segunda-feira, 16 de outubro de 2023

Entrevista Edmar "Hédi" Silva

2112. Parabéns pelo magnífico trabalho desenvolvido através dos lançamentos da Bem Bolado. Projetos todo artista tem... mas colocar em prática é outros quinhentos, não é? Como foi que o selo se materializou?

Edmar. Tudo começou em 2002 quando eu montei o selo Mono Music que era destinado a lançar demo de artistas independentes e enviar esse material para rádios, revistas, fanzines e gravadoras maiores. Mas com o passar do tempo começou a ficar inviável fazer esses lançamentos por conta do alto preço dos estúdios na época, e ainda não tinha essa facilidade de gravar em casa e eu acabei abandonando o projeto. Em 2012 eu criei o selo Setor onde lancei alguns trabalhos experimentais, e também não foi para frente, e nessa mesma época eu fiquei doente e praticamente abandonei a carreira musical só voltando em 2015, mas sempre com essa ideia na mente de montar um selo. Com a evolução do mercado fonográfico eu vi que ficou mais fácil e prático de trabalhar um selo e fui estudar o mercado digital e produção, e só depois de um bom conhecimento e com as ferramentas necessárias montei no final de 2019 o selo Bem Bolado Discos.

2112. O que mais te impulsionou a criá-lo?

Edmar. A necessidade de impulsionar um artista, dá um suporte, um rumo, criar formas para que a música dele seja ouvida, espalhar conteúdo musical inédito. Essa sempre foi a minha motivação. 

2112. Infelizmente vivemos num país onde a cultura é sucateada... Como é manter o selo em andamento?

Edmar. O grande problema de um selo independente é o dinheiro. Com um bom capital de giro você consegue fazer um bom marketing e uma boa publicidade para o artista, e no mercado fonográfico de hoje é super fundamental esse tipo investimento. Com um baixo investimento você consegue alcançar um certo limite, o que faz ficar desleal a concorrência, e o que tem mais grana para investir sempre vai se sobressair. E ainda tem o problema das verbas públicas de editais, fomento que deveriam ser mais justos os repasses, o que ajudaria por mais trabalhos musicais nas ruas e ajudaria muito artistas, mas é super burocrático de conseguir e mais uma vez que tem mais dinheiro é quem leva. Mas diante disso a gente vai levando por amor a arte e de uma forma humilde tentando deixar um legado musical bacana para a posteridade. 

2112. Você tem uma estimativa de quantos lançamentos já realizou?

Edmar. Sim, lançamos 20 trabalhos inéditos entre singles, eps e álbuns, 8 coletâneas, 4 relançamentos digitais, e 3 relançamentos em cd.

2112. É "missão quase impossível" patrocinar todos os músicos/bandas que ouvimos pois existem as famosas questões financeiras como você mesmo já mencionou. Como é o processo seletivo do material a ser lançado?

Edmar. No formato digital é mais fácil, o artista já está com o produto pronto, e a gente faz a parte burocrática de registro e envio para a distribuição nas plataformas, é um custo bem baixo. No caso do cd é feito um estudo antes para ver se o produto tem saída, porque a gente depende das boas vendas de um artista para poder financiar outros. Nós como um selo independente sem muita projeção no mercado temos que errar o mínimo possível, por isso os lançamentos em cd são bem específicos. Sem falar que o mercado para cd está bem fraco, por conta do digital e do aumento da popularidade do vinil, que para nós é inviável por conta do alto custo. Às vezes eu tento algum tipo de financiamento coletivo mas não temos ajuda por se tratar de artistas com baixa projeção no mercado, e infelizmente o artista com maior fama mesmo no cenário independente tem mais regalias. 

2112. ... é você quem faz contato com as bandas/músicos ou eles te enviam o material?

Edmar. Acontece as duas coisas. E tem também as parcerias onde a gente faz um trabalho coletivo de ajuda mútua.

2112. Você já pensou incluir lançamentos de bandas obscuras dos anos 60/70 nas plataformas do selo? Seria um projeto de suma importância para a cultura brasileira, não?

Edmar. Sim, eu estava com um projeto com bandas e cantores de rock dos anos 60 que saíram por selos menores, mas tive que parar por conta de que alguns selos foram comprados por grandes gravadoras o que dificulta fazer o lançamento, e outras eu não consigo contato com o artista, com o dono do selo ou familiares para que eles liberem o material. Hoje em dia tem que ter muito cuidado em lançar material para não ser processado. Já fizemos um lançamento parecido mas com uma banda da década de 90, o Page 4 onde o artista me procurou e juntos fizemos esse lançamento nas plataformas digitais.

