O blog 2112 foi formado com intenção de divulgar as bandas clássicas de rock, prog, hard, jazz, punk, pop, heavy, reggae, eletrônico, country, folk, funk, blues, alternativo, ou seja o rock verdadeiro que embalou e ainda embala toda uma geração de aficcionados. Vários sons... uma só tribo!



quinta-feira, 1 de fevereiro de 2018

Entrevista Carleba Castro



 
Para quem não sabe, Carleba é o baterista da lendária banda Os Panteras que no final dos anos 60 lançou um único trabalho com Raul Seixas. O batera foi super simpático e aceitou falar sobre a banda, a gravação do disco e sobre o próprio Raul. Uma entrevista histórica com uma verdadeira lenda do rock brazuca. Isso é motivo de orgulho!!


2112. O rock’n’roll levou um tempo para entrar nas listas de programação das rádios brasileiras que ainda estavam (ou estão?) presas a música tradicional e regional. Antes de conhecerem o rock o que vocês ouviam?


Carleba. Cada um dos componentes ouvia estilos distintos... eu ouvia muito jazz, as big bands americanas, Ray Charles, Elvis, Count Basie, Stan Kenton, Glenn Miller, Gershwin, Cole Porter... Nacional ouvia Dalva de Oliveira, Dolores Duran, Nelson Gonçalves etc.


2112. Quando e como vocês começaram a ouvir rock?    


Carleba. Desde que conhecemos Elvis no filme King Creole, fim dos anos 50, início da década de 60.


2112. Até se firmar como Os Panteras o grupo teve outros nomes como Relâmpagos do Rock e The Panters... Você participou de todas essas transformações?   


Carleba. Não! A banda teve muitas formações, com músicos diferentes, até a formação que gravou o disco e que ficou definitiva.


2112. Em 1967 atendendo a um pedido do cantor Jerry Adriani vocês se mudaram de mala e cuia para o Rio de Janeiro em busca de melhor sorte. Foi um período difícil? No que o cenário carioca se diferenciava do baiano?


Carleba. Foi um período muito duro porque éramos garotos, saindo do conforto da família para enfrentar uma cidade grande onde ninguém nos conhecia.... saímos de Salvador, uma cidade de  500 mil habitantes, onde todos nos conheciam, para enfrentar uma cidade grande completamente anônimos.


2112. No final deste ano vocês entram em estúdio para registrarem o único álbum da banda. Que lembranças você tem das gravações? Houve muitos conflitos?


Carleba. Muitos conflitos porque queríamos fazer um trabalho completamente diferente das pretensões da gravadora.... ademais tivemos problemas com o maestro, que não entendia nada de Rock’n’Roll. Na realidade a Odeon nos contratou para cumprir catálogo, quando a nossa pretensão era outra. Depois de pronto o disco, a gravadora nada fez para divulgá-lo, fato que gerou o completo fracasso de venda à época.
 2112. Na hora da escolha das músicas para entrarem no disco como foi feita a seleção final? A gravadora e o produtor também opinaram?   


Carleba. Nós escolhemos o repertório, eles apenas concordaram.


2112. No disco há duas versões: Um minuto mais (Will) de Dick Glasser e Você ainda pode sonhar (Lucy In The Sky With Diamonds) de Lennon & McCartney ambos a cargo do próprio Raul. Quem teve a idéia de gravá-las?    


Carleba. As músicas eram escolhidas num consenso, éramos uma banda, onde Raul era um componente como os outros três.


2112. Muitos críticos consideram a versão de vocês para Lucy In The Sky With Diamonds um tanto ousada para a época. O que você acha desse comentário?  


Carleba. O disco como um todo é bastante ousado para a época, inclusive com orquestra grande acompanhando um grupo de rock.. Tanto é que ele é considerado cult hoje em dia;


2112. No disco você participa apenas em duas composições: Me deixa em paz e O dorminhoco. Existia material composto por você e que não foi aproveitado? 


Carleba. Sempre fiz música, entretanto com influências de jazz, um estilo completamente diferente da proposta do disco. Além de rock sempre toquei e ouvi muita bossa-nova, jazz, blues etc.. Aliás no grupo cada qual tinha uma preferência musical:  Raul era Rock’n’Roll; Mariano, Bossa Nova e Eládio música erudita, tendo inclusive tocado violino. 


