O blog 2112 foi formado com intenção de divulgar as bandas clássicas de rock, prog, hard, jazz, punk, pop, heavy, reggae, eletrônico, country, folk, funk, blues, alternativo, ou seja o rock verdadeiro que embalou e ainda embala toda uma geração de aficcionados. Vários sons... uma só tribo!



quinta-feira, 28 de novembro de 2019

Entrevista Vzyadoq Moe



O grupo surgiu em 1986 em Sorocaba, interior de São Paulo e lançou apenas dois álbuns: O Ápice e Hard Macumba e acabou. Mas a banda com o passar dos anos está mais viva do que nunca e o álbum O Ápice cada vez mais cultuado. 

2112. O Ápice este ano completa trinta e um anos e cada vez mais vem despertando o interesse de uma nova geração que praticamente esgotou o seu relançamento em cd. Como vocês explicam isso? 
Tudo foi feito espontaneamente, sem pensar muito, mas desde o início o VZ buscava romper paradigmas e fazer músicas legais sem repetir fórmulas usuais. As letras poéticas e oníricas já cantavam a transformação que buscávamos. Não tínhamos muito dinheiro e os improvisos, principalmente na bateria e percussão de lata, gerou junto com a barulheira das guitarras e a pulsação e efeitos do baixo uma sonoridade que não ficou datada na linha de tempo. Os meios digitais contribuíram para ampliação do conhecimento da nossa música. Basicamente O Ápice tem músicas boas com a marca registrada VZ, num diálogo punk-rock com Brasil. 

2112. O álbum apesar de ser genial amargou no ostracismo por vários anos. Isso faz lembrar bandas seminais como Os Mutantes, Harry, Fellini, Peso, DeFalla etc que só tiveram o devido reconhecimento com o passar do tempo. Isso magoa vocês?

Tem diferenças grandes, os Mutantes por exemplo gravaram com as estrelas da MPB e cantavam em festivais na TV; o DeFalla tocava na 89 FM na época. O Vzyadoq Moe não, a gente era das garagens e porões mesmo. Mas, era exatamente isso que procurávamos. Então, não tem mágoa nenhuma. Demos muitos shows de 1988 até 1993, interior de São Paulo, Rio de Janeiro, Curitiba, Londrina, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, entre muitos. Fomos até convidados para tocar no New Music Seminar em Nova Iorque, EUA; que não pudemos ir por falta de grana mesmo. Gravamos pela Wop Bop, um selo que todos os discos publicados são seminais e importantes. Gravamos em coletâneas brasileiras e gringas super legais como: Enquanto Isso... Sanguinho Novo, No Wave, Colt 45. O Ápice foi relançado em CD e agora está nas plataformas streamings. A gente não tem mágoa não, nos divertimos forte.

2112. A crítica quando não entende o som de uma banda ela rotula e me lembro que vocês ganharam vários deles: pós-punk, gótico, samba, kraustrock, experimental, industrial... Como vocês definem o som do Vzyadoq Moe?

Olha, a coisa mais legal é que a crítica gostava do VZ, Sonia Maia, Bia Abramo, Celso Pucci (o querido Minhoca) escreveram textos muito legais e delicados. Outros eram um show de desencontros, falavam entre uma coisa dark e gótica, industrial e experimental. Pensamos que o texto do Mario César de Carvalho para a Folha de SP foi o que chegou mais perto. O som do Vzyadoq Moe é dadaísta por princípio e existencialista por formulação artística, ele é a junção de 5 caras que queriam fazer algo novo, é o VZ nada mais. 

2112. Como surgiu a parceria entre vocês e o selo Wop Bop?

A história do Vzyadoq Moe não seria a mesma sem a presença do Will Baptista, também de Sorocaba, que pegou as fitinhas cassete demo da banda e saiu por São Paulo apresentando para um monte de gente legal. Nessa ele cruzou com o Antonio e o René da Wop Bop, daí o resto é história. O Will foi quem nos levou para São Paulo, onde tocamos realmente bastante, muito mais que Sorocaba onde demos uns 3 shows. Ele também nos apresentou na Bizz, que deu muita matéria legal com a gente. A Wop Bop foi super legal conosco, acertando as coisas todas de direitos e grana direitinho, ajudou a tentar promover, mas a gente era muito estranho.

2112. Quais lembranças vocês tem das gravações do álbum? A gravação foi realizada numa única sessão?

O Ápice foi gravado nos antigos Estúdios Eldorado no centro de São Paulo. Um estúdio já antigo para época, todo analógico gravando em fitas de 1 polegada. O produtor foi o José Augusto Lemos, que emprestou seus samples e a veia digital para a bolacha. Tinha um gente boa que aparece na foto da capa do encarte, mas que esquecemos o nome. A Marcinha Montserrat apoio e participou também. Foi bem legal, gravamos as baterias e baixos em primeiro, depois as guitarras, por último os vocais. No dia da gravação dos vocais ninguém da banda pode ficar, deram um conhaque e deixaram o Fausto Marthe à vontade para cantar suas poesias. Não tínhamos instrumentos profissionais então o José Augusto emprestou uma guitarra e o Angelo Pastorello, que era baixista do Violeta de Outono, emprestou o baixo dele, de quebra virou o fotógrafo oficial do álbum. Assim, colaborativamente fomos gravando. Foi complicado para achar a sonoridade, mas finalmente saiu o LP e fomos para os shows.

2112. Me digam uma coisa: Como foi gravar com aquela bateria construída a partir de sucatas e objetos não convencionais? Tento imaginar a cara do produtor e do técnico de estúdio diante de uma situação inusitada como essa ou você usaram uma batera convencional?

Realmente a bateria de sucata da primeira fase da banda era bem complicada no quesito acertar o som. Tanto em shows como no estúdio umas latas brilham mais que as outras, os microfones estavam preparados para som das peles. No fim, tratavam como se fosse o som de pratos, mas não era, soava mais seco. Mas o resultado final é sempre instigante, especialmente nas músicas Desejo em Chamas e Não Há Morte, onde a lata se sobressai e confere um tempero único para as canções.
2112. Lembro que havia uma grande expectativa em torno da banda e do próprio álbum. O que deu errado? Porque O Ápice não vingou?

Como O Ápice não vingou? Você está nos entrevistando exatamente por causa dele. Precisamos desmontar essa cultura da personalidade, não queríamos fama, queríamos romper horizontes, então entendemos que deu tudo certo. Estamos tocando direto nos playlists por aí...

2112. Como o público reagia nos shows visto que o som de vocês era bem mais ousado, pesado e experimental que bandas como RPM, Legião Urbana, Ultraje a Rigor, Zero etc?

Nos shows o VZ realmente se completava. Sempre tocamos cenografados, com roupinha especialmente desenhada para os shows, o Morto (Fausto Marthe) cantava com os figurinos mais radicais, e a gente ensaiava bastante e tocava direitinho. Tinha uma trupe que acompanhava, viajava junto, ajudava na montagem, cenografia, tudo. E tinha público em todos shows. Agora no começo a metade do público vaiava legal. Tinha gente na plateia que gritava: - Chega! Ai que a gente encompridava ainda mais o show. Nosso circuito era alternativo: Espaço Retrô, Cais, Der Temple, Mambembe, e outras biqueiras. Mas, em todos eles voltamos para tocar inúmeras vezes. Tocamos também no Sesc Pompeia, Projeto SP, Centro Cultural SP, entre outros lugares bacanas também. O show foi ficando cada vez mais pesado e já era bem hardcore na última formação como quarteto na época da música do clip Rompantes de Fúria. Mas, o som da época era bem mais pesado, agora parece que a maioria está mais para Belle e Sebastian.

2112. Na opinião de vocês o atual cenário está melhor ou pior do que quando vocês surgiram? 

O cenário independente sempre se renova e apresenta novas possibilidades. A gente foi muito feliz com a banda, mas achar que era melhor antes não confere. O que entendemos em nosso momento no final dos 80 e início dos 90, principalmente nos 80 a busca era por diferenciação, hoje está mais para aceitação.

2112. Outro diferencial no som da Vzyadoq Moe era as letras de Fausto Marthe com influências do dadaísmo e do impressionismo Alemão...

As letras representam muito para o VZ, pois delas saiam a construção sonora. Sempre uma microfonia vinha com os versos do Fausto: As trincas nas paredes; os desencantos puxando o tapete da rotina e da mesmice para trazer o incauto ouvinte para o abismo. Vzyadoq Moe não existe sem as letras que conduzem os climas e as texturas musicais.

2112. Orlak disse certa vez numa entrevista que: "Mercenárias estão acima dos outros, mas o Vzyadoq Moe está acima de tudo." Esse pensamento ainda persiste? 

As Mercenárias foram a razão de existir da banda, cujo impacto do show delas em Sorocaba provocou um cataclismo que virou o VZ. Nosso primeiro show em São Paulo foi abrindo para elas, depois tocamos várias vezes juntos. Até ensaiamos junto algumas vezes em Sorocaba e São Paulo. Os 3 Hombres também vinham direto ensaiar com a gente em Sorocaba. Era uma comunidade roqueira dos independentes. A gente falava isso porque buscávamos o ápice das coisas.

2112. Outra afirmação interessante: "Tem muita gente que acha que banda nacional não presta." Luto com meu blog para tentar mudar essa visão equivocada. Qual a visão de vocês hoje acerca da atual cena?

Sempre vão haver bandas novas e boas. A história do rock e punk brasileiros é linda, temos bandas de expressão mundial com a chancela do Brasil. É uma afirmação pra lá de colonizada essa. Eu vejo é muita banda gringa ruim mesmo, mas que não param de tocar nos playlists por ai empurrados pela indústria musical.

2112. A primeira vez que ouvi falar da banda foi na extinta Revista Bizz que trouxe um breve histórico e uma resenha do álbum O Ápice e depois não soube de mais nada. Anos mais tarde descobri a existência do álbum Rádio Macumba e também do fim da banda. O que aconteceu nesse meio tempo e o que mais motivou o retorno da banda?

O Vzyadoq Moe teve 3 formações. A primeira, com Peroba batera, Degas baixo, Fausto vocal, Marcelo e Jaksan guitarras. Depois saiu o Jaksan e entrou o Fernandão nas guitarras. Já no início dos anos 90 o VZ virou um quarteto com Peroba, Degas, Fausto e Marcelo. Nessa formação gravamos o único clipe que fizemos para a MTV, o Rompantes de Fúria. Posteriormente no meio dos anos 90 juntamos material gravado e não compilado e soltamos o Hard Macumba, que está disponível no Spotify. Ainda temos outros fonogramas, poucos, que ainda não soltamos. Em 2010, o VZ voltou para um show no Asteroid em convite irrecusável de amigos da banda The Name, tem algumas músicas disponíveis no youtube e soundcloud. Tem também no soundcloud algumas fitas cassete com ensaios gravados. E tem tudo na nossa página (http://vzyadoqmoe.com.br/ ).
2112. Vejo que muitas bandas perderam o senso de ousar, de experimentar por estarem presas aos vícios mercadológicos. Isso fode tudo, não é?

Sim, querer agradar, ao invés de agredir, nem rock e nem punk é, daí fode mesmo.
2112. Falem um pouco sobre a criação e gravação do álbum Hard Macumba. Musicalmente o que torna diferente de O Ápice?

O que diferencia O Ápice para nós são as músicas, gostamos de todas, elas não se repetem em nenhum aspecto, ao contrário vão provocando um turbilhão emocional. O Hard Macumba a invenção se sofistica ainda mais porque tecnicamente dominávamos mais e tínhamos melhores instrumentos para tocar. A coisa do Brasil é pronunciada, as letras crescem em formulações e imagens ainda mais fortes e oníricas. Também, somos mais agressivos na execução e formulação das músicas. Já na fase final como quarteto, enxugamos o som e ficamos mais diretos.
2112. A repercussão desse álbum foi melhor que O Ápice?

No Spotify tirando Redenção que é a mais pedida, as demais músicas mais tocadas são do Hard Macumba. Esse álbum define e consolida o VZ como banda e proposta musical particular.

2112. Vocês participaram do disco tributo Sanguinho Novo em homenagem ao mutante Arnaldo Baptista. Como surgiu o convite?

Bom a gente frequentava a panela roqueira da época, tinha um apelo diferenciado, daí o Alex Antunes e o saudoso Miranda convidaram a gente. Topamos mas ninguém nunca tinha ouvido o Arnaldo, corremos atrás do prejuízo e decompusemos totalmente Bomba H Sobre SP. Mas, não tínhamos muito haver com a proposta dele.

2112. Vocês descontruíram toda a música dando a ela uma nova visão. Ficou foda!

Sim, como não colava com a gente a sonoridade setentona do Arnaldo, partimos para re-criar e fazer da emoção dele, a nossa emoção. A participação no Sanguinho Novo sem dúvida ajudou muito o conhecimento do VZ.

2112. Outra participação interesante foi em Enquanto Isso...? produzida por RH Jackson e Alex Antunes com várias bandas indies brazucas. Foi nesta coletânea que vocês incluíram Santa Brigda e The Cabinet cantada em inglês. Vocês pretendiam invadir o mercado externo?

A gente tinha proposta de tocar na gringa e pensou em fazer umas letras em inglês, mas não foi muito nossa praia. Paramos ai mesmo. Mas, aproveitamos um espaço totalmente livre e autoral para experimentar e apresentar novos caminhos. 

2112. Assistindo aos clipes da banda eles tem uma edição rápida que lembra muito as produções do punk e do grunge... tudo muito urgente. Isso é intencional ou é o jeito da banda trabalhar?
Temos um clipe em toda nossa vida que é o Rompantes de Fúria. Na época do VZ como quarteto a gente estava no auge do barulho e da urgência. Sim, foi intencional e a direção do Gil Caserta e do Sérgio Martinelli foi mestre em captar nossa essência. Gravamos no Anhangabaú no centro de São Paulo num prédio centenário na esquina da São João com Prestes Maia.

2112. Existe projeto de lançar disco novo nos próximos meses? Como anda o processo de composição?

Não, talvez alguns fonogramas ainda não lançados como Via Plastex e Rompantes de Fúria da fase quarteto que ainda não estão online.

2112. Os álbuns O Ápice e Hard Macumba terão novas reedições em cd/vinil ou serão disponibilizados nas plataformas digitais? Quem sabe?!

2112. Qual o telefone/e-mail de contato para shows?

Visitem nossa página www.vyzadoqmoe.com.br que lá você nos conecta. Aliás lá tem muito material para ser encontrado. Também, em nossa Fanpage no Facebook/VzyadoqMoe

sábado, 23 de novembro de 2019

Exposição A Chave 50 anos!


A Chave é uma daquelas típicas bandas mitológicas que fez shows incendiários, gravou apenas um single mas que continua viva no imaginário dos que amam o verdadeiro rock'n'roll. Este ano a banda comemora seus cinquenta anos de fundação e não poderíamos deixar de comemorar uma data tão importante. Essa exposição inclui fotos e cartazes raros e duas entrevistas históricas com Carlão Gaertner (baixo) e Orlando Azevedo (bateria). Boa viagem e boa leitura.












  









  

 
























































  














Entrevista Carlão Gaertner 


A cada passo do Blog 2112 vou me deparando com algumas surpresas como esta de entrevistar o bassman Carlão Gaertner da lendária banda A Chave. Quem conhece ou estuda a história do rock brasileiro sabe da importância desta banda. Nesta histórica entrevista Carlão nos leva de volta a cena do crime... Não posso esquecer que esta entrevista só foi possível graças a outro bassman: Luiz Domingues a quem eu dedico esta viagem!    

2112. Você começou a conviver com a música muito cedo, visto que a sua mãe era musicista e colocou você aos seis anos para estudar acordeão. Mas porque você desistiu de estudar o instrumento?     

Carlão Gaertner. A minha mãe tinha um acordeão de 120 baixos, que era muito grande para meu tamanho na época. Eu tinha que tocar de pé nas aulas, para poder enxergar os teclados. Só que depois de um tempo de aula eu cansava com o peso do instrumento e tinha que sentar, só que daí eu não enxergava mais os teclados e acabava errando as notas. Esse suplício durou seis meses e daí eu desisti. A própria professora falou para minha mãe que eu deveria esperar pelo menos dois anos para voltar a estudar acordeão. Mas, isso nunca aconteceu (rs).

2112. Por sua mãe tocar piano clássico e acordeão você devia ouvir muita música em casa, não?        

Carlão Gaertner. Nós tínhamos uma vitrola daquelas de móvel em casa, e minha mãe tinha uma coleção de LPs de música clássica, de música popular americana (a maioria orquestrada) e italiana e uma coleção de discos de 78 rpm de música brasileira, os famosos cantores e cantoras do rádio das décadas de 40 e 50. Era o que ouvíamos em casa, além do rádio, muito presente naquele tempo. Nessa época ainda não havia música para a juventude no Brasil, mas isso mudou na segunda metade dos anos 50, com a chegada inicial do Rock no país.

2112. A sua vida e a sua visão de música mudou em 1957, após assistir Jailhouse Rock com Elvis Presley no cinema. Foi um impacto muito grande na sua vida?   

Carlão Gaertner. Eu diria que foi um dos maiores impactos na minha vida, pois foi paixão desenfreada ao primeiro acorde. Imagine um garoto de 8 anos e de calça curta no cinema, carregando um pilha de gibis que levava pra trocar na porta do local antes das sessões da matinê, ver um cara bonito rebolando e soltando aquela voz e fazendo todo mundo dançar na tela e a plateia bater os pés no chão acompanhando o ritmo. Foi uma tremenda loucura e até hoje tenho a imagem vívida na minha cabeça, pois fiquei completamente alucinado dentro do cinema (rs). Essa sensação repetiu-se alguns anos mais tarde, na primeira metade dos Anos 60, quando assisti “A Hard Day’s Night”, o filme dos The Beatles pela primeira vez. Acho que assisti umas vinte vezes enquanto filme permaneceu em cartaz. Logo depois passou o filme “The T.A.M.I. Show”, concerto apresentado pela dupla de cantores da “Surf Music” Jan & Dean. Assisti o "The T.A.M.I. Show" no cinema, na metade dos Anos 60, em Porto Alegre, um tempo depois de assistir "A Hard Day's Night", dos The Beatles, e foi a primeira vez que vi ao vivo outros artistas e bandas americanos e ingleses. Principalmente, os que mais me impressionaram: The Rolling Stones (que eu já tinha discos), Chuck Berry (que eu só conhecia de nome do álbum "With The Beatles”, com a música “Roll Over Beethoven”, e que virou paixão no ato), o explosivo showman James Brown (com sua hipnótica performance no palco), The Beach Boys (a versão 'surf music' do rock de Chuck Berry naquela época), e os ingleses do Gerry And The Pacemakers (que eu também já tinha disco, “Ferry Cross The Mercy”), entre outros. Foi mais uma porrada sonora na cabeça de um adolescente já vidrado em Rock And Roll.

