Entrevista Lu Vitti

Enquanto muitos almejam cantar, outros já nascem com o canto tatuado na própria alma. Me impressiona a figura de Lu Vitti nos palcos. É uma entrega real, sem limites. Isso é cantar, é dar vida a uma composição, é mostrar o valor de estar num palco, é dar vida a voz que canta e encanta... Assim é Lu Vitti para mim!                

2112. Conte como foi a sua iniciação na música. O que mais te atraiu a ponto de despertar em você o desejo de ser uma cantora?

Lu. Tornar-me uma cantora, posso dizer que foi uma consequência pra mim quando percebi que me “profissionalizei”, pois desde a adolescência achava que meu lugar era no teatro, como atriz, mas a cada dia que passava, eu percebia que a música é minha essência. A voz foi a forma mais natural que encontrei de conseguir me conectar tão livremente, com a arte e com musicistas. E assim me comunicar em total liberdade. Como desde meu nascimento a música foi presente por meus avós maternos, sempre cantei, e quando se tem um instrumentista e cantor autodidata, o ensinamento é natural, tanto eu quanto meu irmão e minha tia, irmã de minha mãe, exercemos a música como profissão. Mas sempre estou em contato com o teatro e outras linguagens artísticas, como a literatura, pois ainda faço uns trabalhos como atriz e lancei um livro infantil, em 2020.

2112. Muitos que hoje a vêem nos palcos não imaginam que suas primeiras influências vieram de nomes como Orlando Silva, Lupicínio Rodrigues e Dolores Duran. Você ouve todo tipo de música?

Lu. Escuto todo tipo de música que dialogue com o que meu ouvido entende, então vou de erudito, ópera, instrumental, rock, blues, jazz, samba de raiz, MPB mais clássica, chorinho, bossa nova... e o que de novo escuto são artistas mais do underground que fazem minha cabeça e ouvidos. Também escuto música italiana, argentina, latina, soul music...

2112. Falando em Lupicínio... Theddy Corrêa da banda Nenhum de Nós lançou “Loopcinio” com alguns dos seus clássicos em novas roupagens. O resultado ficou super bacana servindo inclusive de vitrine para toda uma nova geração que desconhece sua obra. Você já ouviu?

Lu. Eu cheguei a ouvir e vi que ele teve um bom resultado, o que me deixou animada porque gosto muito de Lupicínio, mas se for pra ouvir, ainda escuto os arranjos mais antigos.

2112. Ao cantar um clássico você segue a risca a versão original ou injeta nela a sua própria visão de como interpretá-la? Como você trabalha isso?

Lu. Sempre injeto minha própria visão. E nunca, jamais somos iguais, seguimos nossa linha, timbre, musicalidade, mas eu sempre defendo a liberdade de arranjos e improvisos. Eu sempre busco, com cada time que vou tocar, sentir o que temos de melhor juntos ali, em acordes, solos, timbragem, e assim começa o diálogo, a troca, o resultado. Quando faço um som mais jazz, sei onde fica mais gostoso timbrar pra que eu possa voar mais e assim também no blues, no rock...

2112. Assistindo a seus vídeos senti o quanto você se entrega muito ao cantar como a lendária Janis Joplin. O que é cantar para você?

Lu. Sempre falam da Janis para mim depois dos shows, e minha voz é bem mais grave que a dela, fora que o timbre Janis é único, mas eu sei que é a explosão que pega, aquela exposição extrema de sempre ser como se fosse a última vez. Muitas vezes quando fico rouca ou que sinto que poderia não cantar mais, penso que tentaria fazer a música de outra maneira, um instrumento... parar jamais. Mas quando canto, nossa, que eu sinto que minhas veias, minhas entranhas chegam como ondas sonoras que entram no outro... isso que realmente é cantar pra mim, pensar que o meu sentir em música chegou até o seu sentir.

2112. O palco faz parte da sua vida situações distintas pois além de cantora você também é atriz. O palco acaba se tornando uma extensão da sua própria alma, não?

Lu. Sim, se tivermos alma, ela vive lá, no palco, seu melhor lugar.

