Ronaldo Rodrigues é
um dos maiores representantes do nosso prog rock estando a frente das bandas
Caravela Escarlate e Arcpelago e que agora está lançando o seu primeiro
trabalho solo gravado artesanalmente em sua casa.
2112. A idéia de gravar um álbum solo
já vinha sendo trabalhado na sua cabeça há um certo tempo e o seu casamento
concretizou esse projeto. Como é essa história?
Ronaldo Rodrigues. Sim, já vinha. É engraçado
vermos coisas que a gente projetou assim de forma um tanto despretensiosa se
concretizarem ou chegarem próximo disso. Quando gravei meu primeiro disco,
entre 2009 e 2010 com a Massahara, tinha colocado pra mim mesmo uma espécie de
"objetivo" de ser um músico de estúdio, fazer muitos trabalhos em
estúdio...o estúdio realmente era um local onde eu me realizava musicalmente.
Também tinha a ideia de nos 10 anos seguintes buscar fazer tudo que eu gostaria
em música. Posso dizer que isso tem acontecido, ainda que não de uma forma tão
consciente, tão objetiva, tão certeira. Já são mais de uma dezena o número de
discos oficiais que foram lançados com alguma participação minha, incluindo os
trabalhos próprios das bandas que fiz/faço parte. Em termos de estilos musicais
muita coisa que eu gosto foi abarcada, mas nem tudo ainda. Esse meu primeiro
álbum solo vem na esteira dessas coisas todas. Soma-se a isso o incentivo vindo
da minha noiva, Fernanda Pio, que é uma pessoa muito criativa e vibrante,
sempre cheia de ideias e iniciativas, de fazermos algo diferente na preparação
do nosso casamento. Em geral, os convidados de um casamento presenteiam os
noivos; no nosso caso pedimos que o presente fosse uma colaboração em dinheiro
para uma road trip que queremos fazer na Europa em lua de mel. E quem nos
presenteasse seria recompensado com pequenas lembranças produzidas por nós
mesmos - a Fernanda é designer gráfica e ilustradora e eu, músico. A confecção
dessas lembranças me fez conectar as partes. Esses elementos foram os
catalisadores do meu primeiro álbum solo.
2112. Fale um pouco sobre o processo
de composição das faixas, a pré-produção e a gravações. Foi um processo
praticamente artesanal, não é?
Ronaldo. Bastante artesanal e também
desafiador, porque eu não sou um cara tão afeito a parte "técnica" de
uma gravação, apesar de ter um conhecimento e uma experiência razoável no
assunto. Adquiri alguns equipamentos no fim do ano passado para conseguir
gravar com boa qualidade e o restante tem sido na base de "tentativa e
erro". Nada até o momento foi terceirizado e pretendo que continue assim.
Isso ao mesmo tempo é uma tarefa muito árdua mas também uma satisfação
particular que apenas um trabalho solo totalmente autoral pode trazer. O
primeiro disco da Caravela Escarlate, Rascunho (2016), foi um trabalho feito
com pouca maturação e pouco tempo entre a concepção das faixas, os arranjos, os
poucos ensaios e a gravação. Já nesse meu trabalho solo a coisa foi ainda mais
expressa e não houve pré-produção. Tinha as ideias na cabeça mas as ensaiei
muito pouco e já fui gravando direto; então é um trabalho muito espontâneo,
realmente um retrato deste meu momento. Das 7 músicas, 4 delas foram feitas
totalmente dessa forma - concepção, arranjo e gravação feitas em intervalo de
pouquíssimos dias. Outras 3 faixas eu já tinha composto em diferentes ocasiões,
mas foram rearranjadas para o disco também com um tempo curto de gestação. As
composições vem um pouco no intuito de serem como trilhas sonoras.
2112. Você gravou o álbum todo sozinho
ou teve a participação de algum outro músico?
Ronaldo. Tudo sozinho mesmo. Até cogitei, mas desisti. Não foi por vaidade, mas mais pelos recursos (dinheiro, tempo, estrutura, etc.) que não tive como dispor no momento.
