Entrevista Bruce Henri

2112. Descobri a Soma meio que por acaso pesquisando sons raros na internet. Não conhecia nada sobre a banda... mas a capa com aquele pato fazendo língua a la Rolling Stones me conquistou de primeira. Bruce, o show está na íntegra?

Bruce. Esse disco ao qual você se refere deve ser uma compilação remasterizada em vinil que foi lançado pela Discobertas em 2018? É o unico que eu conheço com o pato da Banana Eufórica na capa. É uma compilação. Soma nunca fez um disco além de um compacto duplo lançado não me lembro por quem nem quando com 4 músicas que seriam depois inseridas numa compilação junto com outros artistas, intitulada “Barbarella”, lançada pela RBR. Não tem nenhuma gravação de um show inteiro que eu saiba. Na verdade nem lembro direito que faixas são essas do LP nem onde que ele arrumou as gravações feitas não sei onde. “Hit The Road Jack”?! WTF. Eles me enviaram umas cópias por isso tenho essa informação, mas não possuo toca-discos.

2112. Vocês faziam um blues rock alucinado como nunca se tinha visto em terras brasileiras. Qual era a reação da platéia nos shows da banda?

Bruce. Teria que ter vivido e sentido para entender.

2112. ... não dá para deixar de mencionar o jogo de luz e a aparelhagem foda da banda que mandava tudo em altos decibéis. Vocês investiam pesado, não é?

Bruce. O jogo de luz, retroprojetor e essas coisas, eu já tinha introduzido anos antes com Outcasts. Não consigo lembrar qual era nossa aparelhagem em 1970-71 na primeira configuração do Soma, mas certamente não ia além de razoáveis guitarras e saber usá-las. Não lembro de ter nenhum amplificador em especial… Nunca tivemos dinheiro, nem inclinação para investir em equipamentos. A partir de 1973, da segunda formação, nós éramos produzidos pela Banana Eufórica que equipava as apresentações. 

2112. Na época vocês tinham noção que o show estava sendo gravado? De quem partiu a idéia de lançar essa raridade?

Bruce. Como eu disse. Eu acho que este LP tem alguma coisa gravada no Festival de Guarapari e algumas outras coisas. Não faço idéia. Quem lançou foi o Marcelo Froes da Discobertas. Quem pode talvez contar isso tudo é o Nelio Rodrigues que é uma enciclopédia ambulante dessa era.

2112. O material passou por algum processo de restauração? Houve acréscimo de overdubs ou tudo está exatamente como foi gravado?

Bruce. Está tudo exatamente como foi gravado sem overdubs com certeza. No entanto diz no LP “Remasterização Especial, Edição Limitada Colecionador etc etc”

2112. Ouvindo o álbum não dá para entender o porquê da banda nunca ter conseguido o aval de uma grande gravadora. Os shows estavam sempre cheios, as platéias alucinadas, repertório maravilhoso além das ótimas resenhas na imprensa. Como vocês digeriam toda essa situação? 

Bruce. A verdade é que as gravadoras, editoras, empresários sérios e produtores estavam mais focados em apoiar MPB e os grandes artistas brasileiros que são muitos. Não havia muito espaço para pequenos grupos experimentais que não cantassem em brasileiro.

2112. Fragments, Potato Fields, Treasures e Where gravadas pelo selo Red Bird Records com lançamento pela CID tiveram uma boa aceitação nas rádios? 

Bruce. Que eu saiba o Soma nunca tocou em nenhum rádio.

2112. Em estúdio vocês tinham total liberdade para experimentar? 

Bruce. Nós fazíamos o que queríamos no estúdio.

2112. Além da gravação do show, das quatro faixas do compacto e da trilha sonora do filme sobre Ronald Biggs existe mais algum material da Soma inédito arquivado? 

Bruce. Acho que tem 2 shows gravados: Festival de Guarapari gravado em fevereiro de 1971 não sei por quem, e Banquete dos Mendigos gravado em 1973 pela Banana Eufórica. Fora isso, as 4 faixas de estúdio, e o Mailbag Blues não conheço nada. Tem um cassette gravado no Teatro Casa Grande mas não faço idéia onde esteja e não vou perder tempo à procura. 

2112. Como surgiu a proposta para vocês fazerem a trilha sonora do filme sobre Biggs? Você saber dizer porque o filme não foi lançado?

Bruce. Foi Biggs que chegou em mim com a proposta. Atenção: Mailbag Blues não é Soma. Tem componentes do Soma mas o disco tem mais do que isso.

2112. As músicas foram compostas exclusivamente para o filme ou elas foram pinçadas do repertório da banda? 

Bruce. As músicas forma todas compostas por Guilherme Vaz, Jaime Shields e eu especificamente para uma trilha sonora com roteiro para um filme que nunca chegou a ser feito porque Biggs não conseguiu quem bancasse. Na verdade eu acabei bancando pessoalmente a gravação do Mailbag Blues em 1974 e ficou engavetado até 2004 quando a WhatMusic se ofereceu para lançar.

2112. Aproveitando o momento... existe projeto de lançar essa trilha sonora no Brasil ou teremos que continuar comprando cdrs a peso de ouro? 

Bruce. Eu retenho os direitos para lançar no Brasil mas no momento não tenho intenção de lançar nenhuma de minhas gravações antigas.

2112. No disco ao vivo, blues rock; na trilha sonora, jazz rock. O que vocês ouviam na época?

Bruce. Você está se referindo a um período que estende de 1971 até 1974. A lista seria enorme com inúmeras influencias e tendências saindo e entrando.

