O blog 2112 foi formado com intenção de divulgar as bandas clássicas de rock, prog, hard, jazz, punk, pop, heavy, reggae, eletrônico, country, folk, funk, blues, alternativo, ou seja o rock verdadeiro que embalou e ainda embala toda uma geração de aficcionados. Vários sons... uma só tribo!



quarta-feira, 12 de junho de 2019

Entrevista Banda Harry


Junto com a Violeta de Outono e Os Mutantes a Harry é uma das maiores cult band da história do rock brazuca. Apesar de pouco comentada na grande mídia (seria merecido!) a banda possui um público fidelíssimo que acompanha todas as movimentações envolvendo o seu nome. Ladies and gentlemans... Harry!

2112. Vocês estão prestes a lançar "The Dark Passenger" após um hiato de trinta anos desde o lançamento de Vessels' Town. O que vocês fizeram nesse meio tempo e o que mais motivou o retorno da banda?

Richard Johnsson Kraus. A banda ficou em suspenção por um tempo, mas nunca terminamos oficialmente. Muitas coisas se passaram na época do Vessels’ Town. Mas faço uma correção: Em 2014 lançamos um CD totalmente independente, o Electric Fairy Tales. Distribuímos em lojas de CDs de amigos e via internet. Trata-se de 16 músicas, sendo 7 delas do Fairy Tales, uma, lançada em cassete nos anos 80 ou 90 (não lembro) e outras 8 inéditas. Como o nome do CD sugere, o CD é totalmente elétrico, sem uso de bateria eletrônica ou sequenciadores. A proposta foi de realizar uma releitura do Fairy Tales e retomar os primórdios elétricos da banda.

2112. Mas entre Vessels' Town e The Dark Passenger existe dois lançamentos interessantes que é o Chemical Archives e o Hansenmania. Falem um pouco sobre esses dois discos.

Richard Johnsson Kraus. O primeiro é uma coletânea de trabalhos anteriores com outras que foram gravadas nos obscuros anos 90. Talvez tenha sido a fase mais louca da banda, onde todos nós perdemos um pouco, e os takes de músicas dessa fase estão no CD. Já o Hansenmania foi uma homenagem idealizada pelo René, uma forma carinhosa de prestar um tributo ao Hansen, resgatando o vinil, que foi a porta de entrada na lendária Wop Bop com o EP Harry.

2112. O novo álbum traz as últimas gravações com Johnny Hansen o que o torna "especial" tanto para vocês amigos dele como para nós fãs. Como foi trabalhar o material sem a presença física dele por perto?

Richard Johnsson Kraus. Na realidade, o trabalho já estava concluído quando Hansen nos deixou. Todas gravações e mixagens já estavam finalizadas, apenas esperando o momento de lançar. Essa espera foi aumentada pelo ocorrido. Ficamos um tempinho sem saber o que fazer com as gravações, embora no dia do enterro, dentro do cemitério, nos comprometemos a continuar a banda, independente de lançar algo ou não. Aliás, acho importante dizer algo relevante: essa “volta” do Harry não surgiu por acaso. Quando o Hansen ainda morava em Fortaleza, Cesar, Lee e Marreco tinham montado uma banda chamada Avalanche, tocando covers e várias do Harry, com guitarra, baixo e bateria, bem roots. Essa base já estava montada quando Hansen voltou para Santos, agora já disposto a assumir mais uma guitarra e os vocais. Esta nova formação evoluiu para a ideia de retomar gravações, músicas que ficaram para trás ao longo dos anos e que achamos que valiam à pena trabalhar. Foi nesse período que Hansen me ligou e perguntou se eu queria participar dessa volta, colocando uns teclados em duas músicas já iniciadas em estúdio. Acabei gravando todas as 16 num único take em duas horas. Foi essa a formação do Electric Fairy Tales e é essa a formação do Dark Passenger.

