Há muito que acompanho o trabalho
desta magnífica banda e tive a sorte de assistir a um show da banda na minha
cidade. E agora depois de tantos anos a procura de informações sobre a banda eis
que estou entrevistando dois de seus membros... Isso é foda! Isso é Rock’n’Roll...
e eu gosto!
2112. A vida é mesmo cheia de
imprevistos... Por vários anos procurei notícias da banda e ninguém sabia me
dizer nada e de repente estou aqui entrevistando vocês. Que tal começarmos
contando um pouco sobre o surgimento da banda?
Ivo Ricardo. Muito obrigado pela oportunidade
de estarmos aqui para falar um pouco sobre o Água Brava. Tudo começou em 1980
quando conheci as Cataratas das 7 Quedas antes de serem alagadas para fazer o Lago
de Itaipu em uma viagem com o primeiro guitarrista da banda, o Rogério. Estava
começando a tocar, e fazia guitarra base, rs. Depois conhecemos o Jacaré e
começamos a tocar em festas. Depois, ainda teve o Alex Frias na guitarra,
quando as nossas primeiras gravações tocaram na Flu FM e depois o Dani, que
consolidou o conceito do trabalho.
2112. E você Daniel como entrou na
banda?
Daniel Cheese. Eu fui convocado após a saída do
Alex Frias, eu tinha a experiência de bandas instrumentais em Niterói o
"Nirvana"… fizemos uma jam na casa do Ivo e antes de terminar a
primeira música veio o convite, daí começou um árduo trabalho, muito ensaios e
basicamente 2/3 shows por semana. Esse processo ajudou a desenvolver a nossa
sonoridade. Antes de tocarmos a primeira vez no Circo Voador, fizemos todo um
circuito alternativo.
2112. Vocês já se conheciam antes de
montarem a banda?
Daniel Cheese. Temos um grande amigo em comum o
Carlinhos Queiroz, ele fez a ponte, mas antes o Nirvana tinha dividido um show
com o Água em Angra dos Reis.
2112. Diferente das outras bandas do
período que em sua maioria tocavam reggae, pop rock... o Água Brava se
enveredou pelo hard rock angariando fãs por todos os lugares que tocavam. Que
bandas influenciavam o som de vocês?
Daniel Cheese. Engraçado eu sempre achei o Água
rock’n’roll, mas devido a sua intensidade, a pegada foi ficando mais firme,
compacta e alto pra caraio… fazendo com que todos achassem que éramos heavy
metal. Claro que tinham composições que davam essa conotação, as roupas de
alguns shows, bateria gigante, montes de Marshalls, tínhamos uma boa
organização na época, roadies, técnicos de PA, tudo ajudava a embalar os shows
de forma compacta. Isso era um diferencial na época….
Ivo Ricardo. Led, Purple, Rush, Black
Sabbath, AC/DC, Iron e outras bandas boas!
2112. Vocês faziam releitura de
clássicos ou já começaram com trabalho autoral?
Ivo Ricardo. Já começamos com autorais. Só no
início da banda que tocávamos algumas músicas que não eram nossas. Era um
trabalho coletivo de composição. A maioria das letras eram do Jacaré.
Daniel Cheese. Nós tocávamos muitos classics: Iron,
Led, Rush, mas as composições eram natas.
2112. A letra de Pressão apesar de ter
sido escrita a tantos anos soa cada vez mais atual ao narrar a dura realidade
que vivenciamos todos os dias, não é?
Daniel Cheese. Pois é, as letras de Pressão,
Enquanto a bomba não vem, Apocalipse são atualíssimas. Parece que quase nada
mudou...
Ivo Ricardo. Estávamos na época da transição,
do fim da ditadura. Muita coisa ainda era complicada.
2112. A letra gruda na cabeça de uma
tal maneira que não tem como não cantar. Isso deve ser fantásticos nos shows...
Daniel Cheese. Sim, a galera curtia muito, aproximava o público, entretia... Houve grandes momento no Circo Voador e em outros lugares, o Jacaré tinha muito carisma.
Ivo Ricardo. Sim, sempre foi! Enquanto a
bomba não vem, idem.
2112. O solo da guitarra é do carvalho...
Os meus pais e meus vizinhos ficavam putos porque além de ouvir bem alto ainda
cantava junto. Um desastre total...
Daniel Cheese. Rsss...
Ivo Ricardo. Que ótimo! Rs
2112. A banda surgiu num momento
crucial em que o rock brasileiro retornou com grande força contando com o apoio
da Rádio Fluminense, das revistas Bizz, Pipoca Moderna, Metal, Roll, Rock
Brigade, vários zines, festivais e mesmo as grandes gravadoras de olho em tudo.