2112. Que instrumentos você usou nas gravações do álbum?
Ronaldo. 100% teclados, inclusive
emulando outros instrumentos (percussão, baixo, sons orquestrais, etc.). Como
disse antes eu não sou "produtor", sou apenas um cara que sabe
minimamente gravar a si próprio de forma razoável. Eu pensei em incluir algo de
violão ou guitarra (são instrumentos que eu tenho um mínimo de conhecimento) ou
mesmo canto, mas aí envolveria microfonação, a demanda por um espaço com uma
boa acústica e etc. Já tem sido muito desafiador conciliar a preparação do
álbum com as demais providências do casamento e tudo mais que não parou pra me
"assistir" fazendo essas coisas - trabalhos, bandas, outras
gravações, etc. Não teria como de fato colocar energia e tempo com a inserção
de outros elementos. Fui no que estava a mão. Mas com certeza eu tenho a vontade
de rechear meus trabalhos com outras sonoridades e farei assim em futuros
lançamentos (já fui infectado pelo vírus do trabalho solo e outros virão em
breve).
2112. O processo do álbum me fez
lembrar do álbum Music for Supermark de Jean-Michel Jarre que teve apenas uma
cópia prensada. Posteriormente Jarre regravou algumas das faixas em outros
álbuns com novos nomes e novos arranjos. Você também pretende fazer o mesmo
futuramente?
Ronaldo. Interessante, eu desconhecia esse trabalho do JMJ. Conheço apenas seus trabalhos mais clássicos. Apesar de super bacana, acho que hoje as pessoas não se sentem mais atraídas por essas "excentricidades" da época em que a indústria fonográfica ainda fervilhava. Vejo essas coisas como algo feito num movimento de tentar diminuir a superexposição de si próprio, conservar o caráter "único" daquilo que se fazia e tal. Hoje a superexposição é uma questão de sobrevivência, o músico praticamente precisa lutar muito para obter algum reconhecimento e fazer uma coisa desse tipo hoje só geraria alguns comentários que cairiam no esquecimento dos feeds e timelines muito rapidamente. Minha intenção inicial é que apenas as pessoas que estejam contribuindo com a elaboração do trabalho o tenham como recordação, mas seria leviano dizer que isso é algo definitivo. Dependendo de como for a resposta e a empolgação destes com o trabalho pode ser que eles próprios considerem justo que o trabalho alcance mais pessoas.
2112. O que mais te inspira na hora de
compor?
Ronaldo. Acho que a vivência mesmo do dia-a-dia
é a maior fonte de inspiração. Eu não sou músico 100% do tempo, tenho um
trabalho regular em horário comercial. Estar boa parte do meu dia distante da
música me dá um ânimo e uma sede enorme de ficar pensando em música, em
realizar coisas na música. Há um prazer enorme em ouvir música (rock e os
estilos que aprecio), seja a antiga ou a nova...tudo isso é combustível de
ideias. Eu sou um cara que se atenta bastante a coisas de pouca relevância do
cotidiano - uma conversa engraçada de alguém no ônibus, um outdoor, uma matéria
de jornal, uma cena na rua, a paisagem das ruas, essas coisas. Mas também leio
bastante (atualmente mais leitura técnica-científica e jornais do que
literatura), aprecio pintura, ilustração, vejo alguns filmes...e muita música,
obviamente. A inspiração vem disso tudo.
2112. Além de influências do
eletrônico o álbum tem baladas, folk, space rock, faixas apenas com piano. Você
ouve todo tipo de música?
Ronaldo. Na verdade, qualquer coisa que seja feita só com teclados é quase que automaticamente relacionada ao progressivo eletrônico. Eu, apesar de gostar do estilo, não sou nem de longe um especialista no estilo e nem um profundo conhecedor dele. O motivo principal é que eu aprecio muito a sonoridade de outros instrumentos e uma das coisas que mais me emocionam na música é justamente a interação entre os instrumentos, os arranjos e como cada instrumento reage no panorama da composição. Não diria que ouço todo tipo de música, porque isso incluiria a rigor muita música ruim e descartável que tem por aí, isso não ouço. Música que seja meramente dançar, música de elevador ou algo feito só pra chocar/ofender, no qual o que se fala rouba a cena do que é tocado eu desprezo. Mas ouço muita coisa - quase tudo que tenha um instrumental trabalhado fica no radar do minha atenção. O estilo que mais gosto é o rock dos anos 70 e quem é conhecedor sabe que o rock dessa época é extremamente eclético, variado, muito rico. E eu gosto exatamente de toda essa riqueza e, mesmo sem querer, tudo isso acaba emergindo em qualquer trabalho que eu faça.
