The bassman
Continuamos a nossa saga sobre a vida e a obra deste grande músico...
2112. Em 1972 a banda formou parceria com o poeta Paulo Leminski... Como
aconteceu esse encontro histórico?
Carlão
Gaertner. Da forma mais surreal possível. Uma noite,
bateram de madrugada na janela do quarto do Orlando, que ficava na frente da
casa, e ele saiu da cama e foi ver quem estava batendo. Era um fotógrafo amigo
nosso, o Araton Maravalhas, acompanhado do Paulo Leminski, com uma garrafa de
cachaça debaixo do braço e uns cadernos de apontamentos poéticos. Moral da história.
Todo mundo saiu de suas camas, descemos para o estúdio, colocamos uns discos de
rock para rodar e a conversa rolou noite a dentro embalada pela bebida e por
aquela famosa fumacinha da Maria Joana (Mary Jane, ou a famosa Lady Jane dos
Stones). No início da conversa, o Araton nos falou que já fazia um tempo que o
Leminski dizia que queria conhecer A Chave e a Casa Branca. Daí o poeta nos
mostrou alguns poemas e rascunhos de seus cadernos e nos disse que já tinha
feito algumas letras, musicadas pelo seu irmão Pedro Lemisnki, que tocava
violão. Foi então que surgiu no ato a ideia de tentarmos fazer algumas músicas
com letras dele, em parceria com a banda. Já na noite seguinte ele apareceu
novamente na Casa Branca, acompanhado pela Alice Ruiz, sua mulher na época, e
seus dois filhos pequenos, o Miguelzinho – que um tempo depois faleceu – e a
pequena Áurea, chamada de Polaca – que devia ter dois ou três anos e que acabou
apaixonada por mim, fato que todo mundo ria e achava curioso, pois eu era uma
figura assustadora na época, com um tremendo cabelão Black Power e sempre de
óculos escuros, que acabou enfeitiçando uma pequena garotinha (kakakaka). O
restante da história de nossa parceria eu praticamente já comentei numa
resposta anterior. Essa foi a fase da Casa Branca. Fizemos mais algumas músicas
com o Leminski quando já ensaiávamos numa antiga cozinha que ficava nos fundos
da empresa do meu avô, Indústria e Comércio Senegaglia SA., e que isolamos com
as chapas de Eucatex que removemos quando saímos da Casa Branca. Mas, antes
disso, quando voltamos de São Paulo com todo o equipamento novo, alugamos uma
chácara em Campina Grande do Sul, região Metropolitana de Curitiba, onde
ficamos três meses ensaiando direto de manhã à noite, quando compusemos e
montamos o show “De Ponta Cabeça”, com novas músicas somente da banda (música e
letra) e outras da parceria com o Lemisnki no set. Esse show estreou no final
de abril de 1975, numa temporada de três dias no Teatro da Reitoria da UFPR,
onde Gil (Expresso 2222) e Gal Costa com o show “Gal Fa-Tal” também se
apresentaram, entre outros artistas. Nossa parceria acabou no show “Vai à Luta”
d’A Chave, nome da última música de nossa parceira com o poeta polaco, no show
de lançamento do compacto pelo G.T.A, com duas músicas d”A Chave, também com
letras do Leminski, e participação especial do Manito no disco (piano e sax) e
depois ao vivo no show, realizado no Palácio de Cristal do Círculo Militar do
Paraná, em 1977. O compacto foi gravado e produzido por Eduardo Araújo, em seu
estúdio em São Paulo, após o nosso encontro no Festival Camburock, no início de
1977, na praia ao lado de Camburiu, em Santa Catarina, onde Manito também tocou
com o Som Nosso. Após ver nossa apresentação, Eduardo nos convidou para gravar
as duas músicas e também inclui o Manito no pacote (rs). Até hoje, os dois são
“Chaveiros” Honorários em nossos corações.
2112. Quem era as influências de vocês neste período?
Carlão Gaertner. No
Brasil, a principal influência d’A Chave em seu período inicial era Os
Mutantes, pela sua irreverência, criatividade, e pelas ironias e sátiras
presentes nas letras de suas músicas, além do som, é claro. Tanto que acho que
A Chave, se não estou enganado, foi a única banda nacional a conseguir comprar
uma guitarra e um baixo de seis cordas Regulus, fabricados pelo genial Cláudio
César Dias Baptista, irmão do Arnaldo e do Serginho, e ainda abriu em 1969, na
TV Paranaense, um show d’Os Mutantes na emissora, com Rita Lee, Serginho e
Arnaldo, e o baterista Dinho Leme, que ainda não era oficialmente membro do
grupo. Esse ‘approch’ musical continuou com Rita Lee & Tutti Frutti, até A
Chave abrir os dois shows da turnê do show “Entradas e Bandeiras”, também no
Palácio de Cristal do Circulo Militar do Paraná, com o local totalmente lotado
nas duas apresentações (aproximadamente 10 mil pessoas). Também curtíamos o som
da banda carioca O Peso, e do Made In Brazil, banda com a qual A Chave fez uma
mini turnê nacional em 1976, e uma temporada de cinco dias no TUCA, em São
Paulo, após os shows em Curitiba e Londrina, no interior do Paraná.
No Rock internacional, as
primeiras influências foram The Beatles e, principalmente, The Rolling Stones.
Também Chuck Berry, The Who, The Animals, The Troggs, Iron Butterfly – A Chave
tocava a música “In A Gadda Da Vida” integralmente, inclusive com o solo de
bateria, e era um dos hits de seu repertório internacional – Crosby, Stills,
Nash And Young, Deep Purple, Black Sabbath, Creedence Clearwater Revival, The
Animals, Grand Funk Railroad, Procol Harum e Joe Cocker, entre outros grupos e
artistas, além de outras influências do Blues como John Lee Hooker, Muddy
Waters e Howlin’ Wolf. Tanto que uma das músicas em parceria com o Lemisnki era
um blues com letra em inglês, chamado “Bye Bye Baby Blue”, alguns anos antes de
surgirem Celso Blues Boy, André Christovam, Blues Etílicos e Nuno Mindelis,
entre outros, na cena bluesy brasileira. Curioso, não é? (rs)
2112. Você tem um estilo que explora um timbre grave e pesado do que a maioria
dos baixistas, o que muito me lembra o trabalho do Jack Bruce, John Entwistle e
mais recente Steve Harris do Iron Maiden. Quem mais o influenciou?
Carlão
Gaertner. Minha primeira referência depois que comecei
o tocar em bandas foi Paul McCartney, com o boom inicial da Beatlemania. Em
seguida me liguei no Bill Wyman, dos Stones, pelo seu estilo mais contido, mas
com muita personalidade, apesar do som do baixo ser sempre meio enrustido nas
mixagens iniciais das músicas dos Stones, onde as guitarras sempre tiveram mais
destaques. Depois de um tempo levei uma porrada na cabeça quando escutei pela
primeira vez “My Generation”, do The Who, com o som e o famoso solo do baixo de
John Entwistle, que considero o Marco Zero do baixo no Rock, mostrando com
todas as notas que o baixo não era um simples instrumento de acompanhamento
numa banda. Logo depois o Jack Bruce, no Cream, expandiu também os limites
desse instrumento, com os naipes de baixo e guitarra com Eric Clapton, e suas
improvisações juntas nos temas mais bluesies. Esses dois baixistas, essencialmente,
trouxeram o baixo para a linha de frente do Rock, ampliando significativamente
o espaço do baixo no Rock e na maioria das bandas, no Blues e até em outros
gêneros como o Jazz, Reggae, Soul Music etc. Além dos baixistas já citados,
sempre curti o Jack Casady, do Jefferson Airplane, e Nick St. Nicholas, da
primeira formação do Steppenwolf, banda que surgiu com todos os instrumentos na
cara em suas mixagens: guitarras, bateria e teclados e o baixo com um som super
grave e pesadão, com o qual me identifiquei no ato e que é o que eu pratico até
hoje. Na época d’A Chave eu tocava com uma caixa super grave de P.A., com
falante JBL de 300 Watts e 18 polegadas, em paralelo com as duas caixas de
4X12” de meu Marshall Major de 200 Watts, que foi o som mais pesado que já
toquei. Eu comprei essa caixa na Transasom, na época em que compramos na
empresa parte do equipamento importado d’A Chave. O Eduardo, dono da empresa,
achou que eu estava louco por querer usar essa caixa no baixo, que era a maior
caixa de grave de P.A. que a Transasom usava na época (era quase do tamanho de
uma geladeira de pequeno porte). Quando o nosso equipamento chegou de São Paulo
na chácara em que iríamos ensaiar – que eu já comentei - e eu liguei o Marshall
pela primeira vez com essa caixa junto com as duas do amplificador, eu vi que
tinha absoluta razão no meu desejo e que o som de baixo que eu sonhava tinha
virado realidade. Uma porrada super grave e pesada, com o maior vento saindo de
todos os falantes. Um verdadeiro tornado sonoro (kakakakaka).
