quarta-feira, 21 de outubro de 2020

Entrevista Éire Folk

 

Banda formada por três garotas influenciadas pela música celta, irlandesa e o folk americano. Usam instrumentos tradicionais e fazem releituras de clássicos dos três estilos. Uma grata surpresa em meio a tantas bandas que insistem usar fórmulas desgastadas.

2112.  O Éire Folk surgiu a partir do encontro de quatro mulheres com desejo de criar uma banda e que ao mesmo tempo que esta fosse fonte de inspiração para outra mulheres. Como vocês trabalharam todo o conceito que envolve o universo da banda?

Paula. Bom, o universo desta banda foi criado a partir do universo particular de cada uma de nós. Atualmente, a banda não conta mais com as 4 primeiras integrantes que a compuseram. Mas ainda assim, há a influência de cada uma na identidade atual da banda. Por exemplo, uma das primeiras integrantes desta banda foi a Carmen Queiroz, a bandolinista. Ela já foi participante assídua de movimentos feminista se sua tese de mestrado é sobre este assunto. Ela trouxe muito forte as discussões sobre este tema, além de ter um baita estudo sobre literatura irlandesa, o que sempre agregou com a história e origem de alguns dos elementos e personagens que aparecem nas músicas. A Amanda Pinheiro, que também já não toca mais com a gente, trouxe a idéia do nome da banda, que está explicado em nossa página do facebook, e, por ter uma formação muito legal em dança egípcia, sempre nos trouxe um elemento mais árabe tanto em sua forma de tocar obodhrán quando em seus movimentos. Hoje a banda é integrada por mim e pela Raíza, nossa cantora efiddler, e ela realiza um estudo profundo em religiões pagãs, especialmente no âmbito celta. Ela sempre conta as histórias das músicas nos shows. E eu também tenho formação musical. Acho que, juntas, construímos bastante da identidade musical da banda, que seria a forma das músicas, as vozes, harmonia. Muitas músicas cantadas são a duas vozes porque nós duas sempre nos demos muito bem cantando juntas. Acho que estes quatro contextos citados são o que formam o universo da Éire Folk, mesmo que hoje a banda já não conte mais com a formação que teve no início. É uma formação bem legal, na minha opinião.

2112. Quem conhece a história das mulheres na música sabe o quanto vocês trabalharam pesado até chegarem aqui. O que ainda falta conquistar na opinião de vocês?

Paula. Nossa, essa pergunta é complicada e passa por muitos “lugares”. Na minha opinião, falta conquistar um espaço onde a mulher que está num palco tocando um instrumento não seja vista e elogiada apenas como bonita, mas sim pelos seu desenvolvimento musical: “tocabem” ou mesmo “tocamal” (precisamos ouvir elogios a respeito do desenvolvimento de nosso trabalho e não pela genética herdada, entende?). Talvez, e mostras palavras, mesmo que já tenha tido uma evolução sobre isso, ainda falte a mulher não ser vista mais como um objeto. Indo mais além, minha experiência pessoalme trouxe algumas vivências em que homens não confiam nos meus conhecimentos e eu acabei julgando que o problema fosse isso: eu ser mulher. Julguei dessa forma por toda a questão histórica carregada pelas mulheres e situações sem que colegas, amigas e até professoras minhas já viveram. Não sei se você já reparou, mas mulheres que vivem em ambientes onde, comumente, se vê mais homens, geralmente são mais “duronas”, às vezes tidas como bravas. Eu noto uma insegurança grande de homens com mulheres que exercem bem suas profissões, seja na música ou não. Infeliz e impressionantemente, aquele pensamento de que a mulher é feita para cuidar dos filhos e da casa ainda existe e é muito mais comum do que imaginamos. Também acho que falta conquistar respeito ao corpo. Caio no mesmo argumento da objetificação um pouco, mas o fato de estarmos com alguma roupa decotada, apertada ou curta, geralmente gera olhares e atitudes masculinas desrespeitosas além daquela péssima opinião de que a mulher merece ser desrespeitada se está vestida desta forma. Todas essas coisas são influências muito grandes no pensamento de uma mulher que vai subir ao palco (e outras mil situações). Quando vamos ao palco e temos um público, não podemos ser grossas com o público, mas se prestamos tomando cuidado de não parecer que estamos dando mole para alguém ou dando em cima. A roupa vai ser julgada, apostura... enfim.  Ser mulher é subir ao palco é estar exposta a tudo isso e um pouco mais.

