O blog 2112 foi formado com intenção de divulgar as bandas clássicas de rock, prog, hard, jazz, punk, pop, heavy, reggae, eletrônico, country, folk, funk, blues, alternativo, ou seja o rock verdadeiro que embalou e ainda embala toda uma geração de aficcionados. Vários sons... uma só tribo!



quarta-feira, 4 de julho de 2018

Entrevista Terreno Baldio



Mais uma entrevista histórica... desta vez com uma das grandes lendas do prog rock brasileiro: Terreno Baldio. A banda é uma das grandes sobreviventes da década de 70, lançou dois álbuns maravilhosos e mantém uma carreira íntegra que com a ajuda dos fãs e admiradores manteve-se vivos mesmo quando a banda se ausentou dos palcos por um certo tempo. Espero que gostem...

2112. O Terreno Baldio é uma das bandas mais importantes da história do rock brasileiro. O que muitos talvez não saibam é que a sua história remonta ao início dos anos 60 quando você (teclado) e outros amigos de escola como João Kurk (vocais e flauta), Gerson Abbate (vocais e guitarra), Paolo Battaglia (vocais e baixo), Léo Suzuki (vocais e guitarra solo) e Joaquim Correia (bateria) formaram o grupo The Islanders. Como surgiu a idéia de formação da banda?   

Roberto Lazzarini. Estávamos na idade de 14 anos mais ou menos.  Éramos amigos de bairro e naquela época os conjuntos tocavam em bailes e domingueiras. O grupo se formou com a intenção de tocar somente pelo prazer, estávamos começando a aprender música e alucinados com as possibilidades. Queríamos um grupo diferenciado dos que faziam as domingueiras, mas como não sabíamos compor ainda, tirávamos músicas de bandas que não estavam tanto na mídia, como Kinks, Animals, Guess Who, Procol Harum e outros mais. Começamos a descobrir sons e possibilidades.  

2112. Segundo uma entrevista de Kurk a banda tocava covers de Beatles, Steppenwolf, Procol Harum, Johnny Rivers, Cream... e nos bailinhos rolava Bee Gees para o povo dançar coladinho. Em algum momento vocês pensaram em criar um repertório próprio?

Roberto Lazzarini. Naquela época ainda não pensávamos em repertório autoral, pois começamos a fazer sucesso no circuito de bailes e só pensávamos em ser diferentes dos demais, o que nos levou a um repertório diferenciado.

2112. Existe alguma gravação deste período?

Roberto Lazzarini. Não.

2112. O The Islanders durou de 1966 a 1971 quando encerrou carreira. O que levou vocês a acabarem com a banda?  

Roberto Lazzarini. Fui convidado a ser o diretor musical de um cantor chamado Pete Dunaway, que era brasileiro e estava nas paradas de sucesso cantando em inglês como se fosse gringo. Aí pintou uma turnée com a Ducal (roupas) que unia modelos fashion ao show do Pete. Nesta banda o guitarrista era o Mozart e o baixista era o João Ascenção, e o Fábio Junior era o vocalista (kkk) todos jovens e tomados por música. Daí surgiu a idéia de formarmos uma banda de Rock autoral. Éramos fixados em álbuns das bandas com um tema central, uma estória. Então juntei o Kurk e o Joaquim com o Mozart e João e começou aí o Terreno, com composição coletiva a partir de temas que cada um levava.

2112. Em 1971 Kurk forma o Utopia com o músico Egídio Conde. Você sabe dizer que tipo de som eles faziam e porque o projeto durou tão pouco?   
Roberto Lazzarini. Grande e saudoso Egídio Conde. Na época não se falava em Rock progressivo. Era só Rock, só que a gente era muito influenciado pelas bandas que tinham o som mais elaborado.
O Utopia foi um desses projetos. Realmente não durou, não sei o porquê, logo em seguida começamos a ensaiar o Terreno aí já com idéias de músicas autorais

2112. As mortes de Jimi Hendrix, Janis Joplin, Duanne Alman, Jim Morrison... deixou claro que o rock fechava um ciclo com o fim da Era de Aquárius e uma nova porta se abria com os anos 70. Como foi montar a banda em meio a todas essas transformações culturais e porque não dizer também ruptura musical?

Roberto Lazzarini. As mortes, principalmente a do Jimi foi um grande choque para todos, um baque na juventude da época e também para nós. Acredito que o rock nunca se fechou e sempre continuou, porém morreram ícones da juventude Woodstock. 

