terça-feira, 15 de maio de 2018

Entrevista Som Nosso de Cada Dia


Os anos 70 foi o ápice das grandes bandas de rock brasileiras: A Chave, Terreno Baldio, Casa das Máquinas, Os Mutantes, Secos & Molhados, Veludo, Made In Brasil, O Peso, Rita Lee & Tutti Frutti, O Terço... e mais uma infinidade de bandas anônimas que fizeram desta década uma vitrine de sons que ecoam até os dias de hoje. E o nosso entrevistado de hoje é um dos pilares sagrado do prog rock mundial: Som Nosso de Cada Dia. Espero que gostem da entrevista...   

2112. O Som Nosso de Cada Dia surgiu em 1972 do encontro de três grandes músicos: você, Manito (ex-Incríveis) e o baterista Pedrinho. Você vinha de uma experiência com Os Novos Baianos. Conte um pouco dessa história...

Pedrão Baldanza. Eu tocava numa banda de baile chamada Enigmas e, conhecemos os Novos Baianos num verão em Caraguatatuba onde estávamos tocando num boliche. Daí nos demos bem, eles falaram de uma guitarrista que eles gostariam de trazer da Bahia e acabamos conhecendo Pepeu Gomes que tocou com a gente durante um bom tempo nos bailes enquanto acompanhávamos os Novos Baianos.

2112. Você chegou a gravar alguma coisa com eles?

Pedrão Baldanza. Chegamos a gravar com eles um compacto duplo pela RGE na época.

2112. Como era a vida comunitária entre vocês naquela época e o que o levou a sair da banda?

Pedrão Baldanza. Aconteceu deles irem para o Rio e, eu não quis sair de São Paulo por vários motivos então acabei conhecendo Hagamenon que me apresentou o Benvindo e a Ana Maria através do Jean que tinha tocado comigo no Enigmas e então acabei fazendo com eles o Perfume Azul do Sol. Mas como a banda não seguiu eu acabei conhecendo Pedrinho e o Manito e daí a história é longa rsrsrs.

2112. Naquele período de ditadura tudo era mais difícil visto que havia muita censura, perseguições contra quem tinha cabelos grandes, retalhação nas letras das músicas, ideais políticos em conflitos... Como foi montar a banda em meio a este furacão e como vocês faziam para adquirir instrumentos de qualidade visto que material importado era de difícil acesso?   

Pedrão Baldanza. Eram tempos difíceis em vários sentidos, a aquisição de instrumentos e também as licenças da censura da época para fazer shows. Isso somado a difícil tarefa de fazer um som que não era nem rock nem MPB nem nada muito parecido com nada nos levava a ter grandes dificuldades de aceitação por parte da mídia porém uma identificação muito grande com o público durante os shows.

2112. Soube que a início vocês tinham em mente formar uma banda de baile. O que fez vocês mudarem de idéia procurando colocar em práticas sons mais ousados?

Pedrão Baldanza. A idéia de uma banda de baile foi logo abandonada por Manito e Pedrinho quando eu comecei a mostrar um repertório diferente do que eles estavam acostumados e “graças aos deuses” eles adoraram e começamos a trabalhar em cima das músicas que viriam a ser o repertório do Som Nosso de Cada Dia.

2112. É comum no blues, no jazz e no próprio rock os músicos se unirem em grandes jams e de uma simples diversão surgiam grandes músicas. Vocês também curtiam fazer jams?     

Pedrão Baldanza. Não tínhamos muito o costume de realizar jams pois estávamos sempre mergulhados no nosso repertório e nos nossos ensaios mas as vezes sim, rolava uma brincadeira com outros músicos.
2112. O que vocês ouviam naquela época e o que mais influenciava vocês?

Pedrão Baldanza. As influências da banda vinham fundamentalmente da escola de cada um e também do que aparecia de sons novos que um ou outro trazia pra gente ouvir, sempre tinha uma amigo músico falando de uma ou outra banda que acabávamos ouvindo.

2112. Considero o período 60/70 como os mais ricos do rock... muitas sonoridades, muitas experiências, muitas informações que ainda são novidades nos dias de hoje. Era cada um curtindo a sua onda, não é? Havia muito entrosamento entre as bandas?

Pedrão Baldanza. Não havia essa de entrosamento entre as bandas, existia uma coexistência pacífica mas cada um batalhando suas coisas pois era difícil pra todo mundo e essa coisa de união naquelas épocas de ditadura não eram tão fáceis como se tornaram nos anos 80.

2112. Li num artigo na internet que tão logo vocês formaram a banda Manito foi convidado a participar dos Mutantes no lugar do Arnaldo mas que voltou atrás na última hora. Ele chegou a comentar os motivos que o levou a recusar o convite?  

