quinta-feira, 4 de janeiro de 2024

Entrevista Reginaldo Silva (Kamikaze)

Este ano o primeiro álbum da banda faz exatos quarenta anos de lançado. Acredito que muitos já cantaram Machado de Guerra, seja nos lendários shows, debaixo do chuveiro, tomando uma cerveja com os amigos ou no carro.  A entrevista tinha mais perguntas que não foram respondidas por decisão do próprio músico. Quem sabe um dia não posto a entrevista inteira... Espero que curtam essa primeira parte.   

2112. O Kamikaze surgiu em plena efervescência da cena oitentista mineira que revelou ao mundo Sepultura, Overdose, Chakal, Sarcófago, Multilator, Attomica... e também vocês. Como era a cena naquela época? 

Reginaldo. Obrigado por me convidar pra esta entrevista. Eu frequentava o estúdio chamado Tribo de Solos do Hélcio Drummond na Rua Rio de Janeiro que não era comercial e funcionava todos os dias de 18 às 22 hs ou mais. Vários guitarristas, alguns baixistas e bateristas frequentavam e fazíamos  o chamado free que era começar a tocar sem combinar nada. Nem harmonia nem música cover... às vezes sentados em frente a porta de entrada da sala com caixas de ovo como isolamento acústico. Entrávamos pra fazer o free aí víamos que neste dia só tinha guitarrista (todos querem ser... rs). Aí um tinha que pegar a batera e outro baixo e etc... Acabamos aprendendo a tocar apenas praticando. Conheci Guilherme Bizzotto no Marconi e ouvi ele cantar no recreio. Chamei pra ir na Tribo e ai conhecemos João Guimarães que era dono de um dos estúdios de BH que gravou Sepultura, Overdose etc. Gustavo Duarte e João Guimarães tinham uma banda instrumental com Augusto Rennó chamada “Manga Rosa”. Nesta época tínhamos pra gravar os estúdios JG, Bemol o do Marcus Vianna. Hoje se grava em casa se quiser. Assim nasceu o Kamikaze por volta de 1984. A Rádio Terra tinha um programa Top Line que na época muitos ouviam no carro com grande audiência. Get Crazy (Adriano Falabella) que tocava Machado de Guerra apresentava o programa e ficávamos em primeiro lugar na votação dos ouvintes quase todos os dias.  

2112. Muitos reclamam da falta de união entre as bandas mas naquela época era diferente? O que melhorou e o que piorou com o passar dos anos em sua opinião?

Reginaldo. Na verdade nos anos oitenta as bandas de metal tinham pouco espaço nas mídias. Tanto que só tocávamos na Rádio Terra que era no mesmo local da 98FM que bombava na audiência. Tanto que quem cantava em inglês (exemplo Sepultura) fez sucesso fora do Brasil pra depois ser reconhecido aqui dentro. Comecei a dar aulas e entre meus alunos tive o prazer de dar aulas pro Paulo Xisto e pra namorada dele que tinha uma banda chamada Placenta. Detalhe, todos frequentavam estúdio de ensaio do Guilherme Corrêa da Rock News no Prado. Acho que melhorou a aceitação da guitarra distorcida e hoje tem mais adeptos do Heavy Metal e estilos mais pesados. Mas na minha opinião ainda há disputa pra espaço entre bandas. Voltando um pouco mais atrás em 1974 no Maestro Villa Lobos onde eu estudava no primário sentado na carteira e a professora rodando a sala pra ver o que escrevíamos viu que eu tinha desenhado uma caveira no caderno e na mesmo hora ela disse: já já pra secretaria!!!Chamaram meus pais na escola pra reunir com a diretora. Hoje qualquer criança anda com blusa de caveira. Sai um pouco do assunto mas acho que tem a ver.


2112. Que mudanças deveriam ser tomadas no setor de entretenimento além das famosas políticas culturais?

Reginaldo. Dar mais espaço pros que tem talento e mostrar menos bundas e peitos pra atingir a mídia. Além de ser mal exemplo pras crianças cadê a censura? Veja a Sandy que não é de usar roupas decotadas canta muito e faz sucesso sem apelativos. Claro que é bonita. Fora do Brasil Taylor Swift que é linda tem muito talento e músicas que considero uma obra de arte como “Today is a Fairytale” mas também aparece coberta etc. Agora, o quer fazer? Pra mim cada um na sua desde que mostrem a verdade. O que é bom? 

2112. Vocês souberam usar com sabedoria o levante punk "faça você mesmo". Como foi avançar trincheiras usando as próprias armas?

Reginaldo. O Kamikaze não me deu sustentação financeira até hoje. Toquei com vários artistas entre eles Marina Machado (2000-02) que tinha no projeto Milton Nascimento, Seu Jorge, Lô Borges, Max de Castro... Também em 2007 pra 2008 quando Flávio Venturini veio do Rio de Janeiro pra  morar em BH depois de uma cirurgia de alto risco tive a oportunidade de fazer a guitarra nos seus shows Brasil a fora. 50 Shows num ano em média. E há 39 anos dou aulas de guitarra particulares e em algumas escolas como a Pro-Music. Mas ainda há uma luz no fim do túnel. Vejo que em São Paulo e alguns lugares muitos respeitam e conhecem a Banda Kamikaze. Talvez falte administração e planejamento que realmente não é minha área. Talvez se alguém interessar...

2111. ... passados mais de vinte anos de estrada o que vocês não repetiriam a dose?

Reginaldo. Participei no show do Guilherme Bizzotto no “Camping Rock” e estamos pensando em reativar a banda. 2022 regravamos o Blues de Ninguém. O batera Alessandro Bagni que gravou e tocou infelizmente faleceu recentemente mas vamos continuar na estrada.  