O que foram esses anos para vocês do Água Brava?
Daniel Cheese. Estávamos no momento certo, mas
fomos derrubados pela inocência, falta de uma produção de "verdade",
empresários, nós resolvíamos tudo "colocando sempre o coração em primeiro
lugar ".
Ivo Ricardo. Foi uma fase inesquecível. Nossos shows eram um rolo compressor. Aquela alegria em cada nota, em cada palco, em cada aplauso. Sentimos o gostinho do que poderia ter sido nossas vidas. Mas...
2112. Confesso
que até hoje não entendo porque a banda não aconteceu como merecia. Vocês
tinham tudo a favor: ótimos músicos, hard pesado... mas radiofônico, letras
bacanas em português, apoio da platéia. O que deu errado?
Ivo Ricardo. Também gostaria de saber! Mas
uma soma de fatores não nos favoreceu. Desde o mercado em si até questões de
panelinhas musicais.
Daniel Cheese. Hoje eu entendo mais do
"mercado", mas aos 20 anos é difícil ter a real dimensão, tudo era de
primeira, mas o "profissionalismo", o foco, o direcionamento
profissional de ser contratado por uma gravadora nos deixou a deriva, no palco
dava tudo certo, mas nos bastidores não se encaixava.
2112. ... é estranho porque naquele
período o hard estava em alta no mundo inteiro, vocês fizeram shows ovacionados
em palcos lendários como Canecão, Circo Voador, Parque Lage, Noites Cariocas,
Mistura Fina, Sesc etc. O terreno estava bem propício, não é?
Daniel Cheese. Sim, fizemos shows antológicos
em todos esses lugares, mas a premiação final "conseguir uma
gravadora" nos embarreirou, incluído a não participação no Rock In Rio 1.
Ivo Ricardo. Sim, ficamos a um triz de
gravarmos em duas multinacionais mas não rolou!
2112. Várias pessoas ainda hoje
ouvem com total veneração o trabalho de vocês, guardam recortes, ingressos,
cartazes e fotos da época, o single... Enfim como é o relacionamento Água
Brava/fãs?
Daniel Cheese. Sempre muito carinhoso, sinto
falta de não poder colocar o Água mais ativo.
Ivo Ricardo. Eu me surpreendo várias vezes. Do nada aparecem fãs que lembram de shows, momentos e lugares que me deixa bastante emocionado.
2112. Vocês lançaram somente um single com o hit Pressão pelo selo do Billy Bond ex-Joelho de Porco. Como surgiu esse contato?
Daniel Cheese. O Billy era um visionário e
sacou o potencial de vários artistas que se destacavam naquele momento,
gravamos o single "Pressão" e "De que adianta", fizemos um
clip, mas a falta de um corpo empresarial não vingou.
Ivo Ricardo. Era para o LP sair logo após o
compacto mas o Billy nos deixou esperando o "Bond" até hoje.
2112. O single hoje é um ítem
raríssimo, disputado entre os fãs da banda e do próprio rock. O meu
infelizmente foi roubado... Vocês poderiam contar um pouco sobre as gravações
deste trabalho?
Daniel Cheese. Pois é, essa música continua
atual, eu sempre tive uma idéia de transforma-la num clip "desenho animado"
… fica a dica pra quem é do ramo… rsss … a gravação foi rápida e com um
detalhe, gravamos com um amp de guitarra de verdade… rsss… pra época isso era
raro…rss
Ivo Ricardo. Tivemos que gravar bem rápido!
2112. O resultado final agradou
vocês?
Ivo Ricardo. Não ficou do jeito que nós
queríamos. Inclusive a capa do compacto, que ficou pavorosa. Nossa idéia era
reverter aquilo tudo no LP!
Daniel Cheese. Eu gostei, era um retrato
daquele momento, a gravação dela no cd acho mais "malandra"…rsss
2112. Houve uma promoção bacana nas
rádios? E a distribuição do singles nas lojas deu o resultado esperado por
vocês e pelo selo?
Daniel Cheese. Como eu disse, tudo é um bloco,
não tínhamos um escritório "profissa" que se dispusesse a movimentar
a canção.
Ivo Ricardo. A promoção foi feita por nós com
a ajuda de alguns amigos da imprensa da época.
2112. Porque que motivos vocês nunca
gravaram um trabalho inteiro?
Ivo Ricardo. O combinado com o selo era esse
mas não rolou...