2112. Vocês poderiam falar um pouco sobre o processo de composição, pré-produção e gravação do álbum.

Richard Johnsson Kraus. Com raras exceções, as composições sempre começam pensando na parte instrumental, riffs, climas, e só depois pensamos em letras. Talvez tenha sido uma falha, um erro tonto, mas nunca demos muito valor às letras. Todas elas refletem situações do nosso cotidiano outsider e junkie. Exploramos todas possibilidades no estúdio de ensaio e quando vamos para as gravações, já temos o esqueleto formado. O raio é que no estúdio sempre piramos. Estúdios de gravação oferecem recursos que ao vivo ficam limitados, e gostamos de explorar esses novos limites amplos, o que possibilita várias guitarras, vozes, efeitos, Os shows ao vivo são sempre uma adaptação do que fazemos em estúdio de gravação. Engraçado dizer que temos uma sinergia incomum, ninguém dá muito pitaco sobre o que o outro deve fazer, mas acabamos propondo abordagens que agradam e fazem sentido instantâneo para todos da banda. Houve época que eu e o Hansen mostrávamos ideias um ao outro e imediatamente tínhamos conceitos idênticos de arranjos, e hoje, esse sentimento e telepatia (por que não?) existe entre todos da banda.

2112. Taxidermy de uma certa maneira fecha um ciclo na história do Harry com o relançamento dos três álbuns acompanhados de preciosas bônus tracks. O nós fãs podemos esperar do novo álbum?

Richard Johnsson Kraus. Realmente, considero o Box a celebração do encerramento de um ciclo. O espírito Harry permanece, o nosso conceito de música está lá, mas totalmente elétrico. Desde meados de 2012, 2013 voltamos definitivamente às origens do Harry: guitarra cheia de pedais e efeitos, baixo pulsante, bateria rude e marcante, teclados tocados e vocais cheios de arranjos e efeitos. O que talvez diferencie mais o trabalho é o fato que resolvemos por a voz na frente. Nas mixagens clássicas do Harry, o vocal sempre ficava nadando quase submergido entre os instrumentos e sequenciadores; nesse conceito atual também estamos mais rudes, como bons punks que somos.

2112. O que me chamou a atenção no box foram as gravações realizadas entre 1994 e 1996 mas que só lançadas agora neste projeto. Porque não foram lançadas na época? O que houve?

Richard Johnsson Kraus. Foi uma época de profundas mudanças. 1994 talvez tenha sido o auge no uso de substâncias e sessões de estúdio que deixariam Iggy Pop e Jim Morrison corados. Foi uma época que buscávamos rumo de mudanças, mas acho que não tínhamos muita certeza para onde estávamos indo. Pouco depois, acho que 1996, 1997, fizemos em Serra Negra a Black Mountains Sessions. Era uma chácara do Cesar, onde o Hansen, Verta e eu nos juntamos para tentar produzir algo novo. O Cesar já não fazia parte da banda, embora a amizade tenha permanecido forte e entrou na barca nos cedendo o espaço, onde levamos o estúdio portátil, instrumentos e stuff. Ainda tínhamos muitas coisas sequenciadas, colocando guitarras e vocais. Por coincidência, foi na semana que houve o acidente com os Mamonas Assassinas. Não saímos totalmente satisfeitos com os resultados, e logo após, cada um seguiu rumos diferentes. O Verta foi pro Rio, o Hansen para Fortaleza, eu para o interior de São Paulo e o Cesar só veio a montar o Avalanche anos depois com o Lee e o Marreco (a coceira de tocar foi grande) ... O mercado fonográfico estava estranho, passando por sérias mudanças. Todos entramos em coma induzido por um tempo.

2112. Vocês pretendem lançar The Dark Passenger em todos os formatos como cd, vinil, plataformas digitais e mesmo algum single antecipando o lançamento do álbum?

Richard Johnsson Kraus. Está na mão do Eneas. Lançaremos em todos os formatos. O Eneas é incorrigível e continua ousado em abraçar este projeto. Temos uma longa história juntos e ficamos felizes em retomar essa parceria. É bom poder confiar em alguém nesse mercado da música, especialmente no mundo digital, onde o Harry já deve ser uma das bandas mais pirateadas e com vários desconhecidos explorando nossos trabalhos. Estamos tentando por ordem no galinheiro. O novo trabalho será lançado com o nome Harry and the Addicts, que, na realidade, é o nome original da banda.