2112. ... os ensaios deveria ser um verdadeiro caleidoscópio sonoro, não? Como funcionava o sistema de composição da banda?

Bruce. Soma não ensaiava. Só ensaiamos, e mesmo assim pouco, para a apresentação do MAM (Banquete dos Mendigos). Quanto à composição o Jaime fazia metade das músicas e eu a outra metade individualmente. 

2112. Em 1970 vocês participaram das gravações do maravilhoso compacto de Jards Macalé contendo Soluços / O Crime / Só Morto / Sem Essa. Como era Macalé em estúdio? Ele dava liberdade para vocês criarem?

Bruce. Macalé sempre foi muito criativo e não sobrava muito espaço e nem fazia falta mais criatividade. O disco é Jards Macalé.  Soma apenas participa tocando.

2112. O que te impulsionou na decisão de se tornar músico? Quem eram seus ídolos?

Bruce. Tudo é por acaso. Eu ouvia música Norte-Africana e da Índia no rádio de ondas curtas e um dia peguei no violão para experimentar sons e sonoridades. Admirei e adotei muitos grandes músicos e compositores nos meus 59 anos de musico professional. Não dá para responder.

2112. ... além do The Outcasts que outras bandas você participou antes de criar a Soma?

Bruce. Los Finks (España 1963-1965), Outcasts (1966-1968), Soma (1970-1973).

2112. O single dos Outcasts com My Generation / Go On Home / Hang Nine / Dying é um verdadeiro clássico do rock garageiro brasileiro. Quem produziu e como foram as gravações?

Bruce. Produzido pelo Aloísio de Oliveira, gravado no Estúdio Havaí em 2 canais por Humberto Contardi e lançado pela ELPA que seria uma subsidiaria da renomada Elenco.

2112. Infelizmente só conheço My Generation que não soa uma mera cover pois ficou bem diferente da original. Townsend com certeza ficaria orgulhoso em ouví-la!

Bruce. Não creio. Ficou bem diferente por pura incompetência e falta de know-how técnico. As gravações do Who eram muito bem feitas.

2112. A banda só gravou essas quatro músicas?

Bruce. O LP “Outcasts” lançado em 1968 tem 12 faixas.

2112. Porque a Outcasts acabou prematuramente?

Bruce. Tudo acaba quando tem que acabar. Nada é prematuro.

2112. A Soma nasceu em pleno regime militar onde tudo passava pelo crivo da censura. Vocês tiveram problemas com shows, letras, cabelos, uso de drogas... Como vocês faziam para driblar todas essas situações e seguir em frente?

Bruce. Como todos à época: Com dificuldade.

2112.  A procura por cds/vinis mundo afora do Módulo 1000, Bango, Factory Sound, Equipe Mercado, Pão com Manteiga, Soma, Karma, Som Nosso de Cada Dia, Som Imaginário... comprova o quanto as gravadoras não entenderam o que estava acontecendo, não é?

Bruce. Há uma procura mundo afora? Pessoalmente só conheço meia dúzia de jornalistas e historiadores que se interessam por essas gravações mas eu vivo meio isolado desse meio então posso estar errado. Posso assegurar que não ganho um tostão com essa procura e o reconhecimento não paga minhas férias.

2112. O que você tem ouvido de interessante no atual rock brasileiro?  

Bruce. Absolutamente nada de rock brasileiro. Ouço coisas muito interessantes atuais na música brasileira mas acho que não têm a intenção de serem classificados com rock. Goma-Laca, Braza, Antonio Neves…

2112. A meu ver a Soma não deixou um registro a altura da sua genialidade ao vivo. Já pensou em remontar a banda como fizeram A Bolha, Zé, Rodrix & Guarabyra, Veludo... para gravar e fazer alguns shows?

Bruce. De maneira alguma, nem pensar!!

2112. Você ainda mantém contato com os seus ex companheiros de banda? 

Bruce. Não, os que ainda vivem não sei onde andam nem se ainda andam.

2112. O que mais pesou na hora de colocar um ponto final na história da banda?  

Bruce. A caravana passa, os cães ladram mas tudo passa mesmo assim.

2112. Com o fim da Soma cada um seguiu seu rumo e você foi tocar com diversos nomes da música popular brasileira. Isso te satisfazia? Você nunca pensou em gravar um álbum solo ou criar uma nova banda?

Bruce. Tenho uns seis discos lançados em meu nome, já fiz inúmeras participações com artistas brasileiros e estrangeiros, fiz e ainda faço arranjos desde duos a orquestras. Faça pesquisa.

2112. O que você anda fazendo atualmente? 

Bruce. Vivendo e tocando.

2112. ... o microfone é seu!

Bruce. Obrigado

Prezado Carlos, obrigado pelo interesse e carinho dispensado a estes dois grupos dos quais tive o prazer e honra de participar. Farei um bom esforço para responder tuas perguntas mas devo admitir que muita coisa dessas histórias todas já ficou para o esquecimento. Isso porque na minha percepção, celebrar nossas glórias passadas é contraproducente. Andamos em retrocesso quando sentimos qualquer emoção além de uma ligeira satisfação por termos sido agraciados com viver e o prazer de produzir coisas novas. Quero dizer que não compartilho este sentimento pelas bandas, grupos e participações que ficaram para o passado. Como sabiamente disse Caetano quando lhe perguntaram que coisas, momentos e tempos ele mais sentia saudades dos anos ‘70: “Minha juventude”

Obs.: As fotos usadas nesta postagem foram todas retiradas do facebook do músico.