2112. Que conselhos vocês dariam para as mulheres (não só da música) que estão na luta pelo seu espaço?

Paula. Estejam em contato com outras mulheres que fazem o que vocês fazem e sempre lembrem-se que vocês são pessoas incríveis.

2112. Vamos fazer o seguinte: Que tal vocês se apresentarem?

Paula. Ok. Atualmente a banda conta comigo, Paula Camacho. E com a Raíza Klippel. Eu tenho 32 anos, moro, atualmente, em São Paulo e sou instrumentista e professora de música. Também trabalho com divulgação científica. Estudei flauta transversal no Conservatório de Tatuí e atualmente estou me formando em Ciências da Natureza pela EACH-USP. Meu pai é um violonista maravilhoso e uma das minhas grandes inspirações na música e neste instrumento. Toco flauta desde pequena e toco música irlandesa desde 2016!

Raíza. Sou Raíza Klippel, tenho 26 anos e tive contato com música celta e irlandesa ainda pequena, por influência da minha mãe. Já passei pelo estudo do piano, do canto lírico, do violino erudito, e cheguei nesse universo da música irlandesa em São Paulo, onde me senti abraçada logo no meu primeiro contato. Durante minha adolescência me aproximei também da espiritualidade pagã celta, que também tem um espaço muito importante na minha vida hoje, e que pra mim dá um gostinho ainda mais especial quando entro em contato com a música dessa Terra.

2112. "Eire" ou "Eriu" segundo a tradição irlandesa é o nome das três deusas celtas que deram origem à Irlanda. Como surgiu a idéia de homenagear essa divindade?

Paula. Surgiu através da Amanda Pinheiro. Na época, ela tinha assistido a uma palestra de um estudioso da literatura irlandesa bem conhecido aqui chamado Cláudio Crow. Ele tem um enorme conhecimento nesta área e também fundou uma banda do mesmo estilo que o nosso. Mas nessa palestra que a Amanda assistiu, ele explicou a origem do nome do país, Irlanda, que veio das três deusas e em particular Ériu. Ela nos trouxe essa sugestão e todas gostamos muito! Tem também a questão de se chamar Éire Folk, pois queríamos um nome que nos permitisse tocar além da música irlandesa. Nós todas amamos muito este estilo, mas temos influências de diversos estilos diferentes e não queríamos colocar essas influências de lado. Então colocamos o termo “Folk”. Pois é um termo que significa “música feita pelo povo”, podemos entender como a nossa música folclórica, o choro... etc. Este termo nos permite trazer músicas de diversos lugares para o nosso repertório.

2112. A cultura celta sempre fascinou escritores e compositores do mundo todo. E não são poucas as bandas que já usaram de suas histórias em várias de suas letras. O que vocês tem escutado de interessante nessa área?

Paula. Bom, vou aproveitar a oportunidade para explicar a diferença entre música celta, irlandesa e folk. Amúsica celta é a música que tem origem em todos os povos com esta cultura. São os povos da Península Ibérica e Ilhas Britânicas até a Ásia Menor. Amúsica Irlandesaestá no grupo das Ilhas Britânicas por ter sido colônia inglesa por muitos anos (mas houve uma independência que fez com que, atualmente, irlandeses não sejam exatamente os melhores amigos dos ingleses). Mas a música irlandesa é esta que vem da Irlanda. E a música folk, seguindo um pouco do que falei antes, é uma música feita pelo povo. Este termo é mais usado para música norte-americana, mas também refere-se à música étnica. Diante disso, eu confesso que, neste momento, estou numa busca incessante por músicas com compassos complexos. Eles são os compassos marcados em 5,7,13 (algumas pessoas consideram o 9). Então eu estou ouvindo bastante um grupo chamado Ímar, que é uma banda fundada em Glasgowem 2016. Eles tem algumas músicas com este tipo de compasso que eu estou buscando. Lúnasa, um grupo irlandês que nasceu em 1996 e também tem ótimas músicas com esta característica. Também o Flook,Hóró, Elephant Sessions, Liz Carrol, JohnDoyle, SillyWizard, Alasdair Fraser, Kan, The Gloaming, Loreena Mckennitt, Altan. São todos grupos e artistas solo incríveis. Não podemos deixar de citar também as bandas brasileiras que ouvimos. Terra Celta (Londrina), Óran (SãoPaulo), Fianna Irish Music (São Paulo), Banda Taverna (Minas Gerais), Gaiteiros de Lúmen (Curitiba), Harmundi (São Paulo e minha outra banda), Jornada Ancestral (Santa Catarina), Notórios Bardos (Ponta Grosso), Café Irlanda (Rio de Janeiro).

