Entrevista T-Guy

Sempre gostei de pesquisar sons, bandas... e nesse labirinto que é a internet acabei conhecendo Thiago Guy R. Civile ou simplesmente T-Guy. Seu trabalho é uma volta a um blues mais tradicional com pitadas de soul americano e influências McCartney-anas como ele mesmo menciona em uma de suas postagens. Recentemente lançou o álbum The Uncle John que já figura entre os grandes álbuns de 2019. Fiquem de olho...

2112. Desde que assisti o clipe de Tell Uncle John que não parei mais de cantarolar a música no meu inglês arabês. Parabéns pelo ótimo trabalho. 

T-Guy. ​Muito obrigado, Carlos! O objetivo era grudar na cabeça mesmo...(risos). Queria deixar registrado que você foi a primeira pessoa a comprar uma cópia do CD, então fica aqui meu agradecimento em dobro!

2112. O seu álbum é uma mistura bem vinda de rock, blues, soul... o que garante uma boa oxigenada num cenário com tantas armações musicais, não é?

T-Guy. ​Não sei quanto às armações, mas é um disco que tenta juntar as minhas mais diversas influências musicais que são, em sua grande maioria, de outras épocas; assim, fico feliz que vem achando um público em pleno 2019.

2112. Você é do tipo que ouve rádio, lê revistas, jornais ou mesmo frequenta shows para saber o que está acontecendo no cenário?

T-Guy. ​Rádio e revista/jornal não tanto, mas fico sempre atento às novidades no YouTube, Instagram e Spotifys da vida - apesar do que muita gente insiste em acreditar, tem bastante som novo legal rolando por aí, e nos mais diversos segmentos. Shows, sempre que possível!

2112. A cena underground está bem interessante levando em conta o nível das bandas. Tem sons incríveis... falta apenas uma pequena oportunidade, não é?

T-Guy. ​Acho que um dos lados bons da internet e das redes sociais é justamente a democratização desse meio musical: consigo descobrir bandas incríveis de países improváveis que muitas vezes não são muito reconhecidas nem no seu lugar de origem. Oportunidade sempre vai faltar, infelizmente, mas ninguém mais precisa ser um rockstar pra se destacar em um determinado meio, e isso tem seu lado positivo. Quando que um vibrafonista polonês de Blues, vamos supor, conseguiria fazer turnê pelo Brasil, na lógica antiga?

2112. No exterior a cena tem mais apoio pois existe todo um processo que envolve patrocínio, apoio do público, festivais, venda de materiais promocionais etc. Qual é a sua visão do atual mercado brasileiro?

T-Guy. ​Para ser sincero, ainda estou no início do meu desbravamento da cena autoral aqui no Brasil, então não tenho uma opinião bem-formada; mas, do que tenho vivido, sinto que o artista tem que exercer muito mais funções e dominar muito mais assuntos extra-musicais por aqui. Você tem que ser seu próprio publicitário, produtor, advogado (para tentar desmistificar toda papelada dos editais e leis de incentivo), etc. Sinto que lá fora existe uma maior presença da figura de um agente ou produtor(a) até mesmo para artistas menores, enquanto por aqui virou algo exclusivo de músicos de maior alcance.

2112. Apesar de Tell Uncle John ter sido lançado a pouco tempo como está a sua aceitação? Ele será lançado também no exterior?

T-Guy. ​A aceitação tem sido ótima: tenho recebido feedbacks incríveis, pessoas tocando/cantando as músicas, é tudo que eu poderia esperar. Enquanto é um disco que tenho muita vontade de levar para o exterior, ainda não tenho nenhum plano concreto de fazê-lo. Estou me concentrando em formar um público por aqui, primeiro.

2112. A idéia de gravar começou quando você ainda estava no exterior?

T-Guy. ​Algumas das músicas surgiram enquanto eu morava fora, sim; mas a ideia de gravar, de maneira mais concreta, surgiu no começo do ano passado, quando já estava aqui no Brasil.

