah.
2112. Como você
entrou para os Mutantes?
Dinho Leme: Eu conheci
Arnaldo, Sergio e Rita quando tocava com o Ronnie Von e ensaiamos juntos
algumas coisas, Dois anos depois fui tocar com o Jorge Bem e e empresário
Guilherme Araújo me pegou para ser batera de vários artistas deles. Teve um dia
que eu toquei com Caetano, Gil, Nana Caymmi, Mutantes e mais uns quatro da
trupe dele de tropicalistas. Foi daí que o Arnaldo e Sérgio me chamaram.
2112. A fusão de
vários ritmos no som do grupo deu ao rock brasileiro uma cara própria. Na sua
opinião Os Mutantes estavam a frente do seu tempo?
Dinho Leme: Era uma
coisa totalmente a frente do que acontecia aqui no Brasil. O Manito dos
Incríveis ia ver nossos ensaios só para se emocionar. Ele até tocou um tempo
(seis meses) com a gente quanto o Arnaldo parou. Não tinha nada parecido e
todos que ouvíamos na época depois soubemos que também nos ouviam. O Palmer do
Emerson Lake & Palmer disse que eles ouviam muito Mutantes para se
inspirarem na criatividade que disseram que tínhamos.
2112. E como
vocês descobriram isso?
Dinho. Um
jornalista italiano disse em uma entrevista com o Sérgio. Como você vê os mais
jovens curtirem Mutantes como o Nirvana, Sean Lennon e muitos outros. E depois
perguntou e os mais antigos que se inspiravam em Mutantes. Fiz uma entrevista
com o Palmer na semana passada e ele me disse que eles ouviam muito Mutantes
como inspiração.
2112. O que vocês
ouviam além dos Beatles?
Dinho Leme; Emerson, Lake
& Palmer, Yes, Led, Jethro, Genesis, Pink Floyd... jazz e Elvis Presley.
2112. Vocês
causaram impacto não apenas na música mas também visual se comparado aos
figurinos comportados da Jovem Guarda. Qual era a reação das pessoas nas
apresentações da banda?
Dinho Leme: Nós éramos
completamente diferente de tudo que se via. Quando fomos tocar no Festival de Miden na
França, passamos no aeroporto do Rio para pegar o avião para Nice e o Boni da
Globo estava na esteira para entregar um monte de roupas doidas da Globo para a
gente usar. E usamos no Miden, tvs francesas e Olympia.
2112. Vocês
chegaram a ser vaiados ou mesmo sofreram rejeição por parte da mídia ou do
público por causa da irreverência da banda?
Dinho Leme: Existia uma
turma da MPB que era contra a guitarra e a favor de tudo que o Vandré fazia. E
eles nos vaiavam todas as vezes, ahahahahahaha. A Rita levava um revolvinho de
água para tacar nos caras da MPB no restaurante do hotel.
2112. Até quando
vocês faziam releituras como Rua Augusta e Banho de Lua era carregado de uma
irreverência ímpar o que deveria provocar a ira dos puristas da MPB. O que
impulsionava vocês a agirem dessa maneira?
Dinho Leme: Era
criatividade e um pouco de deboche com os caras. O pessoal da MPB brigava muito
com a gente e acho que normalmente a gente sentia o barato de dar uns trocos.
2112. Vocês se
encaixaram perfeitamente na estética do Movimento Tropicalista que tinham os
mesmos ideais de vocês que era a liberdade de expressão e a quebra de todas as
regras. Como foi participar de um movimento musical tão importante como este?
Dinho Leme: Foi normal, acho que tínhamos tudo
para participar de qualquer projeto novo e o que estava acontecendo se chamou
de Tropicalismo. Lembro que além de todos os artistas além de Gil, Caetano,
Gal, estavam Torquato Neto, Nara Leão, Tom Zé, Lanny Gordin, Jorge Mautner,
Jards Macalé... era muito legal também estar junto de artistas como Jô Soares e
Erasmo Carlos. Foi um movimento a frente de tudo e que chamava parcerias de
grandes artistas e renovadores.
2112. A banda
criou alguns dos melhores álbuns do rock brasileiro e que são cultuados até os
dias de hoje. Isso te surpreende?
Dinho Leme: Não, sei
que foram trabalhos muito bem feitos e lembre, sempre ao vivo porque só
tínhamos quatro canais. Às vezes pegávamos um para fazer um playback de algum
instrumento ou mais uma voz e perdíamos qualidade de som. Foi verdadeiro
2112. De uma
certa maneira os holofotes sempre estiveram sobre o Sérgio, a Rita e o Arnaldo
e você sempre discreto no fundo do palco como Charlie Watts dos Rolling Stones.
