Banda formada por três garotas influenciadas pela música celta, irlandesa e o folk americano. Usam instrumentos tradicionais e fazem releituras de clássicos dos três estilos. Uma grata surpresa em meio a tantas bandas que insistem usar fórmulas desgastadas.
2112. O Éire Folk surgiu a partir do encontro de quatro mulheres com desejo de criar uma banda e que ao mesmo tempo que esta fosse fonte de inspiração para outra mulheres. Como vocês trabalharam todo o conceito que envolve o universo da banda?
Paula. Bom, o universo desta banda foi criado a partir do universo particular de cada uma de nós. Atualmente, a banda não conta mais com as 4 primeiras integrantes que a compuseram. Mas ainda assim, há a influência de cada uma na identidade atual da banda. Por exemplo, uma das primeiras integrantes desta banda foi a Carmen Queiroz, a bandolinista. Ela já foi participante assídua de movimentos feminista se sua tese de mestrado é sobre este assunto. Ela trouxe muito forte as discussões sobre este tema, além de ter um baita estudo sobre literatura irlandesa, o que sempre agregou com a história e origem de alguns dos elementos e personagens que aparecem nas músicas. A Amanda Pinheiro, que também já não toca mais com a gente, trouxe a idéia do nome da banda, que está explicado em nossa página do facebook, e, por ter uma formação muito legal em dança egípcia, sempre nos trouxe um elemento mais árabe tanto em sua forma de tocar obodhrán quando em seus movimentos. Hoje a banda é integrada por mim e pela Raíza, nossa cantora efiddler, e ela realiza um estudo profundo em religiões pagãs, especialmente no âmbito celta. Ela sempre conta as histórias das músicas nos shows. E eu também tenho formação musical. Acho que, juntas, construímos bastante da identidade musical da banda, que seria a forma das músicas, as vozes, harmonia. Muitas músicas cantadas são a duas vozes porque nós duas sempre nos demos muito bem cantando juntas. Acho que estes quatro contextos citados são o que formam o universo da Éire Folk, mesmo que hoje a banda já não conte mais com a formação que teve no início. É uma formação bem legal, na minha opinião.
2112. Quem conhece a história das mulheres na música sabe o quanto vocês trabalharam pesado até chegarem aqui. O que ainda falta conquistar na opinião de vocês?
Paula. Nossa, essa pergunta é complicada e passa por muitos “lugares”. Na minha opinião, falta conquistar um espaço onde a mulher que está num palco tocando um instrumento não seja vista e elogiada apenas como bonita, mas sim pelos seu desenvolvimento musical: “tocabem” ou mesmo “tocamal” (precisamos ouvir elogios a respeito do desenvolvimento de nosso trabalho e não pela genética herdada, entende?). Talvez, e mostras palavras, mesmo que já tenha tido uma evolução sobre isso, ainda falte a mulher não ser vista mais como um objeto. Indo mais além, minha experiência pessoalme trouxe algumas vivências em que homens não confiam nos meus conhecimentos e eu acabei julgando que o problema fosse isso: eu ser mulher. Julguei dessa forma por toda a questão histórica carregada pelas mulheres e situações sem que colegas, amigas e até professoras minhas já viveram. Não sei se você já reparou, mas mulheres que vivem em ambientes onde, comumente, se vê mais homens, geralmente são mais “duronas”, às vezes tidas como bravas. Eu noto uma insegurança grande de homens com mulheres que exercem bem suas profissões, seja na música ou não. Infeliz e impressionantemente, aquele pensamento de que a mulher é feita para cuidar dos filhos e da casa ainda existe e é muito mais comum do que imaginamos. Também acho que falta conquistar respeito ao corpo. Caio no mesmo argumento da objetificação um pouco, mas o fato de estarmos com alguma roupa decotada, apertada ou curta, geralmente gera olhares e atitudes masculinas desrespeitosas além daquela péssima opinião de que a mulher merece ser desrespeitada se está vestida desta forma. Todas essas coisas são influências muito grandes no pensamento de uma mulher que vai subir ao palco (e outras mil situações). Quando vamos ao palco e temos um público, não podemos ser grossas com o público, mas se prestamos tomando cuidado de não parecer que estamos dando mole para alguém ou dando em cima. A roupa vai ser julgada, apostura... enfim. Ser mulher é subir ao palco é estar exposta a tudo isso e um pouco mais.