Pedrão Baldanza. Não sei do Manito ter sido convidado logo no início do Som Nosso. Sei que foi convidado mais pra frente quando já tínhamos feito o Snegs e estávamos a caminho de fazer depois do sucesso da abertura de Alice Cooper e mais shows no Ibirapuera o verdadeiro lançamento da banda com apoio de patrocínio. Daí o Manito foi tocar com Mutantes e eu e o Pedrinho reformulamos a banda e veja só Manito acabou não seguindo com Mutantes.

2112. Neil Young em uma entrevista comentou que a gravação de seus álbuns é ao vivo com todos os instrumentos montados no estúdio e com poucos overdubs posteriormente. Com Snegs também foi assim?  

Pedrão Baldanza. Fizemos praticamente gravando direto e só sobrepondo vozes e alguns solos e violões. Foi uma grande experiência e nem mesmo sabíamos o quanto tudo aquilo se tornaria atemporal rsrsrs. Mesmo quando eu e o Pedrinho mudamos a direção do trabalho, apesar de manter o mote progressivo sempre, resolvemos montar uma banda com metais e isso deu o maior pé e acabou depois sendo o Sábado e Domingo.

2112. Existe um livro “Uma Temporada no Inferno com os Rolling Stones” escrito pelo jornalista Robert Greenfield que conta detalhes da gravação do álbum Exile on Main St. Você nunca pensou em escrever um livro contando como foram as gravações do Snegs?  

Pedrão Baldanza. Aí tem várias histórias que eu não teria tempo e nem vocês saco de ouvir rsrsrs, o que importa é que valeu cada instante e cada experiência adquirida nessa caminhada pela Música Progressiva Brasileira.

2112. Independente do sucesso o álbum ficou como vocês queriam?

Pedrão Baldanza. Não saiu como queríamos pois os recursos eram escassos e trabalhamos com uma mesa que estava defeituosa e isso exigiu de todos muito mais entrega, mas rolou.

2112. Como era os shows da banda nesta? Havia muita loucura por parte do público?

Pedrão Baldanza. A resposta do público sempre foi muito positiva! Como você sabe naquela época era difícil conseguir liberação da censura para qualquer tipo de espetáculo e nós vivíamos muito esse patrulhamento... de cada 5 shows marcados 3 eram invariavelmente cancelados e proibidos pelos mecanismos da repressão na época, isso foi talvez o que mais inviabilizou a sequência do nosso trabalho pois todos vivíamos exclusivamente do rendimento do mesmo. Ninguém teve pai rico ou casou com mulheres ricas como a maioria dos bem sucedidos entre aspas, músicos da época rsrsrs! Nunca fizemos um show que não estivesse lotado. Nunca! Mesmo sem nenhuma ajuda dos críticos e jornalistas especializados da época já bastante acostumados com os "presentinhos recebidos das gravadoras" nós morávamos os espaços. Nenhuma das bandas da época tinha coragem de tocar depois da gente pois todos tinham receio da reação do público que normalmente não nos deixava sair do palco pedindo bis rsrsrs! Quem viu sabe que era assim!

2112. A boa repercussão do álbum e mesmo a fama dos grandes shows da banda levou vocês a abrirem para o Alice Cooper diante um público de 150 mil pessoas enlouquecidas que não paravam de gritar o nome da banda mesmo durante a apresentação da “estrela” da noite. O que de fato aconteceu? Quais são as suas lembranças deste show?   

Pedrão Baldanza. Fomos escolhidos entre várias bandas que foram apresentadas aos produtores do Alice Cooper. Não foi a repercussão do disco e sim o interesse dos gringos pelo nosso som e a facilidade que pretensamente eles teriam com a montagem de um trio antes do grande show deles. Só não esperavam os acontecimentos! Fomos muito aplaudidos nos shows realizados e a cada show os técnicos deles foram cada vez mais curtindo até tomarem uma bronca por terem feito um bom som pra gente.  

2112. Isso é um “fato” que poucas bandas experimentam em vida, não é?

Pedrão Baldanza. Acredito que sim!

2112. Manito deixa a banda após o show no Festival de Águas Claras e você e o Pedrinho reformularam a banda acrescentendo metais, duas guitarras e passaram a usar elementos do soul e do funk no som da banda. Isso me fez lembrar do episódio ocorrido no Deep Purple após a saída de Ritche Blackmore e eles também fizeram mudanças semelhantes. Por que uma virada tão radical?