Bartenders (Anos 90)
Carlão
Gaertner. Sim, eu sempre gostei e curti tocar baixo
alto, muito alto. Lógico, que sem querer aparecer e prejudicar ou encobrir os
demais instrumentos das bandas em que toquei. No Beat Group, em Porto Alegre,
já era assim, guardando as limitações do equipamento na época. No período da
última formação d’A Chave, com nosso equipamento importado – meu Marshall e
mais dois Twins Reverb, da Fender, para guitarras; meu baixo Fender Precision
1974, uma Gibson Les Paul Golden Top (solo) e uma Fender Stratocaster (base); e
uma bateria Ludwig, modelo Octaplus, com dois bumbos de 24 polegadas oito
tons-tons, caixa metálica alta, pratos Zildjian e Paiste; uma mesa de mixagem
Peavy de 9 canais + potências valvuladas e caixas de retorno, e quatro caixas
Altec de P.A. (duas de graves, e duas de médios e agudos com cornetas) e 12
microfones Shure para vocais e captação de todo o instrumental – a banda tocava
com o volume no talo e produzia um som ‘hard rock’ e pesadão, puxado pelo
vozeirão do Ivo com todos os seus recursos vocais, do agudo falsete para a voz
natural e indo até a voz rouca e gutural. Na minha opinião, o Ivo Rodrigues foi
um dos maiores vocalistas do Rock Nacional, principalmente, no Rock dos Anos
70.
2112. Soube que você é fã de Bill Wyman... Confesso que sempre admirei sua
discrição no palco e seu trabalho que nunca teve o merecido reconhecimento da
crítica e dos próprios fãs dos Stones. Você acompanha a carreira solo
dele?
Carlão
Gaertner. Sim, tenho os LPs de sua carreira solo, e
quase todos os CDs do Bill Wyman & The Rhythm Kings: “Struttin’ Our Stuff”,
que eu adoro, “Grooving”, “Anyway The Wind Blows”, “Double Bill”, também muito
legal, entre outros.
2112. Vocês chegaram a gravar um single contendo Buraco no coração e Me
provoque pra ver. Você poderia contar um pouco sobre as gravações?
Carlão
Gaertner. Como já comentei anteriormente, fomos
convidados no início de 1977 pelo Eduardo Araújo para gravar duas músicas,
quando ele soube no Festival Camburock, ao se encontrar conosco, que A Chave
nunca tinha gravado, e que ele mesmo produziria o compacto simples. Em abril do
mesmo ano, num domingo pela manhã, chegamos os quatro de ônibus em São Paulo,
levando as guitarras, baixo e a caixa e pratos da bateria – o restante tinha no
estúdio – e fomos para o Estúdio Templo, do Eduardo Araújo, onde logo depois
chegou o Manito com seu sax. Quando o Eduardo chegou, passamos as músicas com o
Manito, enquanto ele equalizava a mesa de mixagem para a captação e começamos a
gravar. Fizemos as bases, e depois o Paulinho e o Manito gravaram os solos; e,
finalmente, o Ivo e o Paulinho gravaram os vocais. Após a gravação das duas
músicas, já partimos para a mixagem e, à noitinha, o trabalho estava pronto e
finalizado. Voltamos na mesma noite para Curitiba, e depois o Eduardo Araújo
terminou a masterização e os acertos com a GTA – Gravações Tupi Associadas,
para o lançamento do compacto, que ocorreu alguns meses depois. O Eduardo foi
gente finíssima e um tremendo parceiro, por fazer todo esse trabalho para A
Chave sem cobrar um tostão, num gesto de pura gentileza e amizade; assim como o
Manito, que participou como convidado graciosamente, tanto no disco, como no
show de lançamento, em Curitiba. Duas figuras especiais, singulares e
inesquecíveis na saga d’A Chave.
2112. Hoje esse trabalho é uma verdadeira raridade entre os fãs da banda e dos
roqueiros em geral. Vocês nunca pensaram em relançar este material mesmo que em
edição limitada?
Carlão
Gaertner. É muito difícil, pois já faz mais de 40 anos.
A GTA não existe mais, e não sei se o Eduardo Araújo, depois de tanto tempo,
ainda teria pelo menos uma cópia da fita master mixada e masterizada. Para usar
o próprio compacto como fonte, acho que o resultado não seria igual ao original
e talvez não ficasse com a mesma qualidade. Às vezes, na vida, é melhor deixar
certas coisas como especiais, como raridades, para que não percam seu sabor
original, em vez de as transformar em simples mercadoria, sem a mesma magia.
Não sou contra, mas só seria a favor de um relançamento do nosso disquinho –
que ainda tenho uma única cópia – se fosse para fazer a coisa toda da forma
certa, profissional e com a qualidade original.
A Chave
Carlão Gaertner. O
single teve sucesso no seu nicho regional, ou seja, Curitiba, e parte do
Paraná. Por outro lado, a GTA era somente um selo do Grupo Tupi de Televisão, e
não era muito presente no mercado fonográfico em geral. Atuava mais com as
produções do próprio grupo, trilhas sonoras de novelas etc; e não tinha na
época intenção de investir numa banda de rock de fora do eixo Rio-São
Paulo, que tinha acabado de gravar apenas seu primeiro compacto simples. A
tiragem foi limitada e, principalmente, direcionada ao nosso mercado local, sem
um trabalho de distribuição nacional. O compacto simples acabou sendo o que
continua representando até hoje: um breve registro do trabalho autoral d’A
Chave, que quando foi dissolvida, em maio de 1979, tinha músicas próprias para
gravar pelo menos três ou quatro LPs. Quanto ao fato de nunca termos gravado um
LP, mesmo depois de termos tocado em grandes shows e festivais com todas as
principais bandas de rock do Brasil nos Anos 70 - Mutantes, Secos &
Molhados, Made In Brazil, O Terço, Rita Lee & Tutti Frutti, Som Nosso, Casa
das Máquinas e Joelho de Porco, entre outras; e até feito o show de abertura de
Bill Haley & His Comets, no Teatro Guairão, em Curitiba, para mais de 2 mil
pessoas – A Chave chegou perto de conseguir este feito duas vezes. A primeira
foi depois que abrimos os dois shows da turnê do show “Entradas e Bandeiras”,
de Rita Lee & Tutti Frutti, quando a Mônica Lisboa, empresária da Rita e do
grupo, nos disse que iria fazer um contato com a Som Livre, gravadora da Rita,
e propor para gravarmos um LP pela gravadora. Nessa época, A Chave estava
morando em São Paulo há mais de seis meses, e veio especialmente a Curitiba só
para tocar nos dois shows com a Rita Lee. Nesse período em São Paulo, ainda sem
tocar naquela cidade, nós deixamos de fazer alguns pagamentos do empréstimo
junto a C.R. Almeida e, quando o segundo show acabou, na manhã do dia seguinte
um oficial de justiça, junto com advogados da empreiteira, confiscaram a nossa
parte da renda do show e o nosso equipamento, já que éramos os fiéis
depositários, em função do contrato de garantia e aval que assinamos junto à
empresa, e carregaram todo o equipamento para um depósito da C.R. Almeida. Sem
grana e sem o equipamento, acabamos ficando em Curitiba, e só voltamos a São
Paulo para buscar o restante das nossas coisas pessoais que tinham ficado onde
morávamos na Pauliceia. O equipamento ficou preso por mais de seis meses, até
que eu e o Orlando, com duas participações d’A Chave, realizamos e aprovamos um
projeto com cinco grandes eventos junto à Fundação Cultural de Curitiba, com
uma verba de CR$ 150 mil ccruzeiros para A Chave, e que seria destinada
integralmente para a C.R. Almeida, através de um compromisso de anuência,
firmado pela empresa no contrato assinado entre A Chave e a FCC, se ela
concordasse, para o resgate do equipamento. Voltamos a nos reunir com a
diretoria da C.R. Almeida e informamos que tínhamos conseguido essa verba junto
à Fundação Cultural de Curitiba, e que era tudo que tínhamos para saldar nosso
compromisso. Só que três anos depois, apesar do montante que A Chave já tínha
pago, os CR$ 200 mil do empréstimo inicial, computados os juros bancários entre
os vários períodos que deixamos de fazer pagamentos, levou a nossa dívida para
perto de CR$ 400 mil, quase o dobro. E nós estávamos propondo à empresa apenas
CR$ 150 mil para quitar toda a dívida. Após mais de meia hora de reunião, com
questionamentos por parte dos diretores e advogados da empresa, e eu e o
Orlando explicando a nossa situação e que nunca usamos de má fé quando deixamos
de pagar durante certos períodos, e que usamos, algumas vezes, o pouco de renda
que conseguíamos para nos manter e seguir em frente, buscando novas e melhores
oportunidades. Ou seja, praticamente, além do equipamento que estava naquele
momento confiscado, cada um de nós não tinha nenhum bem pessoal, nem dinheiro
no bolso, e só tínhamos praticamente as nossas roupas e mais nada. Tinha
chegado a hora do pegar ou largar, tanto para nós como para a empresa. Então,
no meio daquela discussão toda, o Henrique Almeida levantou mais uma vez, olhou
para o Cecílio, seu irmão mais velho e presidente da empresa, e disse: -
“Cecílio, vamos acabar com esta história, que já está se arrastando há muito
mais tempo do que era pra ser. Nós não entendemos nada de rock, e não sei se
vamos conseguir vender esse equipamento por mais do que ele estão nos
oferecendo, apesar de que vale muito mais. Nós vamos perder o valor dos juros,
mas pelo menos recuperaremos quase a totalidade do capital investido, levando em
conta o que eles já pagaram. E assim, deixamos esses rapazes continuarem o seu
trabalho, pois já conheço bem eles, e sei que eles não foram desonestos nem
usaram de má fé conosco. Como diretor, coloco essa minha proposta em votação, e
vou concordar com seu resultado, seja ele positivo ou negativo”. Então, o
Cecílio, o poderoso chefão, que ficou o tempo todo escutando o seu irmão sem
interromper, levantou-se também, olhou para nós e disse: - “Voltem à Fundação
Cultural e peçam para ela redigir o contrato, com a cláusula de anuência,
informando a eles que nós aceitamos a proposta de vocês”. Depois de
agradecermos a todos mais uma vez pela compreensão e apoio, nós dois saímos da
empresa com a sensação que tínhamos saltado do Inferno direto para o Paraíso.