2112. Quanto tempo levaram para gravar o disco? O resultado final agradou vocês? Pergunto isso levando em conta um comentário do próprio Eládio: “de um lado havia a inexperiência de quatro rapazes, recém-chegados da Bahia, falando em qualidade musical, agnosticismo, mudança de conceitos e sonhos. Do outro lado, uma multinacional que só falava em "comercial". Talvez não tenha sido o disco que o grupo imaginara, mas nosso sonho era gravar um disco”. Você concorda com ele?  


Carleba. O disco levou um mês e meio, dois, não lembro bem.... Desde sempre as gravadoras pensam exclusivamente no comercial, mas no geral, apesar de tudo, conseguimos impor na medida do possível a nossa vontade. Foi um bom disco que se ouvir hoje verificará que é atemporal.

2112. A influência dos Beatles no som e nas letras de vocês é latente a ponto da capa lembrar em muito a de With The Beatles. Tirando os garotos de Liverpool quem mais influenciava o som de vocês?   


Carleba. Little Richard, Cliff Richard, Ray Charles, Fats Domino, Francoise Hardy, Elvis Presley, Pat Boone, Rick Nelson, The Animals, Hendrix, Joan Baez, Mammas and Papas, Stones, era isso que ouvíamos na época  e que nos influenciava.


2112. O disco teve boas críticas?


Carleba. Não houve críticas porque não tocava, foi um fracasso à época, já que a gravadora nada fez para divulgá-lo.


2112. O lançamento do álbum ajudou a abrir portas para shows? 


Carleba. Não!
2112. Naquela época o cenário do rock se dividia entre a romântica Jovem Guarda e os experimentalistas Tropicalistas. Na sua visão onde Os Panteras melhor se encaixava?


Carleba. Em nenhuma das duas... Os Panteras foi o início de um estilo conhecido hoje como Raulseixismo;


2112. Estudiosos da carreira do Raul apontam as faixas Me Deixa Em Paz, Trem 103 e O Dorminhoco como as composições que mais se aproximariam do seu trabalho solo. O que você pensa a este respeito?


Carleba. São duas músicas alegres, pra cima e que dão condições para harmonias bem modernas e sofisticadas.

2112. Segundo o próprio Raul a má repercussão e a pouca vendagem do disco levou vocês de volta a Bahia e ao término da banda. O que de fato aconteceu?  


Carleba. O que aconteceu foi que as dificuldades de manutenção no Rio fez com que a banda se desfizesse, com o retorno para Salvador de Mariano e Raul... eu e Eládio permanecemos no Rio trabalhando com Jerry, e eu também como free lancer, tocando com vários artistas.


2112. Após um período na Bahia Raul conheceu um executivo da CBS e logo retornou ao Rio para trabalhar inicialmente como produtor e depois como cantor e compositor de sucesso. Vocês mantinham contato com ele? Você acompanhou a carreira de Raul?


Carleba. Acompanhei a carreira dele e estive com ele algumas vezes em Salvador, para onde também voltei depois de algum tempo.


2112. Após a saída de Raul, Os Panteras retornou a estrada fazendo shows e tocando a vida... Houve gravações neste período?      


Carleba. Não voltamos mais a tocar assiduamente, mas fizemos até bem pouco tempo apresentações eventuais, agora já como convidados especiais, como dinossauros do rock.


2112. Como foi retornar sem Raul? Vocês em algum momento se sentiram traídos por ele?  


Carleba. Nunca! Ele quis ser artista, perseverou e conseguiu... eu tinha outros planos!

2112. Posteriormente o sucesso de Raul fez com que o álbum dos Panteras se tornasse um verdadeiro ítem de colecionador e até o relançamento em cd era disputado a tapa nos sebos e leilões de raridades. Como você vê todo esse interesse pelo álbum?  