2112. Vejo que foi uma grande mudança quando vocês deixam de ser uma mera banda de covers para se tornarem um dos pilares do prog rock mundial. Como se deu essa metamorfose? Foi um grande desafio... 

Roberto Lazzarini. Estávamos tomados pela música. Aí já começamos a ter muitas influências do Gentle Giant, Yes, Genesis, King Crimson, Deep Purple, etc. Começamos a experimentar e sentimos que as composições rolavam bem. Daí ninguém parava mais de tocar e compor, foi uma alucinação grupal.

2112. Vocês juntamente com o Som Nosso de Cada Dia, Casa das Máquinas, Mutantes, A Bolha, Módulo 1000, Veludo, Vímana etc; faziam a linha de frente do prog brazuca. Como era o cenário naquela época?

Roberto Lazzarini. Era muito fértil. Todos faziam shows e sempre lotavam as casas e as diferenças de estilo não nos causavam estranheza. Não havia rivalidade, todos se curtiam e tinham espaço para mostrar o trabalho e o povo sempre vinha.

2112. Mesmo com toda a perseguição da censura a MPB e o brega disputavam a tapa o espaço nas rádios. E para bandas como vocês era muito difícil conseguir incluir suas músicas nas programações das rádios?

Roberto Lazzarini. Corríamos em raias separadas. O rock não tinha espaço fácil nas rádios. O que fazíamos eram shows e tiveram algumas gravadoras que investiram na gravação de discos contratando algumas bandas de rock que se destacavam.

2112. Vocês deviam ouvir muito aquele papo de que a música do Terreno Baldio não tinha apelo comercial e por isso não era incluída nas programações. Devia ser muito frustrante...

Roberto Lazzarini. Sempre ouvimos esta conversa, afinal, frente ao que as rádios tocavam nossa música era mesmo diferenciada. Mas apesar deste julgamento não tínhamos a menor intenção de transformar nossas músicas no estereótipo da mídia da época. Ou seja, não queríamos ser comerciais, queríamos fazer a música em que acreditávamos e nos dava prazer.

2112. Mas embora a mídia e uma parcela do público não desse a merecida atenção ao trabalho de vocês uma outra parcela em compensação lotava os shows e comprava os discos não é?

Roberto Lazzarini. Os shows sempre foram lotados desde o primeiro e os discos vendiam bem proporcionalmente. Para nossa surpresa o pessoal logo começou a cantar junto e a conhecer o trabalho, o que nos dava uma garra muito grande para seguir fazendo o que acreditávamos

2112. Eu vejo que o rock progressivo ao absorver diversos estilos musicais confundiu a cabeça das pessoas acostumadas com a batida do rock’n’roll e do próprio blues que dominou o cenário musical nos anos 60. Um exemplo: o prog traz elementos da música clássica mas nunca foi aceito pelos puristas da música erudita como também não foi aceito por muitos roqueiros que não via no movimento elementos do próprio rock’n’roll. Como vocês ficavam no meio desse tiroteio?

Roberto Lazzarini. Eu estudava piano erudito e queria aplicar o som sinfônico com o rock. Com o tempo fomos influenciando um ao outro e depois que ouvimos as bandas prog da época sentimos que era esse o caminho. Não tínhamos escrúpulos para misturar sons e começamos a perceber que estava dando muito certo para o nosso prazer. Acho que rock prog com música erudita e até sinfonica tem tudo a ver.

2112. Como você definiria o som da banda?

Roberto Lazzarini. Poliharmonico, polirritmico e contrapontistico e rock. Não tenho uma definição em uma só palavra. O estilo também foi se alterando com o tempo, mas sempre fizemos questão de não perder o foco nem a unidade.

2112. O grupo surgiu praticamente no começo do movimento o que dá a vocês o título de um dos pioneiros do prog brazuca. Neste período de tantas mudanças quais bandas mais influenciavam vocês?

Roberto Lazzarini. Como disse acima, Giant, Yes, Genesis, Procol Harum, King Crimson, Deep Purple, Hendrix, Cream, Zappa, etc

2112. Vocês também tiveram problemas com a censura durante a ditadura?

Roberto Lazzarini. Não

2112. Hoje virou “fato corriqueiro” uma banda gravar um cd sem ao menos amadurecer o seu som. Vocês levaram um bom tempo até gravarem o primeiro trabalho. Era muito difícil conseguir contrato com gravadoras?

