segunda-feira, 8 de abril de 2019

Entrevista Bacamarte


Entrevistar o Bacamarte um dos maiores mitos do prog mundial foi uma experiência incrível, a realização de um velho sonho desde que montei o 2112. Escuto a banda com o mesmo prazer quando ouço um Yes, um Pink Floyd, um Gentle Giant... sem contar a gentileza do Mario em responder as perguntas. Com vocês, Bacamarte!

2112. Mário é uma honra entrevistar um dos maiores músicos do planeta prog rock. Que tal começarmos com você falando um pouco sobre a sua formação musical?
Mario Neto. Comecei a estudar violão bem cedo, quando eu tinha apenas seis anos. Aos sete, tive a sorte de encontrar um grande violonista e professor, Silas Antonio do Espírito Santo, a quem fundamentalmente devo minha técnica. Ao longo da vida, estudei orquestração e também aprendi a tocar outros instrumentos, tais como piano, cello, flauta, contrabaixo, violino, viola e bateria. Para o meu trabalho de composição e de arranjos, tem sido fundamental ter incorporado esta gama de recursos sonoros. 

2112. Quais músicos mais o influenciou na sua carreira?
Mario Neto. No violão clássico, Andrés Segovia e John Williams. Na guitarra elétrica, Jan Akkerman e John McLaughlin.

2112. Na minha opinião um músico só encontra o seu próprio estilo quando ele se permite experimentar ouvir vários tipos de sons. Você concorda com isso?
Mario Neto. Música de qualidade, qualquer que seja seu estilo, é sempre benvinda na formação de um músico. A busca de um estilo musical próprio é um processo interior, que pode durar alguns anos ou toda uma vida. Na verdade, segundo a minha experiência, a música boa e a inspiração de um artista não podem ser aprisionadas em rótulos.

2112. Bandas como Beatles, Jethro Tull, Led Zeppelin, Pink Floyd... souberam como ninguém usar isso a favor da sua música, não é?
Mario Neto. Sem dúvida. 

2112. O progressivo acabou se transformando num ótimo laboratório de experimentações: grandes sons, grandes bandas...
Mario Neto. O progressivo nasceu do movimento de músicos eruditos em direção ao rock, com a utilização dos instrumentos elétricos/eletrônicos à época disponíveis. Isso é um exemplo de artistas que não se restringiram ao estilo em que foram inicialmente classificados. Graças a essa liberdade, grandes e talentosos músicos souberam aproveitar ao máximo a expansão das possibilidades de expressão, criando maravilhosos trabalhos. 
2112. Antes de formar o Bacamarte você participou de outras bandas? 
Mario Neto. Não. Antes do Bacamarte, eu tocava apenas violão clássico. Eu formei o Bacamarte quando eu era garoto, com 14 anos.
2112. Até o lançamento do Depois do Fim pouco ou nada se sabe sobre a história do Bacamarte e seus integrantes. Você poderia resumir um pouco do que aconteceu entre os anos de 1974/1983?
Mario Neto. Em 1974, convidei o colega de colégio (Marista São José) Sérgio Vilarim, pianista também de formação clássica, a montarmos uma banda. Eu sonhava tocar composições próprias, que fossem uma mistura de música clássica, jazz, rock e música brasileira autêntica. Juntaram-se a esta formação inicial o baterista Nelson "Bombeiro" Paiva, o baixista Vinicius "Paçoca" de Oliveira e o cantor Hugo Lacerda. Com esta formação, o Bacamarte apresentou-se em muitos festivais colegiais e universitários. Em 1977, em virtude de minha intenção de profissionalizar o trabalho, bem como em função de opções pessoais de alguns músicos, ingressaram na banda o baixista Delto Simas, o baterista Marco Veríssimo, o flautista e acordeonista Marcus Moura, o percussionista Mr. Paul (Paulão) e o tecladista José Lourenço.

2112. Em 1977 em pleno auge do movimento punk o Bacamarte forma a sua clássica formação. Foi neste período que vocês participaram com grande sucesso do programa Rock In Concert da Rede Globo, não é?
Mario Neto. Foi em 1977 que o Bacamarte participou do Rock Concert, dirigido pelo Ronaldo Curi. Nesta apresentação, o Bacamarte teve a seguinte formação: Mario Neto (guitarra e violão), José Lourenço (teclados), Delto Simas (contrabaixo), Marco Veríssimo (bateria), Marcus Moura (flautas) e Mr. Paul (percussão).