Daniel Cheese. Bem na época a acessibilidade de
se gravar era muito dispendiosa, não havia a proliferação de estúdios com
existem hoje… é claro que se naquele momento tivéssemos tido a ousadia de fazer
um independente, a história hoje seria diferente.
2112. Em 1999 Jacaré morre sendo substituído por Sergio Naciffe. O que ocasionou a sua morte e porque 90% dos roqueiros não ficaram sabendo disso? Cara, é um total descaso da grande “mídia” com os fãs da banda e do próprio rock...
Ivo Ricardo. Eu já não tinha mais contato com
ele. Mas a causa foi por complicações de uma tuberculose.
Daniel Cheese. Eu sai em 85, depois houve um
vácuo de alguns anos, o Jacah falece, acabei montando um estúdio, gravei 2 cds
solos, até que um dia o Ivo me contacta e propõe de gravarmos o material
"inédito" pois começou a rolar uma cobrança desse material. Começamos
a trabalhar duro, que foi muito bom, emoções afloraram, e conseguimos dar uma
direção bacana pro CD , quem gravou a bateria foi o Cezinha , que entendeu o
espirito do Água, depois o Naciffe fez os shows, é que claro que a curva de
amadurecimento foi muito boa. O Água voltou a forma, eu tenho um registro de um
ensaio antes do show no Circo Voador que é foda pra caraio … é só colocar a voz
e mixar, tá tudo ali, o Água a todo vapor.
2112. Sem querer desmerecer ninguém
mas Jacaré era parte essencial do grupo. Sua bateria tinha peso e feeling como
poucos bateristas... Ele está na mesma categoria de um Keith Moon, Ginger Baker
na minha humilde opinião!
Ivo Ricardo. Sim, ele era especial!
Daniel Cheese. O espirito do Jacah, é uma parte
essencial, além de ter fundado, o talento dele impressionava, contribuía pra
sonoridade da banda. Como disse na fase inicial a ralação era enorme, todos os
dias ensaiávamos, mesmo, tocávamos juntos pelo menos mais de 300 dias num ano e
isso ajudou a amadurecer a nossa sonoridade, ajudava nas dificuldades de falta
de equipamentos, técnicos etc … enfim, era no peito e na raça, superávamos os
obstáculos "falta de recursos" e isso incendiava, contagiava quem nos
visse.
2112. Comparar o Jacaré ao Keith e ao
Baker não é exagero ou sortilégio... precisamos parar de achar que nossos
músicos, nossas bandas e nossa música são inferiores ao produzido lá fora. É
isso que torna a cena fraca...
Daniel Cheese. Concordo, ele tinha um
diferencial naquela época, era grande, soava grande e isso despertava,
inspirava a sermos músicos melhores.
Ivo Ricardo. E na época tocar o que ele tocava sem termos acesso à equipamentos bons era uma proeza.
2112. Sempre digo que o melhor do rock
está no underground... grandes bandas, grandes sacadas musicais, festivais
super antenados, publicações reais e não merdas como a Rolling Stone que coloca
um monte de porcaria na capa e todo mundo acha top. O que vocês tem visto de
bacana no cenário?
Daniel Cheese. Pouca coisa, que é chato, a cena
está diluída, as poucas publicações e shows afastam futuros públicos, eu diria
que está uma grande merda. Mas temos que persistir, botar o pé na porta,
resistir…
Ivo Ricardo. Para mim é como achar uma agulha
no palheiro. Tento ouvir muitas coisas mas acabo parando nos primeiros 30
segundos.
2112. Vamos falar um pouco sobre o novo cd. Porque esperaram 25 anos para nos presentear com este magnífico trabalho? Havia muita cobrança dos fãs?
Ivo Ricardo. A cobrança era nossa. Aquela
atmosfera e energia boa precisava ficar registrada.
Daniel Cheese. Acho que é um belo disco,
conseguimos transpor uma barreira e executar com grandiosidade as idéias
iniciais, sem perder o vigor. O disco não é frouxo de velhinhos aposentados
tentando …rssss… é pau duro! E fazer o Água soar Água foi a parte mais difícil,
mas creio ter conseguido. É claro que hoje passado alguns anos, eu amadureci
"literalmente" principalmente pelo fatos de estar tocando direto,
acho que os fãs curtiram esse disco… mas eu estou doido mesmo é de tocar, em
alto e bom som…. O Água ao vivo é muito bom e o Naciffe, mais o Antonio Saraiva
de guitarra base ajudam a dar esse foco.
2112. E como foram os trabalhos em
estúdio?
