A banda, uma das maiores lendas do rock progressivo mundial,
surgiu em 1973, pelas mãos de João Kurk (vocais e flauta), Roberto Lazzarini (teclado)
e Joaquim Correia (bateria) ex membros da Islanders, que atuou entre 1966/71.
Já gravaram dois álbuns clássicos: Terreno Baldio (1975) e Além das Lendas
Brasileiras (1978). A exposição não esgota o assunto... apenas vem homenagear
essa banda que tanto amo e respeito. Espero que curtam e divulguem.
Bônus: Entrevista Terreno Baldio
2112. O Terreno
Baldio é uma das bandas mais importantes da história do rock brasileiro. O que
muitos talvez não saibam é que a sua história remonta ao início dos anos 60
quando você (teclado) e outros amigos de escola como João Kurk (vocais e
flauta), Gerson Abbate (vocais e guitarra), Paolo Battaglia (vocais e baixo),
Léo Suzuki (vocais e guitarra solo) e Joaquim Correia (bateria) formaram o
grupo The Islanders. Como surgiu a idéia de formação da banda?
Roberto
Lazzarini. Estávamos na idade de 14 anos mais ou
menos. Éramos amigos de bairro e naquela época os conjuntos tocavam em
bailes e domingueiras. O grupo se formou com a intenção de tocar somente pelo
prazer, estávamos começando a aprender música e alucinados com as
possibilidades. Queríamos um grupo diferenciado dos que faziam as domingueiras,
mas como não sabíamos compor ainda, tirávamos músicas de bandas que não estavam
tanto na mídia, como Kinks, Animals, Guess Who, Procol Harum e outros mais.
Começamos a descobrir sons e possibilidades.
2112. Segundo uma
entrevista de Kurk a banda tocava covers de Beatles, Steppenwolf, Procol Harum,
Johnny Rivers, Cream... e nos bailinhos rolava Bee Gees para o povo dançar
coladinho. Em algum momento vocês pensaram em criar um repertório próprio?
Lazzarini. Naquela época ainda não pensávamos em repertório autoral, pois começamos
a fazer sucesso no circuito de bailes e só pensávamos em ser diferentes dos
demais, o que nos levou a um repertório diferenciado.
2112. Existe
alguma gravação deste período?
Lazzarini. Não.
2112. O The
Islanders durou de 1966 a 1971 quando encerrou carreira. O que levou vocês a
acabarem com a banda?
Lazzarini. Fui convidado a ser o diretor musical de um cantor chamado Pete Dunaway,
que era brasileiro e estava nas paradas de sucesso cantando em inglês como se
fosse gringo. Aí pintou uma turnée com a Ducal (roupas) que unia modelos
fashion ao show do Pete. Nesta banda o guitarrista era o Mozart e o baixista
era o João Ascenção, e o Fábio Junior era o vocalista (kkk) todos jovens e
tomados por música. Daí surgiu a idéia de formarmos uma banda de Rock autoral.
Éramos fixados em álbuns das bandas com um tema central, uma estória. Então
juntei o Kurk e o Joaquim com o Mozart e João e começou aí o Terreno, com
composição coletiva a partir de temas que cada um levava.
2112. Em 1971
Kurk forma o Utopia com o músico Egídio Conde. Você sabe dizer que tipo de som
eles faziam e porque o projeto durou tão pouco?
Lazzarini. Grande e saudoso Egídio Conde. Na época não se falava em Rock
progressivo. Era só Rock, só que a gente era muito influenciado pelas bandas que
tinham o som mais elaborado. O Utopia foi um desses projetos. Realmente não
durou, não sei o porquê, logo em seguida começamos a ensaiar o Terreno aí já
com idéias de músicas autorais
2112. As mortes
de Jimi Hendrix, Janis Joplin, Duanne Alman, Jim Morrison... deixou claro
que o rock fechava um ciclo com o fim da Era de Aquárius e uma nova porta se
abria com os anos 70. Como foi montar a banda em meio a todas essas
transformações culturais e porque não dizer também ruptura musical?
Lazzarini. As mortes, principalmente a do Jimi foi um grande choque para todos, um
baque na juventude da época e também para nós. Acredito que o rock nunca se
fechou e sempre continuou, porém morreram ícones da juventude Woodstock.
2112. Vejo que
foi uma grande mudança quando vocês deixam de ser uma mera banda de covers para
se tornarem um dos pilares do prog rock mundial. Como se deu essa metamorfose?