2112. Que conselhos vocês dariam para as mulheres (não só da música) que estão na luta pelo seu espaço?
Paula. Estejam em contato com outras mulheres que fazem o que vocês fazem e sempre lembrem-se que vocês são pessoas incríveis.
2112. Vamos fazer o seguinte: Que tal vocês se apresentarem?
Paula. Ok. Atualmente a banda conta comigo, Paula Camacho. E com a Raíza Klippel. Eu tenho 32 anos, moro, atualmente, em São Paulo e sou instrumentista e professora de música. Também trabalho com divulgação científica. Estudei flauta transversal no Conservatório de Tatuí e atualmente estou me formando em Ciências da Natureza pela EACH-USP. Meu pai é um violonista maravilhoso e uma das minhas grandes inspirações na música e neste instrumento. Toco flauta desde pequena e toco música irlandesa desde 2016!
Raíza. Sou Raíza Klippel, tenho 26 anos e tive contato com música celta e irlandesa ainda pequena, por influência da minha mãe. Já passei pelo estudo do piano, do canto lírico, do violino erudito, e cheguei nesse universo da música irlandesa em São Paulo, onde me senti abraçada logo no meu primeiro contato. Durante minha adolescência me aproximei também da espiritualidade pagã celta, que também tem um espaço muito importante na minha vida hoje, e que pra mim dá um gostinho ainda mais especial quando entro em contato com a música dessa Terra.
2112. "Eire" ou "Eriu" segundo a tradição irlandesa é o nome das três deusas celtas que deram origem à Irlanda. Como surgiu a idéia de homenagear essa divindade?
Paula. Surgiu através da Amanda Pinheiro. Na época, ela tinha assistido a uma palestra de um estudioso da literatura irlandesa bem conhecido aqui chamado Cláudio Crow. Ele tem um enorme conhecimento nesta área e também fundou uma banda do mesmo estilo que o nosso. Mas nessa palestra que a Amanda assistiu, ele explicou a origem do nome do país, Irlanda, que veio das três deusas e em particular Ériu. Ela nos trouxe essa sugestão e todas gostamos muito! Tem também a questão de se chamar Éire Folk, pois queríamos um nome que nos permitisse tocar além da música irlandesa. Nós todas amamos muito este estilo, mas temos influências de diversos estilos diferentes e não queríamos colocar essas influências de lado. Então colocamos o termo “Folk”. Pois é um termo que significa “música feita pelo povo”, podemos entender como a nossa música folclórica, o choro... etc. Este termo nos permite trazer músicas de diversos lugares para o nosso repertório.
2112. A cultura celta sempre fascinou escritores e compositores do mundo todo. E não são poucas as bandas que já usaram de suas histórias em várias de suas letras. O que vocês tem escutado de interessante nessa área?
Paula. Bom, vou aproveitar a oportunidade para explicar a diferença entre música celta, irlandesa e folk. Amúsica celta é a música que tem origem em todos os povos com esta cultura. São os povos da Península Ibérica e Ilhas Britânicas até a Ásia Menor. A música Irlandesaestá no grupo das Ilhas Britânicas por ter sido colônia inglesa por muitos anos (mas houve uma independência que fez com que, atualmente, irlandeses não sejam exatamente os melhores amigos dos ingleses). Mas a música irlandesa é esta que vem da Irlanda. E a música folk, seguindo um pouco do que falei antes, é uma música feita pelo povo. Este termo é mais usado para música norte-americana, mas também refere-se à música étnica. Diante disso, eu confesso que, neste momento, estou numa busca incessante por músicas com compassos complexos. Eles são os compassos marcados em 5,7,13 (algumas pessoas consideram o 9). Então eu estou ouvindo bastante um grupo chamado Ímar, que é uma banda fundada em Glasgowem 2016. Eles tem algumas músicas com este tipo de compasso que eu estou buscando. Lúnasa, um grupo irlandês que nasceu em 1996 e também tem ótimas músicas com esta característica. Também o Flook,Hóró, Elephant Sessions, Liz Carrol, JohnDoyle, SillyWizard, Alasdair Fraser, Kan, The Gloaming, Loreena Mckennitt, Altan. São todos grupos e artistas solo incríveis. Não podemos deixar de citar também as bandas brasileiras que ouvimos. Terra Celta (Londrina), Óran (SãoPaulo), Fianna Irish Music (São Paulo), Banda Taverna (Minas Gerais), Gaiteiros de Lúmen (Curitiba), Harmundi (São Paulo e minha outra banda), Jornada Ancestral (Santa Catarina), Notórios Bardos (Ponta Grosso), Café Irlanda (Rio de Janeiro).