2112. E no que diz respeito ao folk quais bandas ou artistas vocês curtem mais?

Paula. Bom, nesse momento eu vou falar mais por mim pois meu atual parceiro adora jazz e adora encontrar pessoas que usem instrumentos diferentes no jazz, então vira e mexe eu estou ouvindo alguma flauta muito louca numa música de jazz. Eu adoro! Além disso, eu terminei há pouco um seriado chamado Sons of Anarchy. Bem conhecido. A trilha sonora deste seriado é toda folk, às vezes com releituras de músicas famosas, às vezes com músicas pouco conhecidas e é absolutamente incrível. Sou apaixonada por essas músicas. Dentro do “meu repertório” também estão The Stray Birds, Indigo Girls, Kevin Costner & Modern West, Joan Baez, eu adoro Bob Dylan e Ola Belle Red.

2112. Particularmente tenho uma profunda admiração por SandyDenny desde que a conheci cantando nos grupos Fairport Convention e Strawbs. O seu dueto com Robert Plant em Battle Of Evermore se tornou um clássico atemporal. Simplesmente maravilhoso...

Raíza. De efato, é uma voz muito marcante que casou perfeitamente com a sonoridade do Led Zeppelin. Sou suspeita, ouço Led Zeppelin desde pequena, e posso dizer que é uma das principais bandas que ajudou a construir as influências que sinto em mim hoje. 

2112. Achei muito interessante a ponte que vocês promovem entre a música folk e a música irlandesa sem perder a essência original de ambos os segmentos. Muito bacana isso.

Paula. Muito obrigada! É essa mesma a intenção. Folk, música irlandesa e, junto, o tempero de todas as nossas influências.

2112. Nos shows vocês cantam na língua original celta, na inglesa ou traduziram para o português?

Paula. Bom, a nossa cantora, Raíza Klippel, é excelente com línguas. Ela canta tanto em gaélico irlandês quanto gaélico escocês. Além de cantar muito bem em inglês. Portanto, nós não traduzimos nenhuma música. Fazemos todas nas línguas originais.

2112. O set list inclui apenas releituras de músicas tradicionais ou o grupo já possui material próprio?

Paula. Não possuímos composições próprias, apenas releituras mesmo.

2112. Uma mera curiosidade... vocês incluem músicas do bardo irlandês Van Morrison nos shows?

Paula. Risos. Não fazemos nenhuma dele. Mas não é uma má ideia, são músicas lindas.

2112. Que instrumentos vocês usam nas apresentações?

Paula. Atualmente, violão (em uma afinação não convencional chamada DADGAD que é tradicional irlandesa), voz e violino (que, na música irlandesa chama-se fiddle).

2112. Futuramente vocês pretendem incluir instrumentos convencionais como baixo, bateria, teclados, guitarra ou violão?

Paula. Não temos planos.

2112. Vocês tem projetos de lançar algum single ou mesmo um álbum inteiro ainda este ano? Quais os projetos do grupo nessa área?

Paula. Não, não temos este projeto no momento. Na realidade, no ano que vem eu me mudo para a Irlanda, então, por hora, a banda terá um pequeno hiato até a Raíza ir para lá também!

2112. Infelizmente essa pandemia colocou bandas e músicos de molho por um prazo indeterminado... Para vocês as lives é a solução?

Paula. Nós não tivemos como fazer lives pois moramos longe e ficou um tanto quanto inviável o deslocamento. Mas algumas bandas se resolveram bem com as lives. Não é a solução perfeita, mas resolveu algumas pequenas questões como manter o repertório, por exemplo.

2112. Vocês já tem canal no Youtube?

Paula. Não temos.

2112. Qual tel./e-mail para contratar vocês para shows pós pandemia?

Paula. Temos um instagram: @eire.folk !

2112. ... o microfone é de vocês!

