2112. Antes de criar o Divergência Socialista e o Último Número você fazia performances coletivas/individuais de poesias com livros impressos em mimeógrafo ao lado de Marcelo Dolabela e Rubinho Mendonça. Como surgiu esse projeto?
Jair. Surgiu de um grupo de estudantes universitários liderados por Marcelo Dolabela, bem como de alguns secundaristas como Rubinho, em torno de uma revista chamada Cemflores, inicialmente patrocinada pelo DCE Cultural da UFMG.
2112. ... e como era a reação das pessoas nessas apresentações?
Jair. Variava. Em faculdades e colégios, o público era mais quietinho. Em bares e manifestações extra-muros, o clima era mais festivo e bagunçado. Recepção sempre boa. Era o final dos anos 70, início dos 80.
2112. ... havia também as revistas culturais custeadas pelas entidades estudantis. Esse material era apenas para os estudantes ou também era distribuída nas ruas?
Jair. Mais voltado para o público estudantil, embora também houvesse intervenções de rua.
2112. Jair, como surgiu o Divergência Socialista e quem fazia parte da banda além de você?
Jair. O D.S. foi ideia do Marcelo, após o Sexo Explícito. Queríamos ir além do texto impresso e também convidar músicos e performers pra participarem da experiência.
2112. Musicalmente a banda tendia para o punk rock ou incluía também experimentos sonoros?
Jair. As duas coisas. Dolabela convidou Roberto Nosso, meu irmão, que era da Revolta Urbana, uma das primeiras bandas de punk rock de BH, e então fizeram algumas parcerias. Ao mesmo tempo, Marcelo fazia o que chamava de ''dada music'', com experimentação eletrônica com o vocal pop-feminino de Silma Bijoux.
2112. Na época vocês registraram algum material tipo demos ou ensaios para venderem em k7 nos shows ou esse material nunca foi lançado oficialmente?
Jair. O D.S. registramos em fita magnética tanto em shows ao vivo quanto em estúdios. Saíram cópias em K7, mas esse material só foi lançado em CD em 2013.
2112. O nome da banda é bem instigante numa época de grandes mudanças políticas com o fim do regime militar e a campanha Diretas Já! Como eram os shows?
Jair. O nome era uma brincadeira/provocação com um grupo de esquerda do movimento estudantil, Convergência Socialista. Teve um show nesse tempo das Diretas em que tomamos muitas vaias porque o tipo de som, letras e performances do D.S. era bem diferente do Clube da Esquina... Lembro que o Wagner Tiso tocaria depois.
2112. Marcelo e Rubinho formaram o Sexo Explícito e até onde sei gravaram um único álbum. Você chegou a compor algum material para a banda?
Jair. Marcelo saiu para criar o Divergência, e não chegou a gravar com o Sexo Explícito, que lançou dois álbuns depois. Eu fazia alguns vocais, mas compus pouco com eles, e as canções não foram gravadas.
2112. Vocês chegaram a dividir o mesmo palco?
Jair. Sim. O Sexo Explícito foi bem divertido. Nós íamos de pijamas e havia um coro de garotas de camisolinhas.
2112. O que levou a Divergência Socialista decretar o seu fim? Você já tinha outros projetos em mente?
Jair. A D.S. foi o único desses três grupos que restou, mesmo após a morte de Dolabela em 2020. Ficou como homenagem a ele. De vez em quando ainda se apresentam em BH. guitarras e violões.
2112. O Último Número, nome retirado de um poema de Augusto dos Anjos, surgiu com você (vocais e letras), John Ulhoa (guitarras e violões), Paulo Horta (baixo e depois guitarras e violões quando Bob F. passa para o baixo), Otávio Martins (guitarras e violões) e Clode Franco (bateria). O que esse novo projeto difere dos grupos anteriores?
Jair. Nesse, eu escrevi quase todas as letras, em parceria com os amigos músicos, e fomos até bem longe, apesar dos limites das cenas independentes dos anos 80. Nos outros grupos, os poetas eram Dolabela e Rubinho. Nesse, sou eu mesmo.
2112. Que compositores e poetas influenciaram o seu modo de enxergar a vida e seu jeito de compor? Algum livro em especial?
Jair. Muitos. Do Brasil, clássicos da canção como Noel Rosa, Orestes Barbosa, Cartola, Nelson Cavaquinho, Lupicínio Rodrigues, Vinicius de Moraes, Chico Buarque, Caetano. Clássico é com quem a gente aprende. Na poesia, a lista seria maior, mas também é de clássicos: o patrono Augusto dos Anjos, os muitos modernistas Drummond, Bandeira, Augusto de Campos; os tropicalistas Torquato Neto, Capinam, Waly Salomão. Estrangeiros, aos montes também: Bob Dylan, Serge Gainsbourg, Jim Morrison, Leonard Cohen, Nick Cave. Chamo a atenção para a qualidade de suas letras. A lista dos poetas seria infindável. Fica de Rimbaud e Baudelaire etc.
2112. ... musicalmente ainda hoje curto muito as composições de Tom Verlaine (Televison), Robert Smith (The Cure), Ian McCulloch (Echo & The Bunnymen), Ian Curtis (Joy Division) e David Byrne (Talking Heads) além claro de Bowie e Iggy Pop. E você?
Jair. Os mesmos citados por você e os que escrevi acima.
2112. Com a explosão do BRock surgiu uma infinidade de bares, teatros, boates, pubs, festivais, zines, revistas e selos independentes que acolheu o movimento de braços abertos. Como foi esses primeiros anos?
Jair. Era um outro mundo, porque ainda não se popularizara a informática, as tecnologias digitais, nem a internet.
2112. Que bandas desse período você gostou mas que não teve o devido reconhecimento por da crítica e do público na sua opinião?