2112. Na época o rock era visto como uma maldição contra os valores tradicionais pela liberdade que dava aos jovens de agir e pensar por eles mesmos. O que seus pais acharam de você ouvir rock’n’roll?  

Carlão Gaertner. Depois de assistir o filme do Elvis Presley eu cheguei em casa e disse para meus pais: - “Eu quero um disco do Elvis”. Os dois me olharam e perguntaram: - “Quem é esse Elvis?”. Daí eu disse que era um cantor americano, que eu tinha assistido um filme dele naquele domingo à tarde e que tinha gostado demais. O tempo foi passando e eu continuava insistindo: - “Eu quero um disco do Elvis”. Só que ainda não tinha disco do Elvis lançado no Brasil e isso veio a acontecer quase um ano depois de eu assistir o primeiro filme. Um dia meu pai disse para minha mãe: - “Pega esse guri, vá até o centro da cidade - no caso Porto Alegre, onde morávamos no bairro Partenon – e veja se encontra um disco desse tal Elvis, que eu não aguento mais esse guri me perturbar com esse pedido. Dito e feito. Finalmente consegui o meu primeiro LP do Elvis e a partir daí comprei todos os discos do Elvis lançados no Brasil até o começo dos anos 60, assim como assisti todos os filmes. Na época eu estudava de manhã e passava as tardes escutando os discos sem parar. Era um Elvis maníaco (rs). Na minha casa o Rock não era visto como uma maldição e meus pais não se importavam com isso. Meu pai só não gostava do ‘barulho’, como ele dizia, quando eu estava ouvindo os discos com volume alto.

2112. Você se lembra do primeiro disco de rock que comprou?

Carlão Gaertner. Foi o primeiro disco do Elvis lançado nos Estados Unidos e, posteriormente, no Brasil. Depois eu comprei King Creole, Jailhouse Rock, G.I. Blues, Elvis Golden Rocords, Viva Las Vegas e muitos outros. Nessa época também comprei discos de Paul Anka, Neil Sedaka, do argentino Billy Cafaro (Marcianita), e do roqueiro italiano Adriano Celentano, cujos discos e filmes foram lançados no Brasil; e mais tarde Peppino di Capri, até Chubby Checker estourar com o Twist, no início dos Anos 60.

2112. Foi o seu avô quem te deu o seu primeiro instrumento: um violão. O que você estuda nesta época visto que não existia ainda aquelas tradicionais revistinhas de cifras? Você tirava tudo de ouvido?  

Carlão Gaertner. Quando eu ganhei o violão do meu avô, eu não tinha um bom ouvido para música e tinha até bastante dificuldade na época. Mas, eu tinha um vizinho, o Anyres Marcos – que mais tarde fez parte d’Os Brasas, banda gaúcha que estourou em São Paulo na época da Jovem Guarda – que tocava bem violão e tinha um super ouvido. Ele afinava meu violão e foi quem me passou os primeiros acordes e as primeiras músicas. Nós passávamos as tardes ouvindo os discos e tirando algumas músicas mais simples. Nessa época já ouvíamos The Ventures, The Shadows e acabamos montando nossa primeira banda tocando as músicas instrumentais desses grupos como Apache, Lonely Bull etc. Como ainda tinha certas dificuldades, acabei indo para o baixo, onde tocava nas quatro cordas de cima do violão, só marcando as notas. Era um baixista de uma nota só. Conhecia todos os acordes básicos e o lugar da nota dominante dos tons no baixo, mas não sabia nenhuma escala. Era só Tum, Tum Tum, Tum Tum etc... Assim tudo começou. Um dia eu estava sentado com minha vitrola portátil e o violão na área da frente da minha casa, tentando descobrir o tom de algumas músicas que estava ouvindo, e passou outro amigo meu, o Ernani, que era baixista numa outra banda do meu bairro. Ele entrou e ficou conversando comigo, daí pegou meu violão e me mostrou as primeiras escalas de baixo, tipo cinco notas seguidas na escala: Tum Tum, Tum Tum Tum e as variações que podia fazer dentro daquele desenho da escala, que podia ser aplicada em qualquer tom. Foi aí que acendeu a luz no fim do túnel para mim como baixista e o resto é história, pois passava horas praticando aquela escalas nos mais diversos tons; e também passei a aplicá-las nas primeiras músicas do repertório de nossa iniciante banda juvenil.

2112. A despeito de Elvis ser considerado o “Rei do Rock”, sempre achei Litlle Richard o verdadeiro rockman deste período. Suas performances no palco eram incríveis, sua voz maravilhosa e sua música totalmente selvagem. Quem eram seus ídolos?

Carlão Gaertner. Nos Anos 50 meu grande ídolo foi o Elvis Presley. Os discos de Little Richard, Chuck Berry, Jerry Lee Lewis, Fats Domino etc eu só passei a curtir nos anos 60, pois na década de 50 eram muitos raros no Brasil. Adoro Little Richard, mas dessa turma Chuck Berry passou a ser meu grande ídolo e uma grande referência na cena Rock And Roll. O Richard era até mais explosivo em alguns momentos, mas o Chuck Berry, com sua guitarra, desvendou a magia, os riffs e a malandragem do Rock, unindo seu som às suas letras alegres e maliciosas. É, na minha opinião, o Maior Ícone do Rock. E o John Lennon também concorda comigo (rs). Outro pioneiro da guitarra dos Anos 50 que também influenciou dezenas ou centenas de guitarristas e outros músicos foi Scotty Moore, do trio que acompanhava Elvis, ao lado do Bill Black (baixo) e D.J. Fontana (bateria).

2112. Você além do rock mergulhou de cabeça no blues. Como você conseguia material para ouvir, pois pouquíssima coisa ainda hoje é lançada no Brasil?

Carlão Gaertner. Quando os Beatles e os Stones surgiram na mesma época, mostraram claramente essas duas vertentes. The Beatles era mais Rock And Roll no início, e The Rolling Stones eram uma banda de Blues que também tocava Rock. Depois do Boom da Beatlemania eu curti e tinha discos de praticamente todas as bandas inglesas: The Who, The Animals, The Swinging Blue Jeans, Gerry & The Pacemakers, The Kinks, The Dave Clark Five, The Hollies, Peter & Gordon, Herman’s Hermits, Manfred Man, The Yardbirds, The Spencer Davis Group, The Troggs etc. Muitas dessas bandas também tinham influências do Blues e fui ficando cada vez mais apaixonado pelo gênero. Depois mergulhei também no rock americano, curtindo Jefferson Airplane, Bob Dylan e The Byrds, principalmente. Meus primeiros discos de Blues com as estrelas negras do gênero eram na maioria todos importados e passei a ser um colecionador, não só de discos, mas também de livros, enciclopédias musicais, revistas especializadas de Rock e Blues etc. Tenho um acervo de quase 2 mil LPs - grande parte importados - mais de mil CDs e uns 200 DVDs, fora as publicações já citadas. Gostaria de levar tudo isso para a Eternidade, mas lá acho que vou encontrar todos os meus ídolos ao vivo e nas cores celestiais fazendo o maior som, seja no Paraíso ou qualquer outro lugar (kakakakaka). Além dos discos importados, sempre comprei também os lançamentos nacionais de Rock e de Blues que me interessavam. Por exemplo; do bluesman Robert Johnson, “The King Of The Delta Blues Mississippi”, eu devo ter umas seis ou mais edições diferentes entre LPs e CDs.

2112. O seu vizinho Anyres Marcos (no Facebook), que já tocava guitarra contribuiu bastante na sua formação como músico, não é? O que ele dizia para você? 

Carlão Gaertner. O Anyres sempre teve muita paciência comigo no início de nossa jornada musical e de meus primeiros passos na Música. Pode ser que ele até pensasse naquele tempo: - “Por que o Carlos não desiste? Ele não tem a menor aptidão para a música” (rs). Mas ele nunca me disse isso, pois acho que entendia a paixão que eu tinha, apesar das minhas dificuldades e limitações no começo. Além disso, eu era o dono do violão (um Del Vecchio) e tinha ainda minha radiola portátil e todos os discos, que eu levava para todo lugar. É como aquele guri que não joga nada de futebol, mas é o dono da bola. Por isso, sempre está no time (rs). E também, como leonino convicto, eu era muito teimoso e quando colocava uma coisa na cabeça eu sempre ia em frente e nunca desistia. Os primeiros anos foram muito difíceis, mas fui superando as barreiras e consegui dar a volta por cima. Depois que Anyres saiu de nossa banda e entrou para Os Brasas, mudando-se para São Paulo com seu novo grupo, eu e os demais membros montamos uma nova banda com um novo guitarrista, chamada Os Frenéticos, inspirados no Gerry & The Pacemakers, depois que o filme “Ferry Cross The Mersey” estreou no Brasil, com o título de “Os Frenéticos do Ritmo”. Essa formação durou pouco tempo e ainda naquele ano, 1965, fui convidado a entrar para outra banda do bairro Petrópolis, vizinho ao Partenon onde eu morava, chamada Beat Group Company, ou Beat Group Cº, que durou até 1968, quando retornei para Curitiba, cidade onde nasci. O Beat Group já tinha uma nova proposta, bem mais criativa e um som bem mais pesado. Tocávamos Beatles, Stones, The Troggs, The Who, The Animals, The Shakers, banda argentina que fez sucesso no Brasil e teve LPs lançados no nosso país, entre outros; e até Steppenwolf, no último ano de sua formação. Mas o mais importante era que desde o início de nosso quinteto – formação semelhante aos Stones: vocalista, duas guitarras (e ‘backing vocals’), baixo e bateria – também compúnhamos músicas próprias com letras em inglês e que também agradavam ao público em nossas apresentações, além das músicas do repertório internacional. A partir daí, aflorou também a faceta de compositor, e a vontade de fazer cada vez mais músicas próprias. Na época que atuou em Porto Alegre (1965/68), o Beat Group Cº foi uma das melhores banda de Rock de Porto Alegre, ao lado do Som Quatro (que só tocava Beatles) e dos Cleans, entre outros grupos. Mas isso já é outra e longa história.

2112. Ele tocava no grupo Os Brasas que causou sensação na época. Você chegou a tocar com eles?   

Carlão Gaertner. Quando eu ainda tocava com o Anyres, a nossa banda tocou junto com Os Brasas em vários clubes em Porto Alegre, e éramos muito amigos. Eu estudei o primário inteiro junto com o Franco, no Ginásio Santo Antônio, que era o baixista dos Brasas. Depois que o Anyres – o Alemão, como era chamado – entrou para Os Brasas, eles ainda tocaram um tempo na cidade, antes da banda ir morar em São Paulo. Quando eu terminei o colegial na Escola Técnica Parobé, no curso de Eletrotécnica (equivalente ao científico, naquele tempo), eu me mudei sozinho para São Paulo para procurar emprego naquela área técnica, e até cheguei a fazer algumas entrevistas. Mas também me encontrei com Os Brasas, e acabei morando com eles durante dois meses e curtindo intensamente a Paulicéia dos Anos 60. Eles tocavam quase toda noite em boates e bares de Rock, como a boate Night And Day, o famoso Saloon, na Rua Augusta, onde tocava o Som Beat, uma banda da pesada, e algumas vezes cheguei a dar uma canja com Os Brasas. Tinham também um programa de TV próprio na TV Excelsior, na onda do da Jovem Guarda: um musical de auditório, com várias atrações. Como deixei de procurar emprego, quando a grana acabou, eu voltei para Porto alegre e fui contratado como técnico pela Phillips SA., na seção de Eletromedicina. Sou amigo do Anyres até hoje, e volta e meia nos falamos por telefone, e ele também já veio me visitar em Curitiba. Nessa visita, fomos uma noite no bar Crossroads ver a banda Crackerjack tocar, e acabei dando uma canja com o grupo. Ou seja, depois de quase 50 anos, o Anyres me viu tocar novamente. Quando sai do palco e nos reunimos de novo, ele me disse: - “Agora você está tocando certinho no beat”, e deu uma tremenda risada. E eu respondi: - “Você também é responsável por isso”. E continuamos com as risadas...

2112. No início dos anos 60 você passou a ouvir bandas instrumentais como The Shadows, The Ventures, The Clevers que mais tarde trocaria o nome para Os Incríveis. Foi um período muito fértil para sua formação como músico, não?   

Carlão Gaertner. Eu diria fértil e fundamental, porque foi o começo do aprendizado musical. Tanto o The Shadows como o The Ventures tinham um som de guitarras ‘incrível’, fazendo um trocadilho, com músicas com muito clima, variações rítmicas, e uma técnica apurada. Nessas bandas, eram os instrumentos que ‘falavam’, já que não tinham vocais. Foi aí que me liguei nos timbres (limpos e cristalinos), nos efeitos (reverb e trêmolo) e na qualidade do som, despertando meu interesse para instrumentos de melhor fabricação, no caso, os importados. Só que naquela época, isso era um sonho impossível no Brasil, muito mais em Porto Alegre, onde a maioria das bandas usava guitarras fabricadas pela Mil Sons, um fabricante local que tinha um processo de produção quase artesanal nos anos 60. Meu primeiro baixo legal foi um Gianinni, modelo Gemini, inspirado no Fender Jaguar (1965), que comprei um tempo depois que entrei para o Beat Group, assim como um amplificador Gianinni valvulado, modelo Thunder Sound. Meu sonho de garoto virou realidade muitos anos depois, quando comprei meu primeiro Fender Precision Bass (1974), no início de janeiro de 1975, junto com um Marshall Major de 200 Watts na cor vermelha, com duas caixas de som com quatro falantes de 12” cada uma (o mesmo modelo usado por Jimi Hendrix, Jimmy Page e Eric Clapton, na fase do Cream, entre outros monstros sagrados do Rock), quando A Chave comprou todo o seu equipamento e instrumentos importados em São Paulo, na loja Leimar, e parte na empresa Transasom, do meu amigo Eduardo.

2112. E como surgiu Os Frenéticos?

Carlão Gaertner. Como já comentei anteriormente, Os Frenéticos foi montado quando o Anyres saiu de nossa primeira banda, e entrou um novo guitarrista solo. A formação era guitarra solo (e ‘backing vocals’), guitarra base num violão elétrico e vocal principal – que era um diferencial na época, por ter também esse timbre acústico no som da banda, recurso que também era usado pelos The Beatles em algumas músicas - baixo e bateria.

2112. A banda era fortemente influenciada pela “British Invasion” que tinha como ponta de lança The Beatles, Animals, The Who, The Rolling Stones, Gerry & The Pacemarkers, The Yardbirds... entre outros. Neste período vocês já compunham?    

Carlão Gaertner. Não, na fase d’Os Frenéticos tocávamos músicas de algumas das bandas citadas na pergunta, algumas músicas do Renato & Seus Blue Caps (por ser em português) e algumas músicas instrumentais dos grupos que já citei; e ainda da Aladin Band, The Jordans, Incríveis, etc. Mas essa formação durou pouco tempo.

2112. Logo você foi para o Beat Group, que tinha um som bem mais pesado. Vocês faziam muitos shows?    

Carlão Gaertner. A época do Beat Group foi a mais significativa em termos de som e de postura de banda nos meus primeiros anos como músico e baixista, em Porto Alegre. Quando fui convidado para entrar para a banda – que estava procurando um baixista - o grupo só tinha como membros o Lairton Rezende, também chamado de Alemão, como o Anyres, que era o guitarrista solo e também fazia vocais, o Jorge na bateria e o Ruy no vocal principal e percussão com pandeiro e maracas. Eu sugeri a eles para convidarmos o Maurinho, um guitarrista base que também cantava, que morava a duas ruas da que eu morava, e que era muito meu amigo. O Maurinho aceitou o convite e começamos a ensaiar nos fundos de minha casa, numa sala ao lado da garagem do carro do meu pai. Só que a aparelhagem que a banda já tinha eram amplificadores Delta – desses usados em festas de igreja e quermesses (rs) - com entradas adaptadas para cabos de guitarra e baixo e um para vocal, e um baixo feito em casa, sem trastes e com o braço meio empenado. Ou seja, uma tremenda piada, mas era o que tínhamos no início da banda. Depois de alguns meses de ensaio e com um repertório significativo, resolvemos que era o hora de tocar em público. Convidamos uma amiga minha, a Claudete, que era a secretária e assessora do Rossi, principal empresário de bandas de Porto Alegre para assistir um ensaio, para ver se poderíamos também ser empresariados por ele. No final do ensaio, a Claudete falou que adorou o som da banda, o nosso repertório e tudo mais, mas que com aquela aparelhagem não dava para o escritório do empresário oferecer a nossa banda para os clubes com que eles trabalhavam. Aí deu um branco total em todos nós. Falamos para a Claudete que iríamos resolver a questão do equipamento e que voltaríamos a fazer contato. Daí eu tive uma ideia e fui falar com o Gilberto Arone, que era amigo da minha família – casado com uma amiga da minha mãe, Mafalda S. Gaertner - e advogado da Caixa Econômica Estadual do Rio Grande do Sul. Perguntei a ele se tínhamos condições de tirar um empréstimo pra comprar nosso equipamento e ele me informou que seria possível se arranjássemos um sacador e um avalista com garantias, para fazer o empréstimo para nós. Voltei e informei a situação para os demais membros da banda e daí fizemos uma reunião com o pai do Lairton e a mãe do Jorge (cujo pai já tinha falecido), explicamos a situação e convencemos os dois a realizar a operação bancária para nós. Daí voltamos a nos reunir com o Gilberto na Caixa, e levamos os dois coroas junto para dar entrada no processo. O empréstimo foi aprovado, pegamos a grana e fomos na principal loja de instrumentos musicais de Porto Alegre, e compramos uma aparelhagem e instrumentos novos: uma guitarra semi acústica Snake (solo), fabricada com pinho sueco e captadores e tarraxas importadas; uma Gianinni Supersonic (base); uma bateria Pinguim, imitação da Ludwig do Ringo Starr, com caixa metálica, pratos e chimbau; dois amplificadores True Reverb, da Gianinni, para guitarras; um baixo Gianinni, modelo Gemini, e um amplificador Thunder Sound para baixo;  e um sistema Phelpa de 100 Watts para a voz – com mixer e duas colunas com 3 falantes de 12” cada, mais dois pedestais para suspender as colunas, e mais três microfones para os vocais. Moral da história: junto com o Som Quatro, éramos as duas bandas que tinham o melhor equipamento em Porto Alegre, e o empresário Rossi daí nos contratou e passamos a tocar sem parar. Às vezes, nos fins de semana, tocávamos em quatro ou cinco clubes numa mesma noite (uma hora de apresentação), com intervalos de 45 minutos a uma hora entre um show e outro, dependendo da distância entre os locais, pois era uma prática comum dos clubes contratar várias bandas na mesma noite. E nossa aparelhagem cabia inteira dentro de uma Kombi e levava 10 a 15 minutos para montar e não tinha passagem de som como hoje em dia: era só ligar os amps nas tomadas do palco, plugar os cabos e os microfones, montar a bateria e mandar bala (kakakakakakaka). Era uma loucura e uma correria danada. Mas a gente se divertia pra cacete e não dependia mais de ninguém. Isso porque a maioria das bandas só levavam a aparelhagem de palco e cantavam no equipamento de voz dos clubes: normalmente, aqueles amplificadores Delta que já comentei, um ou dois microfones e duas caixinhas pequenas de som penduradas nas paredes ao lado do palco. Com o som de qualidade e volume de nosso equipamento de voz Phelpa e vocais com três vozes, nós arrasávamos (kakakakakaka). Perto do final de 1968, o Lairton foi convidado para entrar para Os Cleans para tocar teclados (antes de tocar guitarra, ele fez o curso e formou-se em Acordeão no conservatório, em Porto Alegre), que iriam acompanhar o Hermes Aquino (que era o guitarrista base do Som Quatro e um dos cantores da banda, e que estava iniciando sua carreira solo), e a cantora Laís Aquino Marques, na eliminatória paulista do IV Festival Internacional da Canção, em 1969. Hermes Aquino com a música “Flash”, com arranjo do maestro Julio Medaglia, se classificou em primeiro lugar na eliminatória, e Laís Aquino Marques em terceiro lugar, com a música “Sala de Espera”. Com a saída do Lairton e o fim do Beat Group Cº, eu voltei para morar com minha família em Curitiba, no final de novembro de 1968. Meus pais já tinham se mudado de Porto Alegre para Curitiba em 1967, e eu passei um ano e meio morando sozinho e trabalhando na Phillips, Seção de Eletromedicina, como técnico de dia, e tocando no Beat Group quase todas as noites. Um verdadeiro Zumbi do Rock, pois dormia no máximo quatro a cinco horas por noite durante todo esse período e trabalhava o dia inteiro. Durante a semana, tocávamos na Boate Garrafa, dividindo o palco com a banda Liverpool, que depois virou o Bixo da Seda. Sou até hoje amigo dos irmão Lessa, o Mimi e o Marcos. Loucura total (rs). Depois dos Cleans, o Alemão Lairton tocou ainda teclados com o ES Trio, Eduardo Araújo e Silvinha Trio, em São Paulo e pelo Brasil durante um tempo, e veio com eles para um show em Curitiba, em 1969, na Feira do Parque Castelo Branco, que eu assisti em cima do palco. Foi um reencontro emocionante.

