quinta-feira, 4 de abril de 2019

Entrevista Peu Abrantes


Um músico não se cria, ele já nasce pronto. Precisa apenas ser lapidado como um diamante bruto retirado das entranhas da terra. E com o baixista Peu Abrantes o caminho não foi diferente: muito estudo, pesquisas, mente aberta para a escuta de vários sons, shows, gravações... Confira tudo isso nesta entrevista exclusiva!

2112. Você cresceu em meio a uma família musical com o pai tocando sax e o irmão violão. Isso de uma certa maneira te ajudou bastante na hora de decidir pela sua carreira, não é?

Peu. Se a gente for enxergar a música enquanto vocação, sem dúvida o ambiente familiar me ajudou muito, principalmente meu irmão, que sempre tinha um violão por perto, tocando de tudo: MPB, Bossa Nova, um pouco de Rock... sem saber, foi responsável pelas minhas primeiras memórias musicais, ele meio que formou meu gosto musical. Já o meu pai me influenciou muito na hora de sonhar com a profissão, pois ele tem boas histórias dos anos 60 e 70, das bandas, dos shows, das viagens... Sempre gostei de ouvir essas coisas e ficar imaginando. E também tem a minha mãe, que não é musicista, mas teve um papel decisivo, literalmente. Ela sempre me incentivou muito a estudar e a acreditar no que faço. Sem dúvida a gratidão que tenho pela minha família é uma das minhas maiores fontes de inspiração.

2112. O que te levou a optar pelo baixo e o que mais te encantou no instrumento?

Peu. A decisão pelo baixo foi controversa hahaha Entre os sete e doze anos, eu queria tocar acordeon, depois bateria! Minha mãe queria que eu estudasse piano e meu pai disse que eu deveria tocar baixo... No final, nada aconteceu! Fui começar a tocar só aos quinze, hipnotizado pela música Dumb, do Nirvana, que meu irmão havia me mostrado. Ele me ensinou o básico da teoria da música e eu comecei a tocar o que eu ouvia ao violão, foi quando meu pais perceberam meu interesse e me deram um baixo elétrico de aniversário.

2112. Entre músicos e bandas quais são as suas maiores influências?

Peu. Sem dúvida minha maior influência é uma banda chamada Weather Report, gosto dessa sonoridade mais setentista: sintetizadores, percussões... Não só a fase do Jaco Pastorius, que foi incrível, mas também tudo o que fizeram antes e depois dele na banda... adoro o Joe Zawinul e o Wayne Shorter. Tem também alguns discos do Herbie Hancock, como Head Hunters e Thrust... Enfim, gosto muito dessa onda "fusion"! Mas também não dá pra deixar a música brasileira de lado, Tom Jobim e Djavan estão no meu dia-a-dia! Também gosto muito do João Bosco e do Milton Nascimento. Passei a ouvir mais por conta do baixista Nico Assumpção, que nos últimos anos tem sido minha maior influência, sem dúvida.

2112. O que mais chama a sua atenção num músico quando você ouve uma gravação ou assiste a um show?

Peu. A primeira coisa que me pega é a energia... Dá pra sentir quando o músico tá realmente presente, entregue, tocando algo que ele acredita, pra valer. Também gosto de músicos que saem do óbvio, e não precisa ser virtuose ou gênio pra isso.

2112. Os baixistas sempre tiveram uma postura mais discreta no palco visto que na maioria das vezes os olhares estão sempre sobre os guitarristas. Isso de uma certa maneira te incomoda?

Peu. Não incomoda, não. Pra ser sincero é um grande privilégio ser baixista, dar suporte pra música como um todo e criar uma base pra que outros músicos possam criar. Também dá pra tocar muito mais relaxado, já que o foco não tá no baixo hehehe Obviamente esse lugar nos deixa um pouco distantes de expressar algumas ideias, por isso é legal compor, fazer arranjo e procurar uma brecha pra fazer uns solos, só pra quebrar a rotina.

2112. Você é Bacharel em Música Popular pela Unicamp, está cursando mestrado, pesquisa sobre um método inovador de improvisação solo para baixo, participa do grupo Cäo Laru e ainda mantém uma carreira solo. Como é o seu dia a dia?

