Junto com
a Violeta de Outono e Os Mutantes a Harry é uma das maiores cult band da
história do rock brazuca. Apesar de pouco comentada na grande mídia (seria
merecido!) a banda possui um público fidelíssimo que acompanha todas as
movimentações envolvendo o seu nome. Ladies and gentlemans... Harry!
2112. Vocês estão prestes a lançar
"The Dark Passenger" após um hiato de trinta anos desde o lançamento
de Vessels' Town. O que vocês fizeram nesse meio tempo e o que mais motivou o
retorno da banda?
Richard Johnsson Kraus. A banda ficou em suspenção por um
tempo, mas nunca terminamos oficialmente. Muitas coisas se passaram na época do
Vessels’ Town. Mas faço uma correção: Em 2014 lançamos um CD totalmente
independente, o Electric Fairy Tales. Distribuímos em lojas de CDs de amigos e
via internet. Trata-se de 16 músicas, sendo 7 delas do Fairy Tales, uma,
lançada em cassete nos anos 80 ou 90 (não lembro) e outras 8 inéditas. Como o
nome do CD sugere, o CD é totalmente elétrico, sem uso de bateria eletrônica ou
sequenciadores. A proposta foi de realizar uma releitura do Fairy Tales e
retomar os primórdios elétricos da banda.
2112. Mas entre Vessels' Town e The
Dark Passenger existe dois lançamentos interessantes que é o Chemical Archives
e o Hansenmania. Falem um pouco sobre esses dois discos.
Richard Johnsson Kraus. O primeiro é uma coletânea de
trabalhos anteriores com outras que foram gravadas nos obscuros anos 90. Talvez
tenha sido a fase mais louca da banda, onde todos nós perdemos um pouco, e os
takes de músicas dessa fase estão no CD. Já o Hansenmania foi uma homenagem
idealizada pelo René, uma forma carinhosa de prestar um tributo ao Hansen,
resgatando o vinil, que foi a porta de entrada na lendária Wop Bop com o EP
Harry.
2112. O novo álbum traz as últimas
gravações com Johnny Hansen o que o torna "especial" tanto para vocês
amigos dele como para nós fãs. Como foi trabalhar o material sem a presença
física dele por perto?
Richard Johnsson Kraus. Na realidade, o trabalho já
estava concluído quando Hansen nos deixou. Todas gravações e mixagens já
estavam finalizadas, apenas esperando o momento de lançar. Essa espera foi
aumentada pelo ocorrido. Ficamos um tempinho sem saber o que fazer com as
gravações, embora no dia do enterro, dentro do cemitério, nos comprometemos a
continuar a banda, independente de lançar algo ou não. Aliás, acho importante
dizer algo relevante: essa “volta” do Harry não surgiu por acaso. Quando o
Hansen ainda morava em Fortaleza, Cesar, Lee e Marreco tinham montado uma banda
chamada Avalanche, tocando covers e várias do Harry, com guitarra, baixo e
bateria, bem roots. Essa base já estava montada quando Hansen voltou para
Santos, agora já disposto a assumir mais uma guitarra e os vocais. Esta nova
formação evoluiu para a ideia de retomar gravações, músicas que ficaram para
trás ao longo dos anos e que achamos que valiam à pena trabalhar. Foi nesse
período que Hansen me ligou e perguntou se eu queria participar dessa volta,
colocando uns teclados em duas músicas já iniciadas em estúdio. Acabei gravando
todas as 16 num único take em duas horas. Foi essa a formação do Electric Fairy
Tales e é essa a formação do Dark Passenger.
2112. Vocês poderiam falar um pouco
sobre o processo de composição, pré-produção e gravação do álbum.
Richard Johnsson Kraus. Com raras exceções, as
composições sempre começam pensando na parte instrumental, riffs, climas, e só
depois pensamos em letras. Talvez tenha sido uma falha, um erro tonto, mas
nunca demos muito valor às letras. Todas elas refletem situações do nosso
cotidiano outsider e junkie. Exploramos todas possibilidades no estúdio de
ensaio e quando vamos para as gravações, já temos o esqueleto formado. O raio é
que no estúdio sempre piramos. Estúdios de gravação oferecem recursos que ao
vivo ficam limitados, e gostamos de explorar esses novos limites amplos, o que
possibilita várias guitarras, vozes, efeitos, Os shows ao vivo são sempre uma
adaptação do que fazemos em estúdio de gravação. Engraçado dizer que temos uma
sinergia incomum, ninguém dá muito pitaco sobre o que o outro deve fazer, mas
acabamos propondo abordagens que agradam e fazem sentido instantâneo para todos
da banda. Houve época que eu e o Hansen mostrávamos ideias um ao outro e
imediatamente tínhamos conceitos idênticos de arranjos, e hoje, esse sentimento
e telepatia (por que não?) existe entre todos da banda.
