É muito interessante quando
encontramos num cenário infestado de bandas descartáveis talentos como a Ladies
Instrumental Band. É jazz com sotaque brasileiro e tempero feminino o que
resulta em shows animados e cheios de personalidade e que o Blog 2112 tem o
orgulho de apresentar para vocês.
2112. A início o que mais me chamou
atenção foi a formação totalmente “feminina” da banda justamente por ser um
formato pouco usual em se tratando de Brasil, não é?
Célia. Sim, é um diferencial ser uma banda feminina. No Brasil e no mundo as
mulheres quando tocavam, não se atreviam na bateria, baixo guitarra... ficavam
mais como pianistas e cantoras, não desmerecendo ninguém, mas era uma posição
machista. Eu sofri muito com isso... não acreditava que eu poderia tocar baixo
e tocar bem rsrs.
Dudáh. Concordo com você. O formato é realmente pouco usual no Brasil. E,
deixando lá longe a modéstia, todas sabem transitar muito bem pela base e pelo
improviso, coisa mais rara ainda. Faço vários arranjos para a banda e escrevo
sem o menor receio, passagens difíceis para todos os instrumentos. Tenho
confiança nas Ladies, sei que elas vão tocar lindamente! E deixo espaço todas
improvisarem.
2112. Sempre houve a participação de
cantoras e mesmo instrumentistas em várias bandas na história do rock e do
jazz. Mas bandas 100% femininas são muito poucas... Ainda existe preconceitos
em relação a isso?
Célia. Hoje em dia não sinto assim... como por exemplo nos anos 80, naquela
época havia muito preconceito com a mulher em posição de igualdade. Hoje vejo
que há uma onda, uma moda banda feminina. Acho que o preconceito foi muito mais
forte, e hoje acho a mulherada bem ponderada.
Dudáh. Preconceitos? Acho que ainda existem, mas cada vez menos... Por parte dos
homens mesmo! Sinto que muitos homens acham que não vai sai um som bom, assim
que veem a gente entrar numa palco pela primeira vez. Ainda bem que mudam de
idéia! Rsssssssss.... Por parte das mulheres, percebo um movimento crescente em
relação ao posicionamento frente a esses preconceitos. Mais bandas femininas
apareceram no Brasil. Mas é necessário trabalhar o comprometimento com o
crescimento profissional enquanto coletivo (banda). Claro que não falo de
todas e nem incluo as Ladies nisso tudo. Falo num geral. Mas a união em uma banda
é importante para o resultado perfeito. E isso, numa banda feminina, é
essencial para que o preconceito machista seja realmente combatido.
2112. Outra curiosidade é quanto ao
grupo ser “instrumental” formato um tanto marginalizado por aqui visto que a
mídia pouco ou nada noticia algo dentro do gênero. Qual é a reação do público
nos shows?
Célia. Olha, eu acho ótima a reação do público...como não se ouve em rádios ou
tvs, quando o público tem a oportunidade, a reação sempre é positiva...várias
vezes senti o público ávido por música de qualidade, a música instrumental no
Brasil é rara, porém, o público brasileiro sente vontade de ouvir improvisos,
solos e versões de temas clássicos.
Dudáh. O público tem reagido bem. Eles precisam ouvir para saber do que se trata,
e quando ouvem, gostam!
2112. Tenho ouvido muita banda reclamar
da falta de apoio, de espaços e do próprio público que às vezes paga para
assistir a um show internacional mas reclama de pagar 10, 20, 30 reais num show
das nossas bandas. O que vocês tem a dizer a esse respeito?
Célia. Isso é o reflexo da cultura americana dos anos 50. O que vem de fora é
melhor do que está sendo produzido aqui dentro. Acho uma pena esse
pensamento...temos compositores e músicos reconhecidos
internacionalmente, e que aqui nem sabem de quem se trata. Eu acho também que o
músico brasileiro deveria ser mais valorizado, e deveria se valorizar mais. Deveríamos
ser um grupo (de músicos) mais unidos e nunca aceitarmos caches
baixos, exigir da OMB nossos direitos, e tudo que envolve a parte dos
compositores, acho tudo meio exploração no que diz respeito a ECAD, etc... Já
me senti explorada, e vi amigos sendo também, ora por produtores, ora pelo
sistema todo. Não há valorização. TEMOS QUE NOS UNIR.
Dudáh. Sim, isso acontece bastante. E concordo com a Célia, quando ela diz que a
origem está na supervalorização do que vem de fora, em contraposição à pouca do
que vem de dentro do Brasil, reflexo dos anos 50/60. E isso é tão forte que
muitos músicos brasileiros demoram para se perceberem bons. E se
desvalorizam aceitando cachês baixos e condições péssimas para trabalhar... outros
não se aprofundam em estudos e estacionam, não crescem em suas carreiras... No
fundo é uma outra forma de se desvalorizar... Infelizmente né?
2112. Tá complicado manter uma banda
“dignamente” na ativa em meio a toda essa crise que o país está enfrentando? É
preciso matar um leão por dia, não?