Carleba. Feliz pelo reconhecimento do trabalho, e feliz pelo respeito que os mais jovens tem por nós. Isso não tem preço. Abrimos o caminho num tempo difícil, onde tudo era complicado e o musico de Rock muitas vezes era considerado vagabundo... o reconhecimento das pessoas, da crítica, de outros músicos vale mais que qualquer dinheiro. 


2112. Existe algum material gravado em estúdio e que não foi incluído no álbum?


Carleba. Nanny, uma música gravada por nós lá pelos anos 60.
2112. Em 2015 vocês se reuniram junto a outros artistas como Marcelo Nova, Rick Ferreira, Luiz Carlini, Eddy Star entre outros para gravar o dvd  “25 anos sem Raul” com produção de Kika Seixas no Rio de Janeiro. Como surgiu este projeto?


Carleba.  Quase todo ano, por ocasião do aniversário e morte de Raul, Kika promove eventos ...fomos como convidados pela nossa importância na carreira dele.


2112. É legal ver o público de vocês se renovando para uma faixa de pessoas que talvez nem tivesse nascido quando foi lançado o álbum? Isso emociona?


Carleba. Como falei é muito bom ver o respeito que os jovens têm pelo nosso trabalho. Atendo diariamente nas redes sociais dezenas de garotos que mostram a admiração por mim e pedem conselhos. Atendo todos eles e esclareço tudo que querem saber. Sou grato sempre!


2112. A banda tem projetos para retornar aos shows ou mesmo para a gravação de um novo disco?   

Carleba. Nenhum projeto, já cumprimos nosso caminho no universo Rocker do Brasil. 

2112. O Sr. acompanha a evolução do cenário musical? Na sua opinião o que existe de bacana para se ouvir?


Carleba. Pouquíssima coisa, a música brasileira tomou um rumo em que a arte deu lugar à vulgaridade, à baixíssima qualidade de letras. É muito triste ver tantos "artistas" milionários, cobrando verdadeiras fortunas para se apresentar, vendendo uma música de qualidade tão ruim.


2112. Tirando Os Panteras o Sr. continua fazendo shows?  


Carleba. Apenas algumas participações especiais, como convidado... virei uma lenda mas estou velho rsrsrsrs!
2112. Na sua opinião a morte de Raul representa o fim de uma era para o rock brasileiro?

Carleba. Sim! Raul era como Pelé, Muhamad Ali, Beatles, Hendrix, não têm similar.


2112. Algum recado? O microfone é seu...


Carleba. Obrigado pela lembrança do meu nome para participar do seu blog... agradeço por não deixar morrer a imagem de uma banda que um dia, lá pelos anos 60, iniciou na Bahia a história do mais puro Rock’n’Roll.


Raulzito e Os Panteras (Odeon 1968) 



01. Brincadeira (Mariano) 2:40                    

02. Por quê? Pra quê? (Eládio) 1:51              

03. Um Minuto mais (I Will) (Dick Glasser - Versão: Raulzito) 1:44                  

04. Vera Verinha (Raulzito / Eládio) 1:58     

05. Você ainda Pode Sonhar (Lucy in the Sky with Diamonds) (Lennon & McCartney -        Versão: Raulzito) 2:18   

06. Menina de Amaralina (Raulzito) 1:54     

07. Triste Mundo (Mariano) 2:13                 

08. Dê-me tua Mão (Raulzito) 2:36              

09. Alice Maria (Mariano / Raulzito / Eládio) 2:08                                            

10. Me Deixa em Paz (Mariano / Raulzito / Carleba) 1:46                                

11. Trem 103 (Raulzito) 1:55                        
12. O Dorminhoco (Carleba / Eládio / Raulzito / Mariano) 1:33   




A paixão de Raulzito pelo rock and roll se iniciou praticamente na mesma época em que o ritmo jovem nascia nos Estados Unidos, ou seja, no início da década de 1950. Foi com uns garotos do Consulado Americano, lá em Salvador, Bahia. Elvis Presley, Little Richard, Fats Domino, Chuck Berry entre outros enlouqueceram o jovem Raulzito.