Só que, depois de todos esses meses parada, a intenção anterior da Mônica
Lisboa para com A Chave já não existia mais. Mas, pelo menos, retomamos todo
nosso equipamento e o mais importante, totalmente quitado.
A segunda oportunidade
d’A Chave gravar o seu tão sonhado LP foi com o André Midani, na Warner, no Rio
de Janeiro, onde eu e o Orlando tivemos uma reunião com ele na sede da
gravadora, para um entendimento inicial. Mas o acerto acabou não se
concretizando, pois nosso encontro foi um pouco antes da onda da discoteca
explodir no Brasil, com a novela “Dancin’ Days”, e o rock entrou numa maré
baixa em nosso país, e a gravadora do Midani resolveu investir nesse novo
segmento de mercado, junto com o ‘rap’ negro americano que estava tomando conta
do mercado fonográfico naquele país. E assim o sonho d’A Chave de gravar seu
primeiro LP dançou novamente no embalo da discoteca. Mas, não fomos os únicos
atingidos. Pois, naquele período dos Anos 70, também a maioria das bandas de
rock se dissolveram ou passaram a atuar num nicho de mercado bem mais restrito,
pois o público que antes curtia os shows de rock passou a ser então a estrela
nas pistas de dança. Fim do capítulo.
2112. É engraçado que foi preciso um fã produzir um “bootleg” com a gravação
das músicas de um show de vocês junto com as duas músicas do single como bônus,
para que nós tivéssemos acesso ao trabalho da banda? Como foi essa história?
Carlão
Gaertner. Em 2004, dois amigos nossos da loja de discos
Vinil Club, deram de presente para o Ivo Rodrigues, ex-vocalista d’A Chave, e
que era membro do Blindagem, um CD pirata da nossa banda, intitulado “De Ponta
Cabeça”. Eles disseram que acharam o CD numa feira de discos de vinil, em São
Paulo, e que compraram algumas cópias. O CD, além das principais músicas do show
com o mesmo nome do disco, e as duas músicas do compacto como “bonus tracks”,
tinha sido produzido com uma capa/encarte impressa em frente e verso com quatro
lâminas dobradas e oito páginas, com um breve histórico e fotos da banda; no
próprio CD foi impresso a reprodução de um dos lados de nosso compacto simples,
o lado da música “Buraco no Coração”, exatamente igual ao original. E o CD com
a capa plástica ainda vinha encartado num envelope de papelão, onde tinha uma
chave impressa em serigrafia. Um dia, de repente, o Paulinho, ex-guitarrista
d’A Chave e que também tocava com o Ivo no Blindagem, me ligou e contou essa
história sobre o CD pirata da banda, e que o disco estava com ele na produtora
Soft Vídeo, onde ele trabalhava no setor de áudio. Liguei para o Orlando e
fomos os dois encontrar com o Paulinho para ouvir o disco e conhecer o referido
CD. Ficamos os três completamente surpresos e alucinados com o achado,
principalmente, porque o CD era então um registro concreto e real do trabalho
musical autoral que realizamos, vinte e cinco anos depois da dissolução d’A
Chave. Nessa época, eu estava começando a produção para realizar uma
festa/show, intitulada “Carlão & Os Amigos do Blues”, em comemoração ao
Aniversário de 7 Anos do programa 91 Radio Blues, que eu produzia e apresentava
na FM 91 Radio Rock, em veiculação semanal, e que teria a participação da minha
banda Bartenders e de mais de 30 músicos da cena Rock e Blues de Curitiba, em
diversas formações na programação do evento. Então, nesse encontro com o
Paulinho e o Orlando para conhecer e ouvir o CD “De Ponta Cabeça” pela primeira
vez, eu tive um ‘insight’ e convidei os dois para fazermos um revival d’A Chave
com sua formação original na festa, e que também produziríamos uma edição
pirata e limitada do nosso CD pirata, realizando assim o ‘cd pirata do pirata’,
para ser lançado e vendido na festa. Os dois acharam que eu estava ficando
louco ao propor esse revival 25 anos depois, sem contar que ainda dependeria da
aceitação do Ivo em participar. Mas, no final, todo mundo ficou empolgado com
aquela oportunidade d’A Chave voltar a tocar com todos os seus membros
novamente ao vivo, e num show profissional e com toda a estrutura técnica em
relação a equipamento musical, de luz, telões e que seria filmado pela
produtora de vídeos Cromamix, com a qual eu já tinha acertado uma permuta para
a produção e edição de um DVD sobre a festa, em troca de serviços de assessoria
de imprensa que eu prestaria para a empresa, como jornalista, através da minha
empresa Solarpress Comunicação e Marketing. Ligamos em seguida da própria Soft
Vídeo para o Ivo, explicamos toda a ideia que tivemos e que nós três já
tínhamos concordado, e o Ivo também aceitou a proposta. A festa foi um tremendo
sucesso, com o Via Rebouças, casa de shows onde foi realizada, totalmente
lotado. Além disso, a maior parte da edição limitada do CD que produzimos,
exatamente igual ao CD pirata original, foi vendida na festa e os poucos
exemplares restantes foram vendidos em seguida para amigos e fãs da banda, na
loja Vinil Club. Nesse projeto pirata tivemos o apoio da Marcinha Teixeira,
mulher do guitarrista Paulinho, que cuidou da maior parte do processo da
pirataria (rs). Sucesso total.
A Chave (2004)
2112. Pelo que eu sei foi o primeiro caso que uma banda se apoderou de um
produto ilegal para o lançar de modo legal. Você conhece algum caso parecido na
história do rock?
Carlão
Gaertner. Exatamente igual ao caso que comentei sobre o
CD ‘pirata do pirata’ d’A Chave, quando a própria banda produz um CD pirata, de
forma independente e pessoal, exatamente igual ao CD pirata que descobriu com o
seu trabalho autoral depois de muitos anos de sua dissolução, eu desconheço.
Acho que A Chave foi a primeira e precursora desse tipo de ‘pirataria’ (rs).
Tem também o caso de alguns ‘bootlegs’ do Bob Dylan, que após ele tomar
conhecimento, ouvi-los e achar muito bom o resultado da pirataria, resolveu
relançá-los oficialmente, só que através de suas gravadoras, e não como uma
iniciativa totalmente produzida por ele mesmo. Acho que os Stones também
fizeram isso, assim como os Beatles e outras bandas. Mas, a forma como foi
realizado o d’A Chave, numa iniciativa dos próprios membros da banda, sem
interesses financeiros e apostando tudo no trabalho musical e artístico que
realizou, acho que é um caso único e pioneiro. Aliás, essa é uma característica
marcante e registrada d’A Chave ao longo de toda a sua carreira: sempre ter uma
‘chave mestra’ em mãos para abrir pela primeira vez as novas portas que iam
surgindo e descobrir e mostrar para seu público e para os músicos das novas
gerações os novos caminhos de sua jornada visceral, artística e musical.
2112. Podemos afirmar que nem todo pirata é um bandido... esse, pelo menos,
fez um belo trabalho cultural, não é?