Paula. Bom, vou deixar alguns links nossos mas que estão no meu instagram pessoal para vocês conhecerem.

https://www.instagram.com/p/Bxq-ie8Bbqc/?utm_source=ig_web_copy_link

https://instagram.com/p/BwX1BBIB70V/?utm_source=ig_web_copy_link

https://www.instagram.com/p/Bt6GC9Khnd5F/?utm_source=ig_web_copy_link

https://www.instagram.com/p/Bm1GaORjby1/?utm_source=ig_web_copy_link

Obs.: Todas as fotos utilizadas nessa postagem pertencem a fotógrafa Luciana Shimabukuro.

segunda-feira, 19 de outubro de 2020

Homenagem se faz em vida: Jessé Blindog

Músico simpático e humilde, Jessé Blindog faz um trabalho voltado para o hard e o blues de altíssima qualidade. Quem já foi a um de seus shows ou conhece seus álbuns sabe que não estou mentindo. Homenagem mais que merecida!!    


Entrevistas Bônus: Jessé Blindog

O Brasil é um celeiro de grandes bandas e músicos e a Blindog usa rock e blues em doses certeiras para criar um som bacana, visceral e o que é melhor... cantada em português. Seu último álbum Paulicéia, Madrugada & Blues merece ser ouvido com atenção no volume máximo.  


2112. A Blindog é uma autêntica banda de rock e blues inserida dentro de uma cena cada vez mais artificial. Qual o maior desafio em manter uma banda com características vintage nos dias de hoje?

Jessé: Os espaços, na mídia e em shows, estão cada vez diminuindo mais. A bandeira do classic rock, blues-rock e do blues nunca esteve tão pesada de ser carregada. 

2112. Apesar de toda essa "artificialidade" bandas como Kurandeiros, StringBreaker, Amargo Malte, Stranhos Azuis, Putos Brothers Band, Power Blues, Dudé & A Máfia, Mr. Huddy, Nicotines, vocês... tentam a todo custo manter viva a chama do classic rock, não é?

Jessé: São idealistas, verdadeira resistência, que mantém acesa a chama criativa do rock e do blues e a banda Blindog engrossa essa pequena fileira. 

2112. A reação do público nos shows e mesmo quando ouve os trabalhos da banda te surpreende? 

Jessé: A banda Blindog tem como proposta evitar o cover e a mesmice dos 7lists. Tocamos as "encrencas" das bandas clássicas, exemplo: da banda Steppenwolf levamos Screaming Night Hog ao invés da manjada Born to be wild. Isso requer músicos dispostos a pesquisar e ensaiar. A outra característica da banda é fazer releituras dos clássicos, não apenas copiá-los. Então, quando tocamos nossa versão de Come Together/Beatles ou Johnny B. Good/Chuck Berry, entre várias outras, percebemos com satisfação a boa surpresa causada, vendo que os esforços valeram a pena.

2112. A sua carreira começou nos anos 60 celeiro de bandas incríveis que influenciou toda uma geração de músicos. O que você mais curtia nessa época?

Jessé: Eu sempre estive no fundão da Zona Oeste, Osasco principalmente, onde já em meados dos anos 60s toquei em bandas de bailes. Havia bastante casas, clubes e bares que levavam música ao vivo. Então, as minhas influências básicas da época foram inicialmente o rock instrumental dos The Shadows, The Ventures e, em seguida Beatles e Rolling Stones, com quem tomei contato com o blues (obrigado Brian Jones!). Mas a grande influência, e o que me fez a cabeça em definitivo, foi ouvir guitarristas como Hendrix, Robin Trower, Alvin Lee e bandas como Cream. Mountain, Led Zeppelin, Black Sabbath, Deep Purple (obrigado Ritchie Blackmore, tb!), e algumas do progressivo, Jethro Tull, Procol Harum e Yes.

2112. Entre as bandas citadas qual delas se tornou influência direta na sua carreira?

Jessé: Inegavelmente Jimi Hendrix. Foi um catalizador que bebeu na fonte do blues (T-Bone Walker, Buddy Guy, Freddie King, entre outros) e catapultou sua influência para as gerações seguintes. Quando você assiste, mais de quarenta anos após sua morte, guitarristas virtuoses como Malmsteen, Vai e Satriani, fechando seus shows com músicas dele, dá pra concluir que ninguém posterior a ele, escapou de sua influência.

2112. A atual cena do rock te empolga?

Jessé: Raras exceções me empolgam hoje: Joe Bonamassa, Eric Gales, Walter Trout, o velho e bom Robin Trower, e outros poucos, ainda me fazem arrepiar, e se salvam nesse mar de sons descartáveis.