2112. Em 2001 você se muda para São Paulo e passa a trabalhar como atriz e cantora. Deve ter sido tempos bem duros...

Lu. Tempos duros e inesquecíveis. Fiz uma rifa no interior, com mais duas amigas atrizes, e somente eu fiquei em Sampa, e estou até hoje e amo, aqui é minha cidade... Bem, o dinheiro da rifa durou 1 mês e logo tivemos de ver uma maneira rápida pra ganhar uma grana e continuar a luta de se profissionalizar, como artista. Uma delas me disse que, na frente do pensionato estudantil em que ficávamos, que estavam contratando garçonetes, e esse lugar era o Café Piupiu, isso foi em 2001, e só eu fiquei trabalhando lá, e acabei conhecendo bandas, as quais eu viria a cantar depois, dava canjas de avental (risos). E quando eu fui ser registrada na carteira de trabalho, eu pedi as contas porque tinha entrado no Teatro Oficina, sem garantia de grana nenhuma, e nesse período meu pai também faleceu.

2112. Nesse período além do Made In Brazil você chegou a participar de outras banda?

Lu. Quando eu entrei no Made, a minha juventude estava em alta, mas o Made passava um momento delicado, a morte da Deborah deixou todos da banda muito abatidos e tinham uma agenda legal de shows, e um amigo tinha me indicado, pois sabia do meu lado alegre e que podia ser bacana pra eles e pra mim que precisava estar cantando, e adoro o som do Made!!! Só que sofri muito falatório de uns caras, músicos do rock paulistano, minha vida virou uma perseguição, um horror esses caras se encontrando pra falar de mim com um cara que eu me relacionava, enfim... um dia conto nomes... Bem, voltando, eu cantava rock, uns MPB clássico mas quando eu comecei a ir aos ensaios da banda Saco de Ratos, no teatro X, comecei a cantar com eles, blues, fui encontrando o lugar que minha voz ficava mais “potente”. Depois cantei com muitas outras bandas de clássicos do rock, de jazz, como com Bocato e Rubem Farias como convidada, outras eu ficava um tempo... até que fui gravar meu disco, quero dizer, cd, (risos).

2112. Suponho assim como muitas mulheres, você deve ter comido o pão que o diabo amassou com o rabo para provar o seu talento. Por algum momento você pensou em desistir e voltar para casa?

Lu. Minha casa sou eu. Sempre vou embora quando eu vejo que não poderei mais cantar, me expressar por ali. Posso até afirmar que o tal do pão amassado pelo diabo ainda chega na minha boca, mas não engulo mais.

2112. Existe muitos idiotas que ainda medem o talento de uma mulher pelas suas pernas, peitos e bunda. Você se irrita com cantadas ou você faz de conta que não ouviu para não descer do salto?

Lu. Adoro cantadas, não gosto quando o cara quer me tirar de campo, de cena porque estou chamando atenção maior que ele (musicalmente). E lógico que na madrugada depois de shows já ouvi de tudo, mas nada zuado, não depois dos meus shows. Como eu sempre me coloquei no palco, difícil algum maluco se arriscar ali, hehe.

2112. Mudando de assunto vamos falar sobre o seu álbum Perdeu Playboy. Como foram as gravações, a escolha do repertório e a criação dos arranjos?

Lu. Quando eu voltei da minha primeira viagem a Europa pra cantar, isso em 2016. Fui pra Viena, e depois Amsterdam, a convite de um grande amigo, Rubem Farias, que estávamos tocando direto, quando entrei pra onda jazz. E ele me falava muito sobre eu ter um disco, um álbum pra que eu pudesse ir mais com minha musicalidade. Então fiz uma campanha de financiamento coletivo pelo kikante, e consegui uma grana pra gravar e pagar o mínimo para os músicos, estúdio, master, mix e a Gravadora Galeão foi quem fez a distribuição. O Rubem fez a produção e arranjos, convidou os caras, e a escolha do repertório foi minha. A banda gravou em 14 horas umas 10 faixas, entraram 8, mais uma que eu coloquei do meu avô Dercio Ferezin, a música Luciane, que foi feita pra mim quando eu tinha 1 ano e gravada nos anos 80. O Othon Ribeiro fez o áudio, a mix e master do CD fez a master dessa canção também. Depois junto com o Othon fui colocando a voz das faixas aos poucos. 