Carlão
Gaertner. Nos mares navegados pelos corsários do Rock,
existem os piratas bons que compartilham generosamente os seus tesouros e
raridades, sem outros interesses a não ser se divertir e distribuir alegria
para as outras pessoas, piratas ou não; e têm os piratas realmente maus, que
saqueiam e exploram os tesouros e raridades dos outros, em benefício próprio e
sem compartilhar nada. A pessoa que produziu e pirateou as músicas d’A Chave,
lançando o CD “De Ponta Cabeça”, na real prestou um grande favor à banda e aos
seus membros, criando um registro com bastante qualidade – levando em conta que
foi produzido a partir da gravação doméstica de um ensaio da banda, totalmente
microfonada na sua mesa de mixagem Peavy, onde foi plugado na saída da mesa os
dois canais de um gravador Akai de fita de rolo em paralelo, com o som em mono,
que era a única opção possível. Em contrapartida, A Chave pirateou o CD pirata
original e compartilhou a edição limitada que produziu com os amigos e fãs da
banda, vendendo o CD por um preço super acessível, somente para recuperar o
investimento feito em sua produção e fabricação. Por isso, tanto o pirata
original assim como a d’A Chave, eu considero que são bons piratas. E todos que
desfrutaram dessas piratarias ficaram felizes e curtem assim o som d”A Chave
para sempre, preenchendo o vazio e a lacuna que a banda deixou quando acabou,
por nunca ter gravado um LP. Acho que foi um final feliz para todos os
envolvidos, direta ou indiretamente. Rock na veia e nos velhos, com A Chave
girando mais uma vez na fechadura (rs).
2112. Eu conheço um outro bootleg de vocês com um show gravado em 1975 no
Ginásio de Esportes do Moringão, em Londrina. O som é até audível... um
verdadeiro barato e que se não fosse um fã da banda estaria perdido em algum
porão empoeirado...
Carlão
Gaertner. Esse outro com a gravação do show que fizemos
em Londrina, tem uma qualidade sonora um pouco inferior ao “De Ponta Cabeça”.
Mas, por outro lado, tem um diferencial único: ele capta a energia e o lado
visceral d’A Chave ao vivo, em cima do palco e na frente de seu público. Esse
clima é totalmente diferente da banda tocando num ensaio, apesar de que sempre
ensaiamos no mesmo pique como se estivéssemos tocando ao vivo e em público.
Mas, sempre existem diferenças e os momentos especiais de um show, na hora em
que rola uma empatia e interação forte entre os músicos e o público, criando no
espaço a magia e a alegria contagiante do Rock.
2112. Vocês encerraram carreira em 1979... O que realmente motivou o fim da
banda?
Carlão Gaertner. Esse é
um dos capítulos mais longos da trajetória d’A Chave, que comentarei a seguir,
detalhando em pormenores e com informações inéditas o que aconteceu na reta
final da existência da banda. Em 1978, depois que retomamos nosso equipamento e
em plena fase da discoteca no cenário musical, A Chave já não tocava tanto como
antes. Chegamos a fazer um show no Palácio de Cristal do Circulo Militar,
chamado Rock And Roll Circus Discoteque, com a participação do guitarrista
Pisca, da banda Casa das Máquinas - que era muito meu amigo e que sempre vinha
para Curitiba para curtirmos juntos - tentando juntar no mesmo local o público
de Rock e o da ‘disco music’. Mas o resultado foi insatisfatório em termos de
público e financeiro. Agora imagine, que no mesmo local, A Chave já tinha
tocado com o espaço totalmente lotado (capacidade de +/- 5.000 pessoas) nos
shows junto com o Secos & Molhados, Made In Brazil, Rita Lee & Tutti
Frutti, e no seu show de lançamento do compacto simples, que teve a
participação do Manito. Em pouco mais de um ano a realidade do mercado mudou
totalmente e o Rock foi para o fim da fila e perdeu quase que completamente o
seu público nos poucos shows ao vivo que ainda eram promovidos. Nesse período,
eu e o Orlando tivemos um desentendimento com o Ivo, e ele acabou saindo da
banda. Nós dois, juntos com o guitarrista Paulinho, continuamos a ensaiar
e a compor com a formação de trio e, em menos de dois meses, criamos novas
músicas para um show completo com músicas inéditas, que iríamos chamar de “Socorro!
Socorro!”, quando fosse apresentado, e que também era o nome de uma das
músicas. Um dia, o Paulinho encontrou com o Ivo sem querer na cidade, e
comentou com ele que nós três tínhamos criado um novo show, totalmente com
músicas inéditas e convidou ele para assistir um ensaio. O Ivo ficou meio
relutante, mas acabou aceitando o convite, e apareceu no Centro de Criatividade
do Parque São Lourenço, unidade da Fundação Cultural de Curitiba, que cedeu uma
sala no local para ensaiarmos. Depois que tocamos todas as novas músicas do
show que montamos para o Ivo, ele fez uma cara meio engraçada, expressando um
misto de arrependimento e felicidade, e perguntou para nós três se podia voltar
a cantar e tocar na banda. Nós três respondemos que sim, e ele começou a
ensaiar as novas músicas conosco e ainda fizemos nós quatro mais duas ou três
novas, antes de estrear o show no pequeno auditório de Teatro Universitário,
numa temporada de uma semana, com sessões duplas na sexta e no sábado. Apesar
de só ter cento e cincoenta lugares no teatro, a temporada teve um público
razoável, mas não lotou o espaço em nenhuma das noites. A barra estava pesada e
desanimadora naquele momento para quem tocava rock – e não só aqui em Curitiba.
Mesmo com esse triste cenário, o show “Socorro! Socorro1” mostrou A Chave na
melhor forma e performance de sua carreira, com um som mais pesado ainda e
um‘set list’ muito legal, e com ótimas e bem elaboradas músicas no programa.
Estava parecendo ‘a crônica de um final anunciado’, parodiando o título de um dos
livros do famoso escritor Gabriel Garcia Márquez.
No final daquele mesmo
ano (1978), eu e o Orlando voltamos a ser contratados pelo nosso amigo Emery,
proprietário da discoteca Gledson Disco Laser, na praia de Camboriu, em Santa
Catarina, para fazer novamente a promoção e a divulgação da casa na temporada
de verão 1978/79, depois de termos trabalhado no local na temporada anterior.
Já conhecíamos o Emery desde 1977, quando ele organizou e realizou o Festival
Camburock, onde A Chave tocou junto com outras bandas e artistas de rock dos
Anos 70, que já comentei. Perto do final da temporada foi apresentado no
pavilhão de feiras do balneário um espetáculo multimídia, chamado “Welcome Back
Beatles”, que um produtor americano, Norman Harris, estava começando a exibir
no Brasil. Mal divulgado, teve muito pouco público. No final da apresentação
conhecemos o Norman e ele nos informou que iria para Porto Alegre e depois para
Curitiba, antes de seguir para São Paulo e Rio de Janeiro. Nós comentamos com
ele que tínhamos uma banda, que também promovíamos espetáculos e shows e que,
no momento, estávamos fazendo a promoção da Gledson Disco Laser, principal casa
noturna de Camboriu, onde A Chave também se apresentava em fins de semana
alternados. Daí ele convidou nós dois para fazermos a promoção e divulgação de
seu espetáculo em Curitiba.
Quando terminou a
temporada na praia, eu e o Orlando voltamos a Curitiba e começamos a trabalhar
com a produção do “Welcome Back Beatles”. Acertamos uma data no Auditório Bento
Munhoz da Rocha, o Guairão, principal auditório da Fundação Teatro Guaíra, com
capacidade para 2.173 pessoas, onde seriam realizadas duas sessões do
espetáculo. Assim que os ingressos foram colocados à venda, rapidamente esgotou
a venda para essas sessões, e então acertamos com a FTG a realização de mais
duas sessões, totalizando quatro sessões corridas, que venderam todos os
ingressos. Norman Harris ficou deslumbrado e super animado com o
resultado e, quando fomos fazer os acertos financeiros no hotel onde ele estava
hospedado após os espetáculos, ele voltou a nos convidar para continuar fazendo
a promoção do espetáculo na temporada de uma semana em São Paulo num teatro da
capital paulista que já estava contratado, mais um mês de exibição em cidades
do interior de São Paulo, e mais uma semana no Rio de Janeiro, sede da empresa
brasileira associada ao Norman nesse projeto. O sucesso repetiu-se em São
Paulo, onde ampliamos para duas semanas de exibição; depois, durante um mês,
percorremos mais cinco cidades do interior do Estado de São Paulo com o
espetáculo; em seguida, estreamos a nova temporada no Rio de Janeiro, no Teatro
Tereza Raquel, também com o teatro lotado. Na metade da primeira semana, o
cineasta Ipopjuca Pontes, marido de Tereza Raquel e administrador do teatro,
conversou conosco e disse que poderíamos programar mais uma semana de
apresentações, pelo sucesso que o espetáculo estava conseguindo e baseado na
sua experiência na referida área. Aceitamos a sugestão e antes de acabar a
primeira semana, consegui com o Jornal Hoje, da Rede Globo, na época
apresentado e coordenado por Leda Nagle, a filmagem do espetáculo pela equipe
do telejornal, que foi veiculada numa matéria especial na edição de sábado do
JH daquela semana, além de toda a penetração que também conseguímos em jornais,
rádios e outras emissoras de TV da imprensa carioca. Moral da história:
acabamos ficando quatro semanas exibindo o espetáculo no Teatro Tereza Raquel,
sempre lotado, e todo mundo envolvid ficou muito feliz e gratificado: Norman
Harris e seus sócios, eu e o Orlando – que ganhamos uma boa grana em toda a
turnê do espetáculo, já que além da remuneração tínhamos todas as nossas
despesas pessoais – hospedagem, alimentação e transporte pagas – e os
proprietários do teatro, Tereza Raquel e Ipojuca Pontes.