Foi um grande desafio...
Lazzarini. Estávamos tomados pela música. Aí já começamos a ter muitas influências
do Gentle Giant, Yes, Genesis, King Crimson, Deep Purple, etc. Começamos a
experimentar e sentimos que as composições rolavam bem. Daí ninguém parava mais
de tocar e compor, foi uma alucinação grupal.
2112. Vocês
juntamente com o Som Nosso de Cada Dia, Casa das Máquinas, Mutantes, A Bolha,
Módulo 1000, Veludo, Vímana etc; faziam a linha de frente do prog brazuca. Como
era o cenário naquela época?
Lazzarini. Era muito fértil. Todos faziam shows e sempre lotavam as casas e as
diferenças de estilo não nos causavam estranheza. Não havia rivalidade, todos se
curtiam e tinham espaço para mostrar o trabalho e o povo sempre vinha.
2112. Mesmo com
toda a perseguição da censura a MPB e o brega disputavam a tapa o espaço nas
rádios. E para bandas como vocês era muito difícil conseguir incluir suas
músicas nas programações das rádios?
Lazzarini. Corríamos em raias separadas. O rock não tinha espaço fácil nas rádios.
O que fazíamos eram shows e tiveram algumas gravadoras que investiram na
gravação de discos contratando algumas bandas de rock que se destacavam.
2112. Vocês
deviam ouvir muito aquele papo de que a música do Terreno Baldio não tinha
apelo comercial e por isso não era incluída nas programações. Devia ser muito
frustrante...
Lazzarini. Sempre ouvimos esta conversa, afinal, frente ao que as rádios tocavam
nossa música era mesmo diferenciada. Mas apesar deste julgamento não tínhamos a
menor intenção de transformar nossas músicas no estereótipo da mídia da época.
Ou seja, não queríamos ser comerciais, queríamos fazer a música em que
acreditávamos e nos dava prazer.
2112. Mas embora
a mídia e uma parcela do público não desse a merecida atenção ao trabalho
de vocês uma outra parcela em compensação lotava os shows e comprava os discos
não é?
Lazzarini. Os shows sempre foram lotados desde o primeiro e os discos vendiam bem
proporcionalmente. Para nossa surpresa o pessoal logo começou a cantar junto e
a conhecer o trabalho, o que nos dava uma garra muito grande para seguir
fazendo o que acreditávamos
2112. Eu vejo que
o rock progressivo ao absorver diversos estilos musicais confundiu a cabeça das
pessoas acostumadas com a batida do rock’n’roll e do próprio blues que dominou
o cenário musical nos anos 60. Um exemplo: o prog traz elementos da música
clássica mas nunca foi aceito pelos puristas da música erudita como também não
foi aceito por muitos roqueiros que não via no movimento elementos do próprio
rock’n’roll. Como vocês ficavam no meio desse tiroteio?
Lazzarini. Eu estudava piano erudito e queria aplicar o som sinfônico com o rock. Com
o tempo fomos influenciando um ao outro e depois que ouvimos as bandas prog da
época sentimos que era esse o caminho. Não tínhamos escrúpulos para misturar
sons e começamos a perceber que estava dando muito certo para o nosso prazer. Acho
que rock prog com música erudita e até sinfônica tem tudo a ver.
2112. Como você definiria o som da banda?
Lazzarini. Poliharmônico, polirritmico e contrapontístico e rock. Não
tenho uma definição em uma só palavra. O estilo também foi se alterando
com o tempo, mas sempre fizemos questão de não perder o foco nem a unidade.
2112. O grupo
surgiu praticamente no começo do movimento o que dá a vocês o título de um dos
pioneiros do prog brazuca. Neste período de tantas mudanças quais bandas mais
influenciavam vocês?
Lazzarini. Como disse acima, Giant, Yes, Genesis, Procol Harum, King Crimson, Deep
Purple, Hendrix, Cream, Zappa, etc
2112. Vocês
também tiveram problemas com a censura durante a ditadura?
Lazzarini. Não
2112. Hoje virou
“fato corriqueiro” uma banda gravar um cd sem ao menos amadurecer o seu som.
Vocês levaram um bom tempo até gravarem o primeiro trabalho. Era muito difícil
conseguir contrato com gravadoras?
Lazzarini. Nunca fizemos isso. Só entramos em estúdio com o som super amadurecido,
enxuto e ensaiado. No nosso caso não foi difícil conseguirmos o primeiro
contrato (1974). O produtor italiano Cesare Benvenutti que morava no Brasil viu
um show e nos chamou para gravar nosso primeiro disco.
