"... o verso tem aroma de café, sorrindo o verbo é ser, estar, viver..." esse pequeno trecho extraído de Cotidiano mostra que a arte aponta caminhos e alimenta a alma. Kbélo em Anjos Bailam faz uma síntese inebriante da alma humana e suas necessidades. É através da arte que o homem se encontra nos diferentes estágios da sua vida. Super recomendado!
2112. A arte só deslumbra quem se deixa encontrar nela. Quando você se descobriu dentro desse mundo mágico de sons e palavras?
Tom. Sempre fui um garoto que gostou de música, dos mais variados ritmos. Meus pais sempre foram de ouvir rádio e discos, e lembro muito bem dessa convivência e desse encantamento. Eles também sempre incentivaram eu, meu irmão e minha irmã a ler, estudar, dentro das suas possibilidades. E na adolescência vi que esse era meu caminho, a forma que eu me sentia completo e vibrante, em um festival ou um sarau, em show ou fazendo uma festa.
2112. Desde a sua infância você escrevia histórias. O que mais te inspirava na hora de escrever. Esses escritos ainda existem?
Tom. A primeira lembrança que tenho é de não conseguir escrever nada em uma atividade da primeira série. Minha professora me incentivou, disse que da próxima vez conseguiria, e na outra atividade, julgou a minha história boa e colocou na lousa. Foi o máximo. Conseguia escrever histórias sobre a luz, os planetas, minha vida, sobre futebol etc... Qualquer assunto que eu lia, via em um jornal ou escutava em uma conversa era mote para algum escrito, tudo em um pequeno caderno de broxura. Minha mãe guardou os cadernos, mas não sei se ainda estão lá depois de tanto tempo.
2112. Entre os livros que você já leu quais marcaram mais a sua vida?
Tom. Todos eles deixaram uma marca. Mas posso falar de alguns que mudaram algumas percepções de mundo. As aventuras de Él Condor, um adolescente viajando pela América do Sul entre os anos 70 e 80, A Educação pela Pedra, com poemas que me arrebataram, As Flores do Mal, Memórias Póstumas de Brás Cubas, Memórias de um sargento de milícias, O Chamado Selvagem, Lira dos Vinte anos, Piracema, Mais da metade da coleção vagalume, e vários outros livros, com destaque para coletâneas de saraus, com poetas fantásticos e praticamente anônimos.
2112. Você é neto e filho de baianos mas nasceu em Sampa que possui uma cultura multifacetada que a torna um caldeirão efervescente de múltiplas influências. O que mais te marcou no período em que viveu lá?
Tom. Vive 90% da minha vida em São Paulo, tenho um afeto imenso pela cidade, porém sempre tive muito claro a distinção que temos na megalópole. Sempre fui um intruso em diversos ambientes, a cidade é pensada para o bem-estar de um minoria, enquanto milhões lutam para sobreviver. E foi nesse milhões de pessoas com histórias sensacionais que tive um grande aprendizado, pude, através delas, ter dimensão de como é diverso e rico culturalmente nosso país, e por trabalhar em bastidores, pude também entender as culturas externas que chegam na cidade.
2112. O que te levou a mudar para Salvador? Você foi em busca de suas raízes?
Tom. Meu plano de mudar para Bahia foi antecipado em pelo menos uma década por conta do amor. Minha opção era vir pra cá em dez, quinze anos. Quando conheci minha esposa, a poeta, editora e compositora Esther Alcântara, que estava para mudar para cá, refiz meus planos e vim junto. Como já tinha uma intenção por conta dessa minha ligação profunda com a Bahia, foi muito simples antecipar tudo. E como temos uma intensa harmonia, inclusive nos trabalhos culturais, tudo fluiu naturalmente.
2112. São Paulo e Salvador são duas realidades completamente distintas. Você sentiu algum tipo de choque cultural ao chegar em terras baianas?
