quarta-feira, 15 de maio de 2019

Entrevista Luiz Zamith


Eu tenho muito orgulho do rock produzido em nossas terras e ainda mais quando pego para ouvir um trabalho do nível de Instrospecção. Não há como não conter um sorriso nos lábios e ter a certeza que nossos músicos e bandas estão entre os melhores do mundo. E é com muito orgulho que apresento esta entrevista para vocês...
2112. Musicalmente o país está atravessando uma das suas piores fases musicais... Mas quando ouvimos trabalho como o seu vemos que ainda existe luz no final do túnel. Parabéns pelo trabalho!
Luiz Zamith. Prezado Carlos Antonio Dinunci muito obrigado. Fico feliz que tenha gostado, afinal é este feedback que motiva a mim, e creio que a todos que ainda persistem em produzir trabalhos autorais.

2112. A música instrumental sempre teve um público menor se comparado aos outros estilos. Na sua opinião o que falta para ela atingir um público maior?
Luiz Zamith. Culturalmente as pessoas tem mais facilidade em aceitar a música com letra, que normalmente é mais facilmente assimilada que a música. Devido a uma precaríssima formação musical em nosso pais, infelizmente poucas pessoas tem a oportunidade de aprender algum instrumento e poucas tem a oportunidade de acessar diferentes formas de música instrumental. Infelizmente a mídia aberta oferece pouquíssimas oportunidades também, e tudo isto dificulta a formação de um público maior. Acho que se estas oportunidades se ampliarem, naturalmente o público vai aumentando. No passado tínhamos algumas iniciativas neste sentido, como por exemplo o Projeto Aquarius, infelizmente hoje em dia quase nada existe neste sentido.

2112. Não podemos deixar de mencionar a fidelidade do fã de prog rock que sempre apoiou o movimento mesmo quando todos diziam que o gênero estava morto entre outras bobagens.
Luiz Zamith. Sem dúvida esta fidelidade é impressionante e fundamental para manter acessa esta chama. O progressivo é atemporal, podemos ouvir e nos encantar facilmente com músicas compostas a mais de 40 anos, aliás, se a música tem qualidade ela nos cativa mesmo tendo sido composta a séculos.
2112. Até chegar em a "Introspecção" com certeza você trilhou um longo caminho. Conte um pouco da sua história e de sua formação musical.
Luiz Zamith. Eu tive o privilégio de nascer numa família onde a música sempre esteve presente. Meus avós maternos adoravam música, eram cantores amadores de música lírica e incentivaram seus quatro filhos a estudar algum instrumento. Meu pai é pianista amador e apaixonado por música erudita. Minha mãe tocou piano e participou de corais. Meu padrinho, a quem dedico Introspecção, foi violoncelista profissional e um excelente pianista. Enfim, cresci num ambiente altamente favorável. Ainda bem jovem estudei um pouco de piano, mas desisti. Em 1975 conheci o progressivo ao assistir um show de Rick Wakeman no Maracanãzinho, no Rio de Janeiro, e a partir daí comecei a buscar discos de diferentes bandas dentro do estilo, indo muito na carona de minha irmã mais velha que já curtia diferentes estilos do rock. Mas o divisor de águas foi o show do Genesis em 1977, também no Maracanãzinho. A partir dali decidi que ia querer aprender a tocar guitarra no estilo daquele tal de Steve Hackett. E foi realmente uma caminhada bem longa, que passou pelo violão erudito, na verdade me formei até como bacharel em violão pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, por várias bandas como guitarrista, até finalmente achar que era o momento de começar a desenvolver um projeto autoral.
2112. Antes da Vitral que outras bandas você participou?
Luiz Zamith. Contrabando, Atitude Incomum, outras que nem chegaram a ter nome rs rs rs e desde 2015 participo do grupo Ícones do Progressivo, que se propõe a tocar releituras instrumentais de músicas emblemáticas das bancas icônicas dos 70.