2112. Depois de sua saída da Beat Group, e antes de formar A Chave, você participou de mais duas bandas. Você poderia falar um pouco deste período que é um tanto obscuro para muitos fãs?

Carlão Gaertner. Assim que eu cheguei de volta a Curitiba, eu conheci o Ivo Rodrigues Júnior, que era cantor e apresentador do programa Juventude Alegria, na TV Paranaense – Canal 12 (antes de ser filiada à Rede Globo), e o guitarrista Cesar Tempski, da banda Os Primatas, no aniversário de 15 anos de uma prima minha, que foi realizado na Sociedade Garibaldi. O Cesar era irmão do João Carlos Tempski, que era namorado de outra prima minha, e foi o João Carlos quem me apresentou os dois e disse a eles que eu também tocava numa banda em Porto Alegre e que recém tinha voltado para Curitiba. Sentei com eles durante a festa e ficamos conversando sobre música, para variar, e também ficamos amigos no ato. E no meio da festa, nós três ainda demos uma canja com o baterista da banda de baile Bepe & Seus Solistas, que estava animando a comemoração. Esse primeiro encontro com o Ivo foi também o início de nossa relação musical. Logo depois o Ivo me apresentou o guitarrista Rodney Luiz França, e viramos amigos inseparáveis. Tocávamos às vezes nos sábados à tarde no programa de TV que o Ivo apresentava, e nos sábados à noite nós percorríamos os clubes de bairro onde sabíamos que estavam tocando bandas conhecidas. Entrávamos os três e ficávamos curtindo parados na frente da banda que estava tocando. Quando a banda fazia um intervalo, nós pedíamos para dar uma canja e tocávamos 3 ou 4 músicas com o baterista da banda contratada, fazendo o maior esporro no palco. Antes de começar a tocar, nós anunciávamos no microfone que éramos o trio Som Fúnebre e que não tínhamos baterista (rs). No final de nossa apresentação relâmpago, agradecíamos e partíamos para outro clube e assim sucessivamente. Um tempo depois nós três, com mais dois músicos (guitarra e bateria) remontamos Os Primatas que tinham dissolvido a banda original, na qual o Rodney e o Ivo já tinham tocado com eles algumas vezes, e que durou pouco tempo. Durante esse período, nós conhecemos o pessoal d’A Chave e ficamos amigos. De vez em quando nós íamos ver os ensaios deles e tocávamos juntos, só de curtição. Essa piração durou até 1970, quando o Orlando Azevedo, baterista d’A Chave, de quem eu já era amigo, assim como dos demais membros da banda, veio falar comigo e me disse que estava a fim de convidar o Ivo para ser vocalista da banda, pois o Toninho Bacilla, que era o vocalista, tinha sofrido um acidente e não podia mais participar do grupo. Daí o Orlando me perguntou se não tinha problema, já que eu e o Ivo tocávamos juntos. E respondi que não e daí começou uma nova história.

2112. E como surgiu A Chave?

Carlão Gaertner. A Chave originou-se da banda Os Jetsons, fundada em 1967 no município Palmeira, perto da cidade de Ponta Grossa, no interior do Paraná. Em 1969, já em Curitiba, o grupo mudou o nome para A Chave, que estreou com um programa próprio na TV Paraná, Canal 6, com direção de Valêncio Xavier. Nessa época o português Orlando Azevedo ainda não era o baterista, mas participava da banda como mentor da mudança de nome e orientador artístico da nova proposta do quinteto. Um tempo depois, com a saída do baterista Franco, ele assumiu o seu lugar e em seguida, no início de 1970, foi ele quem convidou o Ivo Rodrigues para ser o vocalista d’A Chave. Nesse mesmo ano, A Chave participou da peça “A Semana”, montagem do Grupo XPTO, com texto da conhecida autora, atriz e produtora teatral Denise Stoklos, e direção de Ari Para-raios, apresentada no extinto Teatro de Bolso, na Praça Rui Barbosa. Na peça, os cinco membros d’A Chave, vestidos apenas com sungas pretas, participavam como músicos e atores, junto com os demais artistas do elenco, e também executavam ao vivo durante a encenação as músicas da trilha sonora da montagem. Era um espetáculo totalmente contracultural e performático e no final de cada apresentação quase sempre acontecia um ‘happening’ entre todo o elenco e a plateia. Nessa nova fase inicial da banda eu ainda não fazia parte do grupo, mas estava o tempo todo curtindo com seus integrantes, principalmente, o Orlando – que até hoje é um dos meus maiores amigos – e o Ivo no dia-a-dia, quando a banda não estava atuando. Quase todos as tardes, nós três nos reuníamos no apartamento de um outro amigo, chamado Celso Ferraz, ou Celso Geleka - como também era chamado - e ficávamos ouvindo Rock sem parar – os dois primeiros álbuns do Led Zeppelin, que recém tinham sido lançados e que era uma porrada sonora na época, Steppenwolf, Jimi Hendrix, Stones, The Who, Mutantes e os dois primeiros LPs d’O Terço, em sua formação inicial, entre outros - com o apê completamente enfumaçado e um ‘cheirinho bom’ pairando no ar (rs). Celso era o autor da música “Geleka”, que A Chave defendeu no Festival Universitário da Universidade Federal do Paraná, em 1970. A canção ganhou o prêmio de “Melhor Letra” do festival. Foi num desses encontros que nasceu a ideia de morarmos todos juntos numa casa, e que também seria o local de ensaios d’A Chave. Então, no início de 1971, alugamos uma casa com porão na Rua Padre Anchieta, no bairro Mercês, e começamos uma nova aventura. Assim nasceu a famosa Casa Branca d’A Chave, que tornou-se um polo emissor de novas ideias e o maior centro da contracultura curitibana nos Anos 70 durante sua existência, até maio de 1974.

2112. A banda era mais que uma simples banda... era uma catalizadora de ideias com um QG que tinha sala de ensaios (um luxo para a época!), biblioteca, sala de exposição de artes plásticas, equipamentos gráficos para elaboração de cartazes, laboratório fotográfico... Era uma verdadeira efervescência cultural, não é?      

Carlão Gaertner. Assim que nos mudamos para a casa – eu, o Orlando, o Celso e outro amigo chamado Fernando Bittencourt, resolvemos fazer uma reforma e algumas mudanças no imóvel, para adaptá-lo às nossas necessidades pessoais e às da banda. Foi construído um muro alto na frente, com um pesado portão de madeira, para isolar a visão da casa da rua, já que o movimento diário de malucos cabeludos, amigos, músicos e visitantes de fora de Curitiba visitando o local era enorme e constante, e já que também volta e meia ficava uma viatura da Polícia Civil, da Delegacia Anti Drogas, parada durante  um tempo ou até horas na frente da casa, na calçada oposta, apesar de nunca terem entrado; na parte superior da habitação foram feitas umas divisórias internas para definir os quartos dos moradores fixos; e no porão foi construído um estúdio de ensaio, totalmente revestido com placas acústicas de Eucatex, nos moldes dos estúdios profissionais, para abafar o som nos ensaios e não incomodar a vizinhança, e assim evitar problemas ou visitas indesejadas, pois os ensaios entravam noite a dentro diariamente. Anexa ao estúdio tinha também uma pequena sala de gravação e som, com dois gravadores Akai de rolo, gravador cassete Kenwood e uma pickup para ouvir LPs. Tinha ainda uma sala para a produção de peças gráficas e artes plásticas com pranchetas, para os artistas que gravitavam em torno da banda e que produziam seus materiais gráficos: posters, panfletos, programas etc; e no fundo, num outro espaço, foi montado um pequeno laboratório fotográfico com câmera escura para revelação de fotos em preto e branco. E finalmente, pintamos a casa por fora e todo o telhado totalmente de branco, que virou então oficialmente a famosa Casa Branca d’A Chave. Durante os três anos e meio de sua existência, passaram pela Casa Branca, além de seus visitantes habituais, várias personalidades nacionais consagradas da Música e da cultura brasileira. Dentre eles Gilberto Gil e sua banda, quando da temporada do show “Expresso 2222” em Curitiba. O Gil quando chegou na casa entrou diretamente pela porta do porão que dava acesso diretamente para o hall do estúdio de ensaio e à sala de gravação. Assim que ele cruzou a porta, ele exclamou: -“Uau, parece que eu estou em Londres”. Durante a visita, o Lanny Gordin, guitarrista da banda do Gil entrou no estúdio e ligou a guitarra do Paulinho Teixeira, guitarrista d’A Chave, e ficou improvisando em cima do som da fita de rolo dum projeto d’A Chave – o Sangue das Máquinas - realizado na Fundição Irmãos Mueller, onde seus integrantes tocaram temas de improviso em cima do som e da batida produzidos pelas máquinas da fundição, ligadas alternadamente durante aquele evento, que colocamos para tocar para mostrar para os visitantes. Na saída da visita, Lanny nos presenteou com um distorcedor Fuzztone, que ele tinha comprado no Japão. Esse fato foi registrada na Revista Bondinho, quando da entrevista do Gilberto Gil sobre o álbum “Expresso 2222”. Na publicação, Lanny Gordin declarou: - “Eu dei meu distorcedor para um conjunto chamado A Chave, de Curitiba”. Além do Gil, também visitaram a Casa Branca Rita Lee & Tutti Frutti, na temporada do show “Atrás do Porto Tem Uma Cidade”, que foi o início da minha amizade com o guitarrista Luiz Carlini - que anos mais tarde viria tocar comigo nos Bartenders, junto com baterista Franklin Paolillo, e os demais membros da banda: Lee Marcucci, Emilson Colantonio e Lucinha Turnbull; o cantor Antonio Marcos, que foi casado com a Vanusa; o poeta e escritor Décio Pignatari, amigo do poeta Paulo Leminski, que era parceiro d’A Chave na elaboração das letras das músicas da banda, e um frequentador assíduo do local; o produtor e diretor Altair Lima, de São Paulo, junto com a atriz Sonia Braga e parte do elenco da peça “Hair”, quando foi apresentada em Curitiba; e várias outras figuras conhecidas entre atores, jornalistas, escritores, cineastas e artistas plásticos. A Casa Branca foi, ao longo de sua existência, um verdadeiro caldeirão cultural em permanente ebulição.

2112. Como era administrar tudo isso e ainda achar tempo para compor, ensaiar e fazer shows?  

Carlão Gaertner. Eu e o Orlando assumimos definitivamente o direcionamento artístico e musical d’A Chave e a realidade cotidiana da Casa Branca. Mas tudo era feito e resolvido naturalmente, de forma democrática entre todos os membros participantes, no meio daquela efervescência e loucura total. Quando eu fui morar na Casa Branca, desde o seu início, eu ainda não tocava n’A Chave. Assim que construímos o estúdio, eu fui para São Paulo e meu avô materno – com quem eu morava antes de me mudar para a casa – me financiou a compra de um equipamento de iluminação para ser utilizado na banda, e passei a operar a luz e o som nas apresentações do grupo. Eu comprei vários mini-spots que usavam gelatinas coloridas, uma máquina de projeção de bolhas psicodélicas – tipo um projetor de slide onde girava um disco de vidro duplo e lacrado com líquido de várias cores dentro, e que ia mudando as imagens conforme girava; e um equipamento de luz estroboscópica, com três módulos com duas lâmpadas em cada um e três cores diferentes em cada módulo – azul, branco (central) e vermelho – e que davam um puta efeito visual quando ligados juntos. Psicodelia total (rs). Isso durou até meados de 1973, quando de operador de luz e som assumi o baixo na formação d’A Chave, com a saída do Zito Bacilla, que tocava no grupo desde a época da fundação d’Os Jetsons. Tocamos ainda como quinteto – vocalista, guitarra, baixo, bateria e teclados até final de 1973, quando o Eli Alves, que era o tecladista, formou-se em Engenharia Química e deixou o grupo. A saída do Eli provocou uma mudança radical na continuação d’A Chave, pois a maioria do repertório com as músicas do rock internacional da banda tinha também a presença marcante dos teclados e, sem esse instrumento no grupo, boa parte do repertório ficou comprometida e até impraticável. Uma nova mudança de rumo ficou pairando no ar e A Chave foi novamente à luta, partindo para a sua definitiva e mais significativa formação, como quarteto, fato que comentarei mais adiante na entrevista.

2112. Muitas ideias bacanas devem ter surgido nessa convivência com várias mentes pensantes...

Carlão Gaertner. Sem dúvida, foi um dos momentos mais criativos da vida artística, cultural e contracultural de Curitiba, na primeira metade da década de 70. Uma das primeiras iniciativas d’A Chave na Casa Branca foi a produção e posterior realização do I Recital Pop no Guairinha, em 1971, Auditório Salvador de Ferrante, da Fundação Teatro Guaíra. Tudo começou com intensos ensaios após a definição do repertório do show, elaboração de material gráfico – programa e folhetos – material de divulgação com release e fotos etc e a gravação de efeitos sonoros que entrariam no início de algumas músicas durante a apresentação: o sino do início da gravação de “Black Sabbath”, que depois fundia-se com a execução d’A Chave; assim como, as vozes das crianças do início da música “I Can Feel Him In The Morning”, do Grand Funk Railroad, do álbum “Survival”. E, junto à Fundação Teatro Guaíra, solicitamos para ter um piano de cauda no palco, para a execução de suíte de piano integrante da música “For Ladies Only”, do grupo Steppenwolf, que o tecladista Eli Alves reproduzia na íntegra, e que também foi utilizado em “In Held ‘Twas In I”, do grupo Procol Harum. Foi o primeiro show de Rock com uma banda local em teatro em Curitiba. Logo depois realizou o projeto “Sangue das Máquinas”, que já comentei durante a visita de Gilberto Gil e banda à Casa Branca. Outra delas foi conhecer o professor de Comunicação da USP, José de Jesus Seixas Patriani, que veio a Curitiba para participar da Semana de Arte Moderna da Escola de Música e Belas Artes local. Em sua palestra, Patriani comentou sobre o laboratório de Comunicação e Criação Vishna-Bharati, que ele fundou em São Paulo, similar a uma experiência que ele tinha conhecido na Índia. Baseado em seu modelo e orientação, foi que nós registramos juridicamente o Laboratório de Comunicação e Criação A Chave, com sede na Casa Branca, oficializando o que já rolava de forma instintiva no grupo. E pra não me alongar demais, a parceria que desenvolvemos com o poeta e escritor Paulo Leminski, que resultou na criação de várias canções, com músicas do grupo e letras do Leminski. Essa parceria também gerou mais tarde o projeto “Em Prol De Um Português Elétrico”, que era um estudo fonético sobre a plasticidade e sonoridade de vocábulos, frases e rimas em Português, voltadas para letras de Rock. Já na segunda metade dos Anos 70, quando a parceria ficou mais esporádica, numa visita do Leminski com o poeta Décio Pignatari a um ensaio d’A Chave num outro local, Décio comentou conosco que discorreu sobre esse projeto do Leminski com A Chave num Congresso de Comunicação realizado em Milão, na Itália, onde ele foi palestrante.

2112. Existe uma história de uma visita do Gilberto Gil e sua banda na Casa Branca da Chave como era conhecida em 1972. Como foi que aconteceu isso? O que ele achou de todo aquele aparato cultural?

Carlão Gaertner. O Gilberto Gil fez uma temporada de três dias no Teatro da Reitoria, da Universidade Federal do Paraná, na turnê do show “Expresso 2222”, logo depois que ele voltou do exílio, em Londres. Eu, o Orlando e o Ivo fomos as três noites assistir o show no teatro, com Gil e sua super banda: Lanny Gordin (guitarra), Bruce Henry (baixo), Tuti Moreno (bateria) e Antônio Perna (piano), que naquele momento soava como o melhor show de rock do Brasil. No final do show da primeira noite, um amigo nosso veio dos bastidores e disse que o Gil perguntou se ele conhecia a Casa Branca da banda A Chave, de quem ele já tinha ouvido falar. Nosso amigo respondeu que sim e que nós estávamos na plateia, após assistir o show. Daí fomos convidados ao camarim, conhecemos todo o pessoal e combinamos para no outro dia ele ir visitar com a banda a nossa casa à tarde. Como já comentei numa das respostas anteriores, ele ficou completamente deslumbrado com a estrutura que tínhamos na Casa Branca. Eles ficaram quase duas horas na visita, onde rolaram altos papos e uma ‘jam solo’ privê com Lanny Gordin na guitarra do Paulinho, guitarrista d’A Chave no estúdio. Foi um encontro memorável: - “O Expresso 2222 fez uma escala na Casa Branca d’A Chave, com os seus integrantes a bordo”. Inesquecível. Alguns anos mais tarde, trabalhei na promoção e produção do show “Refazenda” em Curitiba, revendo Gil e relembrando aqueles momentos únicos. Refazendo tudo mais uma vez.