Jair. No Brasil, lembro que Picassos Falsos, Fellini, Hojerizah, Júpiter Maçã, etc, poderiam ser bem mais e melhor reconhecidos. Sexo Explícito também.
2112. ... que bandas você não curtia a nível musical e mesmo de discurso?
Jair. Ultraje a Rigor, Engenheiros do Havaí, por exemplo.
2112. Logo o Último Número lança pela Câmbio Negro dois álbuns que na minha opinião são verdadeiros clássicos: O Strip-Tease da Alma e Filme. Como foi as gravações desses dois álbuns?
Jair. Gravações rápidas e precárias, por falta de dinheiro.
2112. Havia muita tensão no estúdio para registrar o material do jeito que vocês queriam? Vocês mesmo fizeram os arranjos?
Jair. Sim, de olho no relógio. Tempo é dinheiro no estúdio. Produtor musical faz falta.
2112. ... entre um álbum e outro John sai para fundar o Pato Fu e entra Bob, ex-Ordem Humana no seu lugar. O que essa mudança trouxe de novo e o que levou John a sair da banda?
Jair. John queria se dedicar ao Sexo Explícito, que era mais empenhado profissionalmente. Paulo Horta era guitarrista, então passou do baixo para a guitarra em lugar do John. Tinham estilos diferentes. E o Bob era baixista.
2112. Ambos os álbuns tiveram ótimas críticas. Isso ajudou a abrir portas para a banda?
2112. Naquele período surgiu um grande número de bandas vindas de todos os cantos do país. Como era manter uma banda com tanta concorrência?
Jair. Tinha lugar pra todo mundo. Por exemplo, o Circo Voador fazia um festival no verão do Rio, principalmente com bandas independentes, do Brasil todo, durante semanas. Lotado.
2112. Você chegaram a ser abordados por alguma grande gravadora?
Jair. Sim. A BMG-Ariola, antiga RCA, que nos contratou com outras bandas de Minas para o que se chamava de ''pau-de-sebo'', pra ver quem chegaria ao alto. Claro que não deu certo, a começar pelo título do negócio: ''Rock Forte''. Trocadilho infame com o queijo de MInas...
2112. Voltando aos álbuns... a meu ver Filme é mais sofisticado que Strep-Tease da Alma que soa mais cru e urgente. Estou errado na minha afirmação?
Jair. Certíssimo. A começar pela diferença de produção. De oito pra dezesseis canais de gravação. E ainda era tudo analógico...
2112. A regravação de Longa Vita Brevis ficou bem mais climática que a versão anterior. Vocês tiveram pouco tempo na preparação e gravação do primeiro álbum?
Jair. Inexperiência, além dos referidos problemas de produção, além do pouco tempo, ou seja, de dinheiro para o estúdio.
2112. Infelizmente não tive acesso ao Museu do Mundo que para muitos fãs é o canto do cisne da banda. Você poderia falar um pouco sobre as gravações e regravações que inclue até uma magnífica releitura para Come Together dos Beatles?
Jair. Gravação digital, o que barateou os custos, mas também com pouco dinheiro. Tanto que quase todas as gravações da bateria foram feitas a partir do analógico e transpostas para o digital. Pelo que me lembro, Come Together tá no LP Filme. A canção Filme é que foi regravada no CD Museu do Mundo.
2112. Os três álbuns nunca tiveram edições em cds ou mesmo em vinil. Existe algum projeto de relançá-los? Pergunto isso visto a dificuldade em se conseguir os álbuns da banda.
Jair. Museu do Mundo saiu em CD. Os outros, não. E não havendo as fitas magnéticas originais dos LPs talvez não valha a pena digitalizar o som do vinil e passar para vinil de novo ou para CD. Perde-se muito.
2112. O grupo acabou ou apenas deu uma pausa nas suas atividades? Vocês ainda mantém contato? Existe a possibilidade de um retorno como fez recentemente o Oasis e o R.E.M.?
Jair. Na prática, o grupo acabou, mas pode voltar informalmente ou mesmo gravar canções inéditas. Algumas já estão prontas há anos. E ainda mantemos contato, embora estejamos espalhados por aí.
2112. Independente disso... você continua compondo?
Jair. Não. Mas as parcerias podem voltar
2112. Você nunca cogitou a possibilidade de gravar um álbum solo?
Jair. Não, de fato não sou músico, mas poeta que fez canções em parceria.
2112. ... o microfone é seu!
Jair. Grato pela lembrança!
Discografia
O Strip-Tease da Alma (1986)
01 Dama Da Noite
02 Ars Longa Vita Brevis
03 Animal Sentimental
04 A Divina Comédia
(O Jogo da Amarelinha)
05 Insistência
06 Eu Não Vôo
07 O Tempo dos Assassinos
08 Perjúrio
09 Agora Não
10 Destino
11 O Strip-Tease da Alma
Filme (1988)
01 Desintoxicação
02 Carta do Marquês
03 Os Doze Trabalhos
04 Ars Longa Vita Brevis II
05 Filme
06 Come Together
07 O Anjo (Canção Bizantina)
08 Museu do Mundo
09 s.t.
Museu Do Mundo (2001)
01 A bíblia
02 O bêbado e as mulheres belas
(lupicínica nº5)
03 roendo as unhas
04 É que eu não sei o que eu não sou
05 Os fogos dos jogos
06 I fell in love one day
07 Vermelho vivo
08 Miracle
09 Oração que o senhor nos ensinou
10 Limbo
11 Filme
12 Museu do mundo
Obs.: Todas utilizadas nessa postagem foram retiradas da internet e portanto não tinha o nome dos fotógrafos. Portanto, se alguémsabe favor enviar para o meu e-mail furia2112@gmail.com que eu faço as devidas correções.
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