segunda-feira, 13 de agosto de 2018

Entrevista Dinho Leme



Eis que tenho a chance de entrevistar uma nova lenda do rock brazuca, o baterista Dinho Leme da banda Os Mutantes. Muito educado e atencioso, conversamos sobre vários momentos da banda, sua mudança do psicodelismo para o progressivo entre outras. Foi muito bacana...  

2112. É um imenso prazer estar batendo esse papo com você. Podemos começar com você contando sobre a volta dos Mutantes depois de mais de trinta anos longe dos palcos, ok?

Dinho Leme: Foi interessante, trabalhoso, emocionante e no final senti que estávamos tocando melhor que antes.

2112. Neste período que esteve longe dos palcos você treinava bateria?

Dinho Leme: Muito pouco porque bateria não é igual guitarra que o cara pode estar sempre dedilhando um violão e não perde a técnica. No início que parei, andei fazendo alguns trabalhos inclusive com o maravilhoso Carlos Erasmo - disco e show no primeiro Hollywood Rock. E tocava muito numa escola de samba que montamos em Paúba. Mas sabe como é escola de samba só é bom para quem toca, quem ouve é uma merda. Mas valia para tirar a poeira dos braços.

2112. Como foi o reencontro entre você, Arnaldo e Serginho? Qual foi a reação inicial? Vocês conversaram muito?

Dinho Leme: Muito amor e curiosidade. Fomos falando, lembrando e nos conhecendo novamente. No final estávamos companheiros. Bons companheiros

2112. A primeira vez que subiram no palco após o reencontro qual foi a reação do público? 

Dinho Leme: Tudo foi muito impressionante. A gente não esperava que tinha tanta gente que gostava dos Mutantes. Lá fora então a coisa é muito grande. Em qualquer lugar do mundo tem fãs dos Mutantes e que tem a criatividade do grupo como uma das melhores dos anos 60 e 70.

2112. E vocês o que sentiram?

Dinho Leme: Muito doido ver que agora a gente podia tocar músicas como Dom Quixote que tinha uma grande orquestra com arranjos do Rogério Duprat. Usamos três teclados para colocar todos os instrumentos e ficou mais gostoso tocar ouvindo o que a gente só ouvia depois de pronto o disco com quatro canais, ahahahahahaah.

2112. Como você entrou para os Mutantes?

Dinho Leme: Eu conheci Arnaldo, Sergio e Rita quando tocava com o Ronnie Von e ensaiamos juntos algumas coisas, Dois anos depois fui tocar com o Jorge Bem e e empresário Guilherme Araújo me pegou para ser batera de vários artistas deles. Teve um dia que eu toquei com Caetano, Gil, Nana Caymmi, Mutantes e mais uns quatro da trupe dele de tropicalistas. Foi daí que o Arnaldo e Sérgio me chamaram.

2112. A fusão de vários ritmos no som do grupo deu ao rock brasileiro uma cara própria. Na sua opinião Os Mutantes estavam a frente do seu tempo?

Dinho Leme: Era uma coisa totalmente a frente do que acontecia aqui no Brasil. O Manito dos Incríveis ia ver nossos ensaios só para se emocionar. Ele até tocou um tempo (seis meses) com a gente quanto o Arnaldo parou. Não tinha nada parecido e todos que ouvíamos na época depois soubemos que também nos ouviam. O Palmer do Emerson Lake & Palmer disse que eles ouviam muito Mutantes para se inspirarem na criatividade que disseram que tínhamos.

2112. E como vocês descobriram isso?

Dinho. Um jornalista italiano disse em uma entrevista com o Sérgio. Como você vê os mais jovens curtirem Mutantes como o Nirvana, Sean Lennon e muitos outros. E depois perguntou e os mais antigos que se inspiravam em Mutantes. Fiz uma entrevista com o Palmer na semana passada e ele me disse que eles ouviam muito Mutantes como inspiração.

2112. O que vocês ouviam além dos Beatles?

Dinho Leme; Emerson, Lake & Palmer, Yes, Led, Jethro, Genesis, Pink Floyd...  jazz e Elvis Presley.

2112. Vocês causaram impacto não apenas na música mas também visual se comparado aos figurinos comportados da Jovem Guarda. Qual era a reação das pessoas nas apresentações da banda?

Dinho Leme: Nós éramos completamente diferente de tudo que se via. Quando fomos tocar no Festival de Miden na França, passamos no aeroporto do Rio para pegar o avião para Nice e o Boni da Globo estava na esteira para entregar um monte de roupas doidas da Globo para a gente usar. E usamos no Miden, tvs francesas e Olympia.

2112. Vocês chegaram a ser vaiados ou mesmo sofreram rejeição por parte da mídia ou do público por causa da irreverência da banda?

Dinho Leme: Existia uma turma da MPB que era contra a guitarra e a favor de tudo que o Vandré fazia. E eles nos vaiavam todas as vezes, ahahahahahaha. A Rita levava um revolvinho de água para tacar nos caras da MPB no restaurante do hotel.

2112. Até quando vocês faziam releituras como Rua Augusta e Banho de Lua era carregado de uma irreverência ímpar o que deveria provocar a ira dos puristas da MPB. O que impulsionava vocês a agirem dessa maneira?

Dinho Leme: Era criatividade e um pouco de deboche com os caras. O pessoal da MPB brigava muito com a gente e acho que normalmente a gente sentia o barato de dar uns trocos.

2112. Vocês se encaixaram perfeitamente na estética do Movimento Tropicalista que tinham os mesmos ideais de vocês que era a liberdade de expressão e a quebra de todas as regras. Como foi participar de um movimento musical tão importante como este?

