Gross é um daqueles
músicos que depois que você ouve fica viciado de primeira. E tudo isso acontece
porque a sua música é simples, é crua com letras que se ajustam perfeitamente
ao nosso cotidiano. O segredo é que ele escreve as nossas memórias como se
fossem suas. Coisas de mestres...
2112. Sinto nos trabalhos da Gross uma
verdade nula em muitas bandas que hoje se preocupam mais com o visual e os
trejeitos de bad boys do que com a sua própria música. Muito bacana isso da sua
parte, parabéns meu camarada.
Marcelo. Muito obrigado. A música cura e
salva. O resto é ornamento.
2112. Use o assento para flutuar
(2013) e Chumbo, Pluma (2017) é rock clássico, básico, simples... mas que tem
profundidade e personalidade de quem conhece o seu ofício. O que você ouve no
seu dia a dia?
Marcelo. Muito obrigado. O primeiro disco
foi gravado num porão com a banda tocando ao vivo e mandando ver, num clima
mais despretensioso, isso passou pro clima do disco. O segundo já trabalhamos
mais nos overdubs e buscamos uma sonoridade diferente. E eu continuo ouvindo o
que eu ouvia com meus 13, 14 anos: Beatles, Dylan, Kinks ... dos artistas novos
eu destaco o Michael Kiwanuka, The Black Pumas, The True Loves... gosto
bastante do duo francês Ratatat. Mas nas ocasiões especiais acaba sempre rolando
o bom e velho Álbum Branco..
2112. A sua coleção de discos aborda
vários estilos de música ou você ouve mais rock?
Marcelo. Predominantemente rock’n’roll,
mas também aborda bastante música brasileira, blues, jazz... Mas sim: tem mais
Beatles e derivados do que qualquer outra coisa, sou estudioso do
assunto.
2112. Ambos os álbuns foram lançados
quando você ainda fazia parte do Cachorro Grande. Como você fazia para cumprir
duas agendas de shows?
Marcelo. Eu dava prioridade pra agenda da
Cachorro Grande, sempre rolavam umas brechas e eu tocava nessas brechas. Foi só
quando sai em 2018 que pude me dedicar 100%.
2112. Quando George Harrison foi
indagado em uma entrevista sobre All Things Must Pass ser um álbum triplo ele
alegou que suas músicas não eram aproveitadas nos Beatles. Com você também
ocorreu algo parecido?
Marcelo. Sim, esse é um dos motivos pelos
quais meus dois álbuns são duplos. Eu tinha muito material que eu gostava pra
soltar e a partir de um momento eu não conseguia mais expressar o que eu
gostaria na banda. Esses dois discos foram uma espécie de libertação pra
continuar fazendo o que eu havia começado no início da Cachorro Grande, quando
eu escrevia e produzia uma parte significativa do material que era
gravado.
2112. Todo artista é crítico e na
maioria das vezes se sente insatisfeito... Você tem essa sensação quando ouve
seus álbuns ou eles cumprem ao que vieram?
Marcelo. Os meus dois discos cumpriram o
objetivo e me deixaram plenamente satisfeito com o resultado. O C&P foi um
projeto ambicioso, com vinte e poucas músicas em dois estilos diferentes. Gosto
muito da parte “Pluma” por ter me tirado da zona de conforto e ser diferente de
tudo o que eu havia feito até então, e eu acabei buscando uma sonoridade bem
soft.
2112. Vejo que muitos músicos não sabe
distinguir o que é ser influenciado e o que é usar idéias alheias. Como você
trabalha isso na hora de compor suas músicas?
Marcelo. O que a gente acaba fazendo
sempre vem de algum lugar, assim como o que nossos ídolos fazem também. As
coisas não surgem do nada, a gente sempre acaba pegando algum norte de alguma
forma pra se inspirar e dar aquela fagulha inicial pra compor uma canção. Também
tenho a teoria que me ajuda muito de que é só ir atrás do John Lennon que tudo
vai dar certo, há,há.
2112. O blog trabalha no sentido de
divulgar a música autoral. Pessoalmente você é contra ou a favor de bandas
covers?
Marcelo. Nem contra, nem a favor...
lógico que tem um segmento de mercado do rock no qual tocam apenas bandas
covers, e isso pode ser visto como algo que deixa o rock estagnado parecendo
coisa de tiozinho. Mas tem espaço e público pra tudo, então cabe cada segmento
achar o seu campo de atuação e o público decide se quer algo original ou a
cópia chinesa.
2112. No meu ponto de vista elas tomam
o lugar que de direito pertencem a vocês músicos autorais. Acredito que a
sensação de ouvir uma banda cover é a mesma de quem bebe whisky paraguaio
achando que é escocês...
Marcelo. Não vejo dessa forma, lógico que
fazer acontecer um som autoral é mais difícil, porém quando rola é mais
gratificante, ver a galera cantando e curtindo um som que o cara fez no quarto
na madrugada... por outro lado, bandas para animar baile sempre existiram e
sempre vão existir.