Agora vem a parte
interessante e especial dessa temporada carioca. Eu e Orlando chegamos no Rio
de Janeiro, junto com os dois outros membros da equipe – o motorista da Kombi,
que carregava o equipamento do show e também era o montador e operador do
sistema multiidia do espetáculo, e nosso técnico e operador de som d’A Chave, o
Godoy, que operava o nosso P.A. (mesa de mixagem Peavy e as caixas Altec, com
falantes JBL), que também tínhamos alugado para toda a excursão depois de
Curitiba. E que era mais uma fonte de renda para nós. Assim que começamos a
divulgação, percorrendo os veículos de imprensa, vi na programação cultural de
um jornal que tinha uma banda chamada Aero Blues tocando na boate Appalloosa,
na Rua Barta Ribeiro. Numa quarta-feira à noite eu o orlando fomo conhecer o
local e assistir a banda, que foi quando assisti pela primeira vez o Celso
Blues Boy tocar guitarra, ao de Renato Ladeira (teclados), Marcelo Sussekind
(no baixo, que fez parte d’A Bolha, assim como Renato Ladeira) e Geraldo
D'arbilly (bateria), que também era o proprietário da Boate Appalloosa. Durante
os primeiros dias e durante toda a temporada de um mês do “Welcome Back
Beatles” no Rio, viramos frequentadores quase diários da casa de blues. Depois
de assistir três apresentações do Aero Blues seguidas, na noite de sexta-feira,
quando a banda fez seu primeiro intervalo, fomos conversar com o Celso Blues
Boy pela primeira vez e nós apresenamos, dizendo que éramos o baixista e o
baterista da banda A Chave, de Curitiba, que já tínhamos realizados três shows
com músicas próprias – “De Ponta Cabeça”, “Vai à Luta” e “Socorro! Socorro!” e
que também já tínhamos tocado com as principais bandas de rock nacional dos
Anos 70. Falamos também que curtimos muito o som da banda dele, ali no
Appalloosa, e que também adorávamos Blues. O Celso comentou que já tinha ouvido
falar d’A Chave na Revista Pop e Música, e em algumas notas que sairam na
coluna do Nelson Motta, no Jornal O Globo. Acabamos ficando amigos. Quando
voltei várias vezes à Appalloosa na segunda semana e nas seguintes, sempre
ficava conversando com o Celso nos intervalos e depois um tempo depois
começamos a sair juntos após as apresentações dele pela madrugada carioca,
principalmente, para jogar sinuca num ‘snooker’ famoso na época, onde o
guitarrista Toninho Horta, amigo do Celso, jogava às vezes conosco, além de
outras figuras conhecidas, e viramos parceiros e amigos inseparáveis durante
aquele mês e meio que fiquei morando no Rio. Faltando uns 10 dias para o final
da temporada no Teatro Tereza Raquel, e à nossa volta a Curitiba, uma noite eu
perguntei à queima-roupa para o Celso se ele não gostaria de ir para Curitiba
conosco e fazer parte d’A Chave. Ele ficou meio surpreso na hora e continuamos
a discutir o assunto nos dias seguintes. Eu enfatizei que com a entrada dele na
banda – com todo o trabalho autoral que já tínhamos composto e com um tremendo
equipamento todo importado e mais as músicas dele – seríamos uma puta banda de
Rock e de Blues, com uma ponte entre Curitiba/Rio de Janeiro, e que também
poderíamos tomar de assalto a cena musical de São Paulo, onde também já éramos
conhecidos. Depois de todos essas conversas e projeções futuras, o Celso
aceitou nossa proposta e deixou o Rio com malas e equipamento (guitarra e amplificador)
comigo e o Orlando, quando retornamos alguns dias depois para Curitiba. Assim
que chegamos, nos reunimos com o Ivo e o Paulinho, os outros dois membros d’A
Chave – pois ficamos fora de Curitiba por mais de três meses - apresentamos o
Celso e comunicamos que ele veio conosco para tocar na banda. E que
começaríamos a ensaiar com ele em seguida. Depois de uma semana de ensaios, o
Ivo, sem maiores explicações, nos informou que não estava a fim de continuar
conosco e que estava saindo da banda, e não quis entrar em maiores detalhes.
Foi um tremendo choque para mim e o Orlando, e o Celso ficou sem entender nada.
Mais tarde fiquei sabendo que ele ficou meio enciumado de dividir o vocal
principal em algumas músicas com o Celso, que também cantava muito bem, e por o
Paulinho também ter que dividir os solos com outro guitarrista, já que o Ivo e
o Paulinho tinham também uma relação muto forte fora da banda, onde tocaram e
cantaram juntos por muitos anos (guitarras e vocal principal e backing). Logo
depois ele entrou para o Blindagem, que foi uma coisa que já estava meio armada
durante o período que ficamos fora da cidade. Continuamos ensaiando com o
Paulinho e para nossa surpresa, depois de uma semana, quando a banda já estava
tirando um puta som com duas guitarras fazendo solos e bases alternandas entre
si, o Paulinho nos informou que também iria sair d’A Chave, e que iria
continuar tocando com o Ivo no Blindagem. Curto circuito total e o começo do
fim d’A Chave com sua formação clássica. Sobramos só nós três: eu, o Orlando e
o Celso, e resolvemos continuar A Chave como um trio. Durante o período de três
meses que o Celso ficou morando na casa da minha família em Curitiba –
onde eu morava com minha mãe (viúva), minha irmã e meu irmão casado com um
filho pequeno – eu fiquei pagando um salário mensal do meu próprio bolso para o
Celso com a grana que tinha ganho trabalhando no “Welcome Back Beatles”. Só que
apesar do som da banda estar ficando muito bom com a formação de trio, as
perspectivas de começar a atuar ao vivo e começar a gerar renda ainda estavam
distantes e, depois destes três meses a barra financeira pesou e, de comum
acordo com o Celso, chegamos a conclusão que nosso projeto juntos estava
ficando inviável e que era melhor ele voltar para o Rio, com o que ele
concordou, pois também já estava começando a se sentir como um fardo perante
aquela situação. Esse fato é praticamente inédito e muito pouca gente sabe que
durante três meses, Celso Blues Boy fez parte d’A Chave, mesmo nunca tendo se
apresentado em público com a banda. Um capítulo antológico e praticamente
desconhecido na cena rock e bluesy brasileira dos Anos 70. Continuei sendo um
grande amigo do Celso Blues Boy até o final de sua vida, e anos depois ele
tocou várias vezes junto com a minha banda Bartenders em festivais de blues e
outros shows aqui Curitiba, sempre que vinha para a cidade.
Mestres Bass: Oswaldo (Made In Brazil) & Carlão
2112. Depois do fim da banda você formou A Pedra que tocou bastante no
circuito de bares de Londrina e região. Você fugiu do esquema continuação do
som da Chave? Que tipo de som vocês faziam?
