quarta-feira, 11 de novembro de 2020

Entrevista Edinho Espíndola

 

Edinho é o batera das lendárias bandas Liverpool (depois Liverpool Sound) e Bixo da Seda que lançaram dois dos melhores álbuns da história do rock brasileiro. O resultado do nosso bate papo vocês conferem nesta histórica entrevista.

2112. Vamos começar falando sobre o surgimento da banda Liverpool. Vocês já se conheciam?

Edinho. Sim, éramos todos do IAPI, o Mimi e o Marcos irmãos, ambos meus primos. O Fughetti, amigo que morava na mesma rua. O Liverpool já existia e era dirigido pelo Carruira, baixista. Como outros grupos musicais da época, o Liverpool tocava em festas, Mimi Lessa tocava no The Best e então foi convidado para tocar no Liverpool com a condição de levar o irmão Marcos Lessa e o amigo cantor Fughetti. Quando o Carruira desistiu do grupo, Edinho e Pekos assumiu o baixo e eu na bateria. Assim ressurge o Liverpool com nova formação.

2112. Naquela época era raro o lançamento de discos de rock no Brasil. Como você se iniciou no rock'n'roll? Quem mais te influenciou? 

Edinho. Iniciei na banda Liverpool tocando cover como todas as bandas da época, que tocavam Beatles, Byrds, etc. Sofremos várias influências, não só de grupos internacionais, como Areta Franklin, Bob Dylan, Jimi Hendrix entre outros cantores nacionais também.

2112. As rádios tocavam alguma coisa?

Edinho. Tocavam lançamentos da época como música italiana, orquestras, Jazz como Glen Muller e os nossos sucessos nacionais.

2112. A banda logo se destaca por participar de diversos festivais. Qual era a reação das pessoas diante do som garajeiro da banda?

Edinho. O Liverpool era uma banda, apesar do nome em inglês, tinha um diferencial nas harmonias dada a influência que tínhamos da música brasileira. Não era o rock propriamente dito, ainda. Porque a influência do rock veio mais tarde.

2112. Ao lado dos Brasas e dos Cleans vocês se tornaram uma das colunas sagradas do nascente rock gaúcho. Como era a cena naquele período? Tinha muitas bandas promissoras?

Edinho. Sim, os Brasas e os Cleans estavam adiantados pois já tinham ido para o centro do país para gravar seu disco. O Liverpool entra depois, em 1969 com o prêmio de 1º lugar com a música "Por Favor Sucesso" do cantor e compositor Carlinhos Hartilieb, no Festival Universitário em POA.

2112. Nesse meio tempo surge o convite para vocês gravarem no Rio de Janeiro. Como surgiu a proposta?

Edinho. Sim, como já foi mencionado, foi um prêmio em dinheiro e a gravação do LP que nos levaram para o RJ.

2112.  Como foi a adaptação em meio a um ambiente totalmente novo em questão de costumes, amizades, cena etc.

Edinho. Entramos como uma expectativa da gravadora, pois  ao ganhar o primeiro lugar no Festival Universitário automaticamente participaríamos do Festival Internacional da Canção no Maracanãzinho. Isso nos abriu portas facilmente.

2112. Quando vocês entraram em estúdio já estava tudo definido: músicas, letras e arranjos?

Edinho. Gravamos os disco em menos de uma semana pois estávamos bem ensaiados, com repertório definido.

2112. Como foram as gravações?

Edinho. Foram tranquilas porque tocamos como ao vivo, ou seja, todos tocando juntos ao mesmo tempo com poucos playbacks de guitarra.

2112. Por favor, Sucesso é um dos melhores álbuns já gravados por uma banda brasileira nos anos 60. Um clássico que desperta inclusive interesse no mercado gringo, não é?

Edinho. Verdade. Tanto que o disco foi relançado o LP em vinil e cd, na Alemanha há poucos anos.

2112. A banda ainda gravou a trilha sonora Marcelo Zona Sul e dois singles que hoje são disputados a tapa nos sebos e leilões. Não seria interessante lançar uma espécie de box com todo o material gravado pela banda?

Edinho. Seria, mas quem vai fazer isso por nós? Até o momento, não tivemos proposta. Mas o mesmo que relançou o primeiro disco do Liverpool, relançou o disco do Marcelo Zona Sul.
 

2112. O que mais pesou na hora de encerrar carreira?

Edinho. Felizmente não encerrei minha carreira ainda, continuo tocando. Mas o Liverpool acabou com uma manchete de um certo delegado da banda tocando em seu DP. Então não tivemos muita opção, senão mudar de estado.

2112. Com o fim da banda Fughetti foi para a Europa e vocês retornaram para casa. Em algum momento você pensou em desistir ou tudo isso apenas serviu para te fortalecer?

Edinho. Sim, me fortaleceu para buscar outros caminhos na música.

2112. Os anos 70 começou pesado com as mortes de Duane Allman, Jimi Hendrix, Jim Morrison, Janis Joplin e o próprio fim dos Beatles. Foi um momento de transição e mesmo de repensar que rumo tomar, não é?

Edinho. Sim, neste momento a mudança faz surgir a música mais pesada para nós, as guitarras distorcidas e elementos do rock.