2112. O sucesso da apresentação foi tão positiva que rendeu a você um convite para substituir Steve Hackett na banda Genesis. Porque você não o aceitou?
Mario Neto. Por questões de natureza familiar, considerando que eu tinha apenas 17 anos.

2112. Hoje ao lembrar do assunto você sente algum tipo de arrependimento?
Mario Neto. Nenhum. Eu tenho muito orgulho da minha trajetória musical desde então e sou muito grato ao meu público que acompanha meu trabalho. Temo que o Bacamarte não mais existisse, caso eu tivesse partido do Brasil. Além disso, eu não teria tido a liberdade de criação, caso ingressasse numa banda famosa e com estilo já consolidado.

2112. Ainda aproveitando o sucesso da aparição na tv vocês entraram em estúdio para registrarem uma fita demo. Vocês chegaram a mostrar esse material para alguma gravadora?
Mario Neto. Em 1979, entramos em estúdio para a gravação do Depois do Fim. Não era uma fita demo, mas sim a master tape do Depois do Fim, que mostramos a diversas gravadoras. Apesar de gostarem muito do trabalho, não o lançaram por entender que não era comercial e/ou que era música para o futuro...

2112. Os ventos mudaram quando vocês entregaram a demo nas mãos do Amaury Santos, um dos diretores da Rádio Fluminense que colocou as músicas direto na programação.
Mario Neto. Por insistência do amigo Cid, levei a fita master ao Amaury Santos. Ao final da audição, ele pediu para eu deixar a fita com ele. Eu fiquei apavorado. Disse a ele que aquela fita era filha única de mãe solteira. Ele disse que eu podia ficar tranquilo e que ele mesmo faria as cópias das músicas. No dia seguinte, as músicas começaram a tocar na Rádio Fluminense FM! Foi uma grande emoção ouvir as músicas na rádio que era a referência para o público amante do Rock. Até hoje eu me emociono ao lembrar do retorno das pessoas, pedindo mais execuções e shows.

2112. Em 1983 é lançado Depois do Fim considerado um dos maiores clássicos do prog brazuca e citado pelo site Progarchives como um dos 40 melhores álbuns do gênero. Que lembranças você guarda das gravações do álbum?
Mario Neto. Lembro do entusiasmo, da alegria e da esperança reinante naquele momento. Estávamos muito bem ensaiados. A gravação e a mixagem consumiram, ao total, apenas 19 horas.

2112. É verdade que Jane Duboc teve problemas em gravar de primeira a sua voz nas músicas? O que de fato aconteceu?
Mario Neto. Ela não teve problema nenhum. O que aconteceu foi que, ao chegar ao estúdio, ela pediu que a fita rolasse para aquecer a voz. Eu estava absolutamente tranquilo, pois já tinha ouvido ela cantar as músicas, durante a visita que fiz a sua casa, por sugestão da Eleonora Curi (mulher do Ronaldo Curi). À época, Ronaldo e Eleonora não imaginavam que viriam a ter um filho (Alex Curi), que se tornaria o baterista do Bacamarte! Voltando à pergunta, os demais músicos ainda não tinham ouvido ela cantar e ficaram apavorados. Eu falei: calma gente! Após aquecer a voz, a Jane disse: "Liga o gravador. Agora é pra valer." E ela gravou as quatro músicas, de primeira! O resultado maravilhoso do vocal de Jane Duboc nosso público conhece.

2112. Este ano o álbum completa exatamente 36 anos de vida e ainda soa lindo e energético. Vocês planejam algum tipo de comemoração?
Mario Neto. Comemoramos sempre, a cada ensaio, a cada show, a alegria de estarmos vivos e de ainda tocarmos juntos. Comemoramos os 30 anos de lançamento do Depois do Fim em dois shows no Sesc Belenzinho, em 2014. Foram duas noites de casa lotada e um público maravilhoso. Que venham muitas outras comemorações! Nós queremos é mais!

2112. Durante anos o vinil foi disputado a tapa por fãs e colecionadores. Somente em 1996 o álbum ganharia sua primeira versão em cd com a adição de uma faixa extra omitida no relançamento da Som Livre em 2009. Porque a faixa foi omitida?
Mario Neto. Na verdade, a faixa Mirante das Estrelas não faz parte do álbum Depois do Fim, mas sim do álbum Sete Cidades que veio a ser lançado em 1999. A música Mirante das Estrelas foi incluída como bonus track, exclusivamente na versão CD do Depois do Fim lançada pela Rarity.

