O nosso underground tem
apresentado uma série de bandas que vai do som mais simples ao mais complexo
com uma desenvoltura única. A banda Ala Mil ao trazer uma gama variada de influências
torna difícil encaixá-la num único segmento. É apenas música livre de rótulos
ou classificação mas de fácil apreciação...
2112. O Ala Mil indiretamente surgiu das jams que você e o Virgilio faziam após os ensaios com a Gofa. A início a intenção era só diversão ou vocês já tinham a intenção de criar uma banda paralela?
Cesar Gama. Inicialmente era só diversão e exercício criativo. Certa vez a banda Gofa ia tocar num restaurante de um amigo nosso e o baterista teve problemas pessoais e não pode ir, aí fizemos alguns desses temas ao vivo eu e Virgilio pela primeira vez, aí foi nascendo a idéia de um novo projeto, mais experimental e sem se prender a algum estilo. Na própria banda Gofa já tínhamos misturado alguns elementos de metal, rock clássico, valsa e ska. Duas coisas foram essenciais pra virar uma banda mesmo, o retorno do vocalista da Goffa Daniel pro Rio Grande do Sul que deu fim a essa banda, e a compra de uma interface de som usada que comprei de um amigo meu Herbert Sousa (Tiu Funk) e com ele aprendi algumas coisas de gravação. Quando fui pra São Paulo duas vezes gravar umas tracks de um outro projeto que tenho com ele a Suburbeats na linha do rap mas com som orgânico de banda mesmo, aí comecei a gravar umas idéias e experimentar timbres, o que possibilitou também explorar novos estilos.
2112. A Gofa fazia um som puxado mais para o punk hardcore mas vocês pareciam querer algo mais. O fim da banda acabou servindo como resposta para vocês formalizarem o Ala Mil oficialmente como banda?
Cesar. Sim, porque estávamos tocando direto em shows e ensaios, eu e Virgilio que já éramos amigos uns 10 anos. Chegamos a tocar com 2 bateristas em ensaios mas acabamos ficando nós dois mesmo, usando samples de baterias e as vezes quando tocamos perto de Curitiba na chácara do meu pai tem um amigo baterista nosso o Nicholas que toca ao vivo com a gente lá, assim como o saxofonista Sérgio Piro e o Everton que hoje é fixo da banda. Com o tempo e esses outros integrantes ao vivo ou em gravações, onde participam sempre gente do Brasil todo e até um americano que virou nosso grande parceiro no último disco. A sonoridade foi se tornando mais e mais ampla e eclética, porém mantemos o espírito punk do lema faça você mesmo e o lado sujo e visceral.
2112. Você poderia explicar o nome da banda? Pergunto isso levando em conta que a palavra "Ala" pode ser aplicada em diversas situações diferentes...
Cesar. O nome foi sugerido pelo Virgilio quando fomos gravar as primeiras faixas e era o nome de um bar de sinuca que frequentávamos no centro de Balneário Camboriú - SC e tinha acabado de fechar.
2112. É muito bacana a mistura sonora que vocês trazem na bagagem: rock, punk, jazz, dub, funk, soul e música brasileira. Isso dá ao grupo total liberdade para trabalhar em diversos estilos sem perder a atitude, certo?
Cesar. Exatamente, gostamos de todos esses estilos, mas o som tem a nossa cara e sempre uma força do punk e do rock porque foi de onde viemos e foram nossas primeiras escolas de som e atitude.
2112. A musicalidade de vocês me fez lembrar do The Clash que ao usar diferentes influências foi muito além do manifesto punk instituído pelo Sex Pistols. Que bandas são influências diretas no som do Ala Mil?
Cesar. The Clash é uma banda que todos nós gostamos sim, olha são tantas coisas, falando por mim, nos dois primeiros discos me influenciei muito pela cena No Wave e post punk do fim dos 70, coisas como Contortions, Bauhaus, Pop Group, Lounge Lizards (mais pro lado jazz), The Slits, rock alternativo dos anos 90 como Primus, , Praxis, Buckthead , Mr Bungle, Janes Addiction e os primeiros discos do Red Hot Chilli Peppers, funk 70 (Funkadelic e Sly and Family Stone principalmente) e a fase elétrica do mestre Ornette Coleman, Soft Machine (fase inicial) e Herbie Hancock fase Headhunters.