2112. Entre as músicas incluídas no disco quais ficaram mais interessantes no ponto de vista da banda?

Richard Johnsson Kraus. Gostamos de todas. É mais ou menos como perguntar qual o filho favorito. Como algo meio fora da curva, tem uma música que é do tempo que o Hansen tocava Heavy Metal, e que foi atualizada num arranjo bem agressivo, e uma outra música, que é de 1977 com pegada punk tradicional e que sempre tocávamos em shows, mas nunca havíamos gravado até então.

2112. Vessels' Town trouxe um lado mais acessível que os álbuns anteriores. The Dark Passenger segue essa pegada ou o trabalho está equilibrado?

Richard Johnsson Kraus. Considerando o termo “acessível” como algo positivo, sim, o CD está bem acessível, pelo menos aos olhos e ouvidos daquilo que consideramos acessível. Acho que conseguimos um equilíbrio e maturidade nesse trabalho. Mas prefiro usar outra definição, que é o que permeia toda nossa trajetória: somos honestos. Usamos os formatos eletrônico, o elétrico, o híbrido dos dois, sempre pensando em resultar em algo que acreditamos, sem estar preocupados se preenchemos alguma exigência do mercado fonográfico mainstream. Nosso foco é atender o pessoal que curte bandas honestas que entregam a real alma da banda.

2112. O título "O passageiro negro" tem a ver com o episódio da morte do Hansen ou foi uma mera coincidência?

Richard Johnsson Kraus. Não. O nome já estava escolhido antes do nosso grande amigo FDP morrer. Sempre fomos escatológicos, e foi uma mera coincidência. O Hansen deve estar rolando de rir disso.

2112. O Harry é um verdadeiro divisor de águas na história do rock brasileiro ao misturar punk, EBM, sixties rock, industrial, thrash metal, música clássica... junto a vocais distorcidos em meio as experiências com sintetizadores e samplers. Como vocês definem ou classificam o som da banda?

Richard Johnsson Kraus. Punk. Temos a ideologia punk. Fazemos o que queremos, do jeito que nos convém, usando os meios que estiverem à disposição. Com isso, acho que temos fás das mais diversas tribos. Isso ficou fácil de perceber no dia do velório/enterro do Hansen. Góticos, metaleiros, darks, punks, roqueiros clássicos, EBMeiros e outros das mais variadas vertentes ´prestando homenagem. Somos bem ecléticos em termos de som e isso acaba refletindo na galera que nos curte.

2112. Quando vocês começaram a misturar todas essas vertentes musicais qual foi a reação do público e da crítica diante dos shows e dos próprios álbuns da banda?

Richard Johnsson Kraus. Positivas e negativas. Como se ligássemos para isso... Espanto para uns, repulsa de outros, agradável para uma parte e indefinível para a maioria. Com certo orgulho e dor no coração (sim, é tudo paradoxal), acho o Harry uma banda à frente do tempo, sem falsa modéstia. Gostamos de ser atemporais. Temos gente que curte nosso som de uma geração nova, algo que muito nos envaidece. Nosso último show, o primeiro sem o Hansen, um ano atrás no Sesc de Santos, teve uma reação muito positiva. Pessoas que nunca souberam da banda gostaram e galera dos primórdios da banda estavam lá e se emocionaram. Ficamos felizes e alimentados pelo feedback positivo em continuar o trabalho.

2112. O Harry como o Violeta de Outono mantém um público fidelíssimo que sempre os apoiam em tudo que fazem sem que seja preciso grandes alardes na mídia. Qual é o segredo?

Richard Johnsson Kraus. Ser real. Ser honesto com o som que propõe. Representamos um público que não se encaixa naquilo que o mainstream oferece. Temos uma visão e conceito musical que faz sentido para variadas tribos, pessoas que entendem e participam de nossa viagem.

2112. Vocês tem uma idéia concreta do tamanho do público de vocês no exterior?

Richard Johnsson Kraus. Não. Volta e meia temos algum feedback e sabemos que são muitos. O mercado internacional é bem mais voraz com coisas novas, exóticas e fora da curva. Do México ao Japão, tem bastante gente que curte o Harry. Sem falar do pessoal que nos pirateou nas mais variadas plataformas, ou seja, uma galera enorme e desconhecida.