2112. Taxidermy de uma certa maneira
fecha um ciclo na história do Harry com o relançamento dos três álbuns
acompanhados de preciosas bônus tracks. O nós fãs podemos esperar do novo
álbum?
Richard Johnsson Kraus. Realmente, considero o Box a celebração do encerramento de um ciclo. O espírito Harry permanece, o nosso conceito de música está lá, mas totalmente elétrico. Desde meados de 2012, 2013 voltamos definitivamente às origens do Harry: guitarra cheia de pedais e efeitos, baixo pulsante, bateria rude e marcante, teclados tocados e vocais cheios de arranjos e efeitos. O que talvez diferencie mais o trabalho é o fato que resolvemos por a voz na frente. Nas mixagens clássicas do Harry, o vocal sempre ficava nadando quase submergido entre os instrumentos e sequenciadores; nesse conceito atual também estamos mais rudes, como bons punks que somos.
Richard Johnsson Kraus. Realmente, considero o Box a celebração do encerramento de um ciclo. O espírito Harry permanece, o nosso conceito de música está lá, mas totalmente elétrico. Desde meados de 2012, 2013 voltamos definitivamente às origens do Harry: guitarra cheia de pedais e efeitos, baixo pulsante, bateria rude e marcante, teclados tocados e vocais cheios de arranjos e efeitos. O que talvez diferencie mais o trabalho é o fato que resolvemos por a voz na frente. Nas mixagens clássicas do Harry, o vocal sempre ficava nadando quase submergido entre os instrumentos e sequenciadores; nesse conceito atual também estamos mais rudes, como bons punks que somos.
2112. O que me chamou a atenção no box
foram as gravações realizadas entre 1994 e 1996 mas que só lançadas agora neste
projeto. Porque não foram lançadas na época? O que houve?
Richard Johnsson Kraus. Foi uma época de profundas
mudanças. 1994 talvez tenha sido o auge no uso de substâncias e sessões de
estúdio que deixariam Iggy Pop e Jim Morrison corados. Foi uma época que
buscávamos rumo de mudanças, mas acho que não tínhamos muita certeza para onde
estávamos indo. Pouco depois, acho que 1996, 1997, fizemos em Serra Negra a
Black Mountains Sessions. Era uma chácara do Cesar, onde o Hansen, Verta e eu
nos juntamos para tentar produzir algo novo. O Cesar já não fazia parte da
banda, embora a amizade tenha permanecido forte e entrou na barca nos cedendo o
espaço, onde levamos o estúdio portátil, instrumentos e stuff. Ainda tínhamos
muitas coisas sequenciadas, colocando guitarras e vocais. Por coincidência, foi
na semana que houve o acidente com os Mamonas Assassinas. Não saímos totalmente
satisfeitos com os resultados, e logo após, cada um seguiu rumos diferentes. O
Verta foi pro Rio, o Hansen para Fortaleza, eu para o interior de São Paulo e o
Cesar só veio a montar o Avalanche anos depois com o Lee e o Marreco (a coceira
de tocar foi grande) ... O mercado fonográfico estava estranho, passando por
sérias mudanças. Todos entramos em coma induzido por um tempo.
2112. Vocês pretendem lançar The Dark
Passenger em todos os formatos como cd, vinil, plataformas digitais e mesmo
algum single antecipando o lançamento do álbum?
Richard Johnsson Kraus. Está na mão do Eneas. Lançaremos
em todos os formatos. O Eneas é incorrigível e continua ousado em abraçar este
projeto. Temos uma longa história juntos e ficamos felizes em retomar essa
parceria. É bom poder confiar em alguém nesse mercado da música, especialmente
no mundo digital, onde o Harry já deve ser uma das bandas mais pirateadas e com
vários desconhecidos explorando nossos trabalhos. Estamos tentando por ordem no
galinheiro. O novo trabalho será lançado com o nome Harry and the Addicts, que,
na realidade, é o nome original da banda.