2112. A banda acabou se tornando uma lenda com vários seguidores e abrindo shows de grandes nomes da música que visitavam Curitiba. Na sua opinião, foi tudo muito rápido?  

Carlão Gaertner. Olhando em perspectiva, foi tudo muito rápido mesmo. A última formação d’A Chave – que é admirada e cultuada até hoje: Ivo Rodrigues Júnior (vocal principal e guitarra base), Paulo Teixeira (guitarra solo, harmônica e ‘backing vocals’), Carlão Gaertner (baixo) e Orlando Azevedo (bateria) – durou de janeiro de 1975 a maio de 1979, quando a banda dissolveu-se. No início de janeiro de 1975 foi quando A Chave comprou seu equipamento e instrumentos totalmente importados em São Paulo, depois de ficar um ano parada (1974) e desenvolvendo o projeto “Investimento Em Proposta”, com Paulo Leminski, Luiz Rettamozzo, o famoso Retta, e Osmar Jardim, diretor da Agência PAZ Propaganda, onde os dois trabalhavam como redator e diretor de arte. O projeto “Investimento Em Proposta”, que elaboramos conjuntamente, apresentava a viabilidade financeira e artística de uma banda de Rock, desde que tivesse recursos e equipamentos profissionais para desenvolver seu trabalho. Apresentava também um histórico da banda e de todas as apresentações realizadas até aquele momento pela A Chave em Curitiba, interior do Paraná e Santa Catarina, com quadros descritivos e gráficos, dados do mercado nacional do show-bizz musical, currículo de seus integrantes e a importância do trabalho d’A Chave desenvolvido até aquele momento. E finalmente, a proposta para o investidor que quisesse investir no projeto, com retorno financeiro projetado, e um roteiro futuro pelos três estados do Sul de shows da banda que geraria a receita e o retorno para o investidor, caso o projeto fosse aprovado. Após dezenas de visitas a possíveis empresas investidoras, apresentamos o projeto à empresa C.R. Almeida SA., maior empreiteira do Estado do Paraná, responsável por grandes obras para o Governo do Estado do Paraná e para o Governo Federal, em outros estados. Depois de várias reuniões iniciais na sede da empresa com assessores da diretoria, uma tarde, Henrique do Rego Almeida, Vice-Presidente da empresa, viu eu e o Orlando esperando na sala de recepção da diretoria, e nos convidou para entrar em seu escritório e falou de cara: - “Eu sempre vejo vocês dois por aqui, mas ainda não sei muito bem o que vocês estão querendo. Só sei que tem a ver com a banda de vocês. Afinal, o que vocês estão querendo da C.R. Almeida?”. Então eu e o Orlando começamos a falar sem parar, apresentamos o projeto – que tinha sido impresso em offset pela agência PAZ num pequeno livreto, explicamos tudo que poderia acontecer se o projeto fosse aprovado, e falamos também que éramos amigos da Iô, que era cunhada do Cecílio Rego Almeida, irmão mais velho do Henrique e presidente da empresa, que foi quem nos sugeriu procurar a C.R. Almeida. Depois de quase meia hora de conversa, Henrique levantou o telefone e chamou o advogado Joaquim, que o Orlando conhecia, pois tinham estudado juntos no Colégio Maristas. O Henrique explicou a ele rapidamente o que pretendíamos e perguntou se poderia ser firmada uma cláusula de garantia de aval à empresa num contrato entre a Fundação Cultural de Curitiba e A Chave, através de seu registro jurídico, com co-responsabilidade dos seus membros, e tendo o equipamento a ser adquirido vinculado como garantia física do aval. O advogado respondeu que sim. O Henrique agradeceu e disse que depois falaria mais sobre o assunto com ele. O Joaquim saiu da sala e o Henrique levantou o telefone mais uma vez e ligou para o gerente do Banco de Crédito Real de Minas Gerais SA., com o qual a empresa operava e disse ao gerente que ele estava enviando dois cabeludos ao banco para ele liberar o mais rápido possível um empréstimo no valor de CR$ 200.000,00 (Duzentos mil cruzeiros), que teria aval da C.R. Almeida, e que mais tarde ele mandaria a documentação para ser anexada ao processo. Daí levantou-se da cadeira e disse para nós dois: - “O dinheiro já está liberado junto ao banco. Só passem lá para assinar a promissória inicial com o gerente, que o resto eu resolvo. E espero que esse Rock de vocês faça o sucesso artístico e financeiro que vocês estão esperando, senão eu vou cobrar. E deu uma tremenda risada”. Nos despedimos e assim que saímos da C.R. Almeida eu e o Orlando saímos pulando e gritando pela rua feito dois loucos, pois tínhamos acabado de convencer um dos maiores empresários do Paraná e do Brasil (na época a C.R. Almeida era a terceira empreiteira nacional em tamanho e faturamento) a investir numa banda de Rock. A Chave abriu assim a maior porta de sua existência. Daí corremos para A Casa Branca e, no ensaio à noite, contamos a novidade para os demais membros da banda. Daí o ensaio virou uma tremenda comemoração e começamos a pensar nos preparativos para a viagem a São Paulo, para efetuarmos a aquisição do tão sonhado equipamento e instrumentos, depois de um ano parados na batalha por essa inacreditável conquista. Esse fato foi destaque numa matéria especial sobre a situação das bandas do rock nacional – estrutura e penetração artística - na Revista POP, citando o conteúdo e o resultado desse projeto que A Chave realizou e viabilizou como um exemplo a ser seguido pelos outros grupos. E isso em Curitiba, fora do eixo Rio-São Paulo. É mole? (rs)

2112. Em 1972 a banda formou parceria com o poeta Paulo Leminski... Como aconteceu esse encontro histórico?

Carlão Gaertner. Da forma mais surreal possível. Uma noite, bateram de madrugada na janela do quarto do Orlando, que ficava na frente da casa, e ele saiu da cama e foi ver quem estava batendo. Era um fotógrafo amigo nosso, o Araton Maravalhas, acompanhado do Paulo Leminski, com uma garrafa de cachaça debaixo do braço e uns cadernos de apontamentos poéticos. Moral da história. Todo mundo saiu de suas camas, descemos para o estúdio, colocamos uns discos de rock para rodar e a conversa rolou noite a dentro embalada pela bebida e por aquela famosa fumacinha da Maria Joana (Mary Jane, ou a famosa Lady Jane dos Stones). No início da conversa, o Araton nos falou que já fazia um tempo que o Leminski dizia que queria conhecer A Chave e a Casa Branca. Daí o poeta nos mostrou alguns poemas e rascunhos de seus cadernos e nos disse que já tinha feito algumas letras, musicadas pelo seu irmão Pedro Lemisnki, que tocava violão. Foi então que surgiu no ato a ideia de tentarmos fazer algumas músicas com letras dele, em parceria com a banda. Já na noite seguinte ele apareceu novamente na Casa Branca, acompanhado pela Alice Ruiz, sua mulher na época, e seus dois filhos pequenos, o Miguelzinho – que um tempo depois faleceu – e a pequena Áurea, chamada de Polaca – que devia ter dois ou três anos e que acabou apaixonada por mim, fato que todo mundo ria e achava curioso, pois eu era uma figura assustadora na época, com um tremendo cabelão Black Power e sempre de óculos escuros, que acabou enfeitiçando uma pequena garotinha (kakakaka). O restante da história de nossa parceria eu praticamente já comentei numa resposta anterior. Essa foi a fase da Casa Branca. Fizemos mais algumas músicas com o Leminski quando já ensaiávamos numa antiga cozinha que ficava nos fundos da empresa do meu avô, Indústria e Comércio Senegaglia SA., e que isolamos com as chapas de Eucatex que removemos quando saímos da Casa Branca. Mas, antes disso, quando voltamos de São Paulo com todo o equipamento novo, alugamos uma chácara em Campina Grande do Sul, região Metropolitana de Curitiba, onde ficamos três meses ensaiando direto de manhã à noite, quando compusemos e montamos o show “De Ponta Cabeça”, com novas músicas somente da banda (música e letra) e outras da parceria com o Lemisnki no set. Esse show estreou no final de abril de 1975, numa temporada de três dias no Teatro da Reitoria da UFPR, onde Gil (Expresso 2222) e Gal Costa com o show “Gal Fa-Tal” também se apresentaram, entre outros artistas. Nossa parceria acabou no show “Vai à Luta” d’A Chave, nome da última música de nossa parceira com o poeta polaco, no show de lançamento do compacto pelo G.T.A, com duas músicas d”A Chave, também com letras do Leminski, e participação especial do Manito no disco (piano e sax) e depois ao vivo no show, realizado no Palácio de Cristal do Círculo Militar do Paraná, em 1977. O compacto foi gravado e produzido por Eduardo Araújo, em seu estúdio em São Paulo, após o nosso encontro no Festival Camburock, no início de 1977, na praia ao lado de Camburiu, em Santa Catarina, onde Manito também tocou com o Som Nosso. Após ver nossa apresentação, Eduardo nos convidou para gravar as duas músicas e também inclui o Manito no pacote (rs). Até hoje, os dois são “Chaveiros” Honorários em nossos corações.

2112. Quem era as influências de vocês neste período?  

Carlão Gaertner. No Brasil, a principal influência d’A Chave em seu período inicial era Os Mutantes, pela sua irreverência, criatividade, e pelas ironias e sátiras presentes nas letras de suas músicas, além do som, é claro. Tanto que acho que A Chave, se não estou enganado, foi a única banda nacional a conseguir comprar uma guitarra e um baixo de seis cordas Regulus, fabricados pelo genial Cláudio César Dias Baptista, irmão do Arnaldo e do Serginho, e ainda abriu em 1969, na TV Paranaense, um show d’Os Mutantes na emissora, com Rita Lee, Serginho e Arnaldo, e o baterista Dinho Leme, que ainda não era oficialmente membro do grupo. Esse ‘approch’ musical continuou com Rita Lee & Tutti Frutti, até A Chave abrir os dois shows da turnê do show “Entradas e Bandeiras”, também no Palácio de Cristal do Círculo Militar do Paraná, com o local totalmente lotado nas duas apresentações (aproximadamente 10 mil pessoas). Também curtíamos o som da banda carioca O Peso, e do Made In Brazil, banda com a qual A Chave fez uma mini turnê nacional em 1976, e uma temporada de cinco dias no TUCA, em São Paulo, após os shows em Curitiba e Londrina, no interior do Paraná. No Rock internacional, as primeiras influências foram The Beatles e, principalmente, The Rolling Stones. Também Chuck Berry, The Who, The Animals, The Troggs, Iron Butterfly – A Chave tocava a música “In A Gadda Da Vida” integralmente, inclusive com o solo de bateria, e era um dos hits de seu repertório internacional – Crosby, Stills, Nash And Young, Deep Purple, Black Sabbath, Creedence Clearwater Revival, The Animals, Grand Funk Railroad, Procol Harum e Joe Cocker, entre outros grupos e artistas, além de outras influências do Blues como John Lee Hooker, Muddy Waters e Howlin’ Wolf. Tanto que uma das músicas em parceria com o Lemisnki era um blues com letra em inglês, chamado “Bye Bye Baby Blue”, alguns anos antes de surgirem Celso Blues Boy, André Christovam, Blues Etílicos e Nuno Mindelis, entre outros, na cena bluesy brasileira. Curioso, não é? (rs)

2112. Você tem um estilo que explora um timbre grave e pesado do que a maioria dos baixistas, o que muito me lembra o trabalho do Jack Bruce, John Entwistle e mais recente Steve Harris do Iron Maiden. Quem mais o influenciou?

Carlão Gaertner. Minha primeira referência depois que comecei a tocar em bandas foi Paul McCartney, com o boom inicial da Beatlemania. Em seguida me liguei no Bill Wyman, dos Stones, pelo seu estilo mais contido, mas com muita personalidade, apesar do som do baixo ser sempre meio enrustido nas mixagens iniciais das músicas dos Stones, onde as guitarras sempre tiveram mais destaques. Depois de um tempo levei uma porrada na cabeça quando escutei pela primeira vez “My Generation”, do The Who, com o som e o famoso solo do baixo de John Entwistle, que considero o “marco zero do baixo no rock”, mostrando com todas as notas que o baixo não era um simples instrumento de acompanhamento numa banda. Logo depois o Jack Bruce, no Cream, expandiu também os limites desse instrumento, com os naipes de baixo e guitarra com Eric Clapton, e suas improvisações juntas nos temas mais bluesies. Esses dois baixistas, essencialmente, trouxeram o baixo para a linha de frente do Rock, ampliando significativamente o espaço do baixo no Rock e na maioria das bandas, no Blues e até em outros gêneros como o Jazz, Reggae, Soul Music etc. Além dos baixistas já citados, sempre curti o Jack Casady, do Jefferson Airplane, e Nick St. Nicholas, da primeira formação do Steppenwolf, banda que surgiu com todos os instrumentos na cara em suas mixagens: guitarras, bateria e teclados e o baixo com um som super grave e pesadão, com o qual me identifiquei no ato e que é o que eu pratico até hoje. Na época d’A Chave eu tocava com uma caixa super grave de P.A., com falante JBL de 300 Watts e 18 polegadas, em paralelo com as duas caixas de 4X12” de meu Marshall Major de 200 Watts, que foi o som mais pesado que já toquei. Eu comprei essa caixa na Transasom, na época em que compramos na empresa parte do equipamento importado d’A Chave. O Eduardo, dono da empresa, achou que eu estava louco por querer usar essa caixa no baixo, que era a maior caixa de grave de P.A. que a Transasom usava na época (era quase do tamanho de uma geladeira de pequeno porte). Quando o nosso equipamento chegou de São Paulo na chácara em que iríamos ensaiar – que eu já comentei - e eu liguei o Marshall pela primeira vez com essa caixa junto com as duas do amplificador, eu vi que tinha absoluta razão no meu desejo e que o som de baixo que eu sonhava tinha virado realidade. Uma porrada super grave e pesada, com o maior vento saindo de todos os falantes. Um verdadeiro tornado sonoro (kakakakaka).

2112. Jack Bruce e o próprio John Entwistle já disseram em entrevistas que os estilos deles foram desenvolvidos em função do som alto de suas bandas. Com você também foi assim?

Carlão Gaertner. Sim, eu sempre gostei e curti tocar baixo alto, muito alto. Lógico, que sem querer aparecer e prejudicar ou encobrir os demais instrumentos das bandas em que toquei. No Beat Group, em Porto Alegre, já era assim, guardando as limitações do equipamento na época. No período da última formação d’A Chave, com nosso equipamento importado – meu Marshall e mais dois Twins Reverb, da Fender, para guitarras; meu baixo Fender Precision 1974, uma Gibson Les Paul Golden Top (solo) e uma Fender Stratocaster (base); e uma bateria Ludwig, modelo Octaplus, com dois bumbos de 24 polegadas oito tons-tons, caixa metálica alta, pratos Zildjian e Paiste; uma mesa de mixagem Peavy de 9 canais + potências valvuladas e caixas de retorno, e quatro caixas Altec de P.A. (duas de graves, e duas de médios e agudos com cornetas) e 12 microfones Shure para vocais e captação de todo o instrumental – a banda tocava com o volume no talo e produzia um som ‘hard rock’ e pesadão, puxado pelo vozeirão do Ivo com todos os seus recursos vocais, do agudo falsete para a voz natural e indo até a voz rouca e gutural. Na minha opinião, o Ivo Rodrigues foi um dos maiores vocalistas do Rock Nacional, principalmente, no Rock dos Anos 70.

2112. Soube que você é fã de Bill Wyman... Confesso que sempre admirei sua discrição no palco e seu trabalho que nunca teve o merecido reconhecimento da crítica e dos próprios fãs dos Stones. Você acompanha a carreira solo dele? 

Carlão Gaertner. Sim, tenho os LPs de sua carreira solo, e quase todos os CDs do Bill Wyman & The Rhythm Kings: “Struttin’ Our Stuff”, que eu adoro, “Grooving”, “Anyway The Wind Blows”, “Double Bill”, também muito legal, entre outros.

2112. Vocês chegaram a gravar um single contendo Buraco no coração e Me provoque pra ver. Você poderia contar um pouco sobre as gravações?

Carlão Gaertner. Como já comentei anteriormente, fomos convidados no início de 1977 pelo Eduardo Araújo para gravar duas músicas, quando ele soube no Festival Camburock, ao se encontrar conosco, que A Chave nunca tinha gravado, e que ele mesmo produziria o compacto simples. Em abril do mesmo ano, num domingo pela manhã, chegamos os quatro de ônibus em São Paulo, levando as guitarras, baixo e a caixa e pratos da bateria – o restante tinha no estúdio – e fomos para o Estúdio Templo, do Eduardo Araújo, onde logo depois chegou o Manito com seu sax. Quando o Eduardo chegou, passamos as músicas com o Manito, enquanto ele equalizava a mesa de mixagem para a captação e começamos a gravar. Fizemos as bases, e depois o Paulinho e o Manito gravaram os solos; e, finalmente, o Ivo e o Paulinho gravaram os vocais. Após a gravação das duas músicas, já partimos para a mixagem e, à noitinha, o trabalho estava pronto e finalizado. Voltamos na mesma noite para Curitiba, e depois o Eduardo Araújo terminou a masterização e os acertos com a GTA – Gravações Tupi Associadas, para o lançamento do compacto, que ocorreu alguns meses depois. O Eduardo foi gente finíssima e um tremendo parceiro, por fazer todo esse trabalho para A Chave sem cobrar um tostão, num gesto de pura gentileza e amizade; assim como o Manito, que participou como convidado graciosamente, tanto no disco, como no show de lançamento, em Curitiba. Duas figuras especiais, singulares e inesquecíveis na saga d’A Chave.

2112. Hoje esse trabalho é uma verdadeira raridade entre os fãs da banda e dos roqueiros em geral. Vocês nunca pensaram em relançar este material mesmo que em edição limitada?

Carlão Gaertner. É muito difícil, pois já faz mais de 40 anos. A GTA não existe mais, e não sei se o Eduardo Araújo, depois de tanto tempo, ainda teria pelo menos uma cópia da fita master mixada e masterizada. Para usar o próprio compacto como fonte, acho que o resultado não seria igual ao original e talvez não ficasse com a mesma qualidade. Às vezes, na vida, é melhor deixar certas coisas como especiais, como raridades, para que não percam seu sabor original, em vez de as transformar em simples mercadoria, sem a mesma magia. Não sou contra, mas só seria a favor de um relançamento do nosso disquinho – que ainda tenho uma única cópia – se fosse para fazer a coisa toda da forma certa, profissional e com a qualidade original.

