Os anos 70 foi o ápice das grandes bandas de rock
brasileiras: A Chave, Terreno Baldio, Casa das Máquinas, Os Mutantes, Secos
& Molhados, Veludo, Made In Brasil, O Peso, Rita Lee & Tutti Frutti, O
Terço... e mais uma infinidade de bandas anônimas que fizeram desta década uma
vitrine de sons que ecoam até os dias de hoje. E o nosso entrevistado de hoje é
um dos pilares sagrado do prog rock mundial: Som Nosso de Cada Dia. Espero que
gostem da entrevista...
2112. O Som Nosso de Cada Dia surgiu em
1972 do encontro de três grandes músicos: você, Manito (ex-Incríveis) e o
baterista Pedrinho. Você vinha de uma experiência com Os Novos Baianos. Conte
um pouco dessa história...
Pedrão Baldanza. Eu tocava numa banda de baile chamada Enigmas e, conhecemos os Novos Baianos num verão em Caraguatatuba onde estávamos tocando num boliche. Daí nos demos bem, eles falaram de uma guitarrista que eles gostariam de trazer da Bahia e acabamos conhecendo Pepeu Gomes que tocou com a gente durante um bom tempo nos bailes enquanto acompanhávamos os Novos Baianos.
2112. Você
chegou a gravar alguma coisa com eles?
Pedrão Baldanza. Chegamos a
gravar com eles um compacto duplo pela RGE na época.
2112. Como
era a vida comunitária entre vocês naquela época e o que o levou a sair da
banda?
Pedrão Baldanza. Aconteceu
deles irem para o Rio e, eu não quis sair de São Paulo por vários motivos então
acabei conhecendo Hagamenon que me apresentou o Benvindo e a Ana Maria através
do Jean que tinha tocado comigo no Enigmas e então acabei fazendo com eles o
Perfume Azul do Sol. Mas como a banda não seguiu eu acabei conhecendo Pedrinho
e o Manito e daí a história é longa rsrsrs.
2112.
Naquele período de ditadura tudo era mais difícil visto que havia muita
censura, perseguições contra quem tinha cabelos grandes, retalhação nas letras
das músicas, ideais políticos em conflitos... Como foi montar a banda em meio a
este furacão e como vocês faziam para adquirir instrumentos de qualidade visto
que material importado era de difícil acesso?
Pedrão Baldanza. Eram tempos
difíceis em vários sentidos, a aquisição de instrumentos e também as licenças
da censura da época para fazer shows. Isso somado a difícil tarefa de fazer um
som que não era nem rock nem MPB nem nada muito parecido com nada nos levava a
ter grandes dificuldades de aceitação por parte da mídia porém uma
identificação muito grande com o público durante os shows.
2112. Soube
que a início vocês tinham em mente formar uma banda de baile. O que fez vocês
mudarem de idéia procurando colocar em práticas sons mais ousados?
Pedrão Baldanza. A idéia de uma banda de baile foi logo abandonada
por Manito e Pedrinho quando eu comecei a mostrar um repertório diferente do
que eles estavam acostumados e “graças aos deuses” eles adoraram e começamos a
trabalhar em cima das músicas que viriam a ser o repertório do Som Nosso de
Cada Dia.
2112. É
comum no blues, no jazz e no próprio rock os músicos se unirem em grandes jams
e de uma simples diversão surgiam grandes músicas. Vocês também curtiam fazer
jams?
Pedrão Baldanza. Não tínhamos
muito o costume de realizar jams pois estávamos sempre mergulhados no nosso
repertório e nos nossos ensaios mas as vezes sim, rolava uma brincadeira com
outros músicos.
2112. O que vocês ouviam naquela época e o que mais influenciava vocês?
Pedrão Baldanza. As influências da banda vinham fundamentalmente da
escola de cada um e também do que aparecia de sons novos que um ou outro trazia
pra gente ouvir, sempre tinha uma amigo músico falando de uma ou outra banda
que acabávamos ouvindo.
2112.
Considero o período 60/70 como os mais ricos do rock... muitas sonoridades, muitas
experiências, muitas informações que ainda são novidades nos dias de hoje. Era
cada um curtindo a sua onda, não é? Havia muito entrosamento entre as bandas?
Pedrão Baldanza. Não havia essa de entrosamento entre as bandas,
existia uma coexistência pacífica mas cada um batalhando suas coisas pois era
difícil pra todo mundo e essa coisa de união naquelas épocas de ditadura não
eram tão fáceis como se tornaram nos anos 80.
2112. Li num
artigo na internet que tão logo vocês formaram a banda Manito foi convidado a
participar dos Mutantes no lugar do Arnaldo mas que voltou atrás na última
hora. Ele chegou a comentar os motivos que o levou a recusar o convite?