No terceiro disco JahAlláh Mil as influências foram principalmente do dub jamaicano (Lee Perry, King Tubby principalmente) Krautrock alemão (Can, Faust e Amon Dull II) e folk psicodélico gringo e nacional (Byrds, Love, Karma, Lula Côrtes).
No disco Jazz punk eu quis fazer uma analogia com essa fusão que na minha visão vem antes do próprio punk desde o free jazz inicial de Ornette e Sun ra nos anos 50, depois passando por Velvet Underground, The Fuggs, Stooges e MC 5, depois em bandas de HC como Black flag e outras do selo SST Records, em toda a cena No Wave nova yorkina já citada e também em bandas brasileiras como Patife Band, Colarinhos Caóticos e Crac que tinham sax dissonante em vários sons além de estruturas vanguardistas e influenciaram muito no som do disco, citaria também a banda de prog metal Voivod que influenciou muito na faixa Saudades do Domingo de Fúria.
Já no disco mais recente Cafonália a gente quis explorar o som mais brasileiro e percussivo que já tínhamos explorado timidamente em faixas isoladas dos outros discos, as influências foram desde os geniais percussionistas Naná Vasconcelos, Pedro Santos (Sorongo) e Airto Moreira, passando por samba jazz como Tamba Trio, Zimbo Trio, Sambrasa Trio e Rio 65, até Quarteto Novo, Som Imaginário, Karma novamente, Os Haxixins (inclusive Edu Osmédio toca em duas faixas) o mestre Lanny Gordin, de som gringo destaco Jack Bruce (que sempre foi uma herói pra mim) e Spiritual Jazz (Alice Coltrane e Pharoa Sanders) principalmente nas faixas Baixas expectativas e Maria Sabina.
Essas foram minhas referências e como principal compositor e produtor da banda acabo direcionando pra esses lados todos, mas sempre mostro essas referências pros guitarristas da banda que também me mostram muita coisa nova.
Virgilio como eu gosta de muita coisa diferente, metal, HC, blues, funk, reggae/dub, funk/soul e também de muita música eletrônica dos anos 90 e atual. Algumas referências dele são Black Flag, Prodigy, Chemical Brothers, Gorillaz, Django Reinhardt, Sepultura, Thelonious Monk, Skatalites, Yamandu Costa.
Everton é um cara mais ligado em post punk, rock alternativo e grunge, gosta muito de The Cure, Alice in Chains, Nirvana, Smashing Pumpkins, Queens Of The Stone Age também curte muito Secos & Molhados, Beatles (talvez sua banda favorito com Cure e Smashing), Gojira e rock latino principalmente Soda Stereo.
2112. O grupo é formado por você (baixo, produção e samples), Virgilio Teixeira (guitarra e violão) e Everton Piagetti (guitarra e guitarra slide). Vocês pretendem incluir um baterista fixo ou serão contratados segundo as necessidades do grupo?
Cesar.Sempre foi difícil arranjar um baterista fixo, um amigo de Curitiba tá vindo morar aqui em SC, talvez role, já toquei com ele pouco tempo em uma banda e é um grande músico, tomara que dê certo.
2112. Vocês tem parceiros espalhados por todo o país. Como funciona isso na hora de compor uma música, fazer arranjos, ensaios, shows e gravações?
Cesar. Normalmente mando uma base já pros músicos completarem, ao vivo a gente adapta como dá, os guitarristas tocam do jeito deles, os caras improvisam bastante, a gente nunca toca igualzinho, só eu que sou o baixista mesmo, mas eu sempre dou uma soltada quando tenho um espaço também.
2112. Entre os cinco álbuns nas plataformas digitais. Qual teve a melhor aceitação e quais as músicas mais pedidas nos shows?
Cesar. O último que chegou em 3
meses a quase 900 views e passou todos os outros, no momento não estamos
fazendo shows, vai ter um dia 05/12 aqui em Balneário Camboriu no Jardim
Elétrico num festival. Normalmente o pessoal não pede música, só ouve e viaja,
mas acho que esse último álbum será mesmo o mais aceito pois tem um som mais
agradável e menos dissonante.
Cesar. Estamos negociando, talvez saia nosso último disco o Cafonália em cd ano que vem.
2112. O que vocês abordam nas letras da banda? Pergunto isso levando em conta o excesso de violência nas letras de muitas bandas hoje. Isso já está ficando um pouco batido... e ademais violência não é a saída para uma mudança na sociedade. Acredito que o que falta é mais diálogo e respeito...