“Eu ouvia os discos de Elvis Presley até estragar os sulcos. O rock era como uma chave que abriria minhas portas que viviam fechadas. Usava camisa vermelha, gola virada para cima. As mães não deixavam as filhinhas chegarem perto de mim porque eu era torto como o James Dean. Olhava de lado, com jeito de durão. Cada vez que eu cumprimentava uma pessoa dava três giros em torno do próprio corpo. Eu era o próprio rock. Eu era Elvis quando andava e penteava o topete. Eu era alvo de risos, gracinhas, claro. Eu tinha assumido uma maneira de vestir, falar e agir que ninguém conhecia. Claro que eu não tinha consciência da mudança social que o rock implicava. Eu achava que os jovens iam dominar o mundo.” Raulzito

No entanto, até chegar a formação de Raulzito e Os Panteras, Raul fundou, em 1962, ao lado dos irmãos Délcio e Thildo Gama, o grupo Os Relâmpagos do Rock. Chegaram a se apresentar na TV Itapoan, onde foram chamados de cantores de “música de cowboy”.

Em 1964 Os Relâmpagos do Rock, com nova formação, passam a se chamar The Panthers. Foi também o ano da profissionalização definitiva e da descoberta dos Beatles. Ainda em 1964, The Panthers entra em estúdio para gravar aquela que viria a ser a primeira gravação oficial: duas músicas para serem lançadas em um compacto (“Nanny”/ “Coração Partido”) pela Astor, que acabaram ficando apenas no acetato, não sendo lançadas comercialmente. Somente em 1992, a música “Nanny” seria lançada, entre outras gravações raras, no álbum O Baú do Raul.

O grupo passou então a se chamar Raulzito e Os Panteras. Depois de comprar uma aparelhagem nova e melhor, passou a tocar em boates e em shows em que, muitas vezes, brilhavam astros da Jovem Guarda como Roberto Carlos, Wanderléa, Jerry Adriani e, Rosemary, entre outros. Seus maiores rivais são os grupos de samba e bossa nova, aquartelados no Teatro Vila Velha de um lado e do outro o Cinema Roma, que era o templo do rock and roll, organizado por Waldir Serrão, O Big Ben.

Muitas foram as formações de Raulzito e Os Panteras até chegar naquela que gravou o tão sonhado álbum para a EMI Odeon no final de 1967. Foi Jerry Adriani quem incentivou Raulzito e seus Panteras a irem tentar a sorte no Rio de Janeiro e lá foram eles. Raul, recém casado com a americana Edith Wisner, juntamente com Os Panteras desceram com malas e cuias para a Cidade Maravilhosa. Conseguiram gravar, para a EMI Odeon, o tão sonhado LP Raulzito e Os Panteras. Lançado em janeiro 1968, o disco foi ignorado tanto pela crítica quanto pelo público, chegando a ouvir do produtor artístico Carlos Imperial que eles voltassem pra Salvador, que não conseguiram nada por lá, pois no Rio existiam centenas de bandas fazendo o que eles faziam. O curioso é que o mesmo Carlos Imperial, anos depois, em 1973, declararia que Raul Seixas estava fazendo a música que o povo quer.

“Chegamos em fim de safra. Não entendíamos o que estava acontecendo. Agnaldo Timóteo de um lado, Gil e Os Mutantes de outro. Tocávamos coisas complicadas, minhas letras falavam de agnosticismo, essas coisas, e complicamos demais. Não tínhamos ideia do que era comercial em matéria de música em português.” Raulzito

“De um lado havia a inexperiência de quatro rapazes, recém-chegados da Bahia, falando em qualidade musical, agnosticismo, mudança de conceitos e sonhos. Do outro lado, uma multinacional que só falava em “comercial”. Talvez não tenha sido o disco que o grupo imaginara, mas nosso sonho era gravar um disco.” Eládio

Sylvio Passos

Curiosidades:

Em 1968, além do LP - que foi lançado em 2 versões, uma MONO e outra STEREO -, foi lançado também um compacto simples e num LP com o programa de rádio “Música e Alegria Kolynos. Programa nº 1104











Esta entrevista é uma homenagem a todos os membros desta grande banda em especial ao Carleba Castro pela entrevista e também ao Sylvio Passos por ceder a resenha do cd da banda incluída originalmente no seu site de onde tirei parte do material que ilustra esta entrevista histórica. Thank you!!





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