2112. Entre o fim do Liverpool e o nascedouro do Bixo da Seda você chegou a participar de outras bandas?

Edinho. Fiquei no RJ tocando com várias bandas.

2112. Em pouco tempo vocês se reúnem (com exceção do Fuguetti) para uma volta do Liverpool que acabou os levando novamente para o Rio de Janeiro já como Bixo da Seda. Porque resolveram rebatizar a banda?

Edinho. Porque o nome Liverpool, apesar do nome em inglês, era uma banda bem brasileira. Mas quando mudamos nosso som, veio junto a vontade de trocar o nome da banda. Som novo, nome novo.

2112. ... isso me fez lembrar da história da lendária Fênix que ressurge das próprias cinzas.

Edinho. Ótima analogia.

2112. Os anos 70 foi praticamente dominado pelo desbunde do rock progressivo e do hard rock. Como foi se readaptar musicalmente e que bandas influenciaram nessa mudança?

Edinho. Nos anos 70 ainda era Liverpool e a nossa influência era mais do Allman Brothers. A adaptação veio ao natural, assim como começou, acabou.

2112. Você poderia contar como foram as gravações desde a concepção das letras, músicas, arranjos e a entrada no estúdio. Os fãs da banda com certeza gostariam de saber desses detalhes.

Edinho. A gravação do Bixo da Seda foi mais complicada porque tínhamos na mesa um técnico americano, com outra concepção de idéia. E isso foi conflitante, tanto que o disco não saiu como queríamos e também foi meio decepcionante para nosso público, que estava acostumado com nossos shows pesados.

2112. O rock brasileiro antes do boom dos anos 80 tinha pouca penetração nas rádios e nas mídias. A gravadora em algum momento pediu para vocês gravarem algum hit ou mesmo que o material fosse algo mais comercial?

Edinho. Não, quanto a isso tivemos toda liberdade para gravar nosso repertório.

2112. O material gravado era todo inédito ou vocês reaproveitaram alguma coisa do repertório do Liverpool?

Edinho. Nosso material era todo inédito.

2112. Li artigos que diziam o quão antológicos eram os shows e as performances da banda que levava o público ao delírio. Quais as melhores lembranças você guarda dessa época?

Edinho. De lotar os clubes e teatros, e algo interessante que era o público querer ouvir o inédito que nos obrigava a sempre abrir o show com uma novidade.

2112. Este ano o álbum completou 44 anos e ainda desperta um profundo fascínio nas pessoas que o ouve. O que você atribui isso?

Edinho. O registro de uma época, que quando nos damos por conta, já passou e não volta mais. Como algo mágico.

2112. Muitos críticos afirmam que o álbum é o segundo da banda levando em conta que o Bixo da Seda é a evolução natural da Liverpool. Você concorda com isso?

Edinho. Sim, concordo. Porque são os mesmos músicos sofrendo a transformação natural da época.

2112. Relançado em cd o álbum esgotou rapidamente virando ítem de colecionador. A nova geração está bem mais antenada do que muitos imaginam, não é? Isso também mostra que nem tudo está perdido como muitos pensam...

Edinho. Exato. Eu tenho dado muita entrevista para pessoas bem jovens, que estavam nascendo na época, por exemplo, e hoje pesquisam, chegando até a banda.

2112. Apesar do séquito fiel de fãs a banda encerra carreira em 1980. Qual foi o principal motivo?

Edinho. Várias bandas de rock estavam encerrando nessa época, perdendo espaço para outro tipo de som quando começam a surgir nas danceterias, com música mecânica.

2112. A década de oitenta começou como uma verdadeira tsunami arrastando ladeira abaixo bandas como Yes, Pink Floyd, Rolling Stones, ELP, Rush, Led Zeppelin que para sobreviver tiveram que abrir mão da complexidade de sua obra em favor de trabalhos mais acessíveis. Era o fim de uma era de grandes bandas...

Edinho. Sim, como tudo começou e terminou com a influência dessas bandas, no Brasil não seria diferente com a nossa banda no sentido de não ter mais espaço para aquele tipo de som.

2112. Apesar do Bixo da Seda não existir mais “oficialmente” como banda vocês se apresentam de vez enquanto. Já pensaram em lançar um álbum novo ou mesmo um dvd para saciar o desejo dos fãs da banda?

Edinho. O Bixo da Seda se reapresentou sempre quando ouve uma proposta, porque os integrantes moram em cidades diferentes e isso dificulta a renovação de repertório, até mesmo evolução em ensaios periódicos. Mas, estamos vivos e gostamos de tocar juntos.

2112. Soube que Fuguetti está doente, sem condições para se apresentar. Vocês ainda mantém contato com ele?

Edinho. Raramente tenho contato, mas gravei três discos dele nos últimos anos, sem nos encontrarmos pessoalmente.

2112. ... o microfone é seu!

Edinho. Quero agradecer as perguntas, muito pertinentes. E é sempre bom relembrar os velhos tempos que não voltam mais.

Obs.: As fotos utilizadas nesta postagem pertencem ao acervo particular do próprio Edinho e só consegui identificar o nome do Bolívia & Cátia Rock. Se alguém souber o nome dos demais fotógrafos favor enviar as informações para o meu e-mail: furia2112@gmail.com.  

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