2112. Sua carreira profissional começou mesmo em Londres pelos idos de 2014. Conte um pouco desse começo.

T-Guy. ​Me mudei para Londres em 2014 para estudar engenharia. Na primeira semana já estava frequentando todos as jam sessions de Blues da cidade. Nem preciso dizer que acabei tocando mais do que estudando né? (risos)

2112. A cena lá é muito competitiva?

T-Guy. ​Não necessariamente de maneira negativa, mas lá tem uma quantidade muito maior de bandas (de Blues, pelo menos), e artistas excelentes. É ótimo, porque te faz crescer como músico.

2112. Neste período você chegou a formar ou mesmo participou de alguma banda?

T-Guy. ​Participei de projetos de amigos e cheguei a formar uma banda, mas como fiquei por apenas um ano, não deu tempo de desenvolver algo muito duradouro. Ainda assim, mantenho contato com o pessoal de lá - inclusive, toquei esse ano com alguns desses amigos aqui no Brasil!

2112. Você tocou em templos sagrados como o hoje extinto Alleycat e o Green Note por onde passaram verdadeiras lendas do blues, do soul e do rock. Qual foi a primeira sensação que você sentiu ao pisar nesses dois palcos?

T-Guy. ​A Inglaterra é cheio de lugares mágicos assim. Parece que a cada esquina, tem algum marco histórico de alguma banda ou artista. A primeira vez é realmente marcante, pensar em tudo que já aconteceu por ali...ah, e "Tell Uncle John" (a música) foi tocada pela primeira no Green Note, então tem essa emoção também!

2112. Em pouco tempo você se tornou um rosto conhecido nas jam sessions locais. Você chegou a duelar com algum dos seus ídolos?

T-Guy. ​Duelar, não...ídolos...também não (risos). Tive o prazer de tocar com músicos locais que respeito muito e que têm carreiras louváveis, mas acho que nenhuma celebridade...que eu me lembre!

2112. O que você aprendeu nesse período e que servirá de base para o resto da sua vida?

T-Guy. Aprendi muito sobre Blues e sobre tocar, de maneira geral. O pessoal de lá me apresentou uma série de referências que me levaram a pesquisar muito mais a fundo sobre o gênero e suas vertentes.

2112. Em 2015 você retornou a São Paulo e aos poucos foi construindo seu nome como sideman ao trabalhar com vários artistas. Quando você decidiu que já era a hora de voar por conta própria?

T-Guy. ​Ter um projeto com minhas composições próprias é algo que já queria há muito tempo; a ideia, contudo, nunca foi fazer isso para largar meu trabalho como sideman. Continuo acompanhando uma série de artistas e pretendo continuar enquanto a agenda permitir!

2112. As preparações para as gravações de Tell Uncle John tiveram início em 29/10/2018. Como foi o processo de pré-produção, dos arranjos, da escolha dos músicos e das gravações?

T-Guy. ​A maior parte do trabalho aconteceu na pré-produção do álbum. Basicamente, trabalhei todos os arranjos de banda e fiz demos caseiras para cada uma das músicas do disco. A intenção era conseguir passar uma boa ideia do que seria o resultado final de cada som, e mostrar para os músicos e para o Marcos Maurício (que produziu o disco junto comigo), de modo com que pudéssemos criar em cima disso. Os arranjos de metais foram feitos conjuntamente por mim, Marcos Maurício e Denilson Martins, que também gravou saxofones tenor e barítono.

O disco conta com figuras experientes da cena Blues nacional, que tenho o prazer de chamar de amigos: Humberto Zigler na bateria; Rodrigo Mantovani nos baixos acústico e elétrico, e sousafone; Luciano Leães no piano e Hammond. Gravamos a maior parte no C4 Studio do Luís Lopes, aqui em São Paulo capital - captamos a maior parte da cozinha (baixo e bateria) ao vivo, e depois fomos adicionando os demais instrumentos.