2112. Você deixou a Vitral para seguir carreira solo mas continua ligado a banda fazendo participação em seus shows assim como os membros da banda participam do seus. Isso é algo muito raro no meio, não é?
Luiz Zamith. Na verdade não foi bem assim. Comecei a desenvolver meu trabalho autoral em 1991. De 1993 a 2011, houve um grande lapso, onde fiquei totalmente afastado do meio musical. Em 2011 ensaiei uma tímida volta com um show na UERJ, mas só retomei minha atividade musical mais frequente em 2014, com a criação do Ícones do Progressivo, junto com Roberto Ovalle, Paulo Teles, Elcio Cáfaro e Paulo Menezes. Em 2016 senti que era a hora de retomar de corpo e alma meu projeto autoral e dai reformulei a banda agora com Paulo Teles na flauta, Elcio Cáfaro na bateria, Ronaldo Rodrigues nos teclados e inicialmente Ronaldo Diamante e depois Augusto Mattoso no baixo. A partir destes shows com o Ícones e com a minha banda passei a ser mais conhecido pelos músicos do progressivo e em 2017 fui convidado pelo Eduardo Aguillar para fazer parte da recriação do Vitral e gravar o CD Entre as Estrelas. Foi um período muito gratificante. As composições do Eduardo Aguillar são sensacionais e considero que tanto o CD como os quatro shows que fizemos foram muito importantes para mim, pois exercitei meu lado de arranjador e de interprete, e sem dúvida curti muito aqueles breves momentos. Infelizmente por algumas divergências na condução do projeto deixei o Vitral em abril de 2018 e a partir daí foquei em finalizar Introspecção.
2112. O que mais atrai a sua atenção numa banda a ponto dela se tornar uma influência na sua música? 
Luiz Zamith. Sem dúvida nenhuma os arranjos. É claro que é fundamental o talento e virtuosismo dos músicos numa banda de progressivo, bem como de outro estilo qualquer que desenvolva os três pilares cruciais da arte musical que é a melodia, a harmonia e o ritmo. Mas o que me atrai mesmo é a qualidade e requinte dos arranjos. Acho simplesmente transcendental a experiência de você ouvir inúmeras vezes uma mesma composição e continuar ouvindo coisas novas que te permitem experiências inéditas. Neste ponto algumas bandas são insuperáveis, e na época áurea do progressivo estas bandas fizeram a diferença e são reconhecidas e admiradas até hoje.
2112. Hoje com o advento das plataformas digitais temos visto vários selos e gravadoras fechando suas portas. Como vocês "bandas e músicos" estão se ajustando a esses novos tempos?
Luiz Zamith. Esta questão é muito complexa. Na época das grandes gravadoras era difícil ter um contrato e boa parte dos lucros de uma banda que fazia sucesso ficavam com as gravadoras. Hoje existe uma facilidade maior para divulgar pelas plataformas digitais, mas devido à quantidade de informação infinita, é muito difícil ser notado. Sinceramente não sei como este ajuste pode acontecer. Noto alguma “preguiça” das pessoas em conhecer algo novo, e de certa forma uma dificuldade em entender o que o processo de produção e manutenção de um trabalho autoral envolve. Enfim, os novos tempos são difíceis, assim como no passado também existiam dificuldades.

2112. De uma certa maneira vocês músicos vivem se ajustando, não é?
Luiz Zamith. Sim, e no meu caso este ajuste veio muito cedo, quando decidi que não seria músico profissional e optaria por trabalhar a minha música de uma forma bem independente e que me deixasse feliz com o resultado.
2112. Para um músico que leva o seu ofício à serio o que mais dificulta viver da música hoje no Brasil?  
Luiz Zamith. Como optei por não escolher a música como profissão não me sinto capacitado para responder a esta pergunta. Com 16 anos escolhi ser biólogo, fui professor de segundo grau e biólogo da Prefeitura do Rio de Janeiro. Há 10 anos sou professor e pesquisador da Universidade Federal Fluminense, tendo como linha de pesquisa a Restauração de Restingas Degradadas. Felizmente desde 2015 estou conseguindo, com muito esforço pessoal, conciliar a vida musical com minhas atividades acadêmicas e particulares. Mas não penso na música como forma de ganhar dinheiro, se pensasse já tinha parado de fazer música a muito tempo rs rs rs.
2112. Voltando o foco para o álbum Introspecção, como foi o processo de composição, pré-produção e gravação? 

Luiz Zamith. Algumas faixas foram compostas no final dos anos 80 e início dos 90. Com o tempo e com as performances nos shows os arranjos foram amadurecendo. E com o incentivo de amigos para a gravação do CD, finalmente achei que era o momento certo de pensar no meu primeiro CD autoral. A banda estava muito entrosada e resolvi gravar o show que fizemos em julho de 2016 no Teatro Solar de Botafogo. Foram necessários quase dois anos para trabalhar este material sob a coordenação de Daniel Escobar, técnico do HR Estúdio na época, que captou, mixou e masterizou o CD. Essência e Introspecção foram as últimas a entrarem no CD, tendo sido gravadas em estúdio, assim como Trem de Cão, que é a única faixa do CD que tem letra, escrita por minha grande amiga e cantora Masé Santanna, que teve participação especial cantando nesta faixa. Estes dois anos foram muito difíceis, pois além da dificuldade de conciliar tempo com as demais atividades, toda a produção foi feita por mim, contando com a inestimável parceria dos músicos envolvidos e outros atores fundamentais como Claudio Dantas, incrível baterista do Quaterna Requiem e do Vitral, que também é um fantástico artista plástico, que gentilmente cedeu sua pintura Ripples para a capa do CD e Gustavo Paiva da Masque Records que me ajudou na parte gráfica, contratando o incrível Gustavo Sazes que fez com que a arte visual do CD ficasse muito bonita. Mas confesso que em alguns momentos o folego fugiu e quase que o projeto do CD foi abortado......