2112. Vejo o período 1965/1975 como os mais férteis do rock servindo de base para o que viria a ser o punk, a new wave, o eletrônico... e mesmo os revivais do rock'n'roll, do hard rock, do funk etc. Foi um período de grandes bandas, grandes discos...

Jessé: As bandas dessa década se digladiavam sempre em nome da criatividade. Álbuns maravilhosos um após outro. Até que as grandes gravadoras tomaram as rédeas e impuseram "sempre mais do mesmo" para otimizar lucros.

2112. Mas voltando a sua carreira que bandas você participou até formar a Blindog?

Jessé: Nos anos 60s as principais foram Blue Star e Beatos, de bailes. Nos aos 70s e 80s, já com trabalhos autorais e releituras de clássicos do rock e do blues, Sepulcro, Nó Virgem e Atalho Tao. Nos anos 90s, Bluedog (1993 e 1994), Irmandade do Blues (1994 e 1995) e Blindog (1995 até hoje).

2112. Existe registros desses períodos?

Jessé: Lamentavelmente muitos registros foram perdidos, mas no Youtube Banda Blindog, estão sons da banda Atalho Tao na música Brasileiro Nato-1983 (Maria da Paixão/vc, Reynaldo Alves/bx, Roberto Batera, e eu-gt);  banda Bluedog (com Silvio Alemão/bx, Armando De Julio/bt, Vasco Faé/vc e gaita, e eu-gt) 1993-numa versão de Little Wing/Hendrix no lendário Jazz and Blues-Santo André; banda Irmandade do Blues na TV Alphaville-1994 (formação do Bluedog, acrescido do guitarrista Edu Gomes) nas releituras de Big Bill Blues (Big Bill Broonzy) e Screaming Night Hog (Steppennwolf), e da banda Blindog, músicas do último CD "Paulicéia & Madrugada & Blues". 

2112. A Blindog tem mais de vinte anos de estrada e já lançou três álbuns: Blindog (95), Sampa Midnight (03) e Paulicéia, Madrugada, Blues (10). Quando você decidiu que era a hora de criar a sua própria banda?

Jessé: Na verdade, Blindog é mais que uma banda, é um projeto musical que tem o blues-rock como base sonora, que se iniciou na banda Bluedog, passou pela Irmandade do Blues (que seguiu seu caminho, com sucesso), e se consolidou na banda Blindog. Nessa trajetória a banda teve várias formações, tendo vários músicos de talento e dedicação passado por ela, e contribuído para seu estágio atual.

2112. A início foi difícil encontrar pessoas com as mesmas idéias que a sua?

Jessé: Como se trata de uma banda com som e 7list focado numa vertente específica do Rock e do Blues, poucos são os músicos que se adaptam, e se sujeitam tirar músicas em casa, ralar em ensaios antes de subir em um palco, preferindo um repertório mais comercial/standard, de fácil aceitação, e visando retorno financeiro imediato. Por isso, sou sempre agradecido aos que abraçaram e contribuíram para esse projeto musical.

2112. Na entrevista concedida a Guitar Player você mencionou possuir um banco de riffs e levadas que serve de base na hora de compor. Como isso funciona?

Jessé: Sou um cara que transpira música, acordo e durmo ouvindo bons sons. Ouço de tudo! Então, em vários momentos me vem fagulhas/idéias de composições, levadas, riffs...Através dos tempos fui registrando essas idéias de todas as maneiras, gravando, escrevendo...Então há uns 10 anos gravei todo esse material, subdividido em riffs, de onde seleciono as introduções, pontes e finais, e levadas. Isso facilita muito na hora de compor. É "só" aplicar bom senso, criatividade e inspiração. Tem me facilitado a vida! Ainda tenho umas 20 horas de gravações inéditas. 

2112. Você é do tipo que compõe muito?

Jessé: Compunha quando tinha um trabalho/gravação para fazer. Hoje estou mais empenhado. Para o instrumental, e arranjos, tenho maior facilidade. Quanto a letras/líricas sou bem mais crítico e sofro um pouco. Com a atual situação econômica, onde os contratantes pagam os músicos com a sobra de caixa, quando pagam, a banda Blindog resolveu se concentrar em gravar materiais inéditos, e menos palco, o que vai demandar um exercício maior de composição. Eu curto!

