Entrevista Banda Ciganoblues

Temos visto a renovação musical do rock brazuca com experiências cada vez mais ousadas o que resulta em trabalhos super originais. E a Ciganoblues tem como base o blues mas interligado a outros segmentos sonoros gerando fusões bem interessantes que nos tira das mesmices impostas pelo cenário cada vez mais perdidos em fórmulas desgastadas...

 

2112. A Ciganoblues surgiu como surgem as melhores bandas de rock’n’roll... direto das ruas para os palcos. Fale um pouco sobre a história de vocês...

Koelho Koe. Bom, a banda nasceu no final de 2016 em São Paulo, dentro de uma ocupação artística-cultural no Parque Raposo Tavares, o espaço Casa Raiz Libertária. Era um local cheio de lixo e inutilizado pela administração havia muitos anos, até que alguns grafiteiros, músicos e skatistas daqui resolveram ocupar, limpar e começar a produzir arte e fazer eventos na região. É um polo importante de cultura underground, rola bastante evento de Soundsystem, Rap, Rock´n Roll, Punk Rock e onde as mulheres têm papel fundamental na realização de variadas atividades e debates. Foi na construção desse espaço e coletivo que surgiu a banda, que é composta por músicos que já vinham de variadas experiências na música independente.

2112. O que é mais complicado para uma banda hoje em dia: nascer ou se manter viva?

Koelho Koe. Se manter viva, com certeza. Ter instrumentos e aparelhagens, ensaiar, ter espaço pra tocar, conseguir gravar e propagar o som. Tudo isso é complicado, principalmente pra quem não tem grana.

2112. Vejo o underground como o grande catalisador de idéias que tem dado ao rock brazuca uma infinidade de bandas maravilhosas como vocês. Tá difícil manter a integridade num cenário cada vez mais dominado por fórmulas pré estabelecidas?

Koelho Koe. Pra falar a verdade, não achamos que seja difícil manter a integridade não. Acho que a máxima que guia a gente é: "Esse som que a gente faz, é o que colocaríamos para escutar em casa? É o que nos agrada? Temos ORGULHO dele?". Acho que sendo sincero consigo mesmo, a tal integridade é consequência. Aliás, mesmo quem queira fazer som Rock extremamente comercial só pelo dinheiro, vai é tomar na tarraqueta porque nem tem mais mercado pra isso. Desistam, toquem o que vocês gostam, vocês não serão rockstars!

2112. A atual situação do Brasil também prejudica em muito a vida de vocês músicos com o cancelamento de vários eventos, falta de grana para a aquisição de instrumentos melhores ou mesmo para bancar gravações... O que mantém vocês de pé no olho deste furacão?

Koelho Koe. A situação do país reflete em tudo né, não tem jeito. Fica mais difícil os espaços se manterem, pagarem aluguel etc etc. Mas somos pobres, sempre fomos, então nunca foi fácil. Talvez o que falta numa parcela das bandas é um espírito mais de rua mesmo, sabe como é? O espírito punk do Faça Você Mesmo, que é o mesmo espírito que criou tantos selos maravilhosos e que inclusive é o que manteve e mantém tanta coisa acontecendo, em toda a cultura/contracultura de periferia. É isso que mantém a gente em pé: respiramos música, temos sentimentos a serem expressados e sabemos que a música vai proporcionar muita vivência incrível, pois ela já fez isso em nossa vida inteira.

2112. Vocês unificam a essência do blues + rock’n’roll 60/70 + música brasileira para produzirem o som da Ciganoblues. Como vocês classificam o som da banda?

Koelho Koe. Acho que você já classificou muito bem o som da banda hehe. É um Rock´n Roll brasileiro, e como é Rock´n Roll, sua base é assentada no Blues. E como é brasileiro, tem sotaque, tem raízes na música daqui, reflete a realidade daqui. É regional, é universal, nômade, cigano, retirante de vida seca. Como diz a faixa que abre nosso disco "tem influência lá dos gringo, mas é filho de baiano".

2112. Acredito que hoje exista menos preconceitos quanto ao uso de múltiplas sonoridades numa banda. O próprio metal sempre fechado a “novidades” tem agregado elementos do hardcore, do prog, do eletrônico... o que comprova a evolução do movimento. O segredo da longevidade musical é se manter em constante movimento?

Koelho Koe. Com certeza! Dentro da música no Brasil, existe uma infinidade de pessoas que já demonstraram que a alquimia é essencial, desde Itamar Assumpção a Chico Science, de Raul Seixas a Sepultura, de Mutantes a Elza Soares. Nada contra os "puristas", inclusive é importante que tenha gente tocando determinados estilos da maneira mais "fiel" ao que foi consagrado como clássico, seja no samba, metal, hardcore, chorinho, maracatu, blues ou jazz. Uma coisa não exclui a outra, é importante ter artistas experimentando, assim como é importante ter artistas mantendo uma certa memória musical viva. Podem muito bem conviver e se complementar. 