2112. Quanto tempo vocês gastaram em estúdio? 
Luiz Zamith. É difícil lembrar agora mas como boa parte do material, para ser preciso seis das nove faixas foram captadas do show de 2016, isto poupou muito tempo de estúdio. Mas depois tivemos alguns overdubs, a gravação das três faixas de estúdio e mixagem e masterização que demoraram algum tempo a mais. Mas entre o show e o CD pronto foram dois longos e teimosos anos.

2112. Você foi quem compôs todas as músicas do álbum? 

Luiz Zamith. Sim, e Trem de Cão tem a letra de Masé Santanna.
2112. O artista tem uma visão toda particular sua obra, desde a sua concepção, de como ela deve ser arranjada, tocada e produzida. Para você como é dividir todo esse processo criativo com outras pessoas no estúdio?
Luiz Zamith. Acho que sou um pouco complicado com isto, por isto sinto que funciono melhor como artista solo do que como membro de um grupo rs rs rs. Realmente até colocar uma música para ser tocada pelo grupo trabalho muito na concepção do arranjo, que para mim é o fundamental. Mas quando a banda começa a tocar fico aberto para receber contribuições e sugestões dos músicos. “Essência” é um bom exemplo disto, a música veio bem crua para os primeiros ensaios e sofreu importantes contribuições dos músicos que a valorizaram demais. Considero uma das minhas faixas preferidas do CD. Mas tenho que destacar a excelência destes músicos que fazem parte da banda. Todos tem grande contribuição para o resultado final.
2112. Mesmo com todo o zelo do criador a sua obra sempre ganha influências externas. Até que ponto Introspecção sofreu com essas influências?
Luiz Zamith. As Influencias são inevitáveis e valiosas. As mais evidentes são da música erudita, especialmente Bach, Debussy e Villa Lobos, das bandas icônicas do rock progressivo da década de 70, Genesis, Yes, Focus, alguma influência do Jazz e também da música brasileira, claro, especialmente da turma de Minas Geraes e suas harmonias sofisticadíssimas. Alguns apreciadores notam este caldeirão de influencias e fico bem contente com isto.

2112. O resultado final ficou próximo do que você pretendia?
Luiz Zamith. Fiquei muito satisfeito com o resultado do CD. O trabalho vinha amadurecendo há muito tempo mas considero que a partir de 2016 quando fizemos o show captado para a maior parte de Introspecção atingimos um alto nível musical, que vem se aperfeiçoando a cada dia.
2112. Já li diversos relatos de músicos que para gravar sempre buscam os amigos mais próximos ou músicos que admira para participar das gravações. Você agiu também dessa forma? 

Luiz Zamith. Sim. Acho que Introspecção só aconteceu porque juntei as pessoas certas na hora certa. Augusto Mattoso e Paulo Teles já eram meus amigos de longa data. Tocamos juntos na década de 90. Conheci o Elcio em 2014 através do Ícones do Progressivo e Ronaldo juntou-se ao grupo em 2016. Além de ótimos músicos são figuras humanas sensacionais e isto contribuiu demais para que o trabalho fluísse.
2112. De uma certa maneira esses laços de amizade dão mais segurança na hora de gravar, não é?
Luiz Zamith. Sempre é melhor estar cercado de amigos e sendo músicos super competentes e criativos então, sucesso garantido.