Carlão
Gaertner. A Pedra teve três formações ao longo de sua
existência, de 1982 a 1986, com pequenos intervalos entre uma e outra. O
embrião da banda começou comigo e com o guitarrista Gilan Campos, depois de nós
dois tirarmos praticamente todo o repertório de rock internacional inicial e
compor algumas músicas juntos, antes de convidarmos nosso amigo Alves para ser
o vocalista. Ainda não tínhamos baterista e, finalmente, acabamos convidando um
outro conhecido, cujo apelido era Negrinho, por ser baixinho e escuro, que era
um músico que tocava na noite, principalmente em boates onde as garotas pedem
para você pagar uma Cuba Libre (rs). Depois de alguns ensaios no pequeno
estúdio de uma banda amiga, chamada Os Vondas, estreamos finalmente no antigo e
extinto bar Porto Velho, o primeiro bar de rock com música ao vivo de Curitiba,
e passamos a ser uma das bandas fixas da casa. Um tempo depois o Negrinho saiu
da banda, e convidamos outro baterista chamado Gerson, bem mais roqueiro que o
anterior, e um outro amigo Cesar Reis que tocava teclados. Este quinteto foi a
segunda formação d’A Pedra e até durou um tempo, tocando no circuito de bares
em Curitiba, e em outras cidades do interior do Paraná, como Londrina e região
e Ponta Grossa. Participamos também de um festival, chamado Castelo Eldorado,
não me lembro se foi no interior do Paraná ou de Santa Catarina, onde também
apresentou-se o Made In Brazil, Tony Osanah, Manito e outros grupos menos
conhecidos. Quando essa formação de quinteto dissolveu-se, eu e o Gilan
continuamos juntos e começamos a compor novas músicas próprias (letra e música)
e também fizemos uma parceria com o jornalista e escritor Otavio Duarte, amigo
nosso, que também fazia letras conosco quando os três se reuniam para criar
novas músicas. Conhecemos um novo baterista, chamado Edson Teixeira, que já
tinha tocado com algumas bandas caseiras e começamos os três a ensaiar o
repertório internacional que já tocávamos e as nossas músicas autorais. Uma
noite no Bar ZéBlue, mostrei para o Gilan e para o Edson um garotão que era o
vocalista de uma banda de ‘blue grass’, chamada Capim Azul que estava tocando
no local, cujo nome era Luiz Marcelo Bertoli de Mattos – que eu já tinha visto
cantar num show de sua banda no Teatro Guaíra - e que tinha uma veia bluesy no
seu estilo como cantor, além de cantar rock e country e ter uma presença bem
elétrica e agitada em palco. Assim que a banda fez um intervalo, nós três
cercamos o Luiz Marcelo, falamos a ele que éramos da banda A Pedra e que
estávamos procurando um novo vocalista, e que tínhamos gostado muito dele
cantando. Daí perguntamos se ele queria entrar para A Pedra. Ele ficou surpreso
com o convite também à queima-roupa, e a princípio disse que cantava há mais de
um ano no Capim Azul, junto com o Sandro, que era o guitarrista e também líder
do quarteto, que ainda tinha um baixista e um baterista, e que seria uma
sacanagem sair de repente do grupo. Falamos para ele que não precisava dar uma
resposta imediata, que ele pensasse no convite e na oportunidade de cantar numa
banda essencialmente de rock e com um trabalho autoral, junto com um repertório
internacional diferenciado dos outros grupos locais. Finalmente, convidamos ele
para assistir um ensaio sem compromisso e cantar algumas músicas conosco para
sentir o clima. Uma semana depois, combinamos o encontro e ele apareceu no
ensaio. Tocamos inicialmente algumas músicas nossas com o Gilan cantando,
quando nas formações anteriores da banda ele só fazia ‘backing vocals’, por
achar que sua voz não servia para ser a principal. Daí perguntamos ao Luiz
Marcelo se ele cantava alguma coisa dos Stones, e de cara tocamos Honky Tonky
Women e Jumpin’ Jack Flash com ele cantando o vocal principal. Após tocar essas
duas músicas, a formação deu a maior liga no ato e a eletricidade do rock já
estava circulando entre nós quatro. Então ele falou que gostava muito do The
Doors e nós dissemos que tocávamos Roadhouse Blues. Começamos tocar o riff
inicial da música, com aquela batida marcante de ritmo, e o Lulu – como
começamos a chamá-lo depois que ele entrou para A Pedra – começou a improvisar
com a voz, antes de iniciar cantar a letra da canção e recriou com seu estilo
pessoal de cantar as improvisações vocais que o Jim Morrison fazia mais ou
menos na metade da música na versão original, sem ser uma simples imitação, mas
trazendo com sua vocalização a referência do vocalista do The Doors. No final
dessa música, o Luiz Marcelo disse que queria entrar para a banda e só pediu o
tempo para ele dar a notícia de sua saída ao Capim Azule e para o Sandro, e
mais duas ou três semanas para terminar de cumprir os compromissos das
apresentações já agendadas, para não deixar seus ex-companheiros na mão e numa
roubada. E que nesse período nós poderíamos já começar a ensaiar nos dias que
ele tivesse livres. Essa terceira e definitiva formação d’A Pedra como quarteto
– Luiz Marcelo Bertoli de Mattos (vocalista), Gilan Campos (guitarra solo e
base e ‘backing vocals’), Carlão Gaertner (baixo) e Edson Teixeira (bateria) –
durou quase até o final de 1986. Além de continuar tocando no circuito de bares
com música ao vivo, também produziu um show próprio no Teatro do Paiol, um show
maior no Teatro Salvador de Ferrante, o Guairinha, da Fundação Teatro Guaíra,
com a participação de músicos convidados – mais uma guitarra, teclados e
violino. A Pedra também tocou num grande show de rock com atrações locais e
nacionais, no Pavilhão de Exposições do Parque Barigui, administrado na época
pela Diretriz Empreendimentos, do meu amigo e empresário Carlos Jung, para quem
também trabalhei na produção e organização do evento. Entre as atrações
nacionais faziam parte da programação Os Titãs do Iê-Iê, com sua primeira
formação e que fazia sucesso com Sonífera Ilha; Lobão & Os Ronaldos, João Penca
& Miquinhos Amestrados, Radio Taxi, Leo Jaime e Duardo Dusek, que na
ocasião estava fazendo também um tremendo sucesso. Essa foi a trajetória d’A
Pedra, antes da dissolução da banda.
2112. Depois do fim da A Pedra você deixou de tocar por uns tempos e ficou
trabalhando apenas com produção. Como foi esse período?
Carlão Gaertner. Eu já
trabalhava com produção e promoção artística desde o tempo d’A Chave, quando,
principalmente, eu e o Orlando bolávamos os eventos e/ou projetos e buscávamos
patrocínios para as realizações da banda. Durante parte da existência da Pedra
e até um pouco depois, eu trabalhei também com o empresário artístico Neivo
Beraldin, antes dele ingressar na Política como vereador em 1982, e depois até
o início da segunda metade da década de 80. Junto com ele eu produzi shows em
Curitiba e Santa Catarina de Roberto Carlos a Elis Regina, de Gilberto Gil a
Belchior, do cantor Wando a Fafá de Belém, além de algumas atrações
internacionais e um mega show com Os Menudos, no estádio do Coritiba Futebol
Clube, no auge da fama do grupo.
Depois que parei de
trabalhar com o Neivo Beraldin, comecei a trabalhar com meu amigo Helinho
Pimentel, um dos diretores e também um dos proprietários da pioneira FM Estação
Primeira, a primeira Rádio Rock de Curitiba, e que também atuava como promotora
de shows, com a chancela promocional exclusiva da emissora, em seu segmento.
Alguns dos principais shows internacionais que promovemos nessa parceria foram:
Ian Anderson e Jethro Tull, Deep Purple, dois shows da Ian Gilan Band (quando
ele ficou uns tempos fora do Deep Purple), o 1º Festival Internacional de
Reggae, na Pedreira Paulo Leminski, com várias atrações da cena reggae, como
The Wailers, Ziggy Marley, Black Uhuru, entre outras; e também a Charlie Watts
Orchestra, no show “Ode For Charlie Parker”, além de shows com atrações
nacionais. Num voo solo, substitui meu amigo Gabi – que saiu por motivos de
saúde - na produção local do show do Paul McCartney, na Pedreira Paulo
Leminski. Durante três dias praticamente morei no local e tive o prazer de
apertar a mão do Paul, antes dele entrar para o seu camarim, que ficava sob o
palco, quando ele chegou no espaço. Fui apresentado a ele pelo promotor
nacional da turnê do Paul McCartney no Brasil, chamado Paulo Rosa. Enfim, conheci
um Beatle e um dos membros dos Stones pessoalmente: Paul McCartney e Charlie
Watts. Adorei.
2112. Quais bandas você produziu?
Carlão
Gaertner. Eu só produzi as próprias bandas em que eu
toquei, desde o Beat Group nos Anos 60, até atualmente os Bartenders, banda que
participo como membro fundador e baixista desde 1991, depois de passar pelos
Primatas, A Chave, A Pedra e, finalmente, fundar os Bartenders. No projeto que
já comentei, que eu e o Orlando executamos para a Fundação Cultural de Curitiba
para resgatar nosso equipamento, nos Anos 70, um dos eventos chamava-se “Nossa
Gente Nova”, que contou com a participação de mais de 10 bandas de rock
emergentes locais, que tiveram uma grande promoção e divulgação na imprensa, e
que também tocaram no palco de um teatro pela primeira vez. O evento foi
realizado no Teatro Universitário, uma das unidades da FCC. Mas foi mais um
trabalho de apoio e de divulgação às novas bandas emergentes de Curitiba.
Carlão
2112. Mesmo emergido no trabalho você não sentiu em algum momento saudades de
tocar seu baixo?
Carlão
Gaertner. Durante o período em que fiquei sem tocar em
banda – do final d’A Pedra ao início dos Bartenders (1986/91) – de vez em
quando eu dava uma canja em bandas que conhecia e que tinham amigos como
membros. Mas, só esporadicamente. Mas, durante esses anos, eu sempre senti
saudades e vontade de voltar a tocar, até que isso voltou a acontecer novamente
em meados de 1991.
2112. Em 1991 surgiu um convite para fazer um som com amigos e desse encontrou
nasceu o Bartenders. Como foi essa história?
Carlão
Gaertner. Uma tarde, na locadora de vídeos do Renato
Moura, que eu era associado, eu encontrei o jovem Ricardo Moura, irmão mais
novo do Renato, que me conhecia d’A Chave. Fui com ele até uma sala nos fundos
da locadora, e ele tocou para mim algumas músicas em seu violão Yamaha. Daí
comentou que também tinha uma guitarra e que fazia um som de brincadeira com um
baterista, nos finais de semana, no sótão da empresa de seu outro irmão mais
velho. E me convidou para ir tocar com eles. Eu falei que ainda tinha o meu
baixo Fender Precision, da época d’A Chave, mas que não tinha mais amplificador
para tocar baixo, e que estava há alguns anos sem tocar. Ele me disse que no
local onde ensaiavam também tinha um amplificador Palmer, que poderia ser usado
no baixo. Duas semanas depois fui tocar com os dois e comecei a curtir a
brincadeira. Aí comecei a passar para os dois músicas de rock e alguns blues
que eu já tocava, além de algumas músicas d’A Chave e uma d’A Pedra, “Johnny
Atmosfera”, da parceria com o guitarrista Gilan Campos, e que alguns anos
depois gravamos no primeiro CD dos Bartenders, “Black Wiskey & Full Moon”.