Tom. Sim, senti um choque imenso. As estruturas são totalmente distintas, o clima é muito diferente, tanto entre as pessoas quanto as condições climáticas. Aqui sinto um acesso maior as pessoas, um clima muito mais agradável, a cidade não funciona como um cronometro opressor, acho que só essa característica já dá uma diferença gigantesca. Alguns problemas são os mesmos, a cultura não tem um incentivo à altura que necessita. Tem uma outra questão, o eixo Rio-São Paulo excluí muita coisa bacana que acontece por aqui e outras regiões, fora o preconceito dos paulistas com o povo nordestino, tive que ir com cuidado, respeitando todo o circuito e entendo o funcionamento das produções. Acho que aqui está bem mais adiantado em vários quesitos do em São Paulo, e por ser filho de baianos as coisas foram um pouco mais tranquilas. Hoje posso dizer que prefiro trabalhar em Salvador do que em São Paulo.
2112. Hoje mais do que nunca o artista independente precisa de ajuda já que a indústria de entretenimento só nutre interesse por produtos que tenham um retorno imediato, não é?
Tom. Sim, até porque nunca houve um aporte real para o artista independente. A gravadora te contratava e colocava uma série de condições que interferia no seu trabalho autoral. O artista e o produtor independente são dois trabalhadores de uma mesma classe, que devem andar juntos, trocar conhecimentos e estar em sintonia.
2112. Sendo você um agenciador cultural que dicas você daria para quem é artista independente?
Tom. Primeiro que tenha certeza de qual é o objetivo do artista com seu trabalho. Se for para tocar em um circuito Sesc, ou fazer festivais da canção, tocar na noite, tocar em uma grande rádio ou tevê, ou ser um artista focado em editais, precisa definir, quanto mais focado, melhor o resultado. É possível trabalhar em mais de uma dessas possibilidades, porém o trabalho e por consequência o trabalho é muito maior. Segundo, trabalhar na divulgação, principalmente de seu discos, singles e shows. Ninguém vai te assistir se não souber que você irá se apresentar, e sendo independente, se o mais interessado não faz a propaganda, quem é que vai querer prestigiar?
2112. Sempre faço exposições virtuais de fotografias, pinturas, poesias, homenagens além das habituais entrevistas. Infelizmente sinto que a nossa cultura ainda não foi absorvida como deveria. É triste ver tantos talentos sendo desperdiçados, não é?
Tom. Sim, principalmente porque ainda temos uma indústria que trabalha com ilusões, nesses realits de música por exemplo. Ou pessoas que acreditam que bonachão da vida (se sabe que estou me referindo) vai te encontrar e bancar tua vida, quase que como num conto de fadas. Vejo muitos artistas nessa esperança enganosa, ao mesmo tempo, a mídia de maneira geral e empresariado luta contra o pensamento crítico, atacando essas boas iniciativas. O que vejo de bom é tendo essa noção, e com trabalhos espetaculares como esse que você faz no blog, também vejo uma rede cada vez maior se formando, e em tempos de pandemia, a necessidade fez esses vínculos e redes ganhar cada vez mais força.
2112. Recentemente você lançou seu livro de poesias “Anjos Bailam” pela Carpe Libriun Editora. Como surgiu o projeto do livro?
Tom. Sempre quis lançar um livro de poemas, de contos, de crônicas. O projeto já estava em desenvolvimento desde 2016, depois que conheci a Esther, comecei a colaborar com e editora dela, a Carpe Librum, que também é independente. Depois que entendi todo processo para que um livro seja feito, que um trabalho muito grande e envolve várias etapas que muita gente acaba não conhecendo, reuni as poesias e fui atrás do planejamento financeiro. Ele só foi possível por conta de um resgate de um saldo de meu fgts e uma aposta que poderia dar certo ou errado, mas que era uma necessidade minha como artista.
2112. O que mais te inspira ou mesmo te influencia na hora de você escrever suas poesias?
Tom. Minha vivência vagando entre as entrelinhas das cidades. Essa é a minha influência na hora de escrever um poema. A inspiração vem do momento político, amoroso, das descobertas da natureza, de canções, filmes, livros. Sempre fui curioso e essa curiosidade me revela coisas inusitadas, das melhores até as piores, uma farta fonte para minhas aventuras poéticas.