2112. Não consigo entender como uma banda maravilhosa como vocês, com sucesso nos shows que faziam não conseguiu gravar ao menos um LP completo. O single não obteve o sucesso que a gravadora esperava?      
Carlão Gaertner. O single teve sucesso no seu nicho regional, ou seja, Curitiba, e parte do Paraná. Por outro lado, a GTA era somente um selo do Grupo Tupi de Televisão, e não era muito presente no mercado fonográfico em geral. Atuava mais com as produções do próprio grupo, trilhas sonoras de novelas etc; e não tinha na época intenção de investir numa banda de rock de fora do eixo Rio-São Paulo, que tinha acabado de gravar apenas seu primeiro compacto simples. A tiragem foi limitada e, principalmente, direcionada ao nosso mercado local, sem um trabalho de distribuição nacional. O compacto simples acabou sendo o que continua representando até hoje: um breve registro do trabalho autoral d’A Chave, que quando foi dissolvida, em maio de 1979, tinha músicas próprias para gravar pelo menos três ou quatro LPs. Quanto ao fato de nunca termos gravado um LP, mesmo depois de termos tocado em grandes shows e festivais com todas as principais bandas de rock do Brasil nos Anos 70 - Mutantes, Secos & Molhados, Made In Brazil, O Terço, Rita Lee & Tutti Frutti, Som Nosso, Casa das Máquinas e Joelho de Porco, entre outras; e até feito o show de abertura de Bill Haley & His Comets, no Teatro Guairão, em Curitiba, para mais de 2 mil pessoas – A Chave chegou perto de conseguir este feito duas vezes. A primeira foi depois que abrimos os dois shows da turnê do show “Entradas e Bandeiras”, de Rita Lee & Tutti Frutti, quando a Mônica Lisboa, empresária da Rita e do grupo, nos disse que iria fazer um contato com a Som Livre, gravadora da Rita, e propor para gravarmos um LP pela gravadora. Nessa época, A Chave estava morando em São Paulo há mais de seis meses, e veio especialmente a Curitiba só para tocar nos dois shows com a Rita Lee. Nesse período em São Paulo, ainda sem tocar naquela cidade, nós deixamos de fazer alguns pagamentos do empréstimo junto a C.R. Almeida e, quando o segundo show acabou, na manhã do dia seguinte um oficial de justiça, junto com advogados da empreiteira, confiscaram a nossa parte da renda do show e o nosso equipamento, já que éramos os fiéis depositários, em função do contrato de garantia e aval que assinamos junto à empresa, e carregaram todo o equipamento para um depósito da C.R. Almeida. Sem grana e sem o equipamento, acabamos ficando em Curitiba, e só voltamos a São Paulo para buscar o restante das nossas coisas pessoais que tinham ficado onde morávamos na Pauliceia. O equipamento ficou preso por mais de seis meses, até que eu e o Orlando, com duas participações d’A Chave, realizamos e aprovamos um projeto com cinco grandes eventos junto à Fundação Cultural de Curitiba, com uma verba de CR$ 150 mil cruzeiros para A Chave, e que seria destinada integralmente para a C.R. Almeida, através de um compromisso de anuência, firmado pela empresa no contrato assinado entre A Chave e a FCC, se ela concordasse, para o resgate do equipamento. Voltamos a nos reunir com a diretoria da C.R. Almeida e informamos que tínhamos conseguido essa verba junto à Fundação Cultural de Curitiba, e que era tudo que tínhamos para saldar nosso compromisso. Só que três anos depois, apesar do montante que A Chave já tínha pago, os CR$ 200 mil do empréstimo inicial, computados os juros bancários entre os vários períodos que deixamos de fazer pagamentos, levou a nossa dívida para perto de CR$ 400 mil, quase o dobro. E nós estávamos propondo à empresa apenas CR$ 150 mil para quitar toda a dívida. Após mais de meia hora de reunião, com questionamentos por parte dos diretores e advogados da empresa, e eu e o Orlando explicando a nossa situação e que nunca usamos de má fé quando deixamos de pagar durante certos períodos, e que usamos, algumas vezes, o pouco de renda que conseguíamos para nos manter e seguir em frente, buscando novas e melhores oportunidades. Ou seja, praticamente, além do equipamento que estava naquele momento confiscado, cada um de nós não tinha nenhum bem pessoal, nem dinheiro no bolso, e só tínhamos praticamente as nossas roupas e mais nada. Tinha chegado a hora do pegar ou largar, tanto para nós como para a empresa. Então, no meio daquela discussão toda, o Henrique Almeida levantou mais uma vez, olhou para o Cecílio, seu irmão mais velho e presidente da empresa, e disse: - “Cecílio, vamos acabar com esta história, que já está se arrastando há muito mais tempo do que era pra ser. Nós não entendemos nada de rock, e não sei se vamos conseguir vender esse equipamento por mais do que ele estão nos oferecendo, apesar de que vale muito mais. Nós vamos perder o valor dos juros, mas pelo menos recuperaremos quase a totalidade do capital investido, levando em conta o que eles já pagaram. E assim, deixamos esses rapazes continuarem o seu trabalho, pois já conheço bem eles, e sei que eles não foram desonestos nem usaram de má fé conosco. Como diretor, coloco essa minha proposta em votação, e vou concordar com seu resultado, seja ele positivo ou negativo”. Então, o Cecílio, o poderoso chefão, que ficou o tempo todo escutando o seu irmão sem interromper, levantou-se também, olhou para nós e disse: - “Voltem à Fundação Cultural e peçam para ela redigir o contrato, com a cláusula de anuência, informando a eles que nós aceitamos a proposta de vocês”. Depois de agradecermos a todos mais uma vez pela compreensão e apoio, nós dois saímos da empresa com a sensação que tínhamos saltado do Inferno direto para o Paraíso. Só que, depois de todos esses meses parada, a intenção anterior da Mônica Lisboa para com A Chave já não existia mais. Mas, pelo menos, retomamos todo nosso equipamento e o mais importante, totalmente quitado. A segunda oportunidade d’A Chave gravar o seu tão sonhado LP foi com o André Midani, na Warner, no Rio de Janeiro, onde eu e o Orlando tivemos uma reunião com ele na sede da gravadora, para um entendimento inicial. Mas o acerto acabou não se concretizando, pois nosso encontro foi um pouco antes da onda da discoteca explodir no Brasil, com a novela “Dancin’ Days”, e o rock entrou numa maré baixa em nosso país, e a gravadora do Midani resolveu investir nesse novo segmento de mercado, junto com o ‘rap’ negro americano que estava tomando conta do mercado fonográfico naquele país. E assim o sonho d’A Chave de gravar seu primeiro LP dançou novamente no embalo da discoteca. Mas, não fomos os únicos atingidos. Pois, naquele período dos Anos 70, também a maioria das bandas de rock se dissolveram ou passaram a atuar num nicho de mercado bem mais restrito, pois o público que antes curtia os shows de rock passou a ser então a estrela nas pistas de dança. Fim do capítulo.

2112. É engraçado que foi preciso um fã produzir um “bootleg” com a gravação das músicas de um show de vocês junto com as duas músicas do single como bônus, para que nós tivéssemos acesso ao trabalho da banda. Como foi essa história?

Carlão Gaertner. Em 2004, dois amigos nossos da loja de discos Vinil Club, deram de presente para o Ivo Rodrigues, ex-vocalista d’A Chave, e que era membro do Blindagem, um CD pirata da nossa banda, intitulado “De Ponta Cabeça”. Eles disseram que acharam o CD numa feira de discos de vinil, em São Paulo, e que compraram algumas cópias. O CD, além das principais músicas do show com o mesmo nome do disco, e as duas músicas do compacto como “bonus tracks”, tinha sido produzido com uma capa/encarte impressa em frente e verso com quatro lâminas dobradas e oito páginas, com um breve histórico e fotos da banda; no próprio CD foi impresso a reprodução de um dos lados de nosso compacto simples, o lado da música “Buraco no Coração”, exatamente igual ao original. E o CD com a capa plástica ainda vinha encartado num envelope de papelão, onde tinha uma chave impressa em serigrafia. Um dia, de repente, o Paulinho, ex-guitarrista d’A Chave e que também tocava com o Ivo no Blindagem, me ligou e contou essa história sobre o CD pirata da banda, e que o disco estava com ele na produtora Soft Vídeo, onde ele trabalhava no setor de áudio. Liguei para o Orlando e fomos os dois encontrar com o Paulinho para ouvir o disco e conhecer o referido CD. Ficamos os três completamente surpresos e alucinados com o achado, principalmente, porque o CD era então um registro concreto e real do trabalho musical autoral que realizamos, vinte e cinco anos depois da dissolução d’A Chave. Nessa época, eu estava começando a produção para realizar uma festa/show, intitulada “Carlão & Os Amigos do Blues”, em comemoração ao Aniversário de 7 Anos do programa 91 Radio Blues, que eu produzia e apresentava na FM 91 Radio Rock, em veiculação semanal, e que teria a participação da minha banda Bartenders e de mais de 30 músicos da cena Rock e Blues de Curitiba, em diversas formações na programação do evento. Então, nesse encontro com o Paulinho e o Orlando para conhecer e ouvir o CD “De Ponta Cabeça” pela primeira vez, eu tive um ‘insight’ e convidei os dois para fazermos um revival d’A Chave com sua formação original na festa, e que também produziríamos uma edição pirata e limitada do nosso CD pirata, realizando assim o ‘cd pirata do pirata’, para ser lançado e vendido na festa. Os dois acharam que eu estava ficando louco ao propor esse revival 25 anos depois, sem contar que ainda dependeria da aceitação do Ivo em participar. Mas, no final, todo mundo ficou empolgado com aquela oportunidade d’A Chave voltar a tocar com todos os seus membros novamente ao vivo, e num show profissional e com toda a estrutura técnica em relação a equipamento musical, de luz, telões e que seria filmado pela produtora de vídeos Cromamix, com a qual eu já tinha acertado uma permuta para a produção e edição de um DVD sobre a festa, em troca de serviços de assessoria de imprensa que eu prestaria para a empresa, como jornalista, através da minha empresa Solarpress Comunicação e Marketing. Ligamos em seguida da própria Soft Vídeo para o Ivo, explicamos toda a ideia que tivemos e que nós três já tínhamos concordado, e o Ivo também aceitou a proposta. A festa foi um tremendo sucesso, com o Via Rebouças, casa de shows onde foi realizada, totalmente lotado. Além disso, a maior parte da edição limitada do CD que produzimos, exatamente igual ao CD pirata original, foi vendida na festa e os poucos exemplares restantes foram vendidos em seguida para amigos e fãs da banda, na loja Vinil Club. Nesse projeto pirata tivemos o apoio da Marcinha Teixeira, mulher do guitarrista Paulinho, que cuidou da maior parte do processo da pirataria (rs). Sucesso total.

2112. Pelo que eu sei foi o primeiro caso que uma banda se apoderou de um produto ilegal para o lançar de modo legal. Você conhece algum caso parecido na história do rock?

Carlão Gaertner. Exatamente igual ao caso que comentei sobre o CD ‘pirata do pirata’ d’A Chave, quando a própria banda produz um CD pirata, de forma independente e pessoal, exatamente igual ao CD pirata que descobriu com o seu trabalho autoral depois de muitos anos de sua dissolução, eu desconheço. Acho que A Chave foi a primeira e precursora desse tipo de ‘pirataria’ (rs). Tem também o caso de alguns ‘bootlegs’ do Bob Dylan, que após ele tomar conhecimento, ouvi-los e achar muito bom o resultado da pirataria, resolveu relançá-los oficialmente, só que através de suas gravadoras, e não como uma iniciativa totalmente produzida por ele mesmo. Acho que os Stones também fizeram isso, assim como os Beatles e outras bandas. Mas, a forma como foi realizado o d’A Chave, numa iniciativa dos próprios membros da banda, sem interesses financeiros e apostando tudo no trabalho musical e artístico que realizou, acho que é um caso único e pioneiro. Aliás, essa é uma característica marcante e registrada d’A Chave ao longo de toda a sua carreira: sempre ter uma ‘chave mestra’ em mãos para abrir pela primeira vez as novas portas que iam surgindo e descobrir e mostrar para seu público e para os músicos das novas gerações os novos caminhos de sua jornada visceral, artística e musical.

2112. Podemos afirmar que nem todo pirata é um bandido... esse, pelo menos, fez um belo trabalho cultural, não é? 

Carlão Gaertner. Nos mares navegados pelos corsários do Rock, existem os piratas bons que compartilham generosamente os seus tesouros e raridades, sem outros interesses a não ser se divertir e distribuir alegria para as outras pessoas, piratas ou não; e têm os piratas realmente maus, que saqueiam e exploram os tesouros e raridades dos outros, em benefício próprio e sem compartilhar nada. A pessoa que produziu e pirateou as músicas d’A Chave, lançando o CD “De Ponta Cabeça”, na real prestou um grande favor à banda e aos seus membros, criando um registro com bastante qualidade – levando em conta que foi produzido a partir da gravação doméstica de um ensaio da banda, totalmente microfonada na sua mesa de mixagem Peavy, onde foi plugado na saída da mesa os dois canais de um gravador Akai de fita de rolo em paralelo, com o som em mono, que era a única opção possível. Em contrapartida, A Chave pirateou o CD pirata original e compartilhou a edição limitada que produziu com os amigos e fãs da banda, vendendo o CD por um preço super acessível, somente para recuperar o investimento feito em sua produção e fabricação. Por isso, tanto o pirata original assim como a d’A Chave, eu considero que são bons piratas. E todos que desfrutaram dessas piratarias ficaram felizes e curtem assim o som d”A Chave para sempre, preenchendo o vazio e a lacuna que a banda deixou quando acabou, por nunca ter gravado um LP. Acho que foi um final feliz para todos os envolvidos, direta ou indiretamente. Rock na veia e nos velhos, com A Chave girando mais uma vez na fechadura (rs).

2112. Eu conheço um outro bootleg de vocês com um show gravado em 1975 no Ginásio de Esportes do Moringão, em Londrina. O som é até audível... um verdadeiro barato e que se não fosse um fã da banda estaria perdido em algum porão empoeirado...

Carlão Gaertner. Esse outro com a gravação do show que fizemos em Londrina, tem uma qualidade sonora um pouco inferior ao “De Ponta Cabeça”. Mas, por outro lado, tem um diferencial único: ele capta a energia e o lado visceral d’A Chave ao vivo, em cima do palco e na frente de seu público. Esse clima é totalmente diferente da banda tocando num ensaio, apesar de que sempre ensaiamos no mesmo pique como se estivéssemos tocando ao vivo e em público. Mas, sempre existem diferenças e os momentos especiais de um show, na hora em que rola uma empatia e interação forte entre os músicos e o público, criando no espaço a magia e a alegria contagiante do Rock.