Cesar. Nosso som é em 90% talvez instrumental mesmo, no segundo entraram algumas vinhetas com voz, engraçadas ou de crítica social/política, no disco JahAlláh Mil minha ex mulher fez vocalizes sem letras em 2 faixas, no disco Jazz punk tem uma faixa com voz no caso uma poesia falada (spoken poetry) do amigo e parceiro musical Edmar Silva, uma poesia livre com esse tema Jazz punk mesmo, no disco Cafonália tem mais uma spoken poetry do amigo Fabio Silva na faixa disco da Xuca tocando ao contrário que inclusive virou subtítulo do disco e tem também a primeira faixa com melodia cantada e letra, no caso cantada pelo amigo Daniel Tobaja que tem um trabalho solo muito criativo, a letra é minha, tinha feito pra um disco solo meu que só ficou na idéia, era de 3 anos atrás, o instrumental também, aliás já estava gravado, só faltava a voz mesmo e as percussões que entraram no passado e virou a faixa Nacionalismo Fake que fala da ideologia nefasta do guru Olavo de Carvalho que paga de nacionalista mas imita um redneck americano e quer entregas todas as riquezas do país para os americanos e a letra também fala muito ironicamente de quem acreditou nessa turma bolsonarista e golpista que só trouxe mais miséria e subdesenvolvimento pro país. Mas nosso protesto e as mensagens estão mais nas capas dos discos, nas vinhetas e na tensão e dissonância do som.
2112. Os dois últimos anos praticamente tudo ficou estagnado com o advento da pandemia muitos grupos/músicos aproveitaram o tempo para compor, gravar e mesmo fazer algumas lives. O que vocês fizeram nesse período?
Cesar. Terminamos e lançamos o disco Jazz Punk no começo da pandemia em 2020 ainda e já na sequência comecei em casa primeiro as idéias e demos das primeiras faixas que dariam no disco Cafonália lançado em setembro de 2021, o resto foi feito nos ensaios, foi o nosso disco mais coletivo mesmo na criação. Fizemos também uma live no passado pelo Festival Sofa Fest do amigo André de Castro e outra esse ano mas dessa vez com um show pré-gravado e um pouco mais produzido, também fizemos muitos clipes pra ajudar na divulgação dos discos, desse último disco mais da metade das faixas tem vídeo clipe.
2112. A pandemia mostrou o quão a cena, o governo e as próprias leis estão desestruturados para enfrentar problemas desse tipo. Afinal muitos músicos passaram por maus pedaços nesse período, não é?
Cesar. Sim, mas da parte dos músicos, produtores e divulgadores até teve alguma ajuda entre eles, da parte do governo fora a lei Aldir Blanc não teve nada, aliás é o pior governo da história junto com o governo Collor no que se diz respeito a incentivo a cultura, fora que até a censura voltou em alguns casos e se depender deles só teremos obras puxa saco do governo ou ligadas as máfias gospel e a do agronegócio.
2112. Na sua opinião o que deveria ser feito para sanar futuros problemas como esses?
Cesar. Gastar mais com cultura, é uma forma de tirar jovens da violência, incentivar as pessoas a criarem arte gera emprego e faz a economia girar. Países liberais como os EUA e Coreia do Sul dão incentivo fiscal a grandes indústrias do entretenimento como Hollywood e a cena do K pop, aqui qualquer ajuda é vista como coisa de vagabundo e comunista, menos quando é pra máfia gospel e do agro é claro.
2112. Aos poucos os shows e outros tipos de eventos estão sendo liberados com algumas restrições. O que vocês tem planejado na agenda: novos singles, novos vídeos ou mesmo um álbum completo?
Cesar. No momento mais alguns clipes
e um show dia 05/12 como disse antes.
2112. Fechando a entrevista me
responda uma coisa: O Gofa deixou algum material gravado para a posteridade?
Cesar. Sim, um Ep lançado em 2017, só jogar no YouTube Gofa full ep 2017.
2112. Qual o telefone/e-mail para contratação de shows e compra de material de merchandising da banda?
Cesar. brascesar@hotmail.com, celular: (47) 99966-1930 e se quiser
comprar nossa música virtualmente só entrar no bandcamp: https://alamil.bandcamp.com/
2112. ... o microfone é seu!
Cesar. Muito obrigado pelo espaço de divulgação de nosso som e de nossas ideias e influências, muito legal trocar essa ideia, Jah bless.
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