Pedrão Baldanza. Não sei do Manito ter sido convidado logo no início
do Som Nosso. Sei que foi convidado mais pra frente quando já tínhamos feito o
Snegs e estávamos a caminho de fazer depois do sucesso da abertura de Alice
Cooper e mais shows no Ibirapuera o verdadeiro lançamento da banda com apoio de
patrocínio. Daí o Manito foi tocar com Mutantes e eu e o Pedrinho reformulamos
a banda e veja só Manito acabou não seguindo com Mutantes.
2112. Neil
Young em uma entrevista comentou que a gravação de seus álbuns é ao vivo com
todos os instrumentos montados no estúdio e com poucos overdubs posteriormente.
Com Snegs também foi assim?
Pedrão Baldanza. Fizemos
praticamente gravando direto e só sobrepondo vozes e alguns solos e violões. Foi
uma grande experiência e nem mesmo sabíamos o quanto tudo aquilo se tornaria
atemporal rsrsrs. Mesmo quando eu e o Pedrinho mudamos a direção do trabalho,
apesar de manter o mote progressivo sempre, resolvemos montar uma banda com
metais e isso deu o maior pé e acabou depois sendo o Sábado e Domingo.
2112. Existe um livro “Uma Temporada no Inferno com os Rolling Stones” escrito pelo jornalista Robert Greenfield que conta detalhes da gravação do álbum Exile on Main St. Você nunca pensou em escrever um livro contando como foram as gravações do Snegs?
Pedrão Baldanza. Aí tem várias histórias que eu não teria tempo e
nem vocês saco de ouvir rsrsrs, o que importa é que valeu cada instante e cada
experiência adquirida nessa caminhada pela Música Progressiva Brasileira.
2112.
Independente do sucesso o álbum ficou como vocês queriam?
Pedrão Baldanza. Não saiu como
queríamos pois os recursos eram escassos e trabalhamos com uma mesa que estava
defeituosa e isso exigiu de todos muito mais entrega, mas rolou.
2112. Como
era os shows da banda nesta? Havia muita loucura por parte do público?
Pedrão Baldanza. A resposta do público sempre foi muito positiva! Como
você sabe naquela época era difícil conseguir liberação da censura para
qualquer tipo de espetáculo e nós vivíamos muito esse patrulhamento... de cada
5 shows marcados 3 eram invariavelmente cancelados e proibidos pelos mecanismos
da repressão na época, isso foi talvez o que mais inviabilizou a sequência do
nosso trabalho pois todos vivíamos exclusivamente do rendimento do mesmo.
Ninguém teve pai rico ou casou com mulheres ricas como a maioria dos bem
sucedidos entre aspas, músicos da época rsrsrs! Nunca fizemos um show que não
estivesse lotado. Nunca! Mesmo sem nenhuma ajuda dos críticos e jornalistas
especializados da época já bastante acostumados com os "presentinhos
recebidos das gravadoras" nós morávamos os espaços. Nenhuma das bandas da
época tinha coragem de tocar depois da gente pois todos tinham receio da reação
do público que normalmente não nos deixava sair do palco pedindo
bis rsrsrs! Quem viu sabe que era assim!
2112. A boa
repercussão do álbum e mesmo a fama dos grandes shows da banda levou vocês a
abrirem para o Alice Cooper diante um público de 150 mil pessoas enlouquecidas
que não paravam de gritar o nome da banda mesmo durante a apresentação da
“estrela” da noite. O que de fato aconteceu? Quais são as suas lembranças deste
show?
Pedrão Baldanza. Fomos escolhidos entre várias bandas que foram apresentadas aos
produtores do Alice Cooper. Não foi a repercussão do disco e sim o interesse
dos gringos pelo nosso som e a facilidade que pretensamente eles teriam com a
montagem de um trio antes do grande show deles. Só não esperavam os
acontecimentos! Fomos muito aplaudidos nos shows realizados e a cada show os
técnicos deles foram cada vez mais curtindo até tomarem uma bronca por terem
feito um bom som pra gente.
2112. Isso é
um “fato” que poucas bandas experimentam em vida, não é?
Pedrão Baldanza. Acredito que sim!
2112. Manito
deixa a banda após o show no Festival de Águas Claras e você e o Pedrinho
reformularam a banda acrescentendo metais, duas guitarras e passaram a usar
elementos do soul e do funk no som da banda. Isso me fez lembrar do episódio
ocorrido no Deep Purple após a saída de Ritche Blackmore e eles também fizeram
mudanças semelhantes. Por que uma virada tão radical?
