Um músico não se cria, ele já nasce
pronto. Precisa apenas ser lapidado como um diamante bruto retirado das
entranhas da terra. E com o baixista Peu Abrantes o caminho não foi diferente:
muito estudo, pesquisas, mente aberta para a escuta de vários sons, shows,
gravações... Confira tudo isso nesta entrevista exclusiva!
2112. Você cresceu em meio a uma família
musical com o pai tocando sax e o irmão violão. Isso de uma certa maneira te
ajudou bastante na hora de decidir pela sua carreira, não é?
Peu. Se a gente for enxergar a música enquanto
vocação, sem dúvida o ambiente familiar me ajudou muito, principalmente meu
irmão, que sempre tinha um violão por perto, tocando de tudo: MPB, Bossa Nova,
um pouco de Rock... sem saber, foi responsável pelas minhas primeiras memórias
musicais, ele meio que formou meu gosto musical. Já o meu pai me influenciou
muito na hora de sonhar com a profissão, pois ele tem boas histórias dos anos
60 e 70, das bandas, dos shows, das viagens... Sempre gostei de ouvir essas
coisas e ficar imaginando. E também tem a minha mãe, que não é musicista, mas
teve um papel decisivo, literalmente. Ela sempre me incentivou muito a estudar
e a acreditar no que faço. Sem dúvida a gratidão que tenho pela minha família é
uma das minhas maiores fontes de inspiração.
2112. O que te levou a optar pelo baixo e o
que mais te encantou no instrumento?
Peu. A decisão pelo baixo foi controversa
hahaha Entre os sete e doze anos, eu queria tocar acordeon, depois bateria!
Minha mãe queria que eu estudasse piano e meu pai disse que eu deveria tocar
baixo... No final, nada aconteceu! Fui começar a tocar só aos quinze,
hipnotizado pela música Dumb, do Nirvana, que meu irmão havia me mostrado. Ele
me ensinou o básico da teoria da música e eu comecei a tocar o que eu ouvia ao
violão, foi quando meu pais perceberam meu interesse e me deram um baixo
elétrico de aniversário.
2112. Entre músicos e bandas quais são as
suas maiores influências?
Peu. Sem dúvida minha maior influência é uma
banda chamada Weather Report, gosto dessa sonoridade mais setentista:
sintetizadores, percussões... Não só a fase do Jaco Pastorius, que foi
incrível, mas também tudo o que fizeram antes e depois dele na banda... adoro o
Joe Zawinul e o Wayne Shorter. Tem também alguns discos do Herbie Hancock, como
Head Hunters e Thrust... Enfim, gosto muito dessa onda "fusion"! Mas
também não dá pra deixar a música brasileira de lado, Tom Jobim e Djavan estão
no meu dia-a-dia! Também gosto muito do João Bosco e do Milton Nascimento.
Passei a ouvir mais por conta do baixista Nico Assumpção, que nos últimos anos
tem sido minha maior influência, sem dúvida.
2112. O que mais chama a sua atenção num
músico quando você ouve uma gravação ou assiste a um show?
Peu. A primeira coisa que me pega é a
energia... Dá pra sentir quando o músico tá realmente presente, entregue,
tocando algo que ele acredita, pra valer. Também gosto de músicos que saem do
óbvio, e não precisa ser virtuose ou gênio pra isso.
2112. Os baixistas sempre tiveram uma
postura mais discreta no palco visto que na maioria das vezes os olhares estão
sempre sobre os guitarristas. Isso de uma certa maneira te incomoda?
Peu. Não incomoda, não. Pra ser sincero é
um grande privilégio ser baixista, dar suporte pra música como um todo e criar
uma base pra que outros músicos possam criar. Também dá pra tocar muito mais
relaxado, já que o foco não tá no baixo hehehe Obviamente esse lugar nos deixa
um pouco distantes de expressar algumas ideias, por isso é legal compor, fazer
arranjo e procurar uma brecha pra fazer uns solos, só pra quebrar a rotina.
2112. Você é Bacharel em Música Popular pela
Unicamp, está cursando mestrado, pesquisa sobre um método inovador de
improvisação solo para baixo, participa do grupo Cäo Laru e ainda mantém uma
carreira solo. Como é o seu dia a dia?