Daniel Cheese. Duros, rss … houve uma pré-produção
de meses antes de entrar no estúdio, relembrar as músicas, esquadrinhá-las,
ordenar tudo pra ser colocadas em um disco. Com o Jacah, éramos mais livres,
transformávamos as canções durante sua execução, era uma jam e claro que a
atmosfera da época ajudava, hoje o ficar "careta" é bom, tempos
modernos.
Ivo Ricardo. Daniel pilotou a gravação com
extrema competência e bom gosto.
2112. Achei o resultado final
expetacular ao mixturar equilibradamente heavy metal + progressivo + hard rock
= Água Brava. Vocês estão sempre atentos as novidades do mercado?
Daniel Cheese. Como falei, fazíamos
canções de acordo com a inspiração, sem objetivo de soar a, b ou c, ainda
existe algumas inéditas que um dia será colocadas num novo disco.
Ivo Ricardo. Às vezes é a mistura disso com o energia, o extinto de preservação do Rock'n Roll!
Ivo Ricardo. Às vezes é a mistura disso com o energia, o extinto de preservação do Rock'n Roll!
2112. Sempre falo que um músico
precisa ter a mente aberta para ouvir vários tipos de músicas para criar uma
sonoridade própria. Vocês concordam com isso? O que vocês ouvem quando estão em
casa?
Daniel Cheese. Sempre aberto a tudo, eu desde
sempre escuto tudo, não sou setorista, eu gosto de ouvir, e faço disso um hábito
desde meus 13 anos até hoje recém 58 anos. E depois que montei o projeto
OLDSTOCK toco todas as músicas que sempre gostei, mas sempre tive muito pudor e
respeito em executa-las. Deixei isso de lado e faço isso com muito gosto
Ivo Ricardo. Ouço bandas antigas que não
ouvia quando era mais novo.
2112. No cd quem participa na bateria
é o Cesinha que tem um currículum invejável dentro e fora do rock. Como surgiu
essa parceria? Ele agora é membro oficial da banda?
Daniel Cheese. Sou amigo do Cesinha há muito tempo e estava procurando o "batera" pro disco… aí ele veio gravar e comentou que tinha que dar uma aula de 2 bumbos "Motörhead" prum aluno… não prestou… rsss… gravou o disco todo em 2 ou 3 dias. Foi uma bela comunhão, ele sacou o espirito do Água, foi muito bom.
Ivo Ricardo. Essa surpresa boa surgiu do contato entre Daniel e ele.
2112. Tony Plantão amigo de longa data
e também ex vocalista da cult band Hojerizah participa na faixa De que adianta.
Como surgiu a idéia da sua participação?
Ivo Ricardo. Queríamos uma voz marcante para
essa música e como tenho participação na criação do Hojerizah e estudei com o
Tony, acabou sendo uma opção natural que deu um brilho extra ao trabalho.
Daniel Cheese. Tony é amigo desde o início e foi perfeita a sua participação.
2112. É um pena não ter incluído o
single como bônus, não é?
Daniel Cheese. Pois é...
Ivo Ricardo. Na época tudo era complicado.
2112. A banda foi homenageada
recentemente na Exposição Maldita 3.0 com citações e material de acervo no Centro
Cultural dos Correios pela contribuição dada ao rock do Rio de Janeiro. Isso é
muito bacana!
Daniel Cheese. Espetacular, nós participamos
desses momentos mágicos da Rádio Fluminense, Circo Voador... Só no Circo foram
28 shows.
Ivo Ricardo. Fiquei extremamente feliz! Muito bom esse reconhecimento.
2112. Quais são os projetos de vocês
para esse ano?
Daniel Cheese. Eu gostaria de fazer ao menos 1
show ainda esse ano… mas existe a falta de lugar pra se tocar… estamos
resolvendo.
Ivo Ricardo. Como estou morando fora do Rio ficamos um pouco afastados. Mas nesse ano teremos novidades, com certeza!
2112. O microfone é de vocês?
Ivo Ricardo. Muito obrigado pelo carinho e
torcer para que mais pessoas continuem acreditando no Rock e em bons projetos
de música. Reais, autênticos e de qualidade! Obrigadão!
Daniel Cheese. Bem, estamos prontos, barbante
esticado, não existe papo de velhinhos aposentados ... rsss ... a porrada ainda
come, existe uma crise nesse país que dá uma freiada na arte, mas… vamos em
frente!
Contatos para show. 21 999966956
Esta entrevista é dedicada à
memória do nosso eterno drummer man Jacaré!
Próxima entrevista...
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