Peu. Lotado! Acho que é um momento de vida, de profissão... Não acho que vai ser sempre assim. No entanto, sou muito curioso, e focar numa coisa só é bem difícil pra mim! As coisas vão aparecendo e naturalmente o que for pra ser, será. Gosto de estudar, e minha relação com a universidade e a pesquisa são bem motivadoras. Fazer parte do Cäo Laru é uma experiência muito gratificante! Foi a realização de um sonho antigo de tocar músicas de outros países, com a sorte de viajar ao lado de pessoas incríveis, por países incríveis... Mas a dedicação que é necessária pra um trabalho desse porte torna outros projetos quase inviáveis, e como eu gosto de fazer coisas diferentes, decidi por ceder meu posto a quem estivesse mais afinado com a proposta do grupo. Acho que o meu desafio é continuar fazendo tudo isso com prazer, sem pirar, e o caminho em que eu me vejo hoje é o de compor mais, gravar e estudar.

2112. Fale um pouco sobre o método de improvisação solo para baixo. Achei muito interessante e acredito que irá interessar a muitos músicos que estarão lendo essa entrevista também.

Peu. Apesar de ter passado por ótimos professores e pela universidade, acredito que descobrir um caminho próprio nos estudos, meio autodidata, é essencial para que esse lado criativo aflore, principalmente quanto à improvisação. No mestrado eu pesquiso um pouco disso, baseado na obra do baixista Nico Assumpção. Não dispenso bons professores, pois eles foram essenciais pra mim, mas um pouco de ousadia pode fazer bem.

2112. Ano passado você lançou seu primeiro trabalho solo com composições autorais influenciadas pelo jazz, bossa nova, samba, maracatu, rock, valsa... Quando você começou a esboçar o projeto?

Peu. O Verde é um projeto que começou em 2017, buscando aquele som mais fusion que eu comentei... Isso explica o tanto de coisa que tem dentro das músicas! Como eu resgatei algumas composições dos tempos da faculdade, o caráter geral era de muita experimentação, de descoberta. Depois reescrevi alguns trechos para tornar mais atual, de acordo com o que me identifico hoje. Fiz as partituras pra um grupo de seis músicos com a ajuda do arranjador Gabriel Falcão e estreamos na Mostra Jazz Campinas. Foi incrível! Depois disso, optei por reduzir os arranjos pra trio e explorar um lado mais intimista das composições, que é o foco do meu trabalho autoral atualmente.

2112. É complicado trabalhar com tantas musicalidades na hora de compor? A cabeça deve fervilhar de boas idéias...

Peu. Na verdade é bem gostoso, é desafiador. Acho interessante buscar um equilíbrio entre músicas tão diferentes, pois às vezes surge algo estranho dessas misturas, e fazer esse estranhamento soar musical é o verdadeiro trabalho. Nesse processo eu aprendo muito.

2112. Verde integra o cast do selo Cendi Music e foi gravado em formato trio por você (baixo), Marcelo Gherini (bateria) e Marcos Bacon (piano). Você já entrou no estúdio com as composições e os arranjos prontos? Como foram as gravações?

Peu. As gravações foram uma bagunça! A gente tinha tudo planejado, os arranjos estavam prontos, mas chegou na hora a gente mudou muita coisa. A gente ensaia em casa, toca na noite, se acostuma com as músicas, mas na hora que entra no estúdio as coisas são diferentes. Dá vontade de experimentar mais, de ousar... Os solos ficaram mais longos, alguns arranjos mudaram, composições novas entraram de última hora, e a ideia de chamar o convidados pra somar nos arranjos veio quando o CD já estava no processo de finalização, por exemplo.

2112. O álbum contou com a participação do percussionista Marco Bosco que já trabalhou com Egberto Gismonti e Nina Simone. Vocês já se conheciam?