Isso incomodava você?
Dinho Leme: Eu entrei
depois deles terem gravado o primeiro disco. Eu no início era um contratado.
Depois que o Liminha veio para o baixo e o Arnaldo ficou com os teclados
passamos a fazer parte, mas muita coisa já estava registrado como Mutantes três
pessoas
2112. Fico
imaginando a loucura que não deveria ser as gravações em estúdio diante de
tantas idéias que vocês deveriam ter. Como vocês administravam tudo isso? Todos
davam palpites nos arranjos?
Dinho Leme: Muitas
coisas surgiam no momento, lógico que ensaiávamos antes, mas por exemplo eu
disse uma vez que deveríamos fazer uma música de saudação e tchau no final de
um disco. E fizemos o Pasta 1 (não me lembro em que disco) e foi coisa de
Beatles. Criação maravilhosa e fizemos tudo na hora com um tema começado por um
amigo, o Bororó, guitarrista.
2112. A gravação de Panis et Circencis também foi algo inédito para os
padrões musicais da época com todos aqueles efeitos de talheres, conversas
paralelas a música... O resultado final é impressionante!
Dinho Leme: Quem gravou o primeiro
disco com Panis foi o Dirceu, baterista de estúdio já falecido.
2112. O maestro Rogério Duprat também contribuiu
bastante com seus arranjos prá lá de inusitados e inovadores. Ele pode ser
visto como uma espécie de George Martin tupiniquim, você não acha?
Dinho Leme. Sem dúvida! Foi
exatamente isso e com muita capacidade de criação. Ele já havia estudado e com
mestrados em várias escolas europeias de músicas e performances
2112. Outro nome importante a ser citado é Claudio
Baptista que inventou vários instrumentos e engenhocas que faziam a diferença
entre vocês e as outras bandas, não é?
Dinho Leme. O Té como era chamado
também é um gênio e ele criava as guitarras, baixo de seis cordas e teremin da
Rita, instrumentos inusitados que deixava estrangeiros de boca aberta.
2112. O início dos anos 70 foram bem atribulados com a
saída de Rita Lee, a mudança de orientação musical quando Os Mutantes deixam de
lado o som psicodélico e cai de cabeça no rock progressivo. Como vocês lidaram
com todas essas mudanças sem perderem o rumo?
Dinho Leme. Mudança natural e nem foi
agitado porque já estava tendo uma mudança natural.
2112. Você lembra dos motivos que levou o Arnaldo a sair
da banda?
Dinho Leme. Ele queria morar no sul
de Minas e não fazer mais shows e criar uma nova forma de vida totalmente
esotérica e nós queríamos continuar tocando shows por aí afora.
2112. Dos álbuns gravados com Os Mutantes qual você
gosta mais?
Dinho Leme. Não sei exatamente, mas
poderia escolher como o A e o Z e o disco do Arnanldo Loki.
2112. Havia muitas brigas?
Dinho Leme. Não éramos muito
companheiros e saíamos juntos a noite para comer sanduiches e dar risadas.
Brigas normais!
2112. Qual
baterista despertou em você o desejo de ser músico?
Dinho Leme. Me ajude....Ginger Baker (Cream) e muita
gente. Os bons Bill Bruford, John Bonham, no Brasil
Albino e Norival Dángelo, Juba.....
2112. Você tocou
em alguma banda antes de integrar Os Mutantes?
Dinho Leme. Comecei ao
13 anos com Os Delfina em Rancharia, Fine Rockers em São Paulo. Ronnie Von,
Jorge Bem, todos do tropicalismo
2112. O que você
fez depois que deixou a banda?
Dinho Leme. Parei em
uma hora em que estava de saco cheio de brigar por uma causa que estava
cansando.
2112. Você em
algum momento pensou em gravar um álbum solo como fez Ginger Baker, Steve
Coopeland, Keith Moon, Carl Palmer... entre outros?
Dinho Leme. Não, sou de
bastidores e gosto de carregar o instrumento no braço e tocar e voltar para
casa dormir.
2112. O microfone é seu...
Dinho Leme. Que quem curte Mutantes
esteja certo de que o trabalho feito foi realmente revolucionário para a época.
Eu encontrei fã dos Mutantes em todos os países que tocamos e são muito adeptos
do som que fazíamos. Não esperava tantos pelo mundo. Me sinto muito bem em ter
participado do movimento. Quem não dormiu no sleep bag nem sequer sonhou!
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