2112. Os lançamentos são realizados nas plataformas digitais e em cds, mas existem projetos para lançamento em vinil?

Edmar. Infelizmente o vinil é inviável para nós. Um lançamento básico em 300 cópias sai mais ou menos por R$ 19.000,00. A Bem Bolado trabalha com artistas sem muita projeção, não estou dizendo que eles sejam ruins, pelo contrário, são artistas com uma qualidade incrível, mas para um público seletivo como temos no Brasil fica difícil um lançamento com um alto custo sem retorno de venda. Se você olhar para o mercado vinil do momento, 10% são de artistas novos e mesmo assim são os mais hypados que tem um público que compra. Os outros 90% são relançamentos de clássicos ou um álbum inédito de um artista que tem vários anos de estrada e um nome, por exemplo o Marcos Valle. Isso passa pelo o que falei mais acima tudo depende da grana para investir em publicidade e marketing para o artista ter uma boa projeção e para que a sua música seja mais consumida.  

2021. Os seus álbuns também serão disponibilizados em cds?

Edmar. Pretendo relançar os três que já lancei como Edmar Silva. E o novo projeto com o nome Hédi está sendo estudado para ser lançado em cd junto com o lançamento digital.

2112. Atualmente poucos são os músicos que seguem a própria intuição (música autoral) mesmo porque precisam de sobreviver. O que te atrai em fazer/ouvir música?

Edmar. Para mim música é sentimento, e o ouvir passa por isso de sentir, eu ouço música quase 24 horas e cada uma que eu ouço me faz sentir algo diferente. Eu não me cobro para fazer música e deixo o tempo dizer se é hora de compor ou não, tanto que eu nem tenho muitas composições, a grande maioria eu já lancei tudo. Sobre o músico que faz cover para sobreviver eu não tiro a razão deles, porque é um modo de ganhar dinheiro com aquilo que gosta de fazer, e nem todo músico é compositor então o que sobre para eles é esse tipo de trabalho. Para mim a culpa é dos donos de alguns bares que não abrem espaços para música autoral. O público se serve daquilo que se apresenta, se ninguém apresenta não tem como o público conhecer.

2112. Vi muitos talentos caírem no ostracismo por seguir as famosas "regras do mercado". Quando se perde o rumo dificilmente se retorna ao caminho de origem, não é?

Edmar. Infelizmente o artista com os seus recursos próprios ele atinge um certo nível, onde se ele faz um bom trabalho consciente do que ele quer, ele consegue sobreviver da sua arte, é difícil, mas tem vários exemplos por aí. Mas se ele quer chegar no nível onde está a grande mídia ele vai ter que se adaptar com que esse mercado pede, e entrar no jogo dos caras. E é aí que mora o problema por que a gente sabe que na grande mídia algumas coisas são passageiras, para seguir em frente tentando se adaptar sempre ou voltar é difícil. O artista tem que saber muito bem o que ele quer da carreira dele.

2112. ... deve ser frustrante para um músico notar que o público está esperando aquela determinada música que tocou nas rádios e as demais passando quase que despercebidas, não?

Edmar. Sim, porque às vezes tem toda uma dedicação um trabalho e gera expectativa e quando não acontece o que se espera frustra com toda a razão.

2112. A sua música por exemplo vive em constante mutação. Onde você pretende chegar?

Edmar. Cresci em um ambiente, casa e bairro, onde se tocava de tudo, então pra mim foi e é normal ouvir de tudo, e talvez isso reflete na música que faço. Eu comecei com o rap no início da adolescência, depois migrando para o rock, a música experimental e agora voltando para as raízes com o soul/funk/rap. Quero me aventurar nessa nova fase com shows, que eu não faço desde 2015, e mais pra frente quem sabe o que pode acontecer. Eu estou sempre me reciclando.

2112. Hoje o modo de ouvir música mudou... a maioria vivem de playlists ao invés de ouvir o álbum inteiro como era costume na nossa época. Essas atitudes te frustram como músico e compositor?