Dinho Leme: Foi normal, acho que tínhamos tudo para participar de qualquer projeto novo e o que estava acontecendo se chamou de Tropicalismo. Lembro que além de todos os artistas além de Gil, Caetano, Gal, estavam Torquato Neto, Nara Leão, Tom Zé, Lanny Gordin, Jorge Mautner, Jards Macalé... era muito legal também estar junto de artistas como Jô Soares e Erasmo Carlos. Foi um movimento a frente de tudo e que chamava parcerias de grandes artistas e renovadores.

2112. A banda criou alguns dos melhores álbuns do rock brasileiro e que são cultuados até os dias de hoje. Isso te surpreende?

Dinho Leme: Não, sei que foram trabalhos muito bem feitos e lembre, sempre ao vivo porque só tínhamos quatro canais. Às vezes pegávamos um para fazer um playback de algum instrumento ou mais uma voz e perdíamos qualidade de som. Foi verdadeiro

2112. De uma certa maneira os holofotes sempre estiveram sobre o Sérgio, a Rita e o Arnaldo e você sempre discreto no fundo do palco como Charlie Watts dos Rolling Stones. Isso incomodava você?

Dinho Leme: Eu entrei depois deles terem gravado o primeiro disco. Eu no início era um contratado. Depois que o Liminha veio para o baixo e o Arnaldo ficou com os teclados passamos a fazer parte, mas muita coisa já estava registrado como Mutantes três pessoas

2112. Fico imaginando a loucura que não deveria ser as gravações em estúdio diante de tantas idéias que vocês deveriam ter. Como vocês administravam tudo isso? Todos davam palpites nos arranjos?

Dinho Leme: Muitas coisas surgiam no momento, lógico que ensaiávamos antes, mas por exemplo eu disse uma vez que deveríamos fazer uma música de saudação e tchau no final de um disco. E fizemos o Pasta 1 (não me lembro em que disco) e foi coisa de Beatles. Criação maravilhosa e fizemos tudo na hora com um tema começado por um amigo, o Bororó, guitarrista.

2112. A gravação de Panis et Circencis também foi algo inédito para os padrões musicais da época com todos aqueles efeitos de talheres, conversas paralelas a música... O resultado final é impressionante!  

Dinho Leme: Quem gravou o primeiro disco com Panis foi o Dirceu, baterista de estúdio já falecido.

2112. O maestro Rogério Duprat também contribuiu bastante com seus arranjos prá lá de inusitados e inovadores. Ele pode ser visto como uma espécie de George Martin tupiniquim, você não acha?

Dinho Leme. Sem dúvida! Foi exatamente isso e com muita capacidade de criação. Ele já havia estudado e com mestrados em várias escolas europeias de músicas e performances

2112. Outro nome importante a ser citado é Claudio Baptista que inventou vários instrumentos e engenhocas que faziam a diferença entre vocês e as outras bandas, não é?     

Dinho Leme. O Té como era chamado também é um gênio e ele criava as guitarras, baixo de seis cordas e teremin da Rita, instrumentos inusitados que deixava estrangeiros de boca aberta.

2112. O início dos anos 70 foram bem atribulados com a saída de Rita Lee, a mudança de orientação musical quando Os Mutantes deixam de lado o som psicodélico e cai de cabeça no rock progressivo. Como vocês lidaram com todas essas mudanças sem perderem o rumo?

Dinho Leme. Mudança natural e nem foi agitado porque já estava tendo uma mudança natural.

2112. Você lembra dos motivos que levou o Arnaldo a sair da banda?

Dinho Leme. Ele queria morar no sul de Minas e não fazer mais shows e criar uma nova forma de vida totalmente esotérica e nós queríamos continuar tocando shows por aí afora.

2112. Dos álbuns gravados com Os Mutantes qual você gosta mais?   

Dinho Leme. Não sei exatamente, mas poderia escolher como o A e o Z e o disco do Arnanldo Loki.

2112. Havia muitas brigas?

Dinho Leme. Não éramos muito companheiros e saíamos juntos a noite para comer sanduiches e dar risadas. Brigas normais!

2112. Qual baterista despertou em você o desejo de ser músico?

Dinho Leme.  Me ajude....Ginger Baker (Cream) e muita gente. Os bons Bill Bruford, John Bonham, no Brasil Albino e Norival Dángelo, Juba.....

2112. Você tocou em alguma banda antes de integrar Os Mutantes?

Dinho Leme. Comecei ao 13 anos com Os Delfina em Rancharia, Fine Rockers em São Paulo. Ronnie Von, Jorge Bem, todos do tropicalismo

2112. O que você fez depois que deixou a banda?

Dinho Leme. Parei em uma hora em que estava de saco cheio de brigar por uma causa que estava cansando.

2112. Você em algum momento pensou em gravar um álbum solo como fez Ginger Baker, Steve Coopeland, Keith Moon, Carl Palmer... entre outros?

Dinho Leme. Não, sou de bastidores e gosto de carregar o instrumento no braço e tocar e voltar para casa dormir.

2112. O microfone é seu...

Dinho Leme. Que quem curte Mutantes esteja certo de que o trabalho feito foi realmente revolucionário para a época. Eu encontrei fã dos Mutantes em todos os países que tocamos e são muito adeptos do som que fazíamos. Não esperava tantos pelo mundo. Me sinto muito bem em ter participado do movimento. Quem não dormiu no sleep bag nem sequer sonhou!

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