2112. Achei o título super bacana. Ele foi endereçado a alguém em particular ou se refere a alguma situação que você tenha vivido?

Lu. Quando fomos pensar numa música autoral, o Rubem me mostrou essa

harmonia que ele já tinha e numa madrugada fizemos a letra e a divisão. A letra foi mais uma vontade de me apresentar, hoje já posso dizer que canto ela pra uns ae (risos). No show que fiz no Sesc, o Rubem fez um arranjo fodaaa com uma música do Zappa (vou lembrar o nome...)!

2112. Quem produziu o trabalho?

Lu. Rubem Farias produziu o CD.

2112. Você acompanhou de perto todo o processo que envolveu a criação do álbum?

Lu. Sim, tudo, desde a pré e pós-produção. Tudo acompanhei.

2112. O artista é crítico por natureza. Ouvindo o seu álbum hoje o que você não repetiria em termos de arranjo ou produção?

Lu. Eu deixaria uma música fora do cd por conta da letra que hoje me incomoda, mas o CD está muito bem arranjado, acho bem foda tudo!

2112. Dentre as músicas gravadas quais você curte mais?

Lu. Blues do Ano 2000 do Cazuza, Nilo Romero e George Israel.

2112. Apesar das notícias de uma nova investida do covid os eventos estão retornando com algumas restrições. Quais são seus projetos para o novo ano?

Lu. Meu último show grande, foi no carnaval em Minas Gerais com Bocato, em 2020. Depois fiquei trancada em casa, até que com o fim do auxilio emergencial fui trabalhar em janeiro e acabei pegando covid, indo cantar num evento. Foi bem pesado, apesar de não internar, olha... um horror. Viva a vacina, viva a ciência porque eu pensei que não iria sobreviver. Quando me recuperei fiz uns trabalhos e agora, com as liberações e a população vacinada, estou com bastante shows, eventos, festas. Mas o que eu penso, é em gravar, gravar e gravar...

2112. Para fechar a entrevista me responde uma coisa: Que álbum, música ou cantora fez você repensar sua carreira?

Lu. Tem várias cantoras, em fases da vida, que me fizeram e fazem repensar, mas tem uma cantora que foi muito significativa e que provocou a maior mudança em minha voz, no rumo que seguiria, que foi a Carmem Mcrae. Quando eu estava amamentando minha filha, eu achei o cd em promoção “This Masquarade Is Over”, num mercado em São Paulo, e nunca havia ouvido falar dessa cantora. Quando eu coloquei o cd pra ouvir tive uma crise de choro, e percebi que eu só ouvia as mulheres negras do Jazz, comecei a entrar nesse universo que eu achava que era inacessível pra mim, e foi essa mulher, essa Diva que mudou a maneira de eu ouvir e cantar, ela abriu a estrada do infinito, foi bem marcante.

2112. Qual o seu telefone/e-mail para contratação de shows ou aquisição do seu álbum.

Lu. Meu álbum você pode ouvir em todas as plataformas, desde YouTube, Spotify ou se quiser ele físico, vi até no Mercado Livre, risos. Para contratação de shows, tem meu e-mail: lucivitali@gmail.com.

2112. ... o microfone é seu!

Lu. Anseio por materializar essa mudança que aconteceu em mim, nesse momento dos meus quarenta anos, em música, em show, em troca. E assim experimentar esses novos lugares que a essa música irá me levar.

Obs.: Todas as fotos usadas nessa postagem foram retiradas do Facebook de Lu Vitti e são de autoria de Naked Fotografia, Bolívia & Catia Rock, Cristina Piratininga Jatobá e Kleyton Souza. Se faltou alguém, favor enviar o nome para o meu e-mail: furia2112@gmail.com que eu faco as devidas correções.