2112. O interessante é que apesar do escritor ter uma visão muito pessoal de sua obra ela pode também ser reinterpretada de outros pontos de vista de quem a ler. Isso te incomoda ou a missão da arte é justamente a de inspirar múltiplas repostas?
Tom. Isso é uma sensação muito boa. Ouvir alguém ler seu poema em voz alta é emocionante. Já ouvi uma frase que concordo muito, depois que você escreve a poesia, ela é de quem lê, ela não te pertence mais. E também acho muito legal as várias interpretações que um mesmo poema pode ter, isso faz com que veja a beleza da arte, que muda conforme o momento ou a pessoa que tem contato com a obra.
2112. Entre as poesias incluídas no livro qual delas mais te revelam?
Tom. Cada uma tem sua força e mostra um lado meu. Posso dizer que “Anjos Bailam” é meu estado de espírito, como eu gostaria de ser o tempo inteiro. Um estado sublime, meio torto, meio santo, meio irresponsável, um bom sacana, um convite a experimentar a vida sem amarras, com muito respeito para com o outro, e abrindo um portal para novos prismas e formas de encarar a vida.
2112. Qual o maior desafio de viver num país onde a leitura é pouco cultuada?
Tom. Primeiro combater essa história. Vivendo no ambiente de editoras, vendo a explosão das redes sociais, dos diversos textos, os muitos saraus em todas as cidades Brasil afora, consigo entender que temos leitores, porém não existe um incentivo midiático. A maior batalha ao meu ver é eliminar a visão que a literatura e cultura de um modo geral é um Olimpo, que vem de cima para baixo, em termos econômicos, que sai do centro em direção ao subúrbio, da capital para o interior. Meu livro está praticamente esgotado, outros vários escritores também são sucesso de venda com pequenas tiragens. Agora grandes conglomerados, saraiva, cultura, quebraram, deram calote em editoras e em vários fornecedores, porém os saraus e as coletâneas, os slams e outras iniciativas demonstram que sempre estão tentando apagar o que uma certa classe econômica julga ser cultura.
2112. Você organiza saraus, shows, festivais etc. Os orgãos públicos apoiam esses projetos? Pergunto isso levando em conta que muitas das vezes o próprio artista precisa bancar seus próprios projetos por falta de apoio. Isso também já aconteceu com você?
Tom. Até chegar um incentivo cultural público o caminho é longo. Já trabalhei em projetos contemplados, porém 90% são feitos com meus recursos ou com um financiamento que cobre as despesas inicias e com a venda de comida e bebida, pagamos esse pequeno empréstimo e dividimos alguma coisa se houver lucro. Talvez com a aprovação dessa nova Lei (Paulo Gustavo) teremos mais chances de ter esse recurso, a Lei Aldir Blanc aconteceu por conta da pandemia, porém deveria ser assim desde sempre. Indiretamente me ajudou muito.
2112. Na sua opinião o que precisa ser feito de imediato para melhorar o setor cultural no Brasil? Vejo que as nossas tradições/raízes estão se perdendo...
Tom. A descentralização do nosso olhar é a primeira atitude. Chegando em Salvador descobri como nós não enxergamos quem está ao nosso lado. Fiz alguns trabalhos esse ano que as culturas tradicionais além de estarem forte, tem repercussão internacional, por conta da internet, pude acompanhar trabalhos incríveis em todas as regiões do Brasil, e posso afirmar que além de fortes, o número de artistas assim é imenso, o que falta mesmo é mídia ou compartilhamentos. Acho que devemos usar nossas redes para divulgar o que achamos bom ou legal, quando alguém ironiza o trabalho de alguém que a mídia quer fazer a gente engolir compartilhando na linha do tempo ou stories, ocupa espaço de algo que realmente poderia aparecer. Lógico que temos liberdade para fazer o que quiser e isso faz parte, porém é legal refletir sobre isso.
