segunda-feira, 1 de julho de 2024

Entrevista Hálito de Funcho (Renato Mantovani & Jorge Gerhardt)

2112. Vamos começar explicando o significado do nome da banda "Hálito de Funcho". Tem alguma coisa a ver com a planta aromática ou é algum tipo de gíria?

Jorge. Não, o nome foi escolhido dentre outras sugestões por se tratar de um nome agradável de ver e ouvir.

2112. A banda foi pioneira no surgimento da música instrumental em Porto Alegre. Você poderia falar sobre o surgimento da banda e como era o cenário da época?

Jorge. A banda foi pioneira na época (1977) como grupo inteiramente dedicado à música instrumental. Naquela fase, aqui no RS, só existia música vocal.

Renato. Na Porto Alegre de antes do Hálito, havia jovens artistas solo, como Nelson Coelho de Castro, Geraldo Flach, Bebeto Alves, Leonardo Ribeiro e outros que não lembro agora, mas grupos mesmo, talvez só o Bixo da Seda se destacasse. Daí surgiram dois grupos importantes: os Almôndegas, com o Kleiton e o Kledir, que se lançaram depois, e a Cebola Iluminada, com meu irmão e o guitarrista Zé Flávio, que tocou no grande sucesso dos Almôndegas, “Vento Negro”, do Fogaça. Mas não eram bandas instrumentais. Então de certa forma o Hálito foi pioneiro mesmo. Logo depois do Hálito surgir, veio o Raiz de Pedra, grupo também com uma proposta puramente instrumental, uma bela banda, que chegou a se mudar para a Europa, com relativo sucesso.

2112. Que bandas ou músicos foram influências vitais na formação do som da banda?

Renato. Acho que o Jorge pode responder melhor.

Jorge. Eu formei a banda com composições minhas que eram totalmente fora do padrão. Tais composições sustentaram o grupo e caracterizaram seu estilo. Eram músicas que misturavam formas, compassos, tonalidades e deixavam as pessoas meio sem saber o que era aquilo. 

Renato. Lá em casa éramos beatlesmaníacos. Eu escuto Beatles desde os 4 anos de idade, mais ou menos. Muita música clássica, Hendrix, Santana, o jazz-rock dos 70, Dorival Caymmi, Gismonti, Hermeto, aquelas coisas fortes da época.

2112. O Hálito de Funcho só ficou conhecido do público a partir de 1977 com o show Som de Garagem. Mas o que vocês fizeram entre o ano de formação da banda até 1976? 

Renato. Nesta época eu tinha 16 anos, e só escutava os caras tocarem na casa dos meus pais, que era o local de ensaio, então não posso falar muito.

Jorge. O grupo estreou em 1977 e daí em diante estourou na cidade. Tocamos em todos os lugares possíveis e a mídia se encarregava de nos promover e elogiar por ser algo de qualidade elevada e muito diferente de tudo o que já havia aparecido em Porto Alegre.

2112. A set list do show era composta apenas de standards ou continha material próprio também?

Jorge. O repertório era totalmente composto por mim e o grupo funcionava como um laboratório para elaborar arranjos dos mais diversos tipos.

2112. E qual foi a reação do público?

Jorge. A reação do público foi ótima. Uma mistura de espanto e admiração pois nunca tinham visto algo parecido. Nos tornamos celebridades na época, sendo muito respeitados. Recebíamos convites de todos os lados. Era uma badalação enorme, a mídia dava páginas para nós e éramos convidados para entrevistas em rádios, TV, etc.

Renato. Acho que era uma música para poucos ouvidos, então nos primeiros shows, nunca nada de casa cheia. O espetáculo de maior sucesso digamos, com filas na rua, e ingressos esgotados, foi um espetáculo montado dentro de um planetário de Porto Alegre, com projeções de estrelas e planetas, que se chamou “Céu Interior”. Foi um show muito comentado. Mas a crítica sempre foi mais favorável do que desfavorável. Apenas o país mas também o mercado externo.

2112. O Brasil tem um histórico de grandes bandas instrumentais que conquistaram não apenas o país mas também o mercado externo. Vocês chegaram a fazer shows no exterior?

Jorge. Não, nosso palco foi Porto Alegre e algumas cidades do interior do RS, até que em 1981 fomos escolhidos pelo Instituto Nacional de Música do Rio de Janeiro, pelo então diretor Marlos Nobre como uma das dez melhores bandas do Brasil apresentando shows na Sala Sidney Miller da FUNARTE. Lá também tocaram   grupos como Grupo Um, Hermeto Pascoal, Egberto Gismonti, Duo Assad dentre outros. Para nós foi extremamente gratificante. Após essa fase o grupo se dissolveu, indo cada integrante para um lugar do país, RJ, SP, PA etc.

Renato. Mas o Jorge, com um quarteto (Edinho Espindola, bateria; Adão Pinheiro, piano e Luís Fernando Rocha, trompete) tocou em um festival de Jazz no Caribe, em Porto Príncipe.

2112. O que levou vocês optarem pela música instrumental levando em conta a difícil penetração do estilo musical nas rádios e veículos de comunicação. Qual a sua opinião a respeito disso?

Renato. Acho que era buscar o máximo de expressão dos instrumentos mesmo. Sem ter a voz para distrair, tipo.

Jorge. Na época não pensávamos nisso, nossa idéia era fazer música e nada mais. Chegamos a tocar por iniciativa do Instituto Goethe aqui de Porto Alegre com o grupo alemão Manfred Schoof Quintet em um show onde os dois grupos tocavam juntos, dois pianos, duas baterias, dois baixos.um elétrico e outro acústico, percussão e sopros, clarone, sax soprano, sax alto e um instrumento que inventei violítara.