Edmar. Não. Eu acho super válido qualquer forma de se consumir música, porque isso varia de pessoa para pessoa. Tem pessoa que é mais detalhista e apegada a dados, fatos, outras é mais de curtir o momento. E cada mídia tem a sua peculiaridade, e tem a questão financeira também, nem todo mundo tem grana para comprar vinil ou até mesmo cd, k7, às vezes o cara assina uma plataforma e lá ele ouve centenas de música, e para ele sai mais barato, prático e agradável, tem a questão histórica, onde tem pessoas que já nasceu no digital, e por aí vai. Eu ouço em todas as formas possíveis, o que não pode é deixar de ouvir música, se não estamos ferrados.

2112. Você liga para críticas?

Edmar. Depende da crítica. O que não pode é confundir crítica com ofensa pessoal e muitos usam deste artifício para dizer que é uma crítica. Dizer que não gostou e apontar o que não gostou é super válido e às vezes até ajuda para uma evolução. E a crítica deve ser sempre neutra quando passa para o pessoal é outra coisa.

2112. Você mencionou certa vez que sempre começa a compor/gravar com uma ideia e termina com outra completamente diferente. O que é criar a partir do que parecia estar pronto?

Edmar. O que acontece é que geralmente quando vamos gravar uma música, temos uma base rítmica já pronta e em cima dela vamos criando o arranjo que geralmente já está na mente. Só que passa os dias você ouve e já não gosta do arranjo, e cria outro, e isso dependendo pode acontecer várias vezes, e no final aquela ideia do início nem existe mais. Mas isso se dá porque gravo em casa tenho tempo para ouvir várias vezes, já em estúdio com hora agendada não tem tempo para isso. 

2112. Seu primeiro álbum Edmar Silva e a Orquestra Fantasma de São Paulo demonstrava que você não seria um artista de uma única via musical. O que é relevante e irrelevante na música para você?

Edmar.  Relevante, é você criar sempre dentro da sua verdade artística independente de sucesso, fama, essa é a grande sacada do artista, é o que faz você se diferenciar. Irrelevante, e fazer por fazer buscando somente se aparecer. Falo isso dentro da minha visão como criador, mas a minha visão como consumidor também é a mesma rsrs.

2112. Como anda as pesquisas do seu livro? Falta muito para você concluir o projeto como um todo?

Edmar. Está sendo muito gratificante escrever esse livro, e é uma aventura pesquisar, investigar, porque não fica só no âmbito musical, tem todo um contexto histórico também, de lugares, e fatos da época. Venho conversando com artistas que eu só conhecia dos discos, técnicos de som, produtores, motoristas, secretárias, e ainda bem que tem muita gente viva ainda dessa época, mas os familiares dos que morreram vem me ajudando bastante. Posso garantir que 50% do livro está pronto, e dependo das informações chegar, e muita das vezes demora, estamos falando de artistas que tem 70 anos para 90 e tem que ter todo um cuidado com eles porque a memória não é mais a mesma. E a prioridade do meu livro é passar a mais possível informação correta, porque estamos falando de um fato histórico da nossa música.

2112. Há quanto tempo você trabalha nesse material?

Edmar. Eu era um colecionador de discos de rock dos anos 60 brasileiro, esses artistas que as pessoas gostam de dizer que é jovem guarda, mas não é, é rock. Com isso, em 2008 eu comecei um levantamento das informações desses álbuns mas acabei parando. Em 2012 e 2016 tentei novamente mas não prossegui, voltando agora em 2023 com força total e neste momento está sendo a minha prioridade.

2112. Você tem uma estimativa para o seu lançamento?

Edmar. Eu queria lançar neste final de ano, mas estou vendo que não vai ser possível, mas vou tentar.

2112. Qual e-mail/telefone para as bandas enviar material para você?

Edmar. Meu email silva.edmar82@gmail.com ou pelas minhas redes socias Edmar Hédi e Bem Bolado discos no instagram,e Edmar Hédi no Facebook

2112. ... o microfone é seu!

Edmar. 2024 vai ser um ano que vai ter muita coisa boa e não só minha mas de uma galera que vem produzido coisas legais. Não desanimem por achar que as coisas não estão andando, o mais importante é sempre seguir em frente, várias vezes quis desistir, mas hoje percebo que a nossa luta não pode parar nunca, e a guerra só termina quando o último de nós cair, a vida é assim. Mais uma vez obrigado demais pelo espaço cedido não só para mim mas para todos que aqui teve fala e pode de uma forma humilde se expressar, e um abraço aos leitores do blog.

 

Logo atual
Arte da primeira logo por Nany Dias
 

Link da primeira entrevista:

http://furia2112.blogspot.com/2018/03/entrevista-edmar-silva.html?m=1

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