Depois do primeiro encontro, mandei o Ricardo dispensar a guitarra, já que a
primeira corda Mi não afinava, pois sua tarraxa tinha quebrado e emperrado fora
da afinação padrão do afinador eletrônico e soava estranho quando ele tocava
naquela corda sem querer. Eu tinha um captador Dean Markley móvel, que comprei
para o meu violão Gianinni, modelo Folk, que eu tinha desde 1979, e a partir
dos próximos ensaios eu emprestei o captador para o Ricardo fazer base no seu
violão Yamaha, e o som ficou muito melhor. Depois de quase três meses dessa
brincadeira musical nos fins de semana, eu e o Ricardo encontramos o guitarrista
Julio Afara num show internacional no Aeroanta Curitiba, que já não existe
mais, e que era vidrado nos Stones. Perguntei a ele se estava tocando em alguma
banda e ele respondeu que não, que só tocava em casa com sua Fender
Stratocaster e um combo da Marshall. Falei para ele que estava tocando só pra
curtir com o Ricardo e um baterista nos fins de semana e o convidei para ir
fazer um som conosco, só por curtição. No fim semana seguinte o Julio apareceu
com seu amp e a guitarra. Mostramos para ele as músicas que já estavam
ensaiadas e começamos a tocar. O Julio também apresentou algumas músicas de seu
repertório e algumas composições de sua autoria, que passaram a fazer parte do
repertório. A entrada do Julio em nosso trio teve uma ligação instantânea e no
final daquele primeiro ensaio parecia que já tocávamos juntos há muito tempo.
Depois de uns dois meses em que nós quatro estávamos tocando juntos, fomos uma
noite no bar El Potato, um dos principais bares de rock da cidade, e acabamos
dando uma canja com os instrumentos e equipamento da banda The Elders, formada
por músicos amigos nossos. Quando finalizamos a apresentação, depois de
tocarmos umas seis músicas, o dono do bar veio falar conosco e nos convidou
para tocar no local no fim de semana seguinte, já que o público tinha adorado
nossa apresentação e o repertório. Nós falamos para ele que não éramos uma
banda, e que só tocávamos juntos por curtição e prazer. Nem nome o nosso
quarteto tinha. Ele retrucou para escolhermos um nome, que no início da semana
seguinte ele entraria em contato para saber o nome e colocar no material
gráfico de divulgação do bar: folhetos, posters e mural interno, assim como no
release que seria enviado à imprensa, com a programação musical semanal do bar.
Numa reunião na minha casa, ouvindo discos e tentando escolher um nome, eu tive
um ‘insight’, em função de que, além de nós quatro, só a banda Mister Jack
também tocava blues na cidade. E, no cenário nacional do blues, o Blues
Etílicos e a banda Big Alanbik tinham nomes ligados e associados às bebidas
alcoólicas. Então, sugeri o nome Bartenders, inspirado na música “Hey
Bartender”, do bluesman Floyd Dixon. Nesse clima, nós seríamos os ‘atendentes’
do blues, servindo doses do gênero em nossas apresentações. Todos gostaram do nome
e no fim de semana seguinte, dia 19 de novembro de 1991, estreamos oficialmente
no El Potato, como os Bartenders e com muito sucesso. Alguns dias depois, nosso
amigo Sergio Apter, um dos proprietários da casa de shows Aeroanta, recém
inaugurado em Curitiba, me consultou se queríamos tocar no Villa Rock de Natal,
festa tradicional e de muito sucesso em Curitiba, que depois de algumas edições
seria realizada no Aeroanta pela primeira vez. Era principal festa de fim de
ano para o público jovem e também para o mais adulto, realizada em Curitiba. E
os Bartenders, com pouco mais de um mês de existência oficialmente, foi a
atração musical do evento, passando na frente de todas as outras bandas já
conhecidas e até consagradas na cena rock curitibana. O sucesso foi tremendo,
que voltamos a tocar no evento nos quatro anos seguintes, sendo a última com a
segunda formação da banda, que tinha virado um quinteto, com a entrada de Luiz
Carlini na segunda guitarra, dividindo os solos com o Julio, que já era
conhecido e chamado de Johnny Tequila, seu alter ego rockeiro, e Franklin
Paolillo na bateria, ambos ex-membros da banda Rita Lee & Tutti Fruti.
2112. A banda Bartenders, assim como A Chave, produzia blues e rock e para
melhorar a receita vocês acrescentarem pitadas de Southern Rock, o que deixava
o som bem mais pesado e diversificado. São experiências como essas que fazem
falta nas bandas atuais?
Carlão
Gaertner. Eu não gosto de falar ou criticar o som ou a
proposta musical de outras bandas que tocam rock ou blues como a nossa. Essa
pitada de Southern Rock, que você comentou, se existe no som dos Bartenders
entrou de forma instantânea, instintiva e não premeditada, quase como uma
referência subliminar. Não posso afirmar categoricamente que esse ingrediente
faz falta e que seria fundamental no som de outras bandas, porque cada uma
delas aposta na sua proposta e o som que produzem é o resultado da somatória
das influências musicais de todos os seus membros, assim como da bagagem
cultural e nível de informação de cada um deles. Nesse contexto, algumas bandas
têm membros com mais ou menos esses conteúdos, assim como membros com mais ou
menos talento e criatividade musical. Como essas variáveis são muitas e também
subjetivas, é difícil dizer qual é melhor fórmula para atingir o sucesso, ou
pelo menos ter seu trabalho apreciado e respeitado pelo público. Na banda
Bartenders, todas as músicas de nossa autoria nasceram espontaneamente, ao
aflorar naturalmente uma ideia baseada numa sequência harmônica ou num riff
marcante e, às vezes, até num verso inicial de uma letra, que logo é associado
a uma melodia, que passa a definir uma harmonia e as sequências seguintes. O
processo de compor música sempre é muito dinâmico e não segue regras – pelo
menos o nosso nos Bartenders é assim - e se apresenta de várias formas ou
caminhos diferentes, dependendo de cada momento – que sempre é único e singular
- e do feeling pessoal dos músicos compositores envolvidos diretamente no
processo de seu início até o seu termino, quando uma nova música nasce e quer
ter o seu espaço.
Carlão e Orlando Azevedo (ex baterista da banda A Chave)
2112. Você chegou a ter grandes músicos ao seu lado como Luiz Carlini e
Franklin Paolillo. Deve ter sido um período muito bacana...
Carlão
Gaertner. Sempre admirei o meu amigo Carlini, desde que
o conheci no início dos anos 70, tocando no Rita Lee & TuttuFrutti, e o
Franklin alguns anos depois. Em fevereiro de 1994, nós tocamos com a primeira
formação dos Bartenders num projeto de blues do meu brother André Christovam,
numa tarde no Centro Cultural, em São Paulo, e à noite fizemos um show no Blue
Note, onde tanto o Carlini como o André deram uma canja com nossa banda. Em
maio do mesmo ano, o Carlini veio participar de uma Feira de Música em
Curitiba, e nos convidou para acompanhá-lo no evento, em vez de sentar num
banquinho e ficar falando sobre sua carreira, seu estilo, riffs e outros
babados mais. Depois do show, que teve uma participação especial do Barone,
baterista dos Paralamas na última música da apresentação, tocando Johnny B. Good
conosco, eu o Carlini saímos do pavilhão e fomos fumar um cigarro lá fora.