2112. Todos na banda compõem? O que mais influencia na hora de compor? Eu particularmente gosto de escrever minhas matérias no silêncio... acredito que as idéias brotam mais fáceis!

Koelho Koe. A banda é relativamente nova, então, até o momento quem chega com as composições sou eu, Koelho (voz, viola caipira e violão). Chego pros caras, Regis Soares (guitarra) e Tuco (baixo, gaita e segunda voz) com uma letra, melodia e harmonia e aí eles vão complementando com os arranjos, levando a música para outro patamar, mapeamos o som, introdução, se tem solo ou não, como termina etc, e por fim levamos ao estúdio pra complementar com a bateria do Mateus Ortiz, que aí também já leva a música pra um outro local. Foi assim no primeiro EP e em nosso primeiro álbum completo, "A Ferro, Fogo e Viola", mas conforme a banda for amadurecendo, esse "método" pode mudar, não é algo cristalizado. Quanto ao que influencia, na real é tudo. Experiências pessoais, modo de ver o mundo, situação do país e do povo, noticiário, insights, livros ou às vezes uma sequência de acordes que parecem que por si só já dão o tema da música. Isso que você disse sobre o silêncio é bem legal, mas não tenho uma preferência, não tenho um método, mas a solidão é um bom local.

2112. Achei muito interessante a inclusão da viola caipira justamente por se tratar de um instrumento atípico numa banda de rock’n’roll. Como surgiu esta idéia?

Koelho Koe. Na verdade essa ideia nunca "surgiu". Eu, Koelho, simplesmente tinha uma viola caipira, comecei a tocar por curiosidade mesmo, é um instrumento com uma sonoridade foda. E foi isso. Percebi que o Blues e a Moda de Viola têm MUITO em comum, tanto em harmonia quanto no lirismo. Mostrei pro Regis algumas composições, montamos a banda já com várias dessas músicas que fiz diretamente na viola, algumas com sotaque próprio dela (o rasqueado) e outras de maneira mais folk ou até blues. . Mas não sou um violeiro, faço uso do instrumento para passar determinados sentimentos, cores e texturas que só ele é capaz de fazer, mas sempre com muito respeito às suas raizes. E é incrível como a gaita do Tuco encaixa com o som dela, é algo que queremos explorar ainda mais nos próximos trabalhos. 

2112. Quais os violeiros vocês destacam como influências da banda?

Koelho Koe. Com certeza o Almir Sater, pois ele próprio já tem na sua musicalidade uma mistura grande que vai desde a música de fronteira, paraguaia e pantaneira, até o folk, country e o modão mesmo, de Tião Carreiro, que é o grande mestre né. O Tião Carreiro provavelmente é a grande liga, com seu sotaque a gente consegue jogar um Luiz Gonzaga e o baião, a música nordestina. As linguagens são parecidas. 

2112. Vocês já sofreram pressão ou mesmo preconceitos por causa disso?

Koelho Koe. De forma alguma, muito pelo contrário! Desde o cara mais punk, mais headbanger, até a galera do reggae ou do rap, todos acham muito legal e sempre vêm nos falar sobre essa mistura, que aliás não é novidade nenhuma, não estamos reinventando a roda misturando música brasileira. Acho que esse negócio do roqueiro preconceituoso tá ficando pra trás, deve ter só meia dúzia de dinossauro que não entendeu ainda que o Rock´n Roll é progressista, revolucionário, que sua essência é quebrar barreiras. Rock não é pra ser reacionário e preconceituoso, ele é antropofágico e não existe nenhum estilo que ele não possa se mesclar, desde que seja sincero e natural. 

2112. Ano passado vocês lançaram seu primeiro ep com três faixas autorais o que de uma certa maneira dá mais credibilidade ao trabalho, não é?

Koelho Koe. Sim, embora esse EP tenha sido mais um pontapé inicial mesmo. São 3 faixas gravadas cada uma num local diferente, é uma espécie de colagem bem espontânea, mas que já iria servir como um norte do que queríamos e queremos fazer.

2112. Como vocês trabalham os arranjos na banda? Todos dão palpites?

Koelho Koe. Sim, todos palpitam, criam, colocam suas referências. E é isso que cria um som original em qualquer banda né, a personalidade de cada um se fazer valer.

2112. Sendo apenas três músicas no primeiro EP, como foi feita a escolha das músicas? Vocês fizeram uma espécie de votação?