2112. O split-album com Sepultura e Overdose deixou claro que havia rock de qualidade fora do eixo Rio-São Paulo e que a música mineira ia muito além do cultuado Clube da Esquina, não é? 

Reginaldo. Sim e gravado no JG produzido pela Cogumelo. 

2112. O Kamikaze se impôs com seu poderoso hard metal cantado em português o que é raro em se tratando do estilo quando a maioria compõem em inglês visando o mercado exterior. O que levou vocês optarem por este caminho?

Reginaldo. Eu fazia as músicas e o Guilherme as letras. Dizem que ele cantava meio stenis fronis gronis. Tipo um naglês rs, rs... Muita gente não entendia o que ele dizia.

2112. Reginaldo, como surgiu a banda?

Reginaldo. Como eu disse antes conheci o Guilherme no colégio Marconi na primeira pergunta... falei demais.

2112. Na época a banda fazia parte do Projeto Tribo de Solos. Como funcionava este projeto e como surgiu o contato entre vocês e a Cogumelo Records?  

Reginaldo. De novo respondi na primeira mas completando... Conhecemos o João da Cogumelo por que ele produziu o disco que você citou do Overdose de um lado e Sepultura do outro. No caso EP que era um compacto grande pelo fato dos compactos terem se tornado obsoletos. Antes você entrava no supermercado e tinha prateleiras de compactos. O Estúdio era JG que era nosso batera e não pagamos pela gravação mas nas edições seguintes o João fez uma proposta de fazer mais tiragens.

2112. Kamikaze foi lançado em 86 e logo se tornou um clássico do estilo projetando o nome da banda por todo o território nacional puxado pelo clássico Machado de Guerra. Vocês esperavam por um retorno tão rápido assim? 

Reginaldo. Na verdade eu queria fazer sucesso no Brasil e ir no Chacrinha. Me enganei.

2112. Machado... deve ter sido coverizado por diversas bandas anônimas e outras que nem seguer saíram das garagens de ensaios. Isso é muito gratificante, não? 

Reginaldo. Sim. Outro dia vi uma versão de uma banda “Dynasty” e achei muito bom. 

2112. Você sabe informar quantas cópias o álbum vendeu? 

Reginaldo. 1.000 nas primeiras e depois 3.000 foram acertadas mas acho que tem mais por aí sem acusar ninguém.

2112. Quatro longos anos se passou para que Kamikaze II viesse a tona para alegria dos fãs. O que aconteceu nesse hiato de tempo entre um álbum e outro?

Reginaldo. O que eu aprendi tocando com Flávio Venturini que é de um nível extremamente profissional é que a banda ou artista solo tem que ter agenda pra existir e ter retorno. Na estrada já ouvi falar que tem muita  briga inclusive com o Mick Jagger e Keith Richards mas um aguenta o outro. Imagina sem dinheiro... Quando o Germano entrou na banda no lugar do Guilherme fizemos dois shows por mês o que nunca tinha acontecido. O Germano além de cantar bem tem o lado empresarial e muitos contatos. Como eu digo: tem gente que vende merda em pó no supermercado com uma linda embalagem e nós temos ouro engavetado.

2112. Em 1994 vocês registram Kamikaze III com produção de Chico Neves, mixado por Tchad Blake, produtor do Pearl Jam e masterizado por Bob Ludwig. Como foi reunir todo esse time?

Reginaldo. Quando chegaram no Studio Real World pra mixar, o Peter Gabriel estava dentro da piscina de terno com guarda chuva e a imprensa em volta. Marcus Vianna apareceu por lá também. Depois deste disco o João Guimarães e Guilherme se desentenderam e a banda acabou justamente após este investimento. Nesta época eu comecei a tocar com Flávio Venturini. Uma das maiores influências de guitarra pra mim foram de Cláudio Venturini depois Jimmy Page e Ritchie Blackmore. Aí Van Halen apareceu.

2112. Tchad Blake e Bob Ludwig apenas fizeram o trabalho de casa ou deram pitacos na produção e nos arranjos? Como funcionou a parceria?

Reginaldo. Eu não estava presente mas o Chico Neves e João sim. Não deram pitaco por que foi gravado aqui no JG e lá só mixagem e masterização.

2112. O álbum contou ainda com as parcerias de Chico Amaral (Skank), Affonsinho (ex-Hanói-Hanói), Paulo Leminski e Délcio Vieira Salomon entre outros da cena mineira. Como surgiu essas parcerias? 

Reginaldo. Chico Amaral que me chamou pra tocar com Marina Machado sempre fizemos músicas juntos por estarmos presente na cena de BH inclusive dei aula de guitarra pro filho dele. Somos amigos! Affonsinho era da turma do João Guimarães e Gustavo Duarte e me passou as letras. Paulo Leminski, eu sempre li o livro “Venceremos dista´dos”Distra´dos Vencerems” a Alce Ruiz autorizou já que Leminski já não estava entre nós. Délcio Vieira era pai de Tânia Salomón que é mãe de minhas sobrinhas. Praticamente da minha família. Almoçávamos juntos no domingo.

 

Machado de Guerra

Crianças perdidas em tentação
Vícios, alienação
O tempo vai e você não vê
O que irá acontecer

Uma grande mutação
Uma nova revolução

Bem aqui agora, nossa geração
Última esperança, desejo do mundo
Machado de guerra em nossas mãos

Oh...

Uma nova mutação
Uma grande revolução

Ah...

Crianças perdidas em tentação
Vícios, alienação
O tempo vai e você não vê
O que irá acontecer

Hey, ho...

 Obs.: As fotos utilizadas nessa postagem foram todas retiradas do facebook do Reginaldo. Mas deixo meu endereço para que os autores das fotos se manifestem pelo meu e-mail furia2112@gmail.com que darei os devidos créditos.  

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