2112. Esse álbum ficará marcado por
surgir entre dois momentos especiais da sua vida: sua união e a realização do
seu primeiro trabalho solo. Como você está trabalhando isso na sua cabeça?
Ronaldo. Ficará marcado de forma muito especial. Olha, é um misto de muitos sentimentos positivos e um daqueles raros momentos na vida em que sentimos que realizamos uma coisa realmente grande. Como a música é uma parte muito importante da minha vida, acabou que também ela está presente de uma maneira muito legal, inusitada até eu diria, neste momento do meu casamento. A princípio, eu olho para um monte de coisas e é uma avalanche de providências a tomar e penso: não vai dar, não será possível. Mas quando a gente vence a primeira barreira negativa, de achar não ser possível, e começa a fazer a gente lembra que o dia tem 24 h e nessas horas todas dá pra fazer muita coisa. Minha cabeça gostaria de dar uma pausa do excesso de atividades, mas por outro lado tenho em mente que é preciso aproveitar certas ondas de criatividade. Também enxergo que quando ficamos mais velhos a vida vai ficando mais complexa e qualquer objetivo vai tendo que ser encaixado em um quebra-cabeça mais difícil. É assim que me sinto. Felizmente isso me colocou na direção de tentar conciliar tudo.
2112. A produção gráfica está a cargo
da Fernanda. Será um trabalho mais artesanal?
Ronaldo. Não tão artesanal assim,
porque uma série de outros itens do casamento ela já tem feito a mão (convites,
identificação das mesas, a parte gráfica do nosso projeto artístico conjunto
que inclui meu álbum solo, e etc.). Elaboramos a arte digitalmente mesmo e
estamos imprimindo de forma convencional. Seria bem legal fazer manualmente,
item por item, mas não foi possível no momento.
2112. John Lennon e Yoko Ono quando se casaram lançaram Wedding Album que além do próprio disco trazia várias "lembrancinhas" como uma foto de um pedaço do bolo, uma cópia da certidão de casamento, fotos do casal etc. Um projeto interessante como o de vocês...
2112. John Lennon e Yoko Ono quando se casaram lançaram Wedding Album que além do próprio disco trazia várias "lembrancinhas" como uma foto de um pedaço do bolo, uma cópia da certidão de casamento, fotos do casal etc. Um projeto interessante como o de vocês...
Ronaldo. Uma honra ser associado com esse ilustre casal! Essa referência não nos ocorreu quando tivemos essa ideia, mas acho que tem tudo a ver mesmo - esse meu álbum solo e as ilustrações da Fernanda serão as "lembrancinhas" pros convidados e pras outras pessoas que adquirirem nosso projeto.
2112. Os convidados com certeza
ficarão felizes ao ter em mãos um produto exclusivo que se tornará item de
colecionador. A idéia foi super bacana...
Ronaldo. Obrigado! Queremos que a ocasião fique tão bem marcada na vida das pessoas quanto tudo isso está sendo marcante pra nós; além de toda a comida, a bebida e a farra do momento, nada melhor do que fazer isso com arte também.
2112. O álbum será lançado no dia do
seu casamento com o título de Vol. I. Você pretende fazer uma espécie de pocked
show na festa para apresentar oficialmente o álbum?