2112. Após a saída de Jane Duboc que partiu para uma profícua carreira solo Miriam Peracchi assume os vocais. Mas apesar das mudanças positivas a banda encerra carreira em meio a boatos de que estavam gravando o segundo álbum. O que houve realmente?
Mario Neto. O fim da Rádio Fluminense aliado ao fechamento de várias casas de espetáculo no Rio de Janeiro tornaram as coisas muito difíceis para bandas independentes. Em outras palavras, os espaços onde nossas músicas tocavam e onde nós fazíamos nossas apresentações deixaram de existir. Os boatos não têm fundamento, porque não estávamos gravando um segundo album na época. 

2112. Existe algum material gravado deste período? Soube da existência de uma suíte chamada Navio Negreiro. Isso é real?
Mario Neto. Não há material gravado deste período. Em 1976, no primeiro show individual do Bacamarte, apresentamos, como atração principal, a música O Navio Negreiro. Trata-se do poema de Castro Alves, musicado por mim e pelo Sergio Vilarim. Estou pensando em, num futuro próximo, resgatar alguns dos temas de O Navio Negreiro e gravá-los, para que nosso público possa se emocionar com essa obra, tanto como nós, quando a compusemos. Queremos que nossa música seja um veículo para as pessoas relembrarem a imortal e extraordinária obra de Castro Alves.

2112. Você tem notícias do paradeiro da Miriam?
Mario Neto. Infelizmente, perdemos o contato com ela. Lamentamos muito, porque ela é uma excelente cantora e nosso convívio foi muito agradável.

2112. Em 1999 você grava o que seria o seu primeiro álbum solo "Sete Cidades" mas que acabou sendo lançado sob o codinome Bacamarte. O que levou você a mudar de ideia?
Mario Neto. As músicas do disco Sete Cidades foram por mim compostas para o que seria o segundo disco do Bacamarte. Na época, primeira metade dos anos 80, eu imaginava que ele seria lançado logo após o Depois do Fim. Quando eu gravei o Sete Cidades (1998/1999), lamentavelmente eu havia perdido o contato com vários músicos, com exceção do tecladista Robério Molinari.

2112. As músicas gravadas por você e Robério Molinari (teclados) neste álbum eram todas inéditas ou era material que seria usado posteriormente num possível segundo álbum da banda?
Mario Neto. Elas eram todas inéditas. Como relatei anteriormente, elas se destinavam a integrar o segundo disco do Bacamarte. 

2112.  Sete Cidades apesar de ser uma tapeçaria sonora se tornou um álbum obscuro talvez ofuscado pelo sucesso do Depois do Fim. Mas existe projetos de lançá-lo em cd afinal é um ítem raríssimo...
Mario Neto. Gravei o Sete Cidades, nas madrugadas de 1998/1999, com a participação inestimável do Robério Molinari, para manter a chama acesa. Em realidade, para continuar vivo. A música é o ar que respiro e eu estava me sentindo sufocado. O Sete Cidades foi lançado em CD, em tiragem de 2000 cópias, todas montadas pessoalmente por mim, mas sua tiragem está esgotada. Atualmente, tanto o Depois do Fim quanto o Sete Cidades estão disponíveis nas plataformas digitais, para streaming e download. Sem falsa modéstia, sugiro que quem não conhece o Sete Cidades não perca esta oportunidade.

2112. Em 2012 a banda reuniu-se novamente para a alegria dos fãs e continua em atividade até hoje. Quais são os projetos de vocês? Podemos esperar por um novo álbum?
Mario Neto. A reunião da banda não causou apenas a alegria dos fãs mas também a nossa. Vale lembrar que, além dos membros permanentes (William Murray, Marcus Moura, Alex Curi e Robério Molinari), também participaram dos shows de 2012 (Teatro Rival e Circo Voador) o tecladista Nilo Rafael e o baixista Vitor Trope. E tivemos a participação especialíssima do percussionista Paulão, membro da formação do Bacamarte entre os anos de 1977 a 1983. Nosso projeto é tocarmos muito. Estamos reunindo material para um novo album. O nosso público não perde por esperar.

2112. ... o microfone é seu!
Mario Neto. Alô alô som som um dois três! É sempre uma grande alegria vermos 3 gerações em nossas plateias. Queremos ver a quarta também. Nossos shows têm sido momentos de muita emoção, como aconteceu em nossa apresentação no festival Psicodália (Rio Negrinho - SC), neste carnaval de 2019. Em nossas redes sociais, avisaremos sobres os próximos shows. Fiquem atentos e fortes. Até lá! Abraços progressivos.

Próxima entrevista: Dia 11 Taty Rock Blues Band 

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