Célia. Essa crise pegou todo mundo...e isso reflete nas artes, tem muita casa
noturna que fechou, diminuído o número de palcos. Sinto também que não há muitas
oportunidades pra bandas desconhecidas, que não estão na mídia. Existem grandes
shows em estádios, porém aquele show mais intimista, que a gente fica perto do
palco e curte o som, o musico, isso agora é raro é vintage.
Dudáh. A crise mais brava que já tivemos. Mas em épocas de crise, é que mais se
sente a necessidade da união dentro de uma banda. Não há mesmo muitos espaços
para bandas desconhecidas, mas sinto que, o que faz a diferença nessa hora é o
trabalho constante para que apareçam shows. Bem ou mal, considerando a força
dessa crise, até que conseguimos alguns bons resultados. Procurar por mais
espaços, cavar shows, estudar muito e se esforçar para fazer uma música de
qualidade e muito bem feita, tudo isso faz parte do trabalho de uma banda e
gera resultados bons. Sinto que tem muita gente que se acomoda e chora sem se
mexer muito......
2112. Vocês vivem exclusivamente de
música ou precisam trabalhar para se manterem?
Célia. As integrantes dão aulas e tem outros trabalhos.
Dudáh. Trabalho exclusivamente com música. Para se manter com música no Brasil
o músico precisa sempre se empenhar para que seus trabalhos sejam bons. Eu,
como pianista, toco em eventos de empresa, casamentos em igrejas e buffets,
restaurantes com piano bar, faço trabalhos com gravação em estúdios, componho e
executo música para cinema e para teatro, toco em corais, dou aulas de música
em escolas e particulares.... É trabalho prá mais de metro! rsssss
2112. Como surgiu a Ladies Instrumental
Band?
Célia. Bom, todas as bandas a Ladies
Blues Band, Garotas da bossa e Ladies instrumental foram criadas por mim, todas
são com mulheres, embora tenha tocado com outras bandas, com caras, as bandas
femininas são uma marca no meu curriculo desde 1977. A Ladies Instrumental Band
surgiu da vontade de improvisar muiiito e também da dificuldade de arrumar
cantora que cantasse bem e em inglês. No instrumental me sinto livre, e posso
me expressar musicalmente em plenitude, tenho liberdade de me expressar, de tocar
o tema da música, de fazer escalas, correr o braço do meu baixo... não tenho
limites impostos pelo acompanhamento apenas.
Dudáh. A Ladies Instrumental surgiu quando a Célia e eu recebemos um
convite do mestre Izaías do Bandolim, para que gravássemos umas faixas na sua
Coletânea de CD de choro. Já tínhamos a idéia de improvisar muito como a Célia
falou. Mas esse convite ajudou a “ligar a chave” para montarmos nosso trabalho
instrumental.
2112. Incrível como vocês ainda
mantém as bandas Ladies Blues Band e As Garotas da Bossa. Como é conciliar
agendas, ensaios, escolha de repertório, shows... Deve ser uma grande loucura,
não é?
Célia. Não é não viu... porque as integrantes são praticamente as mesmas, e
como sou eu quem faz a produção e venda de shows, concilio e também tenho na
manga algumas substitutas a altura das integrantes, no mesmo nível musical.
Dudáh. A Célia disse tudo!!!!
2112. O repertório de vocês é
basicamente constituído de releituras de clássicos da nossa música e da música
americana. Vocês nunca pensaram em compor um material autoral?
Célia. Sim fazemos arranjos e releituras, temos uma peculiaridade na
banda. Gostamos de decompor a função dos instrumentos, tipo assim: o baixo
faz a melodia, o piano faz o baixo e o cavaco, a guitarra a cuíca... temos
essa decodificação que gera um colorido e timbres diferenciados. Nossa
criatividade está nos arranjos, nunca compusemos uma música.
Dudáh. Nos divertimos compondo arranjos criativos. Até temos uma componente que
faz um trabalho autoral, mas não com a banda.
2112. Isso é muito bacana... Vocês já
lançaram algum trabalho?
Célia. Na verdade não! Tudo o que temos é o vídeo do SESC Instrumental Brasil,
e recentemente fotos do Festival do Banco do Brasil.
2112. Quais são os projetos da
banda nesta área? Podemos esperar novidades?
Célia. Olha no momento, devido à crise financeira e econômica, infelizmente
apenas shows.
Dudáh. Torcendo para que essa crise acabe! Não é mesmo?
2112. Quero agradecer a paciência de vocês em responder a todas as
perguntas. O microfone é de vocês...
Célia. Eu que agradeço...Carlos é boa essa forma de divulgação. As pessoas hoje
se encontram na net, é a melhor maneira de encontrar gente que curte música de
qualidade.
Dudáh. Muito obrigada pelo espaço, Carlos. A música instrumental precisa de
frentes como a sua para divulgação, achei o máximo! Parabéns pela
iniciativa.
2112. Muitíssimo obrigado!!
Integrantes:
Célia Carvalho: Contrabaixo elétrico
Dudáh Lopes: Piano
Gabriela Gonzales: Guitarra
Caroline Campache: Bateria
Fotos: Leandro Almeida
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