Pedrão Baldanza. Gravamos nossa ópera Amazônia no estúdio Vice Versa do Rogério Duprat
em 74. Acontece que os diretores da extinta gravadora Continental acharam que o
que tínhamos feito não era comercial e não quiseram bancar o trabalho e por
essa razão foi abortado e ficamos com uma dívida grande com o estúdio e o único
jeito foi aceitar a proposta da CBS que estava interessada nos meus funks e
queriam lançá-los. Então pagaram o estúdio e acabaram destruindo a nossa ópera
pois perderam as fitas originais de várias músicas representadas pelo lado
Domingo do disco lançado. Técnicos ladrões e sem escrúpulos... pegavam as fitas
de 2 polegadas do estoque e apagavam tudo e revendiam como novas. Uma prática
que destruiu uma acervo de gravações não só do Som Nosso de Cada Dia como de
outros grupos da época. Nunca houve duas guitarras no som... tínhamos dois
tecladistas! Não houve uma mudança radical pois o que fizemos foi acrescentar
os funks aos progs, aliás ritmo que acabou tomando conta do mercado com os
importados americanos. Tudo o que aconteceu com a gente foi fruto do nosso
sacrifício. Nunca tivemos apoio da mídia, mas lotávamos os teatros e sempre
éramos chamados para os festivais de música da época.
2112. Em 1976 vocês lançam Sábado/Domingo
que trazia em cada lado do LP uma amostra dessas mudanças. De um lado músicas
mais acessíveis, radiofônicas e do outro lado músicas com elementos prog que
fez a fama da banda. Como foi a repercussão do álbum?
Pedrão Baldanza. Ficou muito difícil manter a banda na ativa sem o apoio de gravadora e
da mídia... e depois de uma temporada de fome e sufoco resolvi parar e tentar
outras alternativas de trabalho. Os filhos chegando... então fui tentar a vida
no Rio de Janeiro em 78.
2112. Mesmo
com os bons resultados alcançados pelo álbum o grupo acaba no ano seguinte
pondo fim a saga de uma grande banda. O que você fez depois do fim da
banda?
Pedrão Baldanza. Passei a atuar como instrumentista apenas. Nesse trabalho acabei
participando de centenas de gravações de inúmeros artistas e também acabei
tocando ao vivo como muitos deles como Ney Matogrosso, Gal Costa, Frenéticas...
Com Elis gravei o último de estúdio Trem Azul e com o César Mariano gravei
muitos outros como Elba, Zizi Possi, Simone etc. Gravei muito com o Lincoln
Olivetti e também Eduardo Souto e outros a arranjadores. Fiquei no Rio de
Janeiro até o início de 2000 e depois voltei para São Paulo.
2112. Em
1994 você, Pedrinho e Manito se juntam para celebrar os vinte anos do álbum
Snegs. Vocês sempre estiveram em contato uns com os outros mesmo com o término
da banda?
Pedrão Baldanza. Nossa amizade é eterna meu querido. Nos reunimos sim, não pelos vinte
anos, mas sim pelo fato de querermos retornar aos palcos. Depois do disco Live
94 nós recebemos um convite pra ir tocar no Japão e na Europa num circuito de
bandas progressivas. Mas infelizmente o Pedrinho Batera faleceu e aí perdemos a
esperada idas para o exterior. Nunca deixamos de nos falar... sempre sabíamos
uns dos outros e esperávamos uma oportunidade.
2112. A
banda durou até 1995 com sua mais famosa formação quando falece Pedrinho Batera
e em 2010 o Manito. E desde então você é o único remanescente da formação
original. É complicado às vezes olhar o palco e não vê-los mais?
Pedrão Baldanza. É claro que eu sinto saudade! Mas a vida continua e sei que onde eles
estiverem estão torcendo pelo melhor e também a minha espera rsrsrs! Porém
enquanto eu estiver por aqui vou manter o SOM NOSSO DE CADA DIA na rua ajudado
por esses excelentes profissionais que estão comigo.
2112. A
banda continua na ativa fazendo shows em vários lugares, em vários festivais como
a antológica passagem da banda pelo Totem Prog ou seja está na estrada. Existe
projeto de gravação de novos álbuns?
Pedrão Baldanza. A banda está novamente na estrada com apenas eu
remanescente das formações antigas do SNCD. Todos grandes músicos do cenário
brasileiro tais como Marcelo Schevanno na guitarra, nos vocais Fernando Cardoso,
nos teclados Edson Gilardi na bateria, Pedro Calasso nas percussões e vozes e
contamos também com a ilustre presença de Cássio Poletto nos violinos e eu no
baixo. Estou gravando o novo disco do Som
Nosso de Cada Dia em São Paulo e espero logo logo apresentar ao público!
2112. Finalizando
quero agradecer pela entrevista,
pela sua gentileza em responder e dizer que o microfone é seu...
Pedrão Baldanza. Espero ter te esclarecido um pouco a respeito do
SNCD e peço desculpas em não me aprofundar mais pois vem por aí novidades como
disse acima e clipe no Youtube e eu espero que todos curtam. Obrigado e um
grande abraço!!
Dedico esta postagem às memórias de Manito e Pedro Batera
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