2112. Qual a visão de vocês do mercado musical hoje? Sinto que tem muitos segmentos, muito barulho mas falta ousadia no sentido de chocar, de levar o ouvinte a pensar, a tomar atitudes de transformar o mundo que o rodeia. Muitas palavras de ordens, mas pouca revolução...

Richard Johnsson Kraus. O mercado musical ainda está se acomodando e tentando entender no que está se transformando. O fato de ser fácil gravar e divulgar no meio digital, levou à uma explosão de demanda. Muitas bandas novas o tempo todo e consumo rápido e zappeado. Deixamos para o Eneas nos conduzir nesse mundo musical louco, enquanto seguimos com nosso norte. Não queremos, e sabemos que não conseguiríamos, agradar todo mundo, mas enquanto houver gente que nos entenda e nos curta, seguimos em frente.

2112. O que mais chama a atenção de vocês numa banda e o que mais os influenciam na hora de compor uma música?

Richard Johnsson Kraus. Originalidade e ousadia. Gostamos de músicas boas. E definimos música boa aquela que fica legal tanto num monte de arranjos sofisticados, como também se reproduzida num violão e voz funcionar, é legal. O que nos influencia na composição é algum fato ou sentimento que seja marcante. No meu caso, quando brinco ao piano ou violão, a música vem naturalmente. É meio clichê, mas a música já está lá, eu só á trago á vida. Os sons me remetem à pensamentos e sentimentos, aparecem frases soltas e ideias de linhas vocais. E sofro enquanto não termino.

2112. O que vocês ouvem quando estão em casa?

Richard Johnsson Kraus. Tudo. Ouço todo tipo de música folclórica, clássica, rock, eletros, pop, punk, metal, hip hop e sei lá mais o que. Outro dia descobri Big Joanie e pirei. Raramente ouço som brasileiro (mas gosto de Cartola, Bezerra da Silva, Zé Ramalho, Casa das Máquinas, os lançamentos da Wop Bop, Rita Lee e Tutti Frutti, Azul 29, Secos e Molhados, Zequinha de Abreu, Cachorro Grande, algumas bandas da época da Fiber, só pra citar algumas e não ser acusado de preconceituoso com som nacional).

2112. Olhando a cena musical hoje ela está pior ou melhor de quando vocês começaram?

Richard Johnsson Kraus. Quando era mais jovem, prometi para mim mesmo que não seria um velho rabugento. Sempre pensei: não vou ser como esses velhos que dizem “no meu tempo era melhor”. Acho que o preço dos instrumentos e meios de gravação bem mais acessíveis, facilitando a vida das bandas. Ou seja, saem muito mais coisas por aí. Raramente encontro algo novo que gosto. Prefiro dizer que simplesmente não entendo a maioria do som que sai por aí, tudo muito óbvio e previsível. Não à toa, muitas bandas antigas continuam apavorando. Os Stones que o digam. E o Harry and the Addicts.

2112. A banda irá continuar existindo ou The Dark Passenger é o epitáfio do Harry?

Richard Johnsson Kraus. Continuamos. Essa leva de músicas deste CD é apenas parte do que temos gravado e outras já estavam sendo selecionadas para gravar, além de novas composições. Isso, se ainda tiver gente louca querendo ouvir e gente louca querendo lançar.

2112. ... o microfone é seu!

Richard Johnsson Kraus. Gostei do nome 2112. Esse LP do Rush ouvi até furar o vinil. Também faz parte de minhas inumeráveis influências. Espero que gostem do Dark Passenger. Ouçam sem esperar nada pré-concebido. E, de preferência, num som bem alto e os ouvidos temperados com alguma substância alteradora de realidade, ainda que seja excesso de oxigênio (que também dá um barato legal). Há mais por vir.

Dedico esta entrevista à memoria de Johnny Hansen 
 Fotos: Arquivo pessoal da banda 

Próxima entrevista: Banda Lepra, dia 19

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