Ronaldo. Como terá muitos músicos entre
os convidados, havia a ideia de nos reunirmos lá e fazermos uma pequena
brincadeira musical, tocando músicas que gostamos e nos confraternizando. Só
que fazer isso demandaria um conjunto de providências que eu não terei como
tomar no dia e pros outros envolvidos também seria inviável cuidar disso. Mas
não tocaríamos nada desse material do disco solo, até porque isso demandaria
ensaios e uma certa preparação que não teria como ser feita a tempo. Também
pelo fato do trabalho ter sido feito todo com teclados teria de rearranjar as
músicas para o formato álbum. Seria maravilhoso fazer isso, mas a festa e a
curtição do casamento tem absoluta prioridade nesse dia.
2112. E após o seu retorno da lua de mel você pretende fazer algum show ou esse projeto ficará apenas a nível de trabalho de estúdio?
Ronaldo. A pretensão inicial é que o
trabalho fique restrito ao estúdio pois até isso seria um diferencial do
trabalho. Quase tudo que gravei em álbuns meus ou de outras bandas acabou indo
pro palco e foi feito e gravado pensando nisso. Desta vez não tive essa
preocupação, o que dá uma certa liberdade de explorar mais recursos dos
equipamentos e da própria gravação em si. Há uma dualidade interessante entre
palco e estúdio, na qual sempre pendi mais para o segundo porque sempre achei
que o estúdio é o local onde se pode oferecer o máximo em termos de experiência
musical propriamente dita. No palco há outros fatores envolvidos que não são
música, mas a complementam - performance, iluminação, palco, o local onde se
toca, a interação com a plateia, etc. Pensando exclusivamente em música, o
estúdio é o melhor lugar para ela acontecer em plenitude. E quando vou gravar
um material com essa intenção de depois apresentá-la ao vivo, tento fazer de
uma maneira que seja possível reproduzir com certa fidelidade o que foi
gravado, o que estabelece certos limites.
2112. Mas seria muito interessante apresentar o material para os fãs já que ele difere dos trabalhos desenvolvidos por você no Caravela Escarlate e no Arcpelago, não é?
2112. Mas seria muito interessante apresentar o material para os fãs já que ele difere dos trabalhos desenvolvidos por você no Caravela Escarlate e no Arcpelago, não é?
Ronaldo. Com certeza. As composições desse álbum solo foram pensadas justamente para ser algo que eu imaginei não ser muito apropriado para tocar com minhas bandas, para apresentar outras facetas da minha personalidade musical. Há muita riqueza musical a ser explorada e que eu penso que nem tendo duas bandas eu seja capaz de abraçar tudo (risos)! Possivelmente esse sons ajudarão a me conectar com pessoas fora do universo do rock.
2112. Vol. I terá edição limitadíssima... Futuramente você pretende lançá-lo nas plataformas digitais ou em formato físico?
Ronaldo. Não pretendo lançar nas plataformas digitais, como disse anteriormente. Não sei como será a resposta das pessoas a este trabalho, mas quero valorizar as pessoas que se interessaram em colaborar com esse projeto artístico que brotou desse belo momento da minha vida particular.
2112. Obrigado pela entrevista e felicidades para você e a Fernanda. Parabéns.
Ronaldo. Agradeço muito o prestígio do Furia 2112 ao trabalho das minhas bandas e por extensão a esse meu primeiro trabalho solo! Acompanho suas redes sociais, leio e comento eventualmente seu blog e sei bem como é a luta de vencer boicotes de todos os lados para conseguir promover aquilo que se acredita. A gente encontra muitos "não" antes de encontrar um "sim". Esse blog é um exemplo de perseverança e de visão do todo. Parabéns!
2112. ... o microfone é seu!
Ronaldo. Aos que tiverem interesse em
conhecer o trabalho, há dois pequenos trechos do trabalho disponibilizados como
teasers no youtube (link nos comentários - pode ser?) e para quem quiser ver o
projeto todo, o que faremos e como colaborar conosco, o link é: www.catarse.me/projetoeuropa.
Crédito: Todas as fotos utilizadas nesta entrevista pertencem ao arquivo pessoal do Ronaldo.
Eu do 2112/VISION desejo a você Ronaldo e a Fernanda a mesma felicidade que me mantém feliz a 17 anos com a minha esposa. Que Deus os abençoem e que vocês sejam realmente felizes... e se der guardem um pedaço do bolo para mim. Abração!
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