2112. Qual o parâmetro que você faz de um álbum para o outro?

Jessé: Quem acompanha a trajetória da banda Blindog sabe que o som tem uma cara, uma personalidade: É blues para os roqueiros e rock para os bluseiros. É esse lema a ser mantido em cada novo trabalho.

2112. Motoboy é um relato sincero do dia a dia de muitos brasileiros. A temática me trouxe na cabeça a letra de Eu sou Boy do grande Kid Vinil que retratava com muito bom humor a dureza da vida de um trabalhador. Isso de uma certa maneira cria um elo importante entre a banda e o ouvinte, não é?

Jessé: Também entendo assim. Motoboy é uma singela crônica do dia-a-dia dessa classe batalhadora, sofredora e, às vezes, com razão, incompreendida. 

2112. Traduz: paulicéia, madrugada, blues...

Jessé: Com o quarto CD "Avenida Paulista", completamos a trilogia de tributo a capital paulista, uma metrópole com suas virtudes e mazelas, mas acolhedora. E não tem nada mais bluezy que o centro velho de SP em plena madrugada.

2112. Vocês se preparando para gravar o quarto álbum da Blindog com previsão de lançamento para final deste ano. Vocês já tem uma data prevista para entrar em estúdio? Como anda a pré-produção?

Jessé: Está tudo planejado para em Julho/19 começarmos a gravação do CD autoral "Avenida Paulista" (provavelmente com 14 músicas, 12 inéditas e 2 regrações). A pré-produção está concluída, só estamos revisando.

2112. Quem irá produzir o álbum?

Jessé: Como já me envolvi na produção do CD "Sampa Midnight" e coproduzí "Paulicéia & Madrugada & Blues" (junto com o fera e mestre Alexandre Fontanetti), provavelmente irei produzir "Avenida Paulista".

2112. Você pretende usar a mesma sonoridade analógica para a gravação do novo álbum como no Paulicéia...?

Jessé: No que for possível, sim. Acho mais "quente" o som. 

2112. Haverá algum single antecendo o lançamento do álbum?

Jessé: Provavelmente a música título "Avenida Paulista".

2112. ... o microfone é seu!

Jessé: Aproveito para agradecer aos fãs da banda Blindog, às casas/eventos em que temos tocado por prestigiarem a música ao vivo, aos músicos que passaram pela banda pela contribuição, e aos atuais Marcelo Viterite, bateria e Michele Naglieri, vocal e baixo por dividirem comigo o peso de manter ativa uma banda independente e a chama acesa do blues-rock tupiniquim! 

Postada em 28 de junho de 2019 


Entrevista 02

Avenida Paulista será lançado em breve fechando a trilogia (ou seria uma espécie de ópera rock?) começada em Sampa Midnight. O álbum é uma ode de amor a esta grande metrópole chamada São Paulo. Os detalhes dessa nova produção está na entrevista abaixo.

2112. Em breve será lançado Avenida Paulista que junto a Sampa Midnight e Paulicéia & Madrugada & Blues encerra o ciclo de homenagens a São Paulo. Como surgiu a idéia dessa trilogia?

Jessé. Aos 14 anos (1964), comecei a trabalhar como office boy em um escritório da Rua José Bonifácio, no centro da Capital. Nos serviços que me passavam, a grana que me davam para o ônibus, eu embolsava, e caminhava rápido, cortando caminhos, para chegar ao destino. Assim, rapidamente conheci todas as avenidas, ruas, vielas e entranhas de Sampa. E aprendi a amá-la! E agora, depois de mais de 50 anos, vi a oportunidade de pagar com música, a minha admiração por essa, hoje, megalópole! E o terceiro CD, "Avenida Paulista", vem encerrar essa trilogia do tributo à Sampa!  

2112. Acredito que seria interessante relançar os três álbuns num único box para que as pessoas tivessem uma idéia do projeto como um todo. Isso tudo me faz lembrar uma ópera rock. A idéia é essa?

Jessé. É uma boa estratégia, Carlos Antônio! Apesar de o primeiro CD da trilogia, "Sampa Midnight", estar esgotado, agradeço a sugestão e, vou pensar nela.

2112. São Paulo City é emblemática: sua gente de várias nacionalidades, seu trânsito caótico, seus arranhas céus, sua rica periferia, sua cultura multiracial... Inspiração para compor é o que não falta, não é?