Koelho Koe. Não... foi espontâneo mesmo, "Blues do Vagabundo" é uma faixa que gravamos para lançar como single e videoclipe, o primeiro passo em estúdio. "Encruzilhada" foi gravada de maneira bem caseira, ainda mais que as outras duas. "Volúpia na Alma" foi a única que a gente sentou pra decidir, alguém propôs e todo mundo aceitou, não teve muito planejamento não, a única coisa que sabíamos é que queríamos mostrar diferentes faces, por isso uma faixa meio baião e percussiva, um Blues mais lento e um Blues mais Rock´n Roll, mais pegada e psicodélico.

2112. O segundo álbum “A ferro, fogo e viola” lançado este ano deixa visível a evolução da banda. Existe uma ruptura entre os dois trabalhos? O que os fãs da banda e do rock’n’roll podem esperar daqui para frente?

Koelho Koe. Sim, esse álbum já foi uma coisa mais pensada, com pré-produção, escolha das músicas de forma a que se complementassem, mesmo com bastante variedade. Entre os dois trabalhos não existe uma ruptura no sentido conceitual, é mais uma evolução mesmo, tanto que nos shows tocamos músicas dos dois trampos e se encaixam perfeitamente. Daqui pra frente a ideia é manter, aliás, melhorar cada vez mais a qualidade das gravações. O que as pessoas podem esperar da gente é um trem a milhão sem freio que capota mas não breca!

2112. Sol Vermelho foi escolhida como música de trabalho que também ganhou um vídeo clipe. A aceitação tem sido boa?

Koelho Koe. Tem sim, modesta em termos de números, mas muito boa! A banda é nova, estamos empolgados e cheios de gás, e também sem pressa nenhuma. Tijolo por tijolo, show por show, estamos construindo uma base bem legal e esse videoclipe traduz muito bem isso, a cara do disco, as ideias, objetivos  e o espírito de liberdade. "Não temos nada a perder, a não ser nossas prisões".  E o próprio processo de produção do clipe já foi muito massa, fomos à Paranapiacaba, tomamos umas cachaças boas de lá com pessoas que são nossas amigas do dia-a-dia num lugar lindo, mescla perfeita de trabalho e pé na estrada, queremos fazer muito mais disso!

2112. Achei muito bacana as fusões que o álbum promove como a viola caipira em meio a solos de guitarra, blues com tinturas psicodélicas, folk com elementos de baião... Um trabalho super original e porque não dizer inusitado. Parabéns!

Koelho Koe. Orra, agradecemos! 

2112. Vocês fazem muitas jams para testar sonoridades?

Koelho Koe. Nem tanto como gostaríamos, mas pretendemos ter mais tempo em estúdio porque por enquanto pagamos por hora de ensaio! Fora do estúdio, testamos bastante coisa nas cordas, em ensaios quase acústicos, só viola, violão, guitarra, baixo e gaita, mas ainda não temos um local em que possamos ficar horas e horas a fio com a banda completa, no estúdio a gente chega um pouco mais objetivo, por enquanto.

2112. O DVD “No Quarter” gravado por Page & Plant tocando hits do Led Zeppelin com uma nova roupagem ficou muito interessante. Imagine um blues ou um hard misturado a sons ciganos, árabes ou mesmo a inclusão de instrumentos como a rabeca, o pífano... Isso seria totalmente rock’n’roll, não é?

Koelho Koe. Sim, e Led Zeppelin provavelmente seja nossa maior influência! A ideia é que também muito em breve a gente deixe de ser um quarteto e coloque algum outro instrumento, só estamos assentando as bases e esperando chegar numa regularidade de shows, o que já está ocorrendo. Quando a gente sentir que como quarteto já estamos bem estruturados, com certeza terá algum outro instrumento pra dar mais cor! Essa coisa da música cigana e/ou árabe sempre foi uma constante em nossas cabeças, temos músicas que vão para esse lado mas ainda não gravamos, com certeza estará no próximo material.

2112. Gosto muito das experimentações promovida por bandas como Ave Sangria, Zé Ramalho e Lula Cortes, Novos Baianos, Os Brazões, Os Mutantes... Experimentar deve ser uma constância? 

Koelho Koe. Pra gente sim. Tudo isso que você citou é referência direta pra gente! Essa é uma das fontes das quais bebemos, o Rock´n Roll tipicamente brasileiro, que vem de uma tradição 60´s e 70´s.

2112. Vocês tem novos projetos em andamento? Dá para adiantar alguma coisa?

Koelho Koe. Estamos com um terceiro videoclipe, um "lyric video" já engatilhado da música "Paranoia", que tem uma pegada mais rock mesmo, em tons de roxo profundo ... tanto em aúdio quanto em video.

2112. O microfone é de vocês...

Koelho Koe. Agradecemos pelo espaço e pela ótima entrevista, muito bem estruturada e com uma ótima pesquisa! Parabéns Blog 2112! Para os leitores: Faça o que tu queres, há de ser o Todo da Lei. E claro, colem nos shows e acompanhem nossas redes sociais, facebook, instagram e youtube! Ciganoblues, baby!