2112. Como surgiu a participação do guitarrista e gaitista Leo Duarte?

T-Guy. ​O Leo é um dos meus amigos mais próximos, e esteve envolvido desde o começo; antes mesmo de ter planos concretos de gravar o álbum, eu mostrava as músicas pra ele e ficávamos tocando algumas delas em casa. Ele chegou a gravar algumas das demos comigo, e eu pedi pra ele assistir as gravações e dar uns pitacos, então achei que seria legal ele fazer uma participação no disco.

2112. Angeline teve sua melodia inspirada em My Indian Red uma canção tradicional de New Orleans mas que ganhou aos poucos contornos McCartneyanos. Como é o seu processo de composição? O que mais te influencia?

T-Guy. ​Geralmente, a música começa pela melodia. Quando eu tenho algo interessante, eu logo ligo a parafernália de gravação ao computador e tento estruturar um arranjo - a partir disso, vou construindo o mapa da música. A letra geralmente vem por último, mas é ela que acaba ditando todo estrutura da canção.

Apesar desse ser o método padrão, minhas letras prediletas do disco surgiram junto com a melodia, como é o caso de "Tell Uncle John" e "The Valley". Acho que eu acabo gostando mais porque dá menos trabalho e menos tempo de pegar ranço. (risos)

2112. Já Brother, Help Me traz fortes influências do soul americano. Você parece um músico de cabeça aberta que ouve de tudo um pouco. Quais são as suas influências?

T-Guy. O disco tem bastante influência da música de New Orleans, como você constatou na pergunta anterior: artistas como Allen Toussaint, The Meters, Neville Brothers, e até artistas mais modernos como Jon Cleary e Anders Osborne. De maneira direta, tem também bastante influência de músicos do Blues e do Soul, como Johnny "Guitar" Watson, Otis Rush, Curtis Mayfield e Sam Cooke. Mas tem também influências temáticas, ou estéticas, vindas de um universo completamente diferente, como The Band, Bob Dylan, Tom Waits e coisas desse tipo.

O engraçado dessa questão de influência é que muitas vezes você tenta emular alguém ou faz algo e pensa "isso tá muito parecido com artista X", e quando você mostra para outras pessoas, elas não vêem a semelhança ou vêem algo completamente diferente. Acho que é porque aquilo passa pelo seu filtro, e acaba transformando o resultado final em um Frankenstein: parte do artista X, e parte sua. É uma parte importante do processo criativo.

2112. O álbum fecha com a bela ...The Sweet Mary's Gone de apenas 0:48 segundos. O resultado final ficou maravilhoso digno de figurar na lista dos grandes álbuns do ano.

T-Guy. ​Muito obrigado! Fico lisonjeado.

2112. Existe a possibilidade de você vir a gravar futuramente alguma coisa em português?

T-Guy. ​Nem eu saberia te dizer... tudo é possível! Mas, no momento, não vejo como.

2112. Os músicos que participaram das gravações também te acompanhará nos shows?

T-Guy. ​Infelizmente, não. O Rodrigo (Mantovani) se mudou para Chicago, o Luciano (Leães) mora em Porto Alegre, e os demais músicos tem uma agenda lotadíssima, então a logística ficaria complicada... mas a banda já está montada e pronta para atacar! (risos)

2112. Você pretende fazer shows Brasil afora? Qual o seu telefone ou e-mail para agendar shows?

T-Guy. ​A ideia é justamente essa...estou trabalhando nisso! Meu telefone é (11) 94936-6662, e interessados podem entrar em contato através do email contato@t-guy.com

2112. ...o microfone é seu!

T-Guy. ​Muito obrigado Blog 2112 e Carlos, foi um prazer. E muito obrigado a todos que vem acompanhando o disco, espero vê-los na estrada em breve!

 Próxima entrevista: HexWife, dia 10