2112. Vocês encerraram carreira em 1979... O que realmente motivou o fim da banda?

Carlão Gaertner. Esse é um dos capítulos mais longos da trajetória d’A Chave, que comentarei a seguir, detalhando em pormenores e com informações inéditas o que aconteceu na reta final da existência da banda. Em 1978, depois que retomamos nosso equipamento e em plena fase da discoteca no cenário musical, A Chave já não tocava tanto como antes. Chegamos a fazer um show no Palácio de Cristal do Círculo Militar, chamado Rock And Roll Circus Discoteque, com a participação do guitarrista Pisca, da banda Casa das Máquinas - que era muito meu amigo e que sempre vinha para Curitiba para curtirmos juntos - tentando juntar no mesmo local o público de Rock e o da ‘disco music’. Mas o resultado foi insatisfatório em termos de público e financeiro. Agora imagine, que no mesmo local, A Chave já tinha tocado com o espaço totalmente lotado (capacidade de +/- 5.000 pessoas) nos shows junto com o Secos & Molhados, Made In Brazil, Rita Lee & Tutti Frutti, e no seu show de lançamento do compacto simples, que teve a participação do Manito. Em pouco mais de um ano a realidade do mercado mudou totalmente e o Rock foi para o fim da fila e perdeu quase que completamente o seu público nos poucos shows ao vivo que ainda eram promovidos. Nesse período, eu e o Orlando tivemos um desentendimento com o Ivo, e ele acabou saindo da banda. Nós dois, juntos com o guitarrista Paulinho, continuamos a ensaiar e a compor com a formação de trio e, em menos de dois meses, criamos novas músicas para um show completo com músicas inéditas, que iríamos chamar de “Socorro! Socorro!”, quando fosse apresentado, e que também era o nome de uma das músicas. Um dia, o Paulinho encontrou com o Ivo sem querer na cidade, e comentou com ele que nós três tínhamos criado um novo show, totalmente com músicas inéditas e convidou ele para assistir um ensaio. O Ivo ficou meio relutante, mas acabou aceitando o convite, e apareceu no Centro de Criatividade do Parque São Lourenço, unidade da Fundação Cultural de Curitiba, que cedeu uma sala no local para ensaiarmos. Depois que tocamos todas as novas músicas do show que montamos para o Ivo, ele fez uma cara meio engraçada, expressando um misto de arrependimento e felicidade, e perguntou para nós três se podia voltar a cantar e tocar na banda. Nós três respondemos que sim, e ele começou a ensaiar as novas músicas conosco e ainda fizemos nós quatro mais duas ou três novas, antes de estrear o show no pequeno auditório de Teatro Universitário, numa temporada de uma semana, com sessões duplas na sexta e no sábado. Apesar de só ter cento e cinquenta lugares no teatro, a temporada teve um público razoável, mas não lotou o espaço em nenhuma das noites. A barra estava pesada e desanimadora naquele momento para quem tocava rock – e não só aqui em Curitiba. Mesmo com esse triste cenário, o show “Socorro! Socorro!” mostrou A Chave na melhor forma e performance de sua carreira, com um som mais pesado ainda e um‘set list’ muito legal, e com ótimas e bem elaboradas músicas no programa. Estava parecendo ‘a crônica de um final anunciado’, parodiando o título de um dos livros do famoso escritor Gabriel Garcia Márquez. No final daquele mesmo ano (1978), eu e o Orlando voltamos a ser contratados pelo nosso amigo Emery, proprietário da discoteca Gledson Disco Laser, na praia de Camboriu, em Santa Catarina, para fazer novamente a promoção e a divulgação da casa na temporada de verão 1978/79, depois de termos trabalhado no local na temporada anterior. Já conhecíamos o Emery desde 1977, quando ele organizou e realizou o Festival Camburock, onde A Chave tocou junto com outras bandas e artistas de rock dos Anos 70, que já comentei. Perto do final da temporada foi apresentado no pavilhão de feiras do balneário um espetáculo multimídia, chamado “Welcome Back Beatles”, que um produtor americano, Norman Harris, estava começando a exibir no Brasil. Mal divulgado, teve muito pouco público. No final da apresentação conhecemos o Norman e ele nos informou que iria para Porto Alegre e depois para Curitiba, antes de seguir para São Paulo e Rio de Janeiro. Nós comentamos com ele que tínhamos uma banda, que também promovíamos espetáculos e shows e que, no momento, estávamos fazendo a promoção da Gledson Disco Laser, principal casa noturna de Camboriu, onde A Chave também se apresentava em fins de semana alternados. Daí ele convidou nós dois para fazermos a promoção e divulgação de seu espetáculo em Curitiba. Quando terminou a temporada na praia, eu e o Orlando voltamos a Curitiba e começamos a trabalhar com a produção do “Welcome Back Beatles”. Acertamos uma data no Auditório Bento Munhoz da Rocha, o Guairão, principal auditório da Fundação Teatro Guaíra, com capacidade para 2.173 pessoas, onde seriam realizadas duas sessões do espetáculo. Assim que os ingressos foram colocados à venda, rapidamente esgotou a venda para essas sessões, e então acertamos com a FTG a realização de mais duas sessões, totalizando quatro sessões corridas, que venderam todos os ingressos.  Norman Harris ficou deslumbrado e super animado com o resultado e, quando fomos fazer os acertos financeiros no hotel onde ele estava hospedado após os espetáculos, ele voltou a nos convidar para continuar fazendo a promoção do espetáculo na temporada de uma semana em São Paulo num teatro da capital paulista que já estava contratado, mais um mês de exibição em cidades do interior de São Paulo, e mais uma semana no Rio de Janeiro, sede da empresa brasileira associada ao Norman nesse projeto. O sucesso repetiu-se em São Paulo, onde ampliamos para duas semanas de exibição; depois, durante um mês, percorremos mais cinco cidades do interior do Estado de São Paulo com o espetáculo; em seguida, estreamos a nova temporada no Rio de Janeiro, no Teatro Tereza Raquel, também com o teatro lotado. Na metade da primeira semana, o cineasta Ipopjuca Pontes, marido de Tereza Raquel e administrador do teatro, conversou conosco e disse que poderíamos programar mais uma semana de apresentações, pelo sucesso que o espetáculo estava conseguindo e baseado na sua experiência na referida área. Aceitamos a sugestão e antes de acabar a primeira semana, consegui com o Jornal Hoje, da Rede Globo, na época apresentado e coordenado por Leda Nagle, a filmagem do espetáculo pela equipe do telejornal, que foi veiculada numa matéria especial na edição de sábado do JH daquela semana, além de toda a penetração que também conseguimos em jornais, rádios e outras emissoras de TV da imprensa carioca. Moral da história: acabamos ficando quatro semanas exibindo o espetáculo no Teatro Tereza Raquel, sempre lotado, e todo mundo envolvido ficou muito feliz e gratificado: Norman Harris e seus sócios, eu e o Orlando – que ganhamos uma boa grana em toda a turnê do espetáculo, já que além da remuneração tínhamos todas as nossas despesas pessoais – hospedagem, alimentação e transporte pagas – e os proprietários do teatro, Tereza Raquel e Ipojuca Pontes. Agora vem a parte interessante e especial dessa temporada carioca. Eu e Orlando chegamos no Rio de Janeiro, junto com os dois outros membros da equipe – o motorista da Kombi, que carregava o equipamento do show e também era o montador e operador do sistema multimídia do espetáculo, e nosso técnico e operador de som d’A Chave, o Godoy, que operava o nosso P.A. (mesa de mixagem Peavy e as caixas Altec, com falantes JBL), que também tínhamos alugado para toda a excursão depois de Curitiba. E que era mais uma fonte de renda para nós. Assim que começamos a divulgação, percorrendo os veículos de imprensa, vi na programação cultural de um jornal que tinha uma banda chamada Aero Blues tocando na boate Appalloosa, na Rua Barta Ribeiro. Numa quarta-feira à noite eu o Orlando fomos conhecer o local e assistir a banda, que foi quando assisti pela primeira vez o Celso Blues Boy tocar guitarra, ao de Renato Ladeira (teclados), Marcelo Sussekind (no baixo, que fez parte d’A Bolha, assim como Renato Ladeira) e Geraldo D'arbilly (bateria), que também era o proprietário da Boate Appalloosa. Durante os primeiros dias e durante toda a temporada de um mês do “Welcome Back Beatles” no Rio, viramos frequentadores quase diários da casa de blues. Depois de assistir três apresentações do Aero Blues seguidas, na noite de sexta-feira, quando a banda fez seu primeiro intervalo, fomos conversar com o Celso Blues Boy pela primeira vez e nós apresentamos, dizendo que éramos o baixista e o baterista da banda A Chave, de Curitiba, que já tínhamos realizados três shows com músicas próprias – “De Ponta Cabeça”, “Vai à Luta” e “Socorro! Socorro!” e que também já tínhamos tocado com as principais bandas de rock nacional dos Anos 70. Falamos também que curtimos muito o som da banda dele, ali no Appalloosa, e que também adorávamos blues. O Celso comentou que já tinha ouvido falar d’A Chave na Revista Pop e Música, e em algumas notas que saíram na coluna do Nelson Motta, no Jornal O Globo. Acabamos ficando amigos. Quando voltei várias vezes à Appalloosa na segunda semana e nas seguintes, sempre ficava conversando com o Celso nos intervalos e depois um tempo depois começamos a sair juntos após as apresentações dele pela madrugada carioca, principalmente, para jogar sinuca num ‘snooker’ famoso na época, onde o guitarrista Toninho Horta, amigo do Celso, jogava às vezes conosco, além de outras figuras conhecidas, e viramos parceiros e amigos inseparáveis durante aquele mês e meio que fiquei morando no Rio. Faltando uns 10 dias para o final da temporada no Teatro Tereza Raquel, e à nossa volta a Curitiba, uma noite eu perguntei à queima-roupa para o Celso se ele não gostaria de ir para Curitiba conosco e fazer parte d’A Chave. Ele ficou meio surpreso na hora e continuamos a discutir o assunto nos dias seguintes. Eu enfatizei que com a entrada dele na banda – com todo o trabalho autoral que já tínhamos composto e com um tremendo equipamento todo importado e mais as músicas dele – seríamos uma puta banda de rock e de blues, com uma ponte entre Curitiba/Rio de Janeiro, e que também poderíamos tomar de assalto a cena musical de São Paulo, onde também já éramos conhecidos. Depois de todos essas conversas e projeções futuras, o Celso aceitou nossa proposta e deixou o Rio com malas e equipamento (guitarra e amplificador) comigo e o Orlando, quando retornamos alguns dias depois para Curitiba. Assim que chegamos, nos reunimos com o Ivo e o Paulinho, os outros dois membros d’A Chave – pois ficamos fora de Curitiba por mais de três meses - apresentamos o Celso e comunicamos que ele veio conosco para tocar na banda. E que começaríamos a ensaiar com ele em seguida. Depois de uma semana de ensaios, o Ivo, sem maiores explicações, nos informou que não estava a fim de continuar conosco e que estava saindo da banda, e não quis entrar em maiores detalhes. Foi um tremendo choque para mim e o Orlando, e o Celso ficou sem entender nada. Mais tarde fiquei sabendo que ele ficou meio enciumado de dividir o vocal principal em algumas músicas com o Celso, que também cantava muito bem, e pôr o Paulinho também ter que dividir os solos com outro guitarrista, já que o Ivo e o Paulinho tinham também uma relação muito forte fora da banda, onde tocaram e cantaram juntos por muitos anos (guitarras e vocal principal e backing). Logo depois ele entrou para o Blindagem, que foi uma coisa que já estava meio armada durante o período que ficamos fora da cidade. Continuamos ensaiando com o Paulinho e para nossa surpresa, depois de uma semana, quando a banda já estava tirando um puta som com duas guitarras fazendo solos e bases alternadas entre si, o Paulinho nos informou que também iria sair d’A Chave, e que iria continuar tocando com o Ivo no Blindagem. Curto circuito total e o começo do fim d’A Chave com sua formação clássica. Sobramos só nós três: eu, o Orlando e o Celso, e resolvemos continuar A Chave como um trio. Durante o período de três meses que o Celso ficou morando na casa da minha família em Curitiba – onde eu morava com minha mãe (viúva), minha irmã e meu irmão casado com um filho pequeno – eu fiquei pagando um salário mensal do meu próprio bolso para o Celso com a grana que tinha ganho trabalhando no “Welcome Back Beatles”. Só que apesar do som da banda estar ficando muito bom com a formação de trio, as perspectivas de começar a atuar ao vivo e começar a gerar renda ainda estavam distantes e, depois destes três meses a barra financeira pesou e, de comum acordo com o Celso, chegamos a conclusão que nosso projeto juntos estava ficando inviável e que era melhor ele voltar para o Rio, com o que ele concordou, pois também já estava começando a se sentir como um fardo perante aquela situação. Esse fato é praticamente inédito e muito pouca gente sabe que durante três meses, Celso Blues Boy fez parte d’A Chave, mesmo nunca tendo se apresentado em público com a banda. Um capítulo antológico e praticamente desconhecido na cena rock e bluesy brasileira dos Anos 70. Continuei sendo um grande amigo do Celso Blues Boy até o final de sua vida, e anos depois ele tocou várias vezes junto com a minha banda Bartenders em festivais de blues e outros shows aqui Curitiba, sempre que vinha para a cidade.

2112. Depois do fim da banda você formou A Pedra que tocou bastante no circuito de bares de Londrina e região. Você fugiu do esquema continuação do som da Chave? Que tipo de som vocês faziam?    

Carlão Gaertner. A Pedra teve três formações ao longo de sua existência, de 1982 a 1986, com pequenos intervalos entre uma e outra. O embrião da banda começou comigo e com o guitarrista Gilan Campos, depois de nós dois tirarmos praticamente todo o repertório de rock internacional inicial e compor algumas músicas juntos, antes de convidarmos nosso amigo Alves para ser o vocalista. Ainda não tínhamos baterista e, finalmente, acabamos convidando um outro conhecido, cujo apelido era Negrinho, por ser baixinho e escuro, que era um músico que tocava na noite, principalmente em boates onde as garotas pedem para você pagar uma Cuba Libre (rs). Depois de alguns ensaios no pequeno estúdio de uma banda amiga, chamada Os Vondas, estreamos finalmente no antigo e extinto bar Porto Velho, o primeiro bar de rock com música ao vivo de Curitiba, e passamos a ser uma das bandas fixas da casa. Um tempo depois o Negrinho saiu da banda, e convidamos outro baterista chamado Gerson, bem mais roqueiro que o anterior, e um outro amigo Cesar Reis que tocava teclados. Este quinteto foi a segunda formação d’A Pedra e até durou um tempo, tocando no circuito de bares em Curitiba, e em outras cidades do interior do Paraná, como Londrina e região e Ponta Grossa. Participamos também de um festival, chamado Castelo Eldorado, não me lembro se foi no interior do Paraná ou de Santa Catarina, onde também apresentou-se o Made In Brazil, Tony Osanah, Manito e outros grupos menos conhecidos. Quando essa formação de quinteto dissolveu-se, eu e o Gilan continuamos juntos e começamos a compor novas músicas próprias (letra e música) e também fizemos uma parceria com o jornalista e escritor Otavio Duarte, amigo nosso, que também fazia letras conosco quando os três se reuniam para criar novas músicas. Conhecemos um novo baterista, chamado Edson Teixeira, que já tinha tocado com algumas bandas caseiras e começamos os três a ensaiar o repertório internacional que já tocávamos e as nossas músicas autorais. Uma noite no Bar ZéBlue, mostrei para o Gilan e para o Edson um garotão que era o vocalista de uma banda de ‘blue grass’, chamada Capim Azul que estava tocando no local, cujo nome era Luiz Marcelo Bertoli de Mattos – que eu já tinha visto cantar num show de sua banda no Teatro Guaíra - e que tinha uma veia bluesy no seu estilo como cantor, além de cantar rock e country e ter uma presença bem elétrica e agitada em palco. Assim que a banda fez um intervalo, nós três cercamos o Luiz Marcelo, falamos a ele que éramos da banda A Pedra e que estávamos procurando um novo vocalista, e que tínhamos gostado muito dele cantando. Daí perguntamos se ele queria entrar para A Pedra. Ele ficou surpreso com o convite também à queima-roupa, e a princípio disse que cantava há mais de um ano no Capim Azul, junto com o Sandro, que era o guitarrista e também líder do quarteto, que ainda tinha um baixista e um baterista, e que seria uma sacanagem sair de repente do grupo. Falamos para ele que não precisava dar uma resposta imediata, que ele pensasse no convite e na oportunidade de cantar numa banda essencialmente de rock e com um trabalho autoral, junto com um repertório internacional diferenciado dos outros grupos locais. Finalmente, convidamos ele para assistir um ensaio sem compromisso e cantar algumas músicas conosco para sentir o clima. Uma semana depois, combinamos o encontro e ele apareceu no ensaio. Tocamos inicialmente algumas músicas nossas com o Gilan cantando, quando nas formações anteriores da banda ele só fazia ‘backing vocals’, por achar que sua voz não servia para ser a principal. Daí perguntamos ao Luiz Marcelo se ele cantava alguma coisa dos Stones, e de cara tocamos Honky Tonky Women e Jumpin’ Jack Flash com ele cantando o vocal principal. Após tocar essas duas músicas, a formação deu a maior liga no ato e a eletricidade do rock já estava circulando entre nós quatro. Então ele falou que gostava muito do The Doors e nós dissemos que tocávamos Roadhouse Blues. Começamos tocar o riff inicial da música, com aquela batida marcante de ritmo, e o Lulu – como começamos a chamá-lo depois que ele entrou para A Pedra – começou a improvisar com a voz, antes de iniciar cantar a letra da canção e recriou com seu estilo pessoal de cantar as improvisações vocais que o Jim Morrison fazia mais ou menos na metade da música na versão original, sem ser uma simples imitação, mas trazendo com sua vocalização a referência do vocalista do The Doors. No final dessa música, o Luiz Marcelo disse que queria entrar para a banda e só pediu o tempo para ele dar a notícia de sua saída ao Capim Azule e para o Sandro, e mais duas ou três semanas para terminar de cumprir os compromissos das apresentações já agendadas, para não deixar seus ex-companheiros na mão e numa roubada. E que nesse período nós poderíamos já começar a ensaiar nos dias que ele tivesse livres. Essa terceira e definitiva formação d’A Pedra como quarteto – Luiz Marcelo Bertoli de Mattos (vocalista), Gilan Campos (guitarra solo e base e ‘backing vocals’), Carlão Gaertner (baixo) e Edson Teixeira (bateria) – durou quase até o final de 1986. Além de continuar tocando no circuito de bares com música ao vivo, também produziu um show próprio no Teatro do Paiol, um show maior no Teatro Salvador de Ferrante, o Guairinha, da Fundação Teatro Guaíra, com a participação de músicos convidados – mais uma guitarra, teclados e violino. A Pedra também tocou num grande show de rock com atrações locais e nacionais, no Pavilhão de Exposições do Parque Barigui, administrado na época pela Diretriz Empreendimentos, do meu amigo e empresário Carlos Jung, para quem também trabalhei na produção e organização do evento. Entre as atrações nacionais faziam parte da programação Os Titãs do Iê-Iê, com sua primeira formação e que fazia sucesso com Sonífera Ilha; Lobão & Os Ronaldos, João Penca & Miquinhos Amestrados, Radio Taxi, Leo Jaime e Duardo Dusek, que na ocasião estava fazendo também um tremendo sucesso. Essa foi a trajetória d’A Pedra, antes da dissolução da banda.

2112. Depois do fim da A Pedra você deixou de tocar por uns tempos e ficou trabalhando apenas com produção. Como foi esse período?      

Carlão Gaertner. Eu já trabalhava com produção e promoção artística desde o tempo d’A Chave, quando, principalmente, eu e o Orlando bolávamos os eventos e/ou projetos e buscávamos patrocínios para as realizações da banda. Durante parte da existência da Pedra e até um pouco depois, eu trabalhei também com o empresário artístico Neivo Beraldin, antes dele ingressar na Política como vereador em 1982, e depois até o início da segunda metade da década de 80. Junto com ele eu produzi shows em Curitiba e Santa Catarina de Roberto Carlos a Elis Regina, de Gilberto Gil a Belchior, do cantor Wando a Fafá de Belém, além de algumas atrações internacionais e um mega show com Os Menudos, no estádio do Curitiba Futebol Clube, no auge da fama do grupo. Depois que parei de trabalhar com o Neivo Beraldin, comecei a trabalhar com meu amigo Helinho Pimentel, um dos diretores e também um dos proprietários da pioneira FM Estação Primeira, a primeira Rádio Rock de Curitiba, e que também atuava como promotora de shows, com a chancela promocional exclusiva da emissora, em seu segmento. Alguns dos principais shows internacionais que promovemos nessa parceria foram: Ian Anderson e Jethro Tull, Deep Purple, dois shows da Ian Gilan Band (quando ele ficou uns tempos fora do Deep Purple), o 1º Festival Internacional de Reggae, na Pedreira Paulo Leminski, com várias atrações da cena reggae, como The Wailers, Ziggy Marley, Black Uhuru, entre outras; e também a Charlie Watts Orchestra, no show “Ode For Charlie Parker”, além de shows com atrações nacionais. Num voo solo, substitui meu amigo Gabi – que saiu por motivos de saúde - na produção local do show do Paul McCartney, na Pedreira Paulo Leminski. Durante três dias praticamente morei no local e tive o prazer de apertar a mão do Paul, antes dele entrar para o seu camarim, que ficava sob o palco, quando ele chegou no espaço. Fui apresentado a ele pelo promotor nacional da turnê do Paul McCartney no Brasil, chamado Paulo Rosa. Enfim, conheci um Beatle e um dos membros dos Stones pessoalmente: Paul McCartney e Charlie Watts. Adorei.

2112. Quais bandas você produziu?

Carlão Gaertner. Eu só produzi as próprias bandas em que eu toquei, desde o Beat Group nos Anos 60, até atualmente os Bartenders, banda que participo como membro fundador e baixista desde 1991, depois de passar pelos Primatas, A Chave, A Pedra e, finalmente, fundar os Bartenders. No projeto que já comentei, que eu e o Orlando executamos para a Fundação Cultural de Curitiba para resgatar nosso equipamento, nos Anos 70, um dos eventos chamava-se “Nossa Gente Nova”, que contou com a participação de mais de 10 bandas de rock emergentes locais, que tiveram uma grande promoção e divulgação na imprensa, e que também tocaram no palco de um teatro pela primeira vez. O evento foi realizado no Teatro Universitário, uma das unidades da FCC. Mas foi mais um trabalho de apoio e de divulgação às novas bandas emergentes de Curitiba.