2112. Entre as músicas incluídas no
disco quais ficaram mais interessantes no ponto de vista da banda?
Richard Johnsson Kraus. Gostamos de todas. É mais ou
menos como perguntar qual o filho favorito. Como algo meio fora da curva, tem
uma música que é do tempo que o Hansen tocava Heavy Metal, e que foi atualizada
num arranjo bem agressivo, e uma outra música, que é de 1977 com pegada punk
tradicional e que sempre tocávamos em shows, mas nunca havíamos gravado até
então.
2112. Vessels' Town trouxe um lado
mais acessível que os álbuns anteriores. The Dark Passenger segue essa pegada
ou o trabalho está equilibrado?
Richard Johnsson Kraus. Considerando o termo “acessível”
como algo positivo, sim, o CD está bem acessível, pelo menos aos olhos e
ouvidos daquilo que consideramos acessível. Acho que conseguimos um equilíbrio
e maturidade nesse trabalho. Mas prefiro usar outra definição, que é o que
permeia toda nossa trajetória: somos honestos. Usamos os formatos eletrônico, o
elétrico, o híbrido dos dois, sempre pensando em resultar em algo que
acreditamos, sem estar preocupados se preenchemos alguma exigência do mercado
fonográfico mainstream. Nosso foco é atender o pessoal que curte bandas
honestas que entregam a real alma da banda.
2112. O título "O passageiro
negro" tem a ver com o episódio da morte do Hansen ou foi uma mera
coincidência?
Richard Johnsson Kraus. Não. O nome já estava escolhido
antes do nosso grande amigo FDP morrer. Sempre fomos escatológicos, e foi uma
mera coincidência. O Hansen deve estar rolando de rir disso.
2112. O Harry é um verdadeiro divisor de águas na história do rock brasileiro ao misturar punk, EBM, sixties rock, industrial, thrash metal, música clássica... junto a vocais distorcidos em meio as experiências com sintetizadores e samplers. Como vocês definem ou classificam o som da banda?
2112. O Harry é um verdadeiro divisor de águas na história do rock brasileiro ao misturar punk, EBM, sixties rock, industrial, thrash metal, música clássica... junto a vocais distorcidos em meio as experiências com sintetizadores e samplers. Como vocês definem ou classificam o som da banda?
Richard Johnsson Kraus. Punk. Temos a ideologia punk.
Fazemos o que queremos, do jeito que nos convém, usando os meios que estiverem à
disposição. Com isso, acho que temos fás das mais diversas tribos. Isso ficou
fácil de perceber no dia do velório/enterro do Hansen. Góticos, metaleiros,
darks, punks, roqueiros clássicos, EBMeiros e outros das mais variadas
vertentes ´prestando homenagem. Somos bem ecléticos em termos de som e isso
acaba refletindo na galera que nos curte.
2112. Quando vocês começaram a
misturar todas essas vertentes musicais qual foi a reação do público e da
crítica diante dos shows e dos próprios álbuns da banda?
Richard Johnsson Kraus. Positivas e negativas. Como se
ligássemos para isso... Espanto para uns, repulsa de outros, agradável para uma
parte e indefinível para a maioria. Com certo orgulho e dor no coração (sim, é
tudo paradoxal), acho o Harry uma banda à frente do tempo, sem falsa modéstia.
Gostamos de ser atemporais. Temos gente que curte nosso som de uma geração
nova, algo que muito nos envaidece. Nosso último show, o primeiro sem o Hansen,
um ano atrás no Sesc de Santos, teve uma reação muito positiva. Pessoas que
nunca souberam da banda gostaram e galera dos primórdios da banda estavam lá e
se emocionaram. Ficamos felizes e alimentados pelo feedback positivo em
continuar o trabalho.
2112. O Harry como o Violeta de Outono
mantém um público fidelíssimo que sempre os apoiam em tudo que fazem sem que
seja preciso grandes alardes na mídia. Qual é o segredo?
Richard Johnsson Kraus. Ser real. Ser honesto com o som
que propõe. Representamos um público que não se encaixa naquilo que o
mainstream oferece. Temos uma visão e conceito musical que faz sentido para
variadas tribos, pessoas que entendem e participam de nossa viagem.
2112. Vocês tem uma idéia concreta do
tamanho do público de vocês no exterior?