Roberto Lazzarini. Nunca fizemos isso. Só entramos em estúdio com o som super amadurecido, enxuto e ensaiado. No nosso caso não foi difícil conseguirmos o primeiro contrato (1974). O produtor italiano Cesare Benvenutti que morava no Brasil viu um show e nos chamou para gravar nosso primeiro disco.

2112. O progressivo é um estilo musical que sempre precisou de mais tempo em estúdio que os demais estilos. Havia muita cobrança por parte da gravadora em relação a isso? Que lembranças você tem das gravações?

Roberto Lazzarini. O progressivo é um som que exige técnica e conhecimento musicais, portanto sempre levava um pouco mais de tempo para gravar, mas nunca fomos pressionados em estúdio. Gravamos tranquilamente e com liberdade (esse era nosso acordo para assinarmos o contrato). O primeiro disco foi gravado em 4 canais , era tudo meio ao vivo e normalmente não fazíamos emendas.

2112. Na época o disco teve uma tiragem de três mil cópias pelo selo Pirata. O trabalho teve uma boa aceitação?

Roberto Lazzarini. Sim, tanto que o Cesare nos chamou para fazer um segundo (Além das Lendas Brasileiras) agora pela Continental. A Pirata era uma gravadora do Aurino Araújo, irmão do Eduardo Araújo e o Cesare tinha carta branca.

2112. Como foram os shows de lançamento do disco?

Roberto Lazzarini. Todos lotados e com intensa participação da moçada que através dos discos decoravam as músicas. A música Pássaro Azul chegou a tocar um pouco nas rádios comerciais.

2112. No ano seguinte vocês participaram do Festival Banana Progressiva com a nata do movimento prog. O festival na sua opinião foi o ápice do movimento no país? O que mais te chamou a atenção.

Roberto Lazzarini. O Banana foi um festival arrojado, com grupos de São Paulo e Rio. Na época não tínhamos o jargão Progressivo. Para nós era só rock, mas já se delineava o estilo prog pela própria tendência da época. Foi produzido pelo Fernando Tibiriçá que era nosso empresário juntamente com o Som Nosso e os Dzi Croquetes que era um embrião das Frenéticas. Foi considerado realmente um ápice, foi muito organizado, artístico e teve grande público

2112. Na época o disco teve uma tiragem de três mil cópias pelo selo Pirata. O trabalho teve uma boa aceitação? Soube que o trabalho extraviou inviabilizando novas prensagens. O que de fato aconteceu?

Roberto Lazzarini. Sim, teve muito boa aceitação mas a gravadora fechou e com ela perdeu-se nossa fita master. Mas com a tecnologia da masterização isto acabou não nos afetando muito.

2112. Em 1976 João Ascenção sai da banda sendo substituído por Rodolfo Braga do grupo Joelho de Porco. O que levou ele deixar a banda?

Roberto Lazzarini. Problemas pessoais, conforme disse na época. Nada musical.

2112. O segundo álbum “Além das Lendas Brasileiras” inovou ao trazer elementos musicais brasileiros além de evocar figuras do nosso folclore. A intenção era criar um prog com conotações musicais brasileiros?

Roberto Lazzarini. A intenção era essa sim. Abrasileirar o progressivo. Gravamos num estúdio de 16 canais. A gente gostava de prog e de música brasileira também. Quanto aos temas folclóricos, as lendas, foram objeto de estudo desde que eu era pequeno. Estas lendas já eram vividas por nós.
2112. Neste álbum vocês incluem Passaredo de Chico Buarque e Francis Hime que tinha como tema a preservação da natureza. Afinal, de quem foi a idéia de gravá-la?

Roberto Lazzarini. Minha!

2112. Você sabe dizer se o Chico ou Francis ouviram a gravação de vocês?

Roberto Lazzarini. Não sei se ouviram não, mas autorizaram a gravação.

2112. Confesso que o arranjo ficou super bacana... melhor que a original, diga-se de passagem!

Roberto Lazzarini. Que bom. Eu também gosto muito. Era exatamente a onda que o Terreno tava a fim de fazer, um álbum místico e  ecológico.

2112. A banda encerra carreira em 1979 ano em que muitas bandas progs mudaram sua direção musical para sobreviver após a passagem do furacão punk rock. Esse foi um dos motivos ou não havia mesmo mais condições de continuar como banda?    