2112. Sendo também músico que projetos você tem nessa área?
Tom. Olha, tenho umas duas composições e tô pensando em cantar e tocar violão. Sempre quis ingressar nos palcos, mas nunca estive efetivamente. Pretendo começar a me apresentar no segundo semestre de 2022, mas é algo ainda incerto. Gosto muito de canções ciganas, de Gypsy King à Sidney Magal, Paco de Lucia, mambo, salsa, carimbó, forró, quero fazer alguma assim com pitadas de rock e música brega. Lembrando que tenho tataravó cigana, cigana da Bahia, e minha família daqui sempre foi muito festeira, ritmos dançantes tem um valor especial para mim.
2112. Como é a cena baiana para quem não faz ou mesmo curte o tradicional circuito da axé music?
Tom. Muito boa, aqui você encontra todos os tipos de ritmos possíveis. Samba, blues, jazz, samba-reggae, arrocha, pagode da baiano, forró, cantoria, mpb, e uma infinidade de outros ritmos. Aqui é considerada a cidade da música, lei municipal, e só para ter uma ideia, no carnaval de Salvador temos palcos só para o rock, por exemplo. O axé music mesmo tem força no carnaval e nos circuitos barra-ondina e campo grande, porém temos a força dos blocos afro, com vários outros desfiles e tradições, sem contar a força imensa do forró em junho, as festas juninas é o ponto máximo do ano por aqui.
2112. Tem muito espaços alternativos por aí?
Tom. Bastante, um melhor que o outro. Em vários pontos da cidade, que nesse ponto é uma maravilha, sem contar que você vê muitas apresentações artísticas na rua também, musicais, poemas, capoeira, apresentações de poemas em ônibus... Tem muita coisa legal.
2112. Você já pensou em musicar seus escritos assim como fez Jim Morrison em An American Player?
Tom. Aí você pegou um ponto fraco de um fã de The Doors que estudou os poemas do Jim. Não pensei mas agora vou levar em consideração. E alguns poemas também já compus de uma maneira que podem ser facilmente musicados. Se eu fizer vou te avisar.
2112. Quais são os seus projetos pós-pandemia?
Tom. Fazer um livro de crônicas, fazer músicas e começar me apresentar, continuar com as lives na tom-k produções culturais no facebook e no youtube, fazer festivais em Salvador, em São Paulo e onde mais for possível, fazer saraus em Salvador, conseguir turnês para os artistas que represento pelo Brasil, Fazer uma baita festa de aniversário em julho de 2022 só com artistas alternativos que conheço, aqui em Salvador, para ninguém nunca mais esquecer, kkkkkkkkkkkk (e torcer para não ser persona non grata depois disso).
2112. Deixe o seu telefone/e-mail para quem quiser adquirir seu livro.
Tom. Quem quiser entrar em contato para falar do meu livro, que está nas ultimas unidades e com planejamento de uma segunda tiragem, procure no insta ou no Face Tom Kbélo, o site da www.carpelibrum.com.br, ou o whatsapp 71 99273-4275. Quem precisa fazer uma live de lançamento de livro, sarau, que fazer um show autoral, ou precisa de um mediador para mesas de debates também pode acessar os contatos acima.
2112. ... o microfone é seu!
Tom. Viver com arte é uma necessidade para mim. E ver a arte acontecer é absolutamente maravilhoso. Não me vejo fora desse mundo artístico. Um incentivo bastou para que eu fizesse tudo que eu faço hoje, então convido todo mundo a apoiar seu amigo, irmão, vizinho, sua namorada, sua colega de trabalho, qualquer pessoa que tem alguma atividade artística, você pode estar ajudando alguém tão talentoso quanto Elis Regina, Nina Simone, Caetano Veloso ou Jimi Hendrix, apoie, compartilhe, curta, incentive. Descubra o que está rolando no seu bairro, naquela cidade que você ouviu falar pela primeira vez, ouça aquela rádio independente, aquele canal do youtube de um artista novo. Curta minha página e vamos festejar a arte e a vida. E se vier para Salvador me avisem. Se tiver uma festa independente, me chama que eu vou!!!
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