Peu. Lotado! Acho que é um momento de vida,
de profissão... Não acho que vai ser sempre assim. No entanto, sou muito
curioso, e focar numa coisa só é bem difícil pra mim! As coisas vão aparecendo
e naturalmente o que for pra ser, será. Gosto de estudar, e minha relação com a
universidade e a pesquisa são bem motivadoras. Fazer parte do Cäo Laru é uma
experiência muito gratificante! Foi a realização de um sonho antigo de tocar
músicas de outros países, com a sorte de viajar ao lado de pessoas incríveis,
por países incríveis... Mas a dedicação que é necessária pra um trabalho desse
porte torna outros projetos quase inviáveis, e como eu gosto de fazer coisas
diferentes, decidi por ceder meu posto a quem estivesse mais afinado com a
proposta do grupo. Acho que o meu desafio é continuar fazendo tudo isso com
prazer, sem pirar, e o caminho em que eu me vejo hoje é o de compor mais,
gravar e estudar.
2112. Fale um pouco sobre o método de
improvisação solo para baixo. Achei muito interessante e acredito que irá
interessar a muitos músicos que estarão lendo essa entrevista também.
Peu. Apesar de ter passado por ótimos
professores e pela universidade, acredito que descobrir um caminho próprio nos
estudos, meio autodidata, é essencial para que esse lado criativo aflore,
principalmente quanto à improvisação. No mestrado eu pesquiso um pouco disso,
baseado na obra do baixista Nico Assumpção. Não dispenso bons professores, pois
eles foram essenciais pra mim, mas um pouco de ousadia pode fazer bem.
2112. Ano passado você lançou seu primeiro
trabalho solo com composições autorais influenciadas pelo jazz, bossa nova,
samba, maracatu, rock, valsa... Quando você começou a esboçar o projeto?
Peu. O Verde é um projeto que começou em
2017, buscando aquele som mais fusion que eu comentei... Isso explica o tanto
de coisa que tem dentro das músicas! Como eu resgatei algumas composições dos
tempos da faculdade, o caráter geral era de muita experimentação, de descoberta.
Depois reescrevi alguns trechos para tornar mais atual, de acordo com o que me
identifico hoje. Fiz as partituras pra um grupo de seis músicos com a ajuda do
arranjador Gabriel Falcão e estreamos na Mostra Jazz Campinas. Foi incrível!
Depois disso, optei por reduzir os arranjos pra trio e explorar um lado mais
intimista das composições, que é o foco do meu trabalho autoral atualmente.
2112. É complicado trabalhar com tantas
musicalidades na hora de compor? A cabeça deve fervilhar de boas idéias...
Peu. Na verdade é bem gostoso, é desafiador.
Acho interessante buscar um equilíbrio entre músicas tão diferentes, pois às
vezes surge algo estranho dessas misturas, e fazer esse estranhamento soar
musical é o verdadeiro trabalho. Nesse processo eu aprendo muito.
2112. Verde integra o cast do selo Cendi
Music e foi gravado em formato trio por você (baixo), Marcelo Gherini (bateria)
e Marcos Bacon (piano). Você já entrou no estúdio com as composições e os
arranjos prontos? Como foram as gravações?
Peu. As gravações foram uma bagunça! A gente
tinha tudo planejado, os arranjos estavam prontos, mas chegou na hora a gente
mudou muita coisa. A gente ensaia em casa, toca na noite, se acostuma com as
músicas, mas na hora que entra no estúdio as coisas são diferentes. Dá vontade
de experimentar mais, de ousar... Os solos ficaram mais longos, alguns arranjos
mudaram, composições novas entraram de última hora, e a ideia de chamar o
convidados pra somar nos arranjos veio quando o CD já estava no processo de
finalização, por exemplo.
2112. O álbum contou com a participação do
percussionista Marco Bosco que já trabalhou com Egberto Gismonti e Nina Simone.
Vocês já se conheciam?
Peu. Não. O Marco Bosco é um grande amigo do
Maurício Cajueiro, e foi ele que me deu a ideia. Eu já queria colocar algumas
percussões na música Verde, mas queria alguém de peso, que fosse criar junto.