2112. Chumbo, Pluma tem um título bem
sugestivo e bem ousado por se tratar de um álbum duplo coisa rara em tempos
bicudos como os que estamos vivendo. Qual o conceito por traz do álbum?
Marcelo - O conceito é de os opostos
convivendo em harmonia: luz e sombra, yin & yang, Chumbo e Pluma... a
dualidade tão natural e tão estranha à condição humana. E também quis
separar um disco de rock (Chumbo) do outro de baladas acústicas (Pluma) e o
conceito acabou se encaixando meio que por osmose com as canções que eu tinha.
Ozzy Osmose, há,há!
2112. Você é do tipo que compõem
muito?
Marcelo. Sim. Já fui mais, ultimamente
ando meio vagabundo... Mas está saindo um disco novo, então é provável que
depois que eu desovar esse material eu me empolgue para querer dizer mais
coisas e escrever mais canções.
2112. A temática de suas letras é
próxima da realidade de quem compra os seus cds e vai aos shows. Não gosto de
letras fantasiosas com historinhas de cavaleiros medievais, dragões, mortos
vivos etc. Prefiro uma letra de cunho mais realista...
Marcelo. É, tem coisas que a gente vive
que invariavelmente acaba indo para canções. Esse disco novo que vou lançar tem
um cunho mais autobiográfico, falando de um período tempestuoso pelo qual
passei de um tempo pra cá e da minha recuperação/reinvenção. Portanto tem uma
conotação bastante verdadeira a temática das letras e estou muito feliz com o
conjunto da obra que está a caminho de poder ter retratado as coisas pelas
quais passei e dividir isso com o público que me acompanha.
2112. ...a realidade as vezes é dura
mas precisa ser encarada de frente, não é?
Marcelo. A gente transforma em arte e
poesia os momentos difíceis, em acalanto para o coração e a alma, um lamento em
forma de melodia. Mas tem os momentos bons, de amor e elevação espiritual, que
invariavelmente também se transformam em música e que também são muito bons de
dividir.
2112. Você é do tipo que acompanha toda
a movimentação da cena frequentando shows, comprando cds, ouvindo
rádios... ou não liga muito para isso?
Marcelo. Sim, estou sempre curioso sobre o
que de bom está rolando tanto aqui quanto lá fora também.
2112. Não canso de falar sobre a
grande admiração que eu tenho pela cena do Sul. Ela destoa das demais
capitais... ainda que soe como uma meia irmã de São Paulo: grandes bandas,
grandes compositores e múltiplos estilos. Já entrevistei várias bandas e
músicos daí e tenho um puta orgulho disso.
Marcelo. É, deve ser alguma coisa na água
do Rio Guaíba, todo mundo meio doido né... Tem uma coisa muito rock inglês no
sul que eu gosto bastante. E a velha síndrome de ser “Longe demais das
capitais”, que faz com que a galera toque um foda-se com mais convicção e vontade.
2112. Você hoje mora em São Paulo mas
me diz uma coisa: o que o Sul tem que falta em Sampa e vice versa?
Marcelo - O sul é um bom celeiro e um bom
berço pra se começar; São Paulo é o Brasil, o mundo, a pluralidade com seus
prós e contras, o bom caos, movimentação, high voltage, megalópole. Amo os
dois. Odeio os dois. Não vivo sem nenhum.
2112. Olhando hoje o episódio
envolvendo a sua "saída" da Cachorro Grande ainda rola algum tipo de mágoa?
Marcelo. Não rola mágoa, aquilo foi o fim
da parada, do sonho, demorou um pouco, mas todos entenderam isso e a banda se
separou logo em seguida. Agora está tudo bem, cada um fazendo seu trabalho sem
um encher o saco do outro.
2112. Robert Plant depois que o Led
Zeppelin acabou evitou por muitos anos tocar músicas da sua ex-banda. Com você
foi assim também ou encara tudo numa boa?
Marcelo. Escrevi muitas das canções da Cachorro Grande
sozinho, canções as quais me orgulho de ter feito como “Lunático”, “Dia
perfeito”, “Sinceramente”, “Bom Brasileiro”, “Que loucura “... que fizeram
parte da vida das pessoas e da minha, portanto não tenho problema algum de
cantar elas nos meus shows. Mas também claro que não acabamos a banda pra ficar
tocando canções antigas, então sempre toco também o material mais recente para
o público sacar onde nos situamos no momento e muitas vezes dou prioridade para
isso, para se movimentar e ir adiante.
2112. Quais são os seus projetos para
este ano?
Marcelo. 2020 trará muitas novidades: disco
e tour novos já a caminho, aguardem, a partir de março começamos os novos
lançamentos dos singles e clips novos antes de soltar o disco.
2112. Qual o telefone/e-mail para
contratar a Gross e adquirir os cds?
2112. ... o microfone é seu!
Marcelo - Hello, Goodbye ((•J•))
Crédito fotos: Facebook Marcelo Gross
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