2112. E no que diz respeito ao folk quais bandas ou artistas vocês curtem mais?
Paula. Bom, nesse momento eu vou falar mais por mim pois meu atual parceiro adora jazz e adora encontrar pessoas que usem instrumentos diferentes no jazz, então vira e mexe eu estou ouvindo alguma flauta muito louca numa música de jazz. Eu adoro! Além disso, eu terminei há pouco um seriado chamado Sons of Anarchy. Bem conhecido. A trilha sonora deste seriado é toda folk, às vezes com releituras de músicas famosas, às vezes com músicas pouco conhecidas e é absolutamente incrível. Sou apaixonada por essas músicas. Dentro do “meu repertório” também estão The Stray Birds, Indigo Girls, Kevin Costner & Modern West, Joan Baez, eu adoro Bob Dylan e Ola Belle Red.
2112. Particularmente tenho uma profunda admiração por SandyDenny desde que a conheci cantando nos grupos Fairport Convention e Strawbs. O seu dueto com Robert Plant em Battle Of Evermore se tornou um clássico atemporal. Simplesmente maravilhoso...
Raíza. De efato, é uma voz muito marcante que casou perfeitamente com a sonoridade do Led Zeppelin. Sou suspeita, ouço Led Zeppelin desde pequena, e posso dizer que é uma das principais bandas que ajudou a construir as influências que sinto em mim hoje.
2112. Achei muito interessante a ponte que vocês promovem entre a música folk e a música irlandesa sem perder a essência original de ambos os segmentos. Muito bacana isso.
Paula. Muito obrigada! É essa mesma a intenção. Folk, música irlandesa e, junto, o tempero de todas as nossas influências.
2112. Nos shows vocês cantam na língua original celta, na inglesa ou traduziram para o português?
Paula. Bom, a nossa cantora, Raíza Klippel, é excelente com línguas. Ela canta tanto em gaélico irlandês quanto gaélico escocês. Além de cantar muito bem em inglês. Portanto, nós não traduzimos nenhuma música. Fazemos todas nas línguas originais.
2112. O set list inclui apenas releituras de músicas tradicionais ou o grupo já possui material próprio?
Paula. Não possuímos composições próprias, apenas releituras mesmo.
2112. Uma mera curiosidade... vocês incluem músicas do bardo irlandês Van Morrison nos shows?
Paula. Risos. Não fazemos nenhuma dele. Mas não é uma má ideia, são músicas lindas.
2112. Que instrumentos vocês usam nas apresentações?
Paula. Atualmente, violão (em uma afinação não convencional chamada DADGAD que é tradicional irlandesa), voz e violino (que, na música irlandesa chama-se fiddle).
2112. Futuramente vocês pretendem incluir instrumentos convencionais como baixo, bateria, teclados, guitarra ou violão?
Paula. Não temos planos.
2112. Vocês tem projetos de lançar algum single ou mesmo um álbum inteiro ainda este ano? Quais os projetos do grupo nessa área?
Paula. Não, não temos este projeto no momento. Na realidade, no ano que vem eu me mudo para a Irlanda, então, por hora, a banda terá um pequeno hiato até a Raíza ir para lá também!
2112. Infelizmente essa pandemia colocou bandas e músicos de molho por um prazo indeterminado... Para vocês as lives é a solução?
Paula. Nós não tivemos como fazer lives pois moramos longe e ficou um tanto quanto inviável o deslocamento. Mas algumas bandas se resolveram bem com as lives. Não é a solução perfeita, mas resolveu algumas pequenas questões como manter o repertório, por exemplo.
2112. Vocês já tem canal no Youtube?Paula. Não temos.
2112. Qual tel./e-mail para contratar vocês para shows pós pandemia?
Paula. Temos um instagram: @eire.folk !
2112. ... o microfone é de vocês!
Paula. Bom, vou deixar alguns links nossos mas que estão no meu instagram pessoal para vocês conhecerem.
https://www.instagram.com/p/Bxq-ie8Bbqc/?utm_source=ig_web_copy_link
https://instagram.com/p/BwX1BBIB70V/?utm_source=ig_web_copy_link
https://www.instagram.com/p/Bt6GC9Khnd5F/?utm_source=ig_web_copy_link
https://www.instagram.com/p/Bm1GaORjby1/?utm_source=ig_web_copy_link
Obs.: Todas as fotos utilizadas nessa postagem pertencem a fotógrafa Luciana Shimabukuro.