Quando eu comecei a ouvir os sons do Bosco, eu já pensei naquela onda do
Weather Report! Isso fez a gente mudar o arranjo, incluir sintetizador, eu usei
outros baixos, regravamos a música toda... Foi bem louco, mas eu adorei o
resultado.
2112. A produção musical ficou a cargo do
engenheiro de som Maurício Cajueiro que já trabalhou com o mestre Hermeto
Pascoal, o grupo Yellowjackets... Como surgiu essa parceria?
Peu. O Caju é um parceiro que se tornou
amigo. Eu o conheci durante a gravação do CD Experimental, do Albano Sales, um
grande pianista de Campinas com quem tive a honra de tocar alguma vezes. Ele me
chamou pra gravar uma faixa que ninguém queria gravar porque era muito
complicada hahaha eu vi aquilo como uma oportunidade e estudei dias pra
conseguir tocar. No final, a gente tava lá, sentado no sofá do estúdio do Caju,
trocando ideia e gravando. Isso aconteceu em outros projetos também, incluindo
o próprio Cäo Laru, pois gravamos a faixa "Teu Dólar Não Vale Mais"
com ele também. Isso tudo criou uma amizade baseada em muita sinceridade,
confiança e respeito. Eu admiro muito o trabalho do Caju e pra mim é uma grande
alegria ele assinar a produção do meu primeiro CD.
2112. Olhando o trabalho como um todo quais
faixas você destacaria?
Peu. Acho que o destaque vai pra faixa
título, Verde, pois ela tem um arranjo todo doido. O resultado que a gente
chegou dialoga bastante com a ideia original da música, de quando escrevi pra
sexteto, além de contar com a participação do Marco Bosco, que esquentou o
arranjo. Vale a pena conferir só pela introdução de piano e percussão! Falando
em participação, também destaco Uma Fogueira pra São Pedro, na qual a gente usa
sons bem variados, mais elétricos, alguns efeitos de estúdio, e nisso
trompetista Henrique Manchuria contribuiu muito pro amadurecimento da
composição. No final, os convidados enriqueceram muito o trabalho e o destaque
vai pras faixas que eles participaram.
2112. O álbum está disponível nas mídias
digitais?
Peu. Sim, fizemos a distribuição online
pelo selo Cendi Music e o álbum está disponível para venda e audição nas
principais plataformas de streaming. Também temos um canal no youtube que está
crescendo, com vídeos da gravação, performances ao vivo, documentário e etc.
2112. O Cäo Laru já está na estrada divulgando
Fronteiras o seu novo álbum. Como você fará para promover Verde em meio a tour
da banda?
Peu. O trabalho não para né! Apesar de ter
saído do grupo, somos muito amigos, temos parcerias em composições e fui
convidado a fazer algumas participações na turnê atual deles. O Verde também
tem muito pra frutificar, estamos finalizando outros materiais, como
documentários, clipes... Enfim, a gente vai fazendo tudo junto.
2112. Uma última pergunta: Como as pessoas
fazem para adquirir o seu cd?
Peu. O CD está disponível para venda online
nos principais sites, mas também pode ser adquirido diretamente com a minha
produção. Recomendo o CD físico pois tem a arte da Monique Cerchiari, que deixa
o encarte incrível... Pra isso, é só entrar em contato pelas mídias sociais ou
ir ao próximo show, pois sempre tem uma banquinha com os discos pra quem quiser
levar pra casa!
2112. ... o microfone é seu!
Peu. Convido a todos a acompanhar minha
agenda e minhas músicas pelas mídias sociais, sempre tenho novidades com os
trabalhos do trio, com parceiros... é só digitar "Peu Abrantes" que a
gente tá em todo lugar! Depois do Verde, que ainda tá crescendo, outros projetos
virão: o trio já está trabalhando composições novas, além de revisitar os
arranjos originais para sexteto. Se tudo der certo, esse ano vou lançar mais um
álbum! Obrigado pelo convite para a entrevista, foi um prazer responder às
questões. Espero poder contribuir para o crescimento dessa linda cena musical!
Um abraço a todos!
Fotos: Arquivo pessoal (Facebook)
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Próxima entrevista: Bacamarte dia 08
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