Jessé. Ela sempre inspirou poetas, músicos, pintores, dramaturgos..., e me inspira também. A noite paulistana é mágica! A música que abre o CD, "Avenida Paulista", descreve a cena no primeiro verso "Noite fria na Avenida Paulista/a dama desfila com seu casaco de vison/enquanto o mendigo banguela aquece seu cão/a prostituta retoca o batom"!

2112. Você é do tipo de músico que tem sempre um pedaço de papel a vista para anotar idéias que pintam como trechos de letras, riffs, arranjos...

Jessé. O perverso é que esses insights surgem, geralmente, quando estou dirigindo, ou quando estou acordado de madrugada (sou insone). E na primeira oportunidade, anoto. Mas já tive dias estragados por não me lembrar mais, ou perder parte, de uma idéia "matadora"! Quanto a riffs, melodias e levadas, sempre abasteço um banco que mantenho há anos, usados na hora de compor.

2112. Em suas letras você "compositor" fala muito do dia a dia dos paulistas... mas como o "cidadão" Jessé enxerga São Paulo?

Jessé. Como disse, é uma notável megalópole, hoje você já não enxerga suas divisas, é emendada a municípios super populosos como Guarulhos, Santo André, São Bernardo, São Caetano, Diadema (ABCD), Osasco, Cotia, entre outros. É o sonho de migrantes e imigrantes, mas, ao mesmo tempo que é acolhedora, é cruel com os ingênuos, desprevenidos e azarados. As ruas abrigam vários deles!

2112. Estive em São Paulo uma única vez e me senti como o aquele personalidade do cinema: Crocodilo Dundee... completamente perdido em meio a todo aquele caos urbano. Como é viver em meio a essa louca realidade todos os dias?

Jessé. Como todo animal, o paulistano é adaptado ao seu louco, mas adorável, habitat. Se você me deixar numa fazenda por uma semana, a partir do terceiro dia pra mim será um suplício. Cadê as sirenes, as buzinas, os gritos dos camelôs...?!!!

2112. Todo ouvinte tem uma grande curiosidade em saber o que realmente acontece dentro de um estúdio durante as gravações de um álbum. Você pode falar um pouco sobre todo o processo que envolveu a gravação de Avenida Paulista?

Jessé. Carlos Antônio, existem alguns formatos de como se gravar. Depende do orçamento (no meu caso super curto. Tive que vender parte de meu equipamento!), da escolha do estúdio, se você tem uma banda entrosada e ensaiada, se terá músicos convidados, se todas as músicas estão completamente definidas, se haverá partes improvisadas, se foi feita uma pré-produção...

Na gravação do CD "Avenida Paulista", agora como músico solo, na pré produção defini todos detalhes, introduções, riffs, levadas, pontes, finais, instrumentos em cada faixa, sempre respeitando as características dos músicos convidados. Pensei ter previsto tudo, mas, como gravar não é fazer pãozinho francês, sempre surge o inesperado, que é a graça/emoção do processo. Correu tudo bem, deu tudo certo! E, espero que, desse trabalho honesto, a galera curta/goste do resultado!

2112. Quem produziu e arranjou o álbum?

Jessé. O álbum todo foi arranjado por mim, já a produção dividi com o super conceituado Alexandre Fontanetti do Estúdio Space Blues. 

2112. A parte gráfica já está pronta?

Jessé. A parte gráfica já está bem encaminhada. Na próxima semana já deverei ter o teste. Simples e bacana, foi a concepção! 

2112. Este mês está sendo realizado a masterização do álbum. Você já tem uma data prevista para o lançamento oficial de Avenida Paulista? Teremos alguma live para apresentar o novo trabalho?

Jessé. Carlos Antônio, premeditei lançar o álbum na segunda quinzena deste mês. No dia 27, se a pandemia deixar, completarei 70 anos de idade, um marco na minha vida, e de qualquer um, imagino. São poucos os músicos que chegam aos 70 anos em plena atividade e motivado. Como disse meu ídolo Johnny Winter: "still alive and well, baby"!!!

2112. Você pensa em lançar algum single nas plataformas digitais para promover o álbum?

Jessé: Ainda estou estudando a estratégia de lançamento. Mas, provavelmente, a música "Avenida Paulista" será o "boi de piranha"!