Ficamos conversando e de repente ele me perguntou se eu estava a fim de seguir
com os Bartenders profissionalmente e investir na continuação da banda. Eu
disse que sim e então ele me disse que gostaria de participar do grupo e que,
se concordássemos, traria também o Franklin Paolillo para assumir a bateria, no
lugar do baterista que tocava na banda desde o seu início, e que também
produziria comigo o primeiro CD da banda, com as músicas próprias de nosso
repertório. Eu respondi que a proposta me agradava muito, mas que precisaria
consultar o Julio e o Ricardo, a respeito, principalmente, da entrada do
Franklin no lugar de nosso baterista. Depois de falar com os dois, que também ficaram
super animados com a possível entrada do Carlini e do Franklin na nossa banda,
resolvemos falar com o baterista. Nós três chamamos o Ewerson e explicamos a
ele a situação e a oportunidade única que teríamos com esses dois músicos, já
consagrados na cena Rock nacional, tocando nos Bartenders. O Ewerson entendeu a
situação e levou numa boa sua saída repentina da banda, tanto é que continuamos
amigos até hoje. Em seguida, o Carlini e o Franklin voltaram a Curitiba para
ensaiar nossas músicas e logo depois, começamos a tocar em Curitiba e entramos
no Estúdio Áudio Digital, para começar a gravação do CD. Depois de gravarmos as
bases de todas as músicas num único dia, a continuação do processo durou dois
anos e pouco, pois as gravações só tinham sequência quando o Carlini tinha
disponibilidade para vir a Curitiba e ficar alguns dias na cidade. Como o CD
teve também a participação de vários convidados especiais em algumas faixas do
disco, isso também contribuiu para a demora em sua finalização. Finalmente, depois
de todo esse tempo e batalha, fomos para São Paulo com a fita máster para mixar
e masterizar as músicas gravadas para o CD. Na volta para Curitiba, em seguida
descolamos o apoio e patrocínio de três empresas para a finalização do projeto:
a Opta Originais Gráficos produziu os fotolitos para a impressão offset, em
quatro cores, do encarte com 18 páginas e da contracapa do CD; a Gráfica
Positivo, do Grupo Positivo, imprimiu as 5 mil cópias do encarte do CD, cuja
primeira página era a capa do disco, e mais 5 mil cópias da contracapa (verso),
aplicada separadamente do encarte na caixa plástica da embalagem do CD; e,
finalmente, a empresa Barifer, que bancou a prensagem de 5 mil copias do CD, de
propriedade de Rogério Moura, também irmão do vocalista Ricardo. Participaram
como convidados no disco Roberto Frejat, do Barão Vermelho; o bluesman André
Christovam; Carlos Alberto Calazans, tecladista do Camisa de Vênus na época;
Ivo Rodriges, ex-vocalista d’A Chave, na música “Meu Ofício É O Rock And Roll”,
de autoria dos quatro membros da extinta banda; mais dois músicos da cena
curitibana, Benê Júnior (harmônica) e Paulo Branco (sax); e Helena Theodorellos
nos ‘backing vocals’ de algumas músicas. O CD teve como título “Black Whiskey
& Full Moon”, nome de uma das músicas do disco. Alguns meses depois do show
de lançamento do CD, em dezembro de 1997, Carlini e Franklin saíram da banda.
Depois de um ano e pouco tocando com vários bateristas temporários, a banda fez
uma sessão teste com Carlos Almeida, que foi aprovado por todos no final do
ensaio. Os Bartenders voltaram a ser um quarteto em dezembro de 1999, e
continua com essa mesma formação até hoje: Ricardo Moura (vocal principal e
base de violão elétrico), Johnny Tequila (guitarra solo e base, harmônica,
‘slide guitar’ e ‘backing volcals’), Carlão Gaertner (baixo) e Carlos Almeida
(bateria e ‘backing vocals’). Nós somos os Bartenders e a escolha foi nossa.
2112. Em algum momento você pensou reunir a Chave novamente para alguns shows
e mesmo para deixar um registro à altura para os fãs da banda?
Carlão
Gaertner. Com o falecimento do Ivo Rodrigues, em 2010,
qualquer outra formação d’A Chave, mesmo com ainda os três membros originais,
nunca mais seria a mesma coisa e a mesma banda. Bem ou mal, existia uma magia
quando nós quatro tocávamos juntos. Em 2004, quando produzi a festa “Carlão
& Os Amigos do Blues”, A Chave fez um show revival no evento com sua
formação original, como já comentei anteriormente. Pouco depois fizemos mais um
show no bar Era Só O Que Faltava, junto com a banda Black Maria, que o Gabriel
Teixeira, filho do guitarrista Paulinho, também tocava guitarra. Foi um show
legal e animado, mas musicalmente abaixo do som que fazíamos quando A Chave
ainda estava em ação. Afinal, 25 anos tinham passado, tivemos muito pouco tempo
de ensaio e o Ivo, que era o vocalista, já tinha seus problemas de saúde
e sua voz e alcance vocal já não eram os mesmos. De qualquer forma, valeu o
momento e mais essa lembrança. Foi a última apresentação d’A Chave com sua
formação original, em agosto de 2004. Entrou para a história da banda como o
capítulo final de sua trajetória.
Carlão entre amigos e parceiros
2112. Você usa palhetas para tocar ou prefere os dedos?
Carlão
Gaertner. Desde que comecei a aranhar o meu primeiro
violão no início da adolescência e logo depois quando comecei a tocar baixo, eu
sempre toquei com palheta e foi assim que criei meu estilo. Meu principal
‘punch’ no baixo está na minha mão direita – que funciona como uma britadeira
nas cordas - e não na minha esquerda, dedilhando as cordas. Não sou um baixista
com uma técnica apurada e muito veloz, até porque, com raras exceções, não é o
tipo de execução que eu gosto. Prefiro usar poucas notas sempre que possível e
dar peso, swing e condução às linhas de baixo (walking bass). Na nossa
formação, se o baixo e a guitarra solo abrirem espaços ou pequenas pausas um
para o outro, um de nós dois sempre estará em destaque, sem ninguém precisar
forçar nenhuma barra ou qualquer performance mais egoísta. Com a maturidade dos
70 anos nas costas, que completei no dia 20 de agosto passado, acabei
apreendendo e entendendo ao longo dos anos de vida uma coisa importante, que
como músico pratico sempre: na maioria das vezes, tocando ou em outras
coisas que fazemos, “Menos é Mais”. E isso vale muito para quem faz Música, com
M maiúsculo. Imagine o som de uma banda onde todos os seus membros ficam
quebrando tudo o tempo todo e você não acha uma brecha no som produzido. Isso é
puro barulho. Ao contrário, se numa outra formação cada músico respeita o
espaço do outro e contribui para o produto final, utilizando o seu próprio
espaço de forma inteligente e compartilhada, a interação acontece. Você vai
ouvir os solos e licks da guitarra claramente; a base dando o seu apoio
harmônico; o baixo pulsando e fazendo a costura rítmica entre a harmonia e a
batida da música; e a bateria complementando fazendo a condução com precisão.
Todos no seu lugar, e um por todos e todos por um. Isso é Música com toda a sua
magia. É assim que eu vejo e entendo a função de cada músico na formação de uma
banda. E é essa postura que temos entre nós quatro na banda Bartenders e em
relação ao nosso trabalho autoral. Somos os Bartenders, adoramos Rock And Roll
e Blues, e esta foi a nossa escolha e opção de vida. Para mim, particularmente,
vou carregar essa ’bagagem’ para a Eternidade, pois ela está impregnada no meu
corpo, no meu coração e na minha alma. Ponto.
2112. O que você está fazendo atualmente?
Carlão
Gaertner. No momento, sou jornalista aposentado desde
novembro do ano passado e, depois de trabalhar e tocar a vida inteira, estou
agora desfrutando do meu tempo integralmente, pois sou enfim o seu dono. Como
cantam Os Stones, “Time Is On My Side” (rs). Meus únicos compromissos pessoais
e profissionais são com a banda Bartenders, onde continuo tocando e compondo,
com as coisas que eu gosto e me que dão prazer e alegria, com a minha família e
com a legião de amigos que tenho, a qual prezo demais, e com os fãs fiéis ou
admiradores ocasionais de nosso trabalho musical. Acho que essa entrevista, com
um número bem grande de perguntas, acabou ficando bem extensa como texto, mas
procurei aproveitar a oportunidade e ser bem detalhista, comentando muitos
fatos e informações inéditas sobre minha vida e carreira musical, que também
podem servir de estímulo e orientação para músicos novos e/ou iniciantes.
Talvez ela até se torne o embrião de um pequeno livro sobre “O Rock Na Minha
Vida!”, pois ainda tenho muita coisa para contar, ou qualquer outra coisa. Como
cantou Bob Dylan naquela famosa canção, “a resposta vem com o vento”. No meu
caso, “resposta vai vir com o tempo, viajando nas asas do vento”. “Blows, Blues
Blows! Rolls, Rock Rolls!”. É isso aí. Parada final!
2112. O microfone é seu...
Carlão
Gaertner. Melhor dizendo, o teclado é meu
(kakakakakaka). Aproveito a oportunidade para agradecer ao amigo e parceiro
Carlos Antonio Retamero Dinunci, administrador do Blog 2112, pelo convite à
entrevista, que acabou sendo um exercício salutar para refrescar e revisitar os
salões das minhas memórias pessoais e musicais. As lembranças vão surgindo aos
poucos e acabam criando uma cadeia de momentos, fatos, pessoas e vivências que
fizeram parte e têm significados especiais ao longo de minha vida, como as
partículas de um átomo viajando num acelerador atômico próximas à velocidade da
luz. Como cantou Joni Mitchell num dos versos da canção “Woodstock”, também
gravada por Crosby, Stills, Nash & Young: - “Somos Pó Das Estrelas” (We are
stardust, we are golden...). E é pra lá que eu quero voltar. Explosão Cósmica
Final.
2112. Eu só tenho a agradecer...
Fotos e recortes de jornais: Arquivo Carlão Gaertner
Fotos e recortes de jornais: Arquivo Carlão Gaertner
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