2112. Mesmo emergido no trabalho você não sentiu em algum momento saudades de tocar seu baixo?  

Carlão Gaertner. Durante o período em que fiquei sem tocar em banda – do final d’A Pedra ao início dos Bartenders (1986/91) – de vez em quando eu dava uma canja em bandas que conhecia e que tinham amigos como membros. Mas, só esporadicamente. Mas, durante esses anos, eu sempre senti saudades e vontade de voltar a tocar, até que isso voltou a acontecer novamente em meados de 1991.

2112. Em 1991 surgiu um convite para fazer um som com amigos e desse encontrou nasceu o Bartenders. Como foi essa história? 

Carlão Gaertner. Uma tarde, na locadora de vídeos do Renato Moura, que eu era associado, eu encontrei o jovem Ricardo Moura, irmão mais novo do Renato, que me conhecia d’A Chave. Fui com ele até uma sala nos fundos da locadora, e ele tocou para mim algumas músicas em seu violão Yamaha. Daí comentou que também tinha uma guitarra e que fazia um som de brincadeira com um baterista, nos finais de semana, no sótão da empresa de seu outro irmão mais velho. E me convidou para ir tocar com eles. Eu falei que ainda tinha o meu baixo Fender Precision, da época d’A Chave, mas que não tinha mais amplificador para tocar baixo, e que estava há alguns anos sem tocar. Ele me disse que no local onde ensaiavam também tinha um amplificador Palmer, que poderia ser usado no baixo. Duas semanas depois fui tocar com os dois e comecei a curtir a brincadeira. Aí comecei a passar para os dois músicas de rock e alguns blues que eu já tocava, além de algumas músicas d’A Chave e uma d’A Pedra, “Johnny Atmosfera”, da parceria com o guitarrista Gilan Campos, e que alguns anos depois gravamos no primeiro CD dos Bartenders, “Black Wiskey & Full Moon”. Depois do primeiro encontro, mandei o Ricardo dispensar a guitarra, já que a primeira corda Mi não afinava, pois sua tarraxa tinha quebrado e emperrado fora da afinação padrão do afinador eletrônico e soava estranho quando ele tocava naquela corda sem querer. Eu tinha um captador Dean Markley móvel, que comprei para o meu violão Gianinni, modelo Folk, que eu tinha desde 1979, e a partir dos próximos ensaios eu emprestei o captador para o Ricardo fazer base no seu violão Yamaha, e o som ficou muito melhor. Depois de quase três meses dessa brincadeira musical nos fins de semana, eu e o Ricardo encontramos o guitarrista Julio Afara num show internacional no Aeroanta Curitiba, que já não existe mais, e que era vidrado nos Stones. Perguntei a ele se estava tocando em alguma banda e ele respondeu que não, que só tocava em casa com sua Fender Stratocaster e um combo da Marshall. Falei para ele que estava tocando só pra curtir com o Ricardo e um baterista nos fins de semana e o convidei para ir fazer um som conosco, só por curtição. No fim semana seguinte o Julio apareceu com seu amp e a guitarra. Mostramos para ele as músicas que já estavam ensaiadas e começamos a tocar. O Julio também apresentou algumas músicas de seu repertório e algumas composições de sua autoria, que passaram a fazer parte do repertório. A entrada do Julio em nosso trio teve uma ligação instantânea e no final daquele primeiro ensaio parecia que já tocávamos juntos há muito tempo. Depois de uns dois meses em que nós quatro estávamos tocando juntos, fomos uma noite no bar El Potato, um dos principais bares de rock da cidade, e acabamos dando uma canja com os instrumentos e equipamento da banda The Elders, formada por músicos amigos nossos. Quando finalizamos a apresentação, depois de tocarmos umas seis músicas, o dono do bar veio falar conosco e nos convidou para tocar no local no fim de semana seguinte, já que o público tinha adorado nossa apresentação e o repertório. Nós falamos para ele que não éramos uma banda, e que só tocávamos juntos por curtição e prazer. Nem nome o nosso quarteto tinha. Ele retrucou para escolhermos um nome, que no início da semana seguinte ele entraria em contato para saber o nome e colocar no material gráfico de divulgação do bar: folhetos, posters e mural interno, assim como no release que seria enviado à imprensa, com a programação musical semanal do bar. Numa reunião na minha casa, ouvindo discos e tentando escolher um nome, eu tive um ‘insight’, em função de que, além de nós quatro, só a banda Mister Jack também tocava blues na cidade. E, no cenário nacional do blues, o Blues Etílicos e a banda Big Alanbik tinham nomes ligados e associados às bebidas alcoólicas. Então, sugeri o nome Bartenders, inspirado na música “Hey Bartender”, do bluesman Floyd Dixon. Nesse clima, nós seríamos os ‘atendentes’ do blues, servindo doses do gênero em nossas apresentações. Todos gostaram do nome e no fim de semana seguinte, dia 19 de novembro de 1991, estreamos oficialmente no El Potato, como os Bartenders e com muito sucesso. Alguns dias depois, nosso amigo Sergio Apter, um dos proprietários da casa de shows Aeroanta, recém inaugurado em Curitiba, me consultou se queríamos tocar no Villa Rock de Natal, festa tradicional e de muito sucesso em Curitiba, que depois de algumas edições seria realizada no Aeroanta pela primeira vez. Era principal festa de fim de ano para o público jovem e também para o mais adulto, realizada em Curitiba. E os Bartenders, com pouco mais de um mês de existência oficialmente, foi a atração musical do evento, passando na frente de todas as outras bandas já conhecidas e até consagradas na cena rock curitibana. O sucesso foi tremendo, que voltamos a tocar no evento nos quatro anos seguintes, sendo a última com a segunda formação da banda, que tinha virado um quinteto, com a entrada de Luiz Carlini na segunda guitarra, dividindo os solos com o Julio, que já era conhecido e chamado de Johnny Tequila, seu alter ego rockeiro, e Franklin Paolillo na bateria, ambos ex-membros da banda Rita Lee & Tutti Fruti.

2112. A banda Bartenders, assim como A Chave, produzia blues e rock e para melhorar a receita vocês acrescentarem pitadas de Southern Rock, o que deixava o som bem mais pesado e diversificado. São experiências como essas que fazem falta nas bandas atuais?  

Carlão Gaertner. Eu não gosto de falar ou criticar o som ou a proposta musical de outras bandas que tocam rock ou blues como a nossa. Essa pitada de Southern Rock, que você comentou, se existe no som dos Bartenders entrou de forma instantânea, instintiva e não premeditada, quase como uma referência subliminar. Não posso afirmar categoricamente que esse ingrediente faz falta e que seria fundamental no som de outras bandas, porque cada uma delas aposta na sua proposta e o som que produzem é o resultado da somatória das influências musicais de todos os seus membros, assim como da bagagem cultural e nível de informação de cada um deles. Nesse contexto, algumas bandas têm membros com mais ou menos esses conteúdos, assim como membros com mais ou menos talento e criatividade musical. Como essas variáveis são muitas e também subjetivas, é difícil dizer qual é melhor fórmula para atingir o sucesso, ou pelo menos ter seu trabalho apreciado e respeitado pelo público. Na banda Bartenders, todas as músicas de nossa autoria nasceram espontaneamente, ao aflorar naturalmente uma ideia baseada numa sequência harmônica ou num riff marcante e, às vezes, até num verso inicial de uma letra, que logo é associado a uma melodia, que passa a definir uma harmonia e as sequências seguintes. O processo de compor música sempre é muito dinâmico e não segue regras – pelo menos o nosso nos Bartenders é assim - e se apresenta de várias formas ou caminhos diferentes, dependendo de cada momento – que sempre é único e singular - e do feeling pessoal dos músicos compositores envolvidos diretamente no processo de seu início até o seu termino, quando uma nova música nasce e quer ter o seu espaço.

2112. Você chegou a ter grandes músicos ao seu lado como Luiz Carlini e Franklin Paolillo. Deve ter sido um período muito bacana...  

Carlão Gaertner. Sempre admirei o meu amigo Carlini, desde que o conheci no início dos anos 70, tocando no Rita Lee & TuttuFrutti, e o Franklin alguns anos depois. Em fevereiro de 1994, nós tocamos com a primeira formação dos Bartenders num projeto de blues do meu brother André Christovam, numa tarde no Centro Cultural, em São Paulo, e à noite fizemos um show no Blue Note, onde tanto o Carlini como o André deram uma canja com nossa banda. Em maio do mesmo ano, o Carlini veio participar de uma Feira de Música em Curitiba, e nos convidou para acompanhá-lo no evento, em vez de sentar num banquinho e ficar falando sobre sua carreira, seu estilo, riffs e outros babados mais. Depois do show, que teve uma participação especial do Barone, baterista dos Paralamas na última música da apresentação, tocando Johnny B. Good conosco, eu o Carlini saímos do pavilhão e fomos fumar um cigarro lá fora. Ficamos conversando e de repente ele me perguntou se eu estava a fim de seguir com os Bartenders profissionalmente e investir na continuação da banda. Eu disse que sim e então ele me disse que gostaria de participar do grupo e que, se concordássemos, traria também o Franklin Paolillo para assumir a bateria, no lugar do baterista que tocava na banda desde o seu início, e que também produziria comigo o primeiro CD da banda, com as músicas próprias de nosso repertório. Eu respondi que a proposta me agradava muito, mas que precisaria consultar o Julio e o Ricardo, a respeito, principalmente, da entrada do Franklin no lugar de nosso baterista. Depois de falar com os dois, que também ficaram super animados com a possível entrada do Carlini e do Franklin na nossa banda, resolvemos falar com o baterista. Nós três chamamos o Ewerson e explicamos a ele a situação e a oportunidade única que teríamos com esses dois músicos, já consagrados na cena Rock nacional, tocando nos Bartenders. O Ewerson entendeu a situação e levou numa boa sua saída repentina da banda, tanto é que continuamos amigos até hoje. Em seguida, o Carlini e o Franklin voltaram a Curitiba para ensaiar nossas músicas e logo depois, começamos a tocar em Curitiba e entramos no Estúdio Áudio Digital, para começar a gravação do CD. Depois de gravarmos as bases de todas as músicas num único dia, a continuação do processo durou dois anos e pouco, pois as gravações só tinham sequência quando o Carlini tinha disponibilidade para vir a Curitiba e ficar alguns dias na cidade. Como o CD teve também a participação de vários convidados especiais em algumas faixas do disco, isso também contribuiu para a demora em sua finalização. Finalmente, depois de todo esse tempo e batalha, fomos para São Paulo com a fita máster para mixar e masterizar as músicas gravadas para o CD. Na volta para Curitiba, em seguida descolamos o apoio e patrocínio de três empresas para a finalização do projeto: a Opta Originais Gráficos produziu os fotolitos para a impressão offset, em quatro cores, do encarte com 18 páginas e da contracapa do CD; a Gráfica Positivo, do Grupo Positivo, imprimiu as 5 mil cópias do encarte do CD, cuja primeira página era a capa do disco, e mais 5 mil cópias da contracapa (verso), aplicada separadamente do encarte na caixa plástica da embalagem do CD; e, finalmente, a empresa Barifer, que bancou a prensagem de 5 mil copias do CD, de propriedade de Rogério Moura, também irmão do vocalista Ricardo. Participaram como convidados no disco Roberto Frejat, do Barão Vermelho; o bluesman André Christovam; Carlos Alberto Calazans, tecladista do Camisa de Vênus na época; Ivo Rodriges, ex-vocalista d’A Chave, na música “Meu Ofício É O Rock And Roll”, de autoria dos quatro membros da extinta banda; mais dois músicos da cena curitibana, Benê Júnior (harmônica) e Paulo Branco (sax); e Helena Theodorellos nos ‘backing vocals’ de algumas músicas. O CD teve como título “Black Whiskey & Full Moon”, nome de uma das músicas do disco. Alguns meses depois do show de lançamento do CD, em dezembro de 1997, Carlini e Franklin saíram da banda. Depois de um ano e pouco tocando com vários bateristas temporários, a banda fez uma sessão teste com Carlos Almeida, que foi aprovado por todos no final do ensaio. Os Bartenders voltaram a ser um quarteto em dezembro de 1999, e continua com essa mesma formação até hoje: Ricardo Moura (vocal principal e base de violão elétrico), Johnny Tequila (guitarra solo e base, harmônica, ‘slide guitar’ e ‘backing volcals’), Carlão Gaertner (baixo) e Carlos Almeida (bateria e ‘backing vocals’). Nós somos os Bartenders e a escolha foi nossa.

2112. Em algum momento você pensou reunir a Chave novamente para alguns shows e mesmo para deixar um registro à altura para os fãs da banda?

Carlão Gaertner. Com o falecimento do Ivo Rodrigues, em 2010, qualquer outra formação d’A Chave, mesmo com ainda os três membros originais, nunca mais seria a mesma coisa e a mesma banda. Bem ou mal, existia uma magia quando nós quatro tocávamos juntos. Em 2004, quando produzi a festa “Carlão & Os Amigos do Blues”, A Chave fez um show revival no evento com sua formação original, como já comentei anteriormente. Pouco depois fizemos mais um show no bar Era Só O Que Faltava, junto com a banda Black Maria, que o Gabriel Teixeira, filho do guitarrista Paulinho, também tocava guitarra. Foi um show legal e animado, mas musicalmente abaixo do som que fazíamos quando A Chave ainda estava em ação. Afinal, 25 anos tinham passado, tivemos muito pouco tempo de ensaio e o Ivo, que era o vocalista, já tinha seus problemas de saúde e sua voz e alcance vocal já não eram os mesmos. De qualquer forma, valeu o momento e mais essa lembrança. Foi a última apresentação d’A Chave com sua formação original, em agosto de 2004. Entrou para a história da banda como o capítulo final de sua trajetória.

2112. Você usa palhetas para tocar ou prefere os dedos?

Carlão Gaertner. Desde que comecei a aranhar o meu primeiro violão no início da adolescência e logo depois quando comecei a tocar baixo, eu sempre toquei com palheta e foi assim que criei meu estilo. Meu principal ‘punch’ no baixo está na minha mão direita – que funciona como uma britadeira nas cordas - e não na minha esquerda, dedilhando as cordas. Não sou um baixista com uma técnica apurada e muito veloz, até porque, com raras exceções, não é o tipo de execução que eu gosto. Prefiro usar poucas notas sempre que possível e dar peso, swing e condução às linhas de baixo (walking bass). Na nossa formação, se o baixo e a guitarra solo abrirem espaços ou pequenas pausas um para o outro, um de nós dois sempre estará em destaque, sem ninguém precisar forçar nenhuma barra ou qualquer performance mais egoísta. Com a maturidade dos 70 anos nas costas, que completei no dia 20 de agosto passado, acabei apreendendo e entendendo ao longo dos anos de vida uma coisa importante, que como músico pratico sempre: na maioria das vezes, tocando ou em outras coisas que fazemos, “Menos é Mais”. E isso vale muito para quem faz Música, com M maiúsculo. Imagine o som de uma banda onde todos os seus membros ficam quebrando tudo o tempo todo e você não acha uma brecha no som produzido. Isso é puro barulho. Ao contrário, se numa outra formação cada músico respeita o espaço do outro e contribui para o produto final, utilizando o seu próprio espaço de forma inteligente e compartilhada, a interação acontece. Você vai ouvir os solos e licks da guitarra claramente; a base dando o seu apoio harmônico; o baixo pulsando e fazendo a costura rítmica entre a harmonia e a batida da música; e a bateria complementando fazendo a condução com precisão. Todos no seu lugar, e um por todos e todos por um. Isso é Música com toda a sua magia. É assim que eu vejo e entendo a função de cada músico na formação de uma banda. E é essa postura que temos entre nós quatro na banda Bartenders e em relação ao nosso trabalho autoral. Somos os Bartenders, adoramos Rock And Roll e Blues, e esta foi a nossa escolha e opção de vida. Para mim, particularmente, vou carregar essa ’bagagem’ para a Eternidade, pois ela está impregnada no meu corpo, no meu coração e na minha alma. Ponto.

2112. O que você está fazendo atualmente?

Carlão Gaertner. No momento, sou jornalista aposentado desde novembro do ano passado e, depois de trabalhar e tocar a vida inteira, estou agora desfrutando do meu tempo integralmente, pois sou enfim o seu dono. Como cantam Os Stones, “Time Is On My Side” (rs). Meus únicos compromissos pessoais e profissionais são com a banda Bartenders, onde continuo tocando e compondo, com as coisas que eu gosto e me que dão prazer e alegria, com a minha família e com a legião de amigos que tenho, a qual prezo demais, e com os fãs fiéis ou admiradores ocasionais de nosso trabalho musical. Acho que essa entrevista, com um número bem grande de perguntas, acabou ficando bem extensa como texto, mas procurei aproveitar a oportunidade e ser bem detalhista, comentando muitos fatos e informações inéditas sobre minha vida e carreira musical, que também podem servir de estímulo e orientação para músicos novos e/ou iniciantes. Talvez ela até se torne o embrião de um pequeno livro sobre “O Rock Na Minha Vida!”, pois ainda tenho muita coisa para contar, ou qualquer outra coisa. Como cantou Bob Dylan naquela famosa canção, “a resposta vem com o vento”. No meu caso, “resposta vai vir com o tempo, viajando nas asas do vento”. “Blows, Blues Blows! Rolls, Rock Rolls!”. É isso aí. Parada final!

2112. ... o microfone é seu!

Carlão Gaertner. Melhor dizendo, o teclado é meu (kakakakakaka). Aproveito a oportunidade para agradecer ao amigo e parceiro Carlos Antonio Retamero Dinunci, administrador do Blog 2112, pelo convite à entrevista, que acabou sendo um exercício salutar para refrescar e revisitar os salões das minhas memórias pessoais e musicais. As lembranças vão surgindo aos poucos e acabam criando uma cadeia de momentos, fatos, pessoas e vivências que fizeram parte e têm significados especiais ao longo de minha vida, como as partículas de um átomo viajando num acelerador atômico próximas à velocidade da luz. Como cantou Joni Mitchell num dos versos da canção “Woodstock”, também gravada por Crosby, Stills, Nash & Young: - “Somos Pó Das Estrelas” (We are stardust, we are golden...). E é pra lá que eu quero voltar. Explosão Cósmica Final.
2112. Eu só tenho a agradecer...    

Entrevista Orlando Azevedo  
Já tive o prazer de entrevistar o baixista Carlão Gaertner e agora é a vez do batera Orlando Azevedo da lendária banda A Chave abrir o jogo. Foi um papo direto, sem muitos rodeios sobre a banda, sobre a convivência na famosa Casa Branca, a cena da época, o fim da banda... Enfim, outra entrevista histórica!!   