2112. A banda tem seu trabalho conhecido por fazer um power blues de primeira qualidade. Mas uma curiosidade... você incluiu uma daquelas baladas bluesística com um daqueles solos lento de cortar o pulso (no bom sentido, claro!)?

Jessé. É de lei, num album, você incluir uma baladona, e também, no praia blues, pelo menos um slow blues. A balada ficou por conta da faixa "Julia", que compus para minha graciosa netinha sueca, já slow blues gravei 3, "Blues para Aylan" um réquiem ao garotinho sírio (e a todas as crianças igualmente desafortunadas) afogado na travessia do mar Egeu, "Seduzido e mal pago" e "Vida de cão", com temas "fossa" tradicionais do blues. 

2112. Sobre baladas... era comum nos anos 60/70 as grandes bandas incluírem sempre uma em meio aos números mais pesados. Bandas como Led Zeppelin, Black Sabbath, Nazareth... que eram símbolos de bandas pesadas tinham esse hábito que se perdeu com o passar dos anos...

Jessé. Free Bird do Lynyrd Skynyrd, é uma delas. Sem se esquecer das baladas da banda Scorpions, uma mais bonita que a outra. Mas, como os brutos também amam, para quem não conhece, recomendo do Black Sabbath, Dying For Love, com o Tony Iommi inspirado!

2112. Estamos em meio a uma verdadeira guerra com essa pandemia. Mas apesar do momento... quais são os projetos para os próximos meses?

Jessé. Falando de pandemia, o vocalista Rama Raynsford, que canta várias músicas do "Avenida Paulista", testou positivo para o Coronavírus e teve que concluir sua participação, gravando em casa. Carlos Antônio, imagine eu, 70 anos, convivendo com Lúpus há quase 10 anos... Estou pensando em me esconder debaixo da cama, rsrsrs! Meu projeto atual e para o futuro, compor, compor, e compor. Na verdade, hoje, já estou trabalhando, separando material e escalando o time para o próximo álbum!

2112. É uma boa notícia... mas o que você diria para as pessoas sobre essa pandemia?

Jessé. Perversa! Após as guerras, a população dos países envolvidos, estava mais envelhecida, pela perda maciça de jovens. Nessa pandemia, o oposto, vamos perder muitos idosos (Itália, como exemplo), rejuvenescendo, do pior modo, a população. Protejam-se!!!

2112. Uma última pergunta: Já pensou em fazer uns poucos shows que fosse apenas com material desses três álbuns? Acredito que daria para as pessoas terem uma real dimensão da sua obra como um todo, não é? É só um dica.

Jessé. É uma boa dica, Carlos Antônio! Vou ficar de olho/ouvido no "barulho" que o disco vai fazer!

2112. Qual o telefone/e-mail para quem quiser adquirir o cd?

Jessé. No meu email
: blindogpowerblues@yahoo.com.br, atenderei a todos, com muito prazer!

2112. ... o microfone é seu, meu camarada!

Jessé. Aproveito a oportunidade para, primeiramente, agradecer muito a você, ao seu Blog 2112, a outros batalhadores incansáveis como o Luiz Domingues, o Marinho Scott, e a todos que incentivam/divulgam, de diversas formas, as bandas autorais brazucas. E como não poderia deixar de ser, agradeço aos meus irmãos de som, Bruno Tritono Santana e Rama Raynsford (voz), Marcelo Viterite (bateria) e ao amigo fera Robson Fernandes (gaita), como também ao pessoal dedicado do Estúdio Space Blues, Alexandre Fontanetti e ao seu fiel escudeiro, João Nhoque, pela dedicação e talento doados ao trabalho. Penso que neste novo trabalho "Avenida Paulista" atingimos novamente a nossa meta: "Para os roqueiros, blues, e para os blueseiros, rock"! The blues is alright, and the rock & roll, too!!!

Postada em 17 de junho de 2020 


Neste momento em que a pandemia cortou a ida aos shows se você se interessar  essa é a camisa e os cds lançados por Jessé Blindog. É só entrar em contato via Facebook e Instagram do Jessé. Vamos ajudar nossos músicos/bandas e também espalhar música boa pelo mundo afora.    

Nota: As fotos foram retiradas do Facebook do homenageado e infelizmente as fotos não tinham os nomes dos seus autores. Portanto, quem tiver alguma informação por favor entre em contato pelo e-mail furia2112@gmail.com para fazermos as devidas correções.