Roberto Lazzarini. Quando o Rodolfo saiu, o Mozart que era seu cunhado resolveu parar também. Aí continuamos com outra formações mas não tinha mais o mesmo espírito, aí resolvemos dar um tempo.

2112. Li num artigo que vocês são considerados o Gentle Giant brasileiro. Esse tipo de comentário incomoda ou serve como um elogio?

Roberto Lazzarini. Pra mim é um elogio porque considero o Giant uma super banda e não negamos a influência, porém nunca copiamos, só fomos muito influenciados.

2112. Mesmo após o fim da banda vocês mantinham contato?

Roberto Lazzarini. Sim, sempre mantivemos contato, pelo menos eu, o Mozart e o Kurk. 

2112. E você continuou na carreira musical?

Roberto Lazzarini. Sim, fazendo arranjos e produzindo discos. Trabalhei com Sá e Guarabyra, Falamansa (produção), Fábio Junior, Bibi Ferreira, etc. depois trabalhei como criador na TV Record e até hoje faço trilhas para a televisão.

2112. Em 1993 vocês voltam a se reunir em estúdio para regravar o primeiro trabalho da banda em inglês. Como surgiu a idéia desse projeto? 

Roberto Lazzarini. O selo Progressive Rock quis regravar o primeiro disco e aproveitamos para gravar também em inglês com versões feitas pelo André Christóvão

2112. Em algum momento dessa reunião vocês pensaram em continuar como banda?

Roberto Lazzarini. Sim, neste momento resolvemos voltar a fazer shows e fizemos Centro Cultural São Paulo, Britânia e outros

2112. Após anos e anos de espera o primeiro trabalho de vocês é enfim lançado em cd com o som remasterizado na Itália pelo produtor original dos dois álbuns da banda: Cesare Benvenuti. O disco era um verdadeiro ítem de colecionador, não é mesmo?     

Roberto Lazzarini. Ao que me consta se tornou sim peça de coleção. Os vinis estão sendo vendidos bem caros na praça e tem colecionadores fanáticos.

2112. Existe projeto de relançar o Além das Lendas Brasileiras também em cd?

Roberto Lazzarini. Sim, com o Roberto Oka que é o nosso empresário no momento.

2112. O sucesso do Festival Totem Prog apenas comprovou que as bandas daquela época estavam certos e a crítica mais uma vez equivocada...

Roberto Lazzarini. A crítica não deve ser o norte de um trabalho criativo, apenas opina sobre o que já está feito e não cria nada. No Totem tivemos a oportunidade de ouvir e conviver com velhos lobos do rock com muita gente nova. Tem bandas novas de prog muito boas. Acho que o Totem é muito importante para juntar e divulgar as bandas deste estilo que estão cada vez mais em evidencia

2112. O que vocês sentiram diante daquele público ensandecido que na sua maioria nem era nascido quando vocês surgiram?

Roberto Lazzarini. Pura emoção. É muito gratificante ver que o trabalho é reconhecido pelos mais jovens. Isso é tudo que um músico deseja.

2112. A morte de Kurk deixou uma grande lacuna na história do rock brasileiro e na própria banda... afinal ele era vocalista, compositor e instrumentista. A sua morte coloca um ponto final na trajetória da banda ou já existe projetos de novos shows e novas gravações? 

Roberto Lazzarini. O Kurk foi uma grandiosíssima perda, irmão de batalhas e grande amigo. Não é ponto final, é recomeço. Com a entrada do Roger Troyjo o Terreno ganha sangue novo e estamos gravando uma nova música. Outras virão com a colaboração do Edson Ghilardi, o Geraldo Vieira, o Cassio Poleto e é claro do Mozart Mello. Esta é a nova formação da banda e um time de virtuoses.

2112. Dá para adiantar alguma coisa?

Roberto Lazzarini. Sim. A música se chama Indignação, daqui a pouco vão ouvir.

2112. Confesso que foi um prazer muito grande entrevistar uma das maiores lendas do prog rock brasileiro. O microfone é seu...

Roberto Lazzarini. Estou muito feliz e renovado com esta formação do Terreno. Se Deus quiser vamos continuar a compor novas músicas e contribuir com o que pudermos para a música que é nossa grande mãe e companheira. Como diz na Letra da música Indignação: " A música é a nossa união!"

Dedico esta entrevista à memória da lenda João Kurk... e também dar as boas-vindas a Roger Troyjo.

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