Pedrão Baldanza. Gravamos nossa ópera Amazônia no estúdio Vice Versa do Rogério Duprat em 74. Acontece que os diretores da extinta gravadora Continental acharam que o que tínhamos feito não era comercial e não quiseram bancar o trabalho e por essa razão foi abortado e ficamos com uma dívida grande com o estúdio e o único jeito foi aceitar a proposta da CBS que estava interessada nos meus funks e queriam lançá-los. Então pagaram o estúdio e acabaram destruindo a nossa ópera pois perderam as fitas originais de várias músicas representadas pelo lado Domingo do disco lançado. Técnicos ladrões e sem escrúpulos... pegavam as fitas de 2 polegadas do estoque e apagavam tudo e revendiam como novas. Uma prática que destruiu uma acervo de gravações não só do Som Nosso de Cada Dia como de outros grupos da época. Nunca houve duas guitarras no som... tínhamos dois tecladistas! Não houve uma mudança radical pois o que fizemos foi acrescentar os funks aos progs, aliás ritmo que acabou tomando conta do mercado com os importados americanos. Tudo o que aconteceu com a gente foi fruto do nosso sacrifício. Nunca tivemos apoio da mídia, mas lotávamos os teatros e sempre éramos chamados para os festivais de música da época.             

2112. Em 1976 vocês lançam Sábado/Domingo que trazia em cada lado do LP uma amostra dessas mudanças. De um lado músicas mais acessíveis, radiofônicas e do outro lado músicas com elementos prog que fez a fama da banda. Como foi a repercussão do álbum?        

Pedrão Baldanza. Ficou muito difícil manter a banda na ativa sem o apoio de gravadora e da mídia... e depois de uma temporada de fome e sufoco resolvi parar e tentar outras alternativas de trabalho. Os filhos chegando... então fui tentar a vida no Rio de Janeiro em 78.

2112. Mesmo com os bons resultados alcançados pelo álbum o grupo acaba no ano seguinte pondo fim a saga de uma grande banda. O que você fez depois do fim da banda?   

Pedrão Baldanza. Passei a atuar como instrumentista apenas. Nesse trabalho acabei participando de centenas de gravações de inúmeros artistas e também acabei tocando ao vivo como muitos deles como Ney Matogrosso, Gal Costa, Frenéticas... Com Elis gravei o último de estúdio Trem Azul e com o César Mariano gravei muitos outros como Elba, Zizi Possi, Simone etc. Gravei muito com o Lincoln Olivetti e também Eduardo Souto e outros a arranjadores. Fiquei no Rio de Janeiro até o início de 2000 e depois voltei para São Paulo.         

2112. Em 1994 você, Pedrinho e Manito se juntam para celebrar os vinte anos do álbum Snegs. Vocês sempre estiveram em contato uns com os outros mesmo com o término da banda?

Pedrão Baldanza. Nossa amizade é eterna meu querido. Nos reunimos sim, não pelos vinte anos, mas sim pelo fato de querermos retornar aos palcos. Depois do disco Live 94 nós recebemos um convite pra ir tocar no Japão e na Europa num circuito de bandas progressivas. Mas infelizmente o Pedrinho Batera faleceu e aí perdemos a esperada idas para o exterior. Nunca deixamos de nos falar... sempre sabíamos uns dos outros e esperávamos uma oportunidade.  

2112. A banda durou até 1995 com sua mais famosa formação quando falece Pedrinho Batera e em 2010 o Manito. E desde então você é o único remanescente da formação original. É complicado às vezes olhar o palco e não vê-los mais?

Pedrão Baldanza. É claro que eu sinto saudade! Mas a vida continua e sei que onde eles estiverem estão torcendo pelo melhor e também a minha espera rsrsrs! Porém enquanto eu estiver por aqui vou manter o SOM NOSSO DE CADA DIA na rua ajudado por esses excelentes profissionais que estão comigo. 

2112. A banda continua na ativa fazendo shows em vários lugares, em vários festivais como a antológica passagem da banda pelo Totem Prog ou seja está na estrada. Existe projeto de gravação de novos álbuns?

Pedrão Baldanza. A banda está novamente na estrada com apenas eu remanescente das formações antigas do SNCD. Todos grandes músicos do cenário brasileiro tais como Marcelo Schevanno na guitarra, nos vocais Fernando Cardoso, nos teclados Edson Gilardi na bateria, Pedro Calasso nas percussões e vozes e contamos também com a ilustre presença de Cássio Poletto nos violinos e eu no baixo. Estou gravando o novo disco do Som Nosso de Cada Dia em São Paulo e espero logo logo apresentar ao público!

2112. Finalizando quero agradecer pela entrevista, pela sua gentileza em responder e dizer que o microfone é seu...

Pedrão Baldanza. Espero ter te esclarecido um pouco a respeito do SNCD e peço desculpas em não me aprofundar mais pois vem por aí novidades como disse acima e clipe no Youtube e eu espero que todos curtam. Obrigado e um grande abraço!!

Dedico esta postagem às memórias de Manito e Pedro Batera



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