2112. Me responda uma coisa que outras bandas você participou antes de integrar a banda A Chave?

Orlando. A Chave foi minha primeira grande banda e grande amor. Nossa logo era um buraco de fechadura que se transformou num anjo e logo depois satânico. Eu criei a logo pois A Chave em seu início vivenciou pra valer o peace and love e o flower and power revolution!

2112. Infelizmente o rock brasileiro 60/70 tem poucos registros de suas bandas e o que existe gera muitas dúvidas. O que mais marcou a sua vida naquele período?

Orlando. O início da porrada com antenas dispersas em vários pontos do país. Porto Alegre, por exemplo, sempre foi uma porrada em suas artes e manifestações. Quando a guitarra elétrica gritou feito uma cigarra foi um Deus nos acuda. Um relâmpago no país do samba e da bossa nova. Era um sacrilégio e uma heresia. Até parece ou parecia mas a revolução já estava no ar. Grandes festivais convocando milhares num mesmo pensamento. A revolução. Aqui no Brasil a jovem guarda com toda a galera que sabemos e, com um Roberto Carlos gritando "quero que tudo o mais vá pró inferno" Festa de arromba do Erasmo, Jet Blacks, Renato e seus Blue Caps. Era o grito. Havia uma sintonia e identidade. Um pacto de sangue e de vida. Uma crença inabalável e muito forte. Neste período o que mais me marcava era como se conseguia produzir e tocar em equipamentos roots e precários demais. Tudo era difícil e muito caro. Hoje temos um elenco de ofertas e diversidades que era impossível pensar. Os Tremendões, teclados Caribean... batera Gope e Pinguim. Baquetas não havia opção. Mas se fazia e produzia. O mundo todo estava em transformação e o rock era o grito universal e comum.

2112. Você acha que existe um certo glamour ou exagero quando se fala daqueles anos ou eles foram realmente mágicos?

Orlando. A grande magia acima de tudo era a sintonia e sinfonia que rasgara o casulo. O palco e os músicos eram a representação desse pulsar do coração e da grande convocação. Eram o retrato do outro. O grande canto. A grande alquimia.

2112. Ouvindo os discos da Chave achei sua batida bem no estilo do Bill Ward do Black Sabbath. Quais bateras foram decisivos na sua formação?

Orlando. Minha grande influência foi Charlie Watts em seu início e depois o John Bonham do Led. Um batera mais do que perfeito e com bom gosto e talento único. Os Stones e Charlie Watts pela precisão concisa da batida. Não há como ficar parado. É ligar na tomada e fazer ligação. Kenney Jones dos Small Faces e speed & loucura e performance Keith Moon.

2112. Atualmente tem alguém que te chama atenção?

Orlando. Já vi muita coisa legal no canal bis por exemplo. Tem muita coisa boa. Hoje temos acesso a tudo de informação, de técnica e a altos equipamentos. Mesmo aqui em Curitiba tem muitas bandas boas. Contudo, o grande problema é ter o que dizer como antena... Aí a barra pesa mesmo. Música sempre será a antena de uma geração. Sua voz e seu canto. Como a barra é pesadíssima mesmo que a loucura seja um forte componente muita coisa se perde... some e evapora. O mundo da música se transformou completamente e para segurar a barra há que gerar shows que só vão render se existir fama e mídia. É uma contradição e a real. Hoje tudo se baixa e pirateia em todos os níveis de expressão. Ainda nem mixou e já está na poeira cósmica

2112. Que conselhos você daria como sendo fundamentais para quem está começando a vida de músico?

Orlando. Humildade e determinação. Garra e coragem. Muito treino e estudo. Não se isolar como músico e conviver com todas as manifestações de arte. Cinema, literatura, teatro etc são essenciais ao corpo da alma

2112. Meu primeiro contato com o rock'n'roll foi através do single disco Let's Spend Tonight Together/Ruby Thuesday dos Rolling Stones e mais tarde Led Zeppelin II. E o seu?

Orlando. A banda inglesa de Shadows com Cliff Richard depois Ventures que na real eram muito mais instrumental mas, já havia a guitarra elétrica e o balanço das horas incontáveis: https://www.youtube.com/watch?v=fnaVtx2kF54. Contudo já antes Elvis e Bill Halley com que tocamos e abrimos shows tinham ascendido o rastilho da batida do beat. Down beat. O rasgar do blues e seu andamento e batida pulsante e dançante. Rock around the clock, Satisfaction, Whole lotta love, God save de Queen, Sex Pistols, Ramones, Nirvana e Rage Against são marcos! Jamais imaginara que tocaria ao lado do velho Bill Haley e seu pega rapaz. Ao terminar nossa apresentação ele chegou para mim inteiramente suado e me disse: "My god,speed king", e me apertou a mão. Nunca mais esqueci. Foi o maior elogio que recebi em minha vida.

2112. Você tinha acesso a discos ou como eu ouvia na casa dos amigos ou fazia cópias em fitas K7?

Orlando. Nos anos 60 viajava todo o ano de férias para Lisboa e de lá trazia altos discos que muitas vezes só aqui chegavam muitos meses depois. Ou seja, o repertório inicial do grupo que tinha outro nome e seu repertório estava muitos anos luz na frente

2112. Como você entrou para A Chave?

Orlando. No colégio dos jesuítas aqui em Curitiba e logo que cheguei ao Brasil conheci o empresário de um grupo chamado Jetsons - José Luís Pinto Pereira hoje psiquiatra. Estudava no colégio Medianeira e já era o diretor de ação do cultural do grémio estudantil. Me convidaram para ser o diretor artístico do grupo após ter ido num ensaio. Tudo mudou, desde repertório até figurino. Voltei para Lisboa em 68 para estudar direito mas na real ia direto para a night ouvir blues e ver outros grupos como os Sheiks. Ouvia Ottis Redding sem parar, por exemplo. Meus pais tinham ido para Madagascar e os integrantes do grupo pediam meu retorno. Uma namorada e o grupo me fizeram retornar em caráter definitivo. O Brasil hoje é minha pátria embora seja açoriano nascido numa das ilhas do arquipélago. A Chave nasce da criação de uma campanha de lançamento tendo figuras decisivas em sua saga. Nasce da indagação que cobriu a cidade com cartazes com apenas texto perguntando "Você sabe o que é A Chave? Qual a diferença entre a chave, um elefante e um micróbio gigante? Fora vizinho e amigo de Aluízio Finzetto diretor artístico do Canal 6/TV Tupi. Pedi um help e ele manda o produtor e diretor Valêncio Xavier (que veio a ser o criador da Cinemateca de Curitiba e grande escritor) assistir um ensaio de A Chave. Deste modo A Chave nasce com um programa semanal de TV dirigido pelo Valêncio Xavier e nós participando como músicos criadores e atores numa peça de teatro da Denise Stocklos. Foi uma pancada já com músicas próprias como embrião embriagado, poema de Camões musicado numa série de inesquecíveis programas na TV na loucura de Valêncio Xavier cuja oficina era na real uma imensa piscina de gelatina. Contudo A Chave ainda tocava bailes shows e num reveillon o baterista italiano Jean Franco some e dá o cano num reveillon na cidade de Palmeira onde o grupo nasceu. Ia ser um caso sério e de morte. Subi na batera e como já tinha uma boa noção enfrentei o ringue e assumi em caráter definitivo o posto de baterista. Rapidamente peguei a performance da batida porrada do rock além da performance de palco num a incorporação do Keith Moon. Chegamos a tocar dez horas seguidas pois nosso empresário era barra - Paulo Hilário que criara Os Metralhas onde tocava baixo. Eram covers dos Beatles. Fechava um contrato atrás do outro. Éramos movidos a anfetamina com uma performance de palco muito boa mesmo. Paulinho era um demônio na guita. Um virtuose!

2112. Vocês vivam numa espécie de comunidade com vários tipos de atividades artísticas. Devia ser bem interessante...

Orlando. Do que seria uma república de quatro também estudantes Ricardo Voight, Fernando Bittencourt, Carlos Gaertner e Celso Ferraz nasce a casa branca onde é montado um super estúdio super eficiente em seu isolamento acústico para os ensaios diários de A Chave, estúdio de gravação que vendia fitas K7 piradas e selecionadas, laboratório de cinema e fotografia; atelier de artes gráficas e laboratório de texto. Na real a intenção surgira da idéia de criar um laboratório de comunicação e criação A Chave onde todos os pulsares artísticos fossem um só coração e ação. Todos criariam projetos conjunto que envolvessem as diversas linguagens. Havia logo na entrada uma super galeria do grande pintor Rones Dunke que praticamente integrava A Chave. A Casa Branca que tinha todo o seu telhado pintado de branco e numa ironia à casa branca americana passa a ser ponto de convergência dos inquietos dessa geração e numa barra muito pesada pois éramos vigiados dia e noite pela delegacia antitóxicos. Nossas letras eram quase todas censuradas

2112. Nessa ebulição cultural onde entra o poeta Paulo Leminski?

Orlando. Eram umas quatro da matina quando batem na janela de meu quarto na Casa Branca. Era o Paulo Léminski com outro fotógrafo já falecido Haraton Maravalhas e um psiquiatra chamado Psico. Bom foi amor ao primeiro baseado e para quem conheceu Léminski sabe bem o quão sedutor era e envolvente. Já sabia bem da história dele mas não o conhecia. Existira um importante grupo em Curitiba de intelectuais chamado Áporo que Léminski integrara antes de ir par o Rio. Por outro lado eu pensava em musicar Alice no país das maravilhas. Paulo também. Iniciamos um convívio diário junto com Alice Ruiz + Aurea e Miguel Angelo atravessando noites regadas a muita criação e loucuras. Nasce o projeto em prol de um português elétrico com músicas criadas de nossa safra e seara com dezenas de músicas na letargia do tempo como povo desenvolvido, é povo limpeza/Mulher interessante/ Aqualung etc etc

2112. Ele foi uma influência decisiva na vida da banda e de vocês, não é?

Orlando. Nós fomos uma super influência na performance intelectual dele. A primeira gravação de Leminski foi com A Chave. Mas como fomos contracultura e não acontecemos em nível de mídia só citam Caetano, Moraes Moreira etc... uma lástima de conivência com a omissão. Mas várias questões começaram a se acentuar na convivência - a ânsia de Paulo querer estar em todas e ser notório e famoso, a ligação que ele tinha com a bossa nova e samba e mesmo as letras não diziam o que nossa geração sentia e pensava inclusive politicamente. Claro que era um bom poeta embora sua melhor obra seja o Catatau que ninguém lê. Mas as letras de nossa lavra eram mesmo imbatíveis como o hino e porrada Meu oficio é o rock and roll, Raquel, Mulher do Presidente, Sexo por telefone, Vai à luta, Beco das Garrafas, Socorro, socorro

2112. Não é novidade que naquele período houve muita retalhação nas letras, shows... por causa da censura. Vocês tiveram algum problema com os títulos/letras de A Bruxa e Blue Satanás?

Orlando. Por incrível que pareça com essas não mas com quase todas as outras sim. Eram simplesmente censuradas e mutiladas!

2112. Em 1977 vocês gravaram seu único registro fonográfico o single Buraco no Coração e Me provoque pra ver. Como foram as gravações?

Orlando. Eduardo Araújo conhecia o som da banda e, generosamente, cedeu de graça seu estúdio para que gravássemos duas baladas que nem eram muito a cara de A Chave. Jamais esquecerei o dia da gravação que teve a participação especial do inesquecível e genial Manito (ex Incríveis, Casa das Máquinas, Made etc etc) com sax e piano. São as únicas músicas e gravações que permitiriam remixar. Essa gravação só ocorreu graças a Eduardo Araújo ou não fosse o bom demais

2112. Vocês mesmo fizeram os arranjos?

Orlando. Todos os arranjos eram de A Chave e de modo particular há que destacar a genialidade do virtuose Paulo Teixeira guitarrista que estava para A Chave como o Keith para Stones. Mas antes tivémos um tecladista Eli Pereira Alves formado em piano clássico crente e careta total mas gênio. Era um super arranjador. Detonávamos ao tocar In a Gadda da Vida

2112. Hoje este single se tornou um ítem raro sendo disputado a tapa no mercado negro. Vocês nunca pensaram em relançá-lo?

Orlando. Na real o que ocorreu e depois penso que deixamos o mistério surgiu um CD pirada impecável e bem feito que eram vendido na feira de vinil em Sampa. Claro que era um pirata com várias músicas que surgiu a partir de uma fita de gravação que havia sido deixada no carro do Pisca guita da Casa das Máquinas. Uma pena pois era uma fita mono e não dá para remixar. Por sugestão de Marcia mulher de Paulo Teixeira resolvemos piratear o pirata e prensamos 500 que sumiram numa semana. A Chave foi para mim um projeto de vida criativa e um ciclo que se encerrou.

2112. Vocês não tiveram tempo de gravar um álbum inteiro mas em 2004 vocês foram surpreendidos com um bootleg que trazia trechos de um show e o single de bônus. Qual foi a sua reação?

Orlando. Fiquei surpreso demais e ao mesmo tempo feliz pois era muito bem produzido. Não acreditava no que via ao pegar o CD.

2112. Você tem idéia de quem prestou esse bom serviço ao rock brazuca?

Orlando. Penso que o responsável tenha sido o super guita Pisca do Casa das Máquinas que cedeu essa fita para alguém que desconheço até hoje. Quem sabe poderia se revelar. Na real ressuscitou A Chave da letargia do esquecimento pois mesmo os programas raros sobre o rock no Brasil foram super omissos e negligentes. Não foram sérios e fruto de oportunismo barato e leviano!

2112. A qualidade não é das melhores mas dá para sentir o quão fodaços eram os shows da banda, não é?

Orlando. Penso que dá para sentir sim. Claro que a deficiência da gravação se faz sentir mas da mesma forma se faz sentir o speed e pegada. A Chave foi sem dúvida muito prematura como o foram os Mutantes em seu início mas não em sua continuidade viajante.

2112. O público reagia a altura do som da banda?

Orlando. O público ia ao delírio e existem fatos surreais. Tivemos falsificação de ingressos para grandes shows que realizamos no Palácio de Cristal do Círculo Militar em Curitiba. No clube Sírio Libanês em Curitiba a moçada adentrava pelo telhado pois não comportava mais público em seu interior. Quando A Chave tocava "A coisa era pra matar" e muito, muito antes de Planet Hemp o palco ficava forrado de pontas de baseados que recolhíamos após e detonávamos

2112. Existe um outro bootleg com um show de 1975. Você conhece esse?

Orlando. Sim conheço e penso que até é melhor do que foi usado no CD pirata. É de um show em Londrina que realizamos junto ao Made com quem fizemos diversas incursões. Só que éramos muitas vezes melhores, quer na música, quer na performance em palco. Com todo o respeito ao Osvaldo mas não dava prá saída nem para comparar era outra vibe e postura. Embora respeite a resistência deles.

2112. Como era a cena na época? O que você destacaria como importante e que passou despercebido aos olhos de muitos?

Orlando. As bandas eram cometas isolados. Tinha admiração pela banda O Peso que para mim é um marco no rock brasileiro. Eram muito bons!

2112. O que levou a banda encerrar carreira?

Orlando. A Chave encerrou seu ciclo de uma década tocando com a mesma formação num lacônico show Socorro, socorro (de uma super música e letra) num minúsculo teatro TUC em Curitiba. Se encerrava um ciclo onde se acentuaram diferenças pessoais e profissionais. Ivo estava cada vez em seu solo e depois adentrou o Blindagem que nunca foi rock. Aliás até hoje nem sei qual é a praia deles, pois não têm o que dizer. Muitas vezes me dá a sensação de ser um grupo sertanejo pois nem caipira é. Mas tem quem goste e aplauda. A banda encerrou pois era impossível sobreviver da banda mas, acima de tudo por diferenças éticas e estéticas na formação de cada um.

2112. Vocês se reuniram alguns anos depois mas infelizmente acabou não dando certo. O que realmente houve?

Orlando. Fizemos uma única apresentação para celebrar o CD pirata mas já não havia mais liga. Ivo só subiu no palco com seu pagamento antecipado. Não havia mais tesão e pairava o ranço da mágoa e do caráter. Sinceramente hoje sinto pena de ver o que o caminho da vida lhes concedeu. Absolutamente inexpressivos e fake. Uma lástima!

2112. Depois do fim da banda você continuou tocando ou largou tudo?

Orlando. Tinha uma Ludwig Octaplus que na época pagamos US$20,000,00 doletas. Loucura! Baquetas trazia ou mandava vir de fora. Hoje de vez em quando dou uma pegada numa Pearl que é de meu filho mais novo que tocava pra caralho mas não quis mergulhar na grande aventura da música. Ele é super designer e responsável pela Editora Voar. Voltar a tocar será sempre um grande prazer mesmo que haja cheiro de naftalina no ar. Acho que meus interesses que sempre o foram são definitivamente outros. A fotografia que para mim é sinónimo de poesia e música é meu palco iluminado e regido pela luz. O palco da mediocridade do ego não me interessa muito menos estar ao lado de quem se acha gênio e é nada de nada

2112. Você tem idéia de quantas composições existe guardada esperando por um registro?

Orlando. Algumas boas dezenas de composições mas irão se perder como teriam se perdido as que constam no pirata. Toda a noite entrávamos no estúdio e ensaiávamos diáriamente cerca de seis horas

2112. Muitas bandas daquele período estão retornando suas atividades lançando inclusive novos trabalhos e aí fica aquela pergunta que não quer calar: Você toparia fazer alguns shows?

Orlando. Até pensamos em fazer uma jam terapia. A Chave mesmo depois de se encerrar como quarteto teve como formação um trio - Carlos Gaertner no baixo, eu na batera e Celso Blues Boy na guita e vocal. Este era um trio realmente foda e nunca A Chave esteve tão perto de ser e acontecer. Mas após dois meses diários de ensaios e um som porrada, mas porrada mesmo jogamos a toalha. Carlão bancava o Celso mas não deu para segurar. Tinha atingido uma super performance e destreza como batera. Todos tocávamos muito mesmo. Celso Blues Boy era foda e uma presença carismática no palco.

2112. ... ou quem sabe gravar um cd/dvd para deixar como registro oficial para as novas gerações?

Orlando. Já foi pensado pelo menos em ensaiar e gravar decentemente e com qualidade técnica. Quem sabe! Eu e Carlão nos relacionamos bem, Paulinho está na trip dele e na escolha dele e do que é. Seria essencial a presença do grande músico que ele e cuja performance perdeu por razões óbvias. Só não vê quem não quer!

2112. Foi foi um prazer enorme entrevistar você, saber o seu ponto de vista da história desta grande banda e dizer que o microfone é seu...

Orlando. Viva o rock still alive and well!