2112. O progressivo é um estilo musical
que sempre precisou de mais tempo em estúdio que os demais estilos. Havia muita
cobrança por parte da gravadora em relação a isso? Que lembranças você tem das
gravações?
Lazzarini. O progressivo é um som que exige técnica e conhecimento musicais,
portanto sempre levava um pouco mais de tempo para gravar, mas nunca fomos
pressionados em estúdio. Gravamos tranquilamente e com liberdade (esse era
nosso acordo para assinarmos o contrato). O primeiro disco foi gravado em 4
canais, era tudo meio ao vivo e normalmente não fazíamos emendas.
2112. Na época o disco teve uma tiragem
de três mil cópias pelo selo Pirata. O trabalho teve uma boa aceitação?
Lazzarini. Sim, tanto que o Cesare nos chamou para fazer um segundo (Além das Lendas
Brasileiras) agora pela Continental. A Pirata era uma gravadora do Aurino
Araújo, irmão do Eduardo Araújo e o Cesare tinha carta branca.
2112. Como foram os shows de lançamento
do disco?
Lazzarini. Todos lotados e com intensa participação da moçada que através dos discos
decoravam as músicas. A música Pássaro Azul chegou a tocar um pouco nas rádios
comerciais.
2112. No ano seguinte vocês
participaram do Festival Banana Progressiva com a nata do movimento prog. O
festival na sua opinião foi o ápice do movimento no país? O que mais te chamou
a atenção.
Lazzarini. O Banana foi um festival arrojado, com grupos de São Paulo e Rio. Na
época não tínhamos o jargão Progressivo. Para nós era só rock, mas já se delineava
o estilo prog pela própria tendência da época. Foi produzido pelo Fernando
Tibiriçá que era nosso empresário juntamente com o Som Nosso e os Dzi Croquetes
que era um embrião das Frenéticas. Foi considerado realmente um ápice, foi
muito organizado, artístico e teve grande público.
2112. Na
época o disco teve uma tiragem de três mil cópias pelo selo Pirata. O trabalho
teve uma boa aceitação? Soube que o trabalho extraviou inviabilizando novas
prensagens. O que de fato aconteceu?
Lazzarini. Sim, teve muito boa aceitação mas a gravadora fechou e com ela perdeu-se
nossa fita master. Mas com a tecnologia da masterização isto acabou não nos
afetando muito.
2112. Em 1976
João Ascenção sai da banda sendo substituído por Rodolfo Braga do grupo Joelho
de Porco. O que levou ele deixar a banda?
Lazzarini. Problemas pessoais, conforme disse na época. Nada musical.
2112. O segundo
álbum “Além das Lendas Brasileiras” inovou ao trazer elementos musicais
brasileiros além de evocar figuras do nosso folclore. A intenção era criar um
prog com conotações musicais brasileiros?
Lazzarini. A intenção era essa sim. Abrasileirar o progressivo. Gravamos num estúdio
de 16 canais. A gente gostava de prog e de música brasileira também. Quanto aos
temas folclóricos, as lendas, foram objeto de estudo desde que eu era pequeno.
Estas lendas já eram vividas por nós.
2112. Neste álbum
vocês incluem Passaredo de Chico Buarque e Francis Hime que tinha como tema a
preservação da natureza. Afinal, de quem foi a idéia de gravá-la?
Lazzarini. Minha!
2112. Você sabe
dizer se o Chico ou Francis ouviram a gravação de vocês?
Lazzarini. Não sei se ouviram não, mas autorizaram a gravação.
2112. Confesso
que o arranjo ficou super bacana... melhor que a original, diga-se de passagem!
Lazzarini. Que bom. Eu também gosto muito. Era exatamente a onda que o Terreno tava
a fim de fazer, um álbum místico e ecológico.
2112. A banda
encerra carreira em 1979 ano em que muitas bandas progs mudaram sua direção
musical para sobreviver após a passagem do furacão punk rock. Esse foi um dos
motivos ou não havia mesmo mais condições de continuar como banda?
Lazzarini. Quando o Rodolfo saiu, o Mozart que era seu cunhado resolveu parar
também. Aí continuamos com outra formações mas não tinha mais o mesmo espírito,
aí resolvemos dar um tempo.