2112. ... mas apesar das dificuldades existe um público fiel que sempre marca presença nos shows e adquire os álbuns. Isso é muito gratificante, não?

Jorge. Exato, como falei antes tínhamos um público fiel e éramos famosos na época. Até hoje aparecem alguns fãs daquele tempo.

Renato. Sim, mas é uma minoria.

2112. E como vocês definiriam o som da banda?

Jorge. Bastante difícil de definir, como falei, era todo em cima de minhas composições que não tinham estilo definido; misturava clássico, música modal, atonal, poli rítmica bastante arranjadas e complexas. Não eram composições comuns. Muitas delas consegui resgatar de antigas fitas de rolo, de cassetes e estão postadas no meu Canal do YouTube Jorge Gerhardt Música Instrumental.

Renato. A música do Hálito sempre foi complexa, bastante trabalhada e exigia bastante ensaio. Na época em que eu toquei no grupo, acho que o resultado poderia ter sido bem melhor com mais ensaios. Outra coisa era que as temporadas dos shows eram meio curtas, não dando tempo para entrosar mais os músicos e chegar a um resultado mais vibrante e contagiante para a audiência. Falo por mim, pela minha experiência na banda, mas era difícil a gente conseguir se soltar mais, e tocar mais fluentemente, improvisando mais. Porque as músicas tinham partes bem estruturadas, mas tinham outras partes que permitiriam esta liberdade. Só que não era muito frequente que estivessem tão assimiladas a ponto de todos voarem em perfeito entrosamento.

2112. Vocês tiveram grandes músicos na banda. Porque o grupo nunca conseguiu manter uma formação estável? 

Renato. Acho que isto é da vida, um pouco, e não ocorriam grandes retornos, tanto do ponto de vista financeiro quanto do ponto de vista de realização profissional, que pudessem solidificar uma formação, terminando alguns músicos tendo de optar por trabalhos mais rentáveis ou gratificantes, sei lá.

2112. Foi por causa dessas constantes mudanças de integrantes que a Hálito de Funcho durou tão pouco? Vocês chegaram a gravar algum álbum?

Jorge. Estreamos em 1977 em Porto Alegre e finalizamos em 1981 no Rio de Janeiro. Mas a nossa atividade era tão intensa que parecia muito, visto que possuo em meu poder dezenas de pastas com recortes de jornais da época. Guardei tudo, para haver no futuro um registro do que aconteceu e nossa participação bastante grande na vida musical da cidade. Nós estávamos em todas, então parecia um tempo enorme de duração pois até hoje somos lembrados.

Renato. Alguma coisa se gravou em estúdio e mais tarde, o Jorge colocou algumas destas gravações em um CD. Posteriormente juntou mais material e criou um segundo CD, mas na minha opinião, estes dois CDs não representam o melhor do Hálito. Era bastante limitados os recursos técnicos acessíveis para a banda na época, para gravar discos e/ou registrar shows ao vivo. O melhor registro teria sido gravar um espetáculo ao vivo no fim de uma temporada, já com o repertório mastigadinho.

2112. Vocês nunca pensaram na possibilidade de uma volta da banda aos palcos?

Renato. Foi pensado sim, mas acho que ficou somente na idéia.

Jorge. Hoje em dia seria impossível refazer a banda porque os tempos mudaram tanto e não haveria um grau de participação e dedicação quase que integral a um projeto ideal. Eram outros tempos, outra idade e depois todos tomaram um caminho prático, visando sua sobrevivência econômica.

 2112. ... mas vocês ainda mantém contato uns com ou outros?

Renato. Alguns integrantes se distanciaram bastante, alguns já morreram, como foi o caso do Glauco Sagebin e do Renato Leite que tocou flauta bem no início. O Jorge ficou um bom tempo em contato com o Gilberto Lima, irmão do Nenê do Hermeto, tocando com o Jazz 6, com o Luís Fernando Veríssimo. Meu irmão tocou há alguns anos atrás com Jorge, executando obras do compositor Araújo Vianna.

2112. Todos os músicos que passaram pela banda continuam na labuta como músicos ou atuam em outras áreas?

Jorge. A maioria não, seguiram profissões diversas. No meu caso sempre me mantive na música, dentro dela de alguma forma criando outros conjuntos, com composições e arranjos próprios.

Renato. Meu irmão e eu somos médicos, mas acho que todos os outros vivem exclusivamente da música.

2112. Obrigado pela entrevista... o microfone é seu!

Jorge. Agradeço muito a intenção de relembrar nosso trabalho e registrar o que fizemos. Cabe saber que lancei um CD com composições que foram extraídas de gravações antigas. Depois em 2000 reunimos novos músicos para ver como seria a reação das pessoas a respeito de um novo Hálito de Funcho. Foi bastante engraçado pois se na época as pessoas já não sabiam o que era aquilo agora em 2000 (24 anos atrás) o público perguntava no teatro: O que é isso? Como é o nome deste tipo de música? Um dos músicos respondia: diz que é rock progressivo misturado com música contemporânea modal atonal escrita só com sustenidos.... kkkkk Mais uma vez obrigado.

Renato. Muito obrigado pelo interesse e pelo espaço. Fico ao dispor e grande abraço.

 
Obs.: Todas as fotos pertencem ao arquivo pessoal da banda.
 

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