Richard Johnsson Kraus. Não. Volta e meia temos algum
feedback e sabemos que são muitos. O mercado internacional é bem mais voraz com
coisas novas, exóticas e fora da curva. Do México ao Japão, tem bastante gente
que curte o Harry. Sem falar do pessoal que nos pirateou nas mais variadas
plataformas, ou seja, uma galera enorme e desconhecida.
2112. Qual a visão de vocês do mercado
musical hoje? Sinto que tem muitos segmentos, muito barulho mas falta ousadia
no sentido de chocar, de levar o ouvinte a pensar, a tomar atitudes de
transformar o mundo que o rodeia. Muitas palavras de ordens, mas pouca revolução...
Richard Johnsson Kraus. O mercado musical ainda está se
acomodando e tentando entender no que está se transformando. O fato de ser
fácil gravar e divulgar no meio digital, levou à uma explosão de demanda.
Muitas bandas novas o tempo todo e consumo rápido e zappeado. Deixamos para o
Eneas nos conduzir nesse mundo musical louco, enquanto seguimos com nosso
norte. Não queremos, e sabemos que não conseguiríamos, agradar todo mundo, mas
enquanto houver gente que nos entenda e nos curta, seguimos em frente.
2112. O que mais chama a atenção de
vocês numa banda e o que mais os influenciam na hora de compor uma música?
Richard Johnsson Kraus. Originalidade e ousadia. Gostamos
de músicas boas. E definimos música boa aquela que fica legal tanto num monte
de arranjos sofisticados, como também se reproduzida num violão e voz
funcionar, é legal. O que nos influencia na composição é algum fato ou
sentimento que seja marcante. No meu caso, quando brinco ao piano ou violão, a
música vem naturalmente. É meio clichê, mas a música já está lá, eu só á trago
á vida. Os sons me remetem à pensamentos e sentimentos, aparecem frases soltas
e ideias de linhas vocais. E sofro enquanto não termino.
2112. O que vocês ouvem quando estão
em casa?
Richard Johnsson Kraus. Tudo. Ouço todo tipo de música
folclórica, clássica, rock, eletros, pop, punk, metal, hip hop e sei lá mais o
que. Outro dia descobri Big Joanie e pirei. Raramente ouço som brasileiro (mas
gosto de Cartola, Bezerra da Silva, Zé Ramalho, Casa das Máquinas, os lançamentos
da Wop Bop, Rita Lee e Tutti Frutti, Azul 29, Secos e Molhados, Zequinha de
Abreu, Cachorro Grande, algumas bandas da época da Fiber, só pra citar algumas
e não ser acusado de preconceituoso com som nacional).
2112. Olhando a cena musical hoje ela
está pior ou melhor de quando vocês começaram?
Richard Johnsson Kraus. Quando era mais jovem, prometi
para mim mesmo que não seria um velho rabugento. Sempre pensei: não vou ser
como esses velhos que dizem “no meu tempo era melhor”. Acho que o preço dos
instrumentos e meios de gravação bem mais acessíveis, facilitando a vida das
bandas. Ou seja, saem muito mais coisas por aí. Raramente encontro algo novo
que gosto. Prefiro dizer que simplesmente não entendo a maioria do som que sai
por aí, tudo muito óbvio e previsível. Não à toa, muitas bandas antigas
continuam apavorando. Os Stones que o digam. E o Harry and the Addicts.
2112. A banda irá continuar existindo
ou The Dark Passenger é o epitáfio do Harry?
Richard Johnsson Kraus. Continuamos. Essa leva de músicas
deste CD é apenas parte do que temos gravado e outras já estavam sendo
selecionadas para gravar, além de novas composições. Isso, se ainda tiver gente
louca querendo ouvir e gente louca querendo lançar.
2112. ... o microfone é seu!
Richard Johnsson Kraus. Gostei do nome 2112. Esse LP do
Rush ouvi até furar o vinil. Também faz parte de minhas inumeráveis
influências. Espero que gostem do Dark Passenger. Ouçam sem esperar nada
pré-concebido. E, de preferência, num som bem alto e os ouvidos temperados com
alguma substância alteradora de realidade, ainda que seja excesso de oxigênio
(que também dá um barato legal). Há mais por vir.
Dedico esta entrevista à memoria de Johnny Hansen
Fotos: Arquivo pessoal da banda
Próxima entrevista: Banda Lepra, dia 19
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