2112. Li num
artigo que vocês são considerados o Gentle Giant brasileiro. Esse tipo de
comentário incomoda ou serve como um elogio?
Lazzarini. Pra mim é um elogio porque considero o Giant uma super banda e não
negamos a influência, porém nunca copiamos, só fomos muito influenciados.
2112. Mesmo após
o fim da banda vocês mantinham contato?
Lazzarini. Sim, sempre mantivemos contato, pelo menos eu, o Mozart e o Kurk.
2112. E você
continuou na carreira musical?
Lazzarini. Sim, fazendo arranjos e produzindo discos. Trabalhei com Sá e Guarabyra,
Falamansa (produção), Fábio Junior, Bibi Ferreira, etc. depois trabalhei
como criador na TV Record e até hoje faço trilhas para a televisão.
2112. Em 1993
vocês voltam a se reunir em estúdio para regravar o primeiro trabalho da banda
em inglês. Como surgiu a idéia desse projeto?
Lazzarini. O selo Progressive Rock quis regravar o primeiro disco e aproveitamos
para gravar também em inglês com versões feitas pelo André Christóvão
2112. Em algum
momento dessa reunião vocês pensaram em continuar como banda?
Lazzarini. Sim, neste momento resolvemos voltar a fazer shows e fizemos Centro
Cultural São Paulo, Britânia e outros
2112. Após anos e
anos de espera o primeiro trabalho de vocês é enfim lançado em cd com o som
remasterizado na Itália pelo produtor original dos dois álbuns da banda: Cesare
Benvenuti. O disco era um verdadeiro ítem de colecionador, não é mesmo?
Lazzarini. Ao que me consta se tornou sim peça de coleção. Os vinis estão sendo
vendidos bem caros na praça e tem colecionadores fanáticos.
2112. Existe
projeto de relançar o Além das Lendas Brasileiras também em cd?
Lazzarini. Sim, com o Roberto Oka que é o nosso empresário no momento.
2112. O sucesso
do Festival Totem Prog apenas comprovou que as bandas daquela época estavam
certos e a crítica mais uma vez equivocada...
Lazzarini. A crítica não deve ser o norte de um trabalho criativo, apenas opina
sobre o que já está feito e não cria nada. No Totem tivemos a oportunidade de
ouvir e conviver com velhos lobos do rock com muita gente nova. Tem bandas
novas de prog muito boas. Acho que o Totem é muito importante para juntar e
divulgar as bandas deste estilo que estão cada vez mais em evidencia
2112. O que vocês
sentiram diante daquele público ensandecido que na sua maioria nem era nascido
quando vocês surgiram?
Lazzarini. Pura emoção. É muito gratificante ver que o trabalho é reconhecido pelos
mais jovens. Isso é tudo que um músico deseja.
2112. A morte de
Kurk deixou uma grande lacuna na história do rock brasileiro e na própria
banda... afinal ele era vocalista, compositor e instrumentista. A sua morte
coloca um ponto final na trajetória da banda ou já existe projetos de novos
shows e novas gravações?
Lazzarini. O Kurk foi uma grandiosíssima perda, irmão de batalhas e grande amigo. Não
é ponto final, é recomeço. Com a entrada do Roger Troyjo o Terreno ganha sangue
novo e estamos gravando uma nova música. Outras virão com a colaboração do
Edson Ghilardi, o Geraldo Vieira, o Cassio Poleto e é claro do Mozart Mello.
Esta é a nova formação da banda e um time de virtuoses.
2112. Dá para adiantar alguma coisa?
Lazzarini. Sim. A música se chama Indignação, daqui a pouco vão ouvir.
2112. Confesso que foi um prazer muito grande entrevistar uma das maiores
lendas do prog rock brasileiro. O microfone é seu...
Lazzarini. Estou muito feliz e renovado com esta formação do Terreno. Se Deus
quiser vamos continuar a compor novas músicas e contribuir com o que pudermos
para a música que é nossa grande mãe e companheira. Como diz na Letra da música
Indignação: " A música é a nossa união!"
Entrevista postada originalmente em 04/07/2018
Dedicado essa exposição à memória de João Kurk.
As fotos usadas nessa postagem foram solenemente saqueadas do Facebook do grupo e de seus integrantes. Não deu para identificar os nomes de todos os fotógrafos... mas algumas delas pertencem a Rodolfo Ayres Braga, Bolívia & Cátia Rock, Leandro Almeida, Flávio Tsutsumi, Trajan e Washington Santos.
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