Peu. Não. O Marco Bosco é um grande amigo do Maurício Cajueiro, e foi ele que me deu a ideia. Eu já queria colocar algumas percussões na música Verde, mas queria alguém de peso, que fosse criar junto. Quando eu comecei a ouvir os sons do Bosco, eu já pensei naquela onda do Weather Report! Isso fez a gente mudar o arranjo, incluir sintetizador, eu usei outros baixos, regravamos a música toda... Foi bem louco, mas eu adorei o resultado.

2112. A produção musical ficou a cargo do engenheiro de som Maurício Cajueiro que já trabalhou com o mestre Hermeto Pascoal, o grupo Yellowjackets... Como surgiu essa parceria?

Peu. O Caju é um parceiro que se tornou amigo. Eu o conheci durante a gravação do CD Experimental, do Albano Sales, um grande pianista de Campinas com quem tive a honra de tocar alguma vezes. Ele me chamou pra gravar uma faixa que ninguém queria gravar porque era muito complicada hahaha eu vi aquilo como uma oportunidade e estudei dias pra conseguir tocar. No final, a gente tava lá, sentado no sofá do estúdio do Caju, trocando ideia e gravando. Isso aconteceu em outros projetos também, incluindo o próprio Cäo Laru, pois gravamos a faixa "Teu Dólar Não Vale Mais" com ele também. Isso tudo criou uma amizade baseada em muita sinceridade, confiança e respeito. Eu admiro muito o trabalho do Caju e pra mim é uma grande alegria ele assinar a produção do meu primeiro CD.

2112. Olhando o trabalho como um todo quais faixas você destacaria?

Peu. Acho que o destaque vai pra faixa título, Verde, pois ela tem um arranjo todo doido. O resultado que a gente chegou dialoga bastante com a ideia original da música, de quando escrevi pra sexteto, além de contar com a participação do Marco Bosco, que esquentou o arranjo. Vale a pena conferir só pela introdução de piano e percussão! Falando em participação, também destaco Uma Fogueira pra São Pedro, na qual a gente usa sons bem variados, mais elétricos, alguns efeitos de estúdio, e nisso trompetista Henrique Manchuria contribuiu muito pro amadurecimento da composição. No final, os convidados enriqueceram muito o trabalho e o destaque vai pras faixas que eles participaram.

2112. O álbum está disponível nas mídias digitais?

Peu. Sim, fizemos a distribuição online pelo selo Cendi Music e o álbum está disponível para venda e audição nas principais plataformas de streaming. Também temos um canal no youtube que está crescendo, com vídeos da gravação, performances ao vivo, documentário e etc.

2112. O Cäo Laru já está na estrada divulgando Fronteiras o seu novo álbum. Como você fará para promover Verde em meio a tour da banda?

Peu. O trabalho não para né! Apesar de ter saído do grupo, somos muito amigos, temos parcerias em composições e fui convidado a fazer algumas participações na turnê atual deles. O Verde também tem muito pra frutificar, estamos finalizando outros materiais, como documentários, clipes... Enfim, a gente vai fazendo tudo junto.

2112. Uma última pergunta: Como as pessoas fazem para adquirir o seu cd?

Peu. O CD está disponível para venda online nos principais sites, mas também pode ser adquirido diretamente com a minha produção. Recomendo o CD físico pois tem a arte da Monique Cerchiari, que deixa o encarte incrível... Pra isso, é só entrar em contato pelas mídias sociais ou ir ao próximo show, pois sempre tem uma banquinha com os discos pra quem quiser levar pra casa!

2112. ... o microfone é seu!

Peu. Convido a todos a acompanhar minha agenda e minhas músicas pelas mídias sociais, sempre tenho novidades com os trabalhos do trio, com parceiros... é só digitar "Peu Abrantes" que a gente tá em todo lugar! Depois do Verde, que ainda tá crescendo, outros projetos virão: o trio já está trabalhando composições novas, além de revisitar os arranjos originais para sexteto. Se tudo der certo, esse ano vou lançar mais um álbum! Obrigado pelo convite para a entrevista, foi um prazer responder às questões. Espero poder contribuir para o crescimento dessa linda cena musical! Um abraço a todos!

Fotos: Arquivo pessoal (Facebook)

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Próxima entrevista: Bacamarte dia 08

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