2112. O álbum está tendo uma ótima aceitação no mercado interno e externo onde recebeu ótimas críticas. E o shows?
Luiz Zamith. Realmente as críticas têm sido muito boas. Infelizmente não conto com um forte esquema de divulgação, já que todo trabalho é independente, mas vamos tentando avançar aos poucos. Produzir shows atualmente é bem complicado e custoso. Para que o nosso som funcione precisamos de bons equipamentos e uma boa estrutura, e isto custa bem caro. Os espaços estão muito restritos e sem patrocínio e contando apenas com a bilheteria, ficamos sempre muito vulneráveis a ter prejuízo. Então não tenho condição de agendar muitos shows. Vou fazendo um aqui e outro ali para manter o trabalho em evidencia. Adoraria poder contar com uma estrutura melhor, alguém trabalhando ao meu lado, mas no momento isto não tem sido possível, então vamos seguindo em velocidade de cruzeiro, aguardando oportunidades. Dia 5 de junho teremos o show oficial de lançamento de Introspecção no Centro Cultural Justiça Federal, no centro do Rio de Janeiro. Aproveito para convidar a todos os leitores para participar desta nossa festa. Introspecção será apresentado na integra, junto com algumas releituras instrumentais de obras emblemáticas de algumas das minhas referências. Neste show todas as releituras serão inéditas.
2112. O progressivo tem um público grande no interior mas que não tem acesso a shows. O que mais dificulta para vocês sair dos grandes centros e levar os shows para lugares mais distantes?
Luiz Zamith. Até hoje só tive a oportunidade de apresentar este meu trabalho solo no Rio de Janeiro. Adoraria poder tocar em outras cidades, mas como disse, existem custos que precisam ser viabilizados. Então precisamos de apoio para isto. Estou totalmente aberto a convites destas cidades.
2112. Ainda não tive a chance de assistir a um dos seus shows mas soube que você sempre inclue nas set list releituras de clássicos do prog. Como é feita a seleção desse material? O que você leva mais em conta?
Luiz Zamith. O critério é escolher músicas que me agradam e que possam funcionar bem dentro de uma leitura instrumental. Acho que tem funcionado bem e tem sido um ponto importante do nosso show.
2112. Vocês respeitam os arranjos originais ou sempre acrescentam algo a mais para que não soem como meras covers...

Luiz Zamith. Acho que buscamos um equilíbrio entre a nossa concepção, adaptando os arranjos para a nossa formação sem descaracterizar a obra original.
2112. Não podemos deixar de mencionar o belíssimo trabalho gráfico. A capa com a pintura do Cláudio Dantas ficou em perfeita sincronia com a proposta do álbum. Muito bacana!
Luiz Zamith. Esta capa realmente foi um presente muito especial. Como mencionei acima, foi uma bela coincidência que o Claudio Dantas tenha se inspirado em Ripples, belíssima canção do álbum A Trick of the Tail do Genesis, certamente o grupo que mais me influencia até hoje. Como sou biólogo e trabalho com restauração de florestas de restinga inundáveis, a imagem de uma arvore bucolicamente florida num ambiente inundado encaixou fortemente no conceito de Introspecção. Além desta belíssima capa, considero que o projeto gráfico de Gustavo Sazes, desde a escolha das cores e tipos até a montagem dos elementos gráficos funcionou muito bem com o conceito de Introspecção.  
2112. Você já tem projeto para a gravação de um novo álbum? 

Luiz Zamith. Sim. Mas será um projeto a longo prazo. Pretendo dar um tempo para Introspecção ser degustado pelo público.

2112. O que mais te influência na hora de compor uma música? 

Luiz Zamith. Depende. Posso partir de uma ideia rítmica como foi em Cantiga, de um tema melódico como foi em Balada ou Essência, de um conceito como Alguém ainda se lembra das Antas? Às vezes as ideias fluem rápido, na maior parte elas vem em etapas e vão sendo lapidadas aos poucos. Sou muito intuitivo para compor, não sigo regras teóricas. Conforme as ideias aparecem elas vão sendo testadas. Se soar bem permanecem, caso contrário vão sendo substituídas até que o resultado final me agrade. Sou muito crítico com as minhas composições, por isto elas surgem bem lentamente.
2112. Você gosta de testar as músicas novas nos shows ou prefere registrar primeiro em estúdio para que depois os fãs tenham acesso? 

Luiz Zamith. Como a oportunidade de gravar é rara, as músicas sempre aparecem primeiro nos shows, e vão amadurecendo e se transformando entre as performances.
2112. Qual conselho você daria para quem está começando hoje a trilhar o caminho da música?
Luiz Zamith. Independente do estilo que deseje tocar, faça com paixão. Só entendo a música desta forma. Para mim a música é um estado de espirito, comparável a uma religião, e deve passar boas vibrações para as pessoas e para o universo. Pode ser lenta ou rápida, com muitos ou poucos elementos, triste ou alegre, mas sempre tem que envolver boas vibrações.
2112. Você tem projetos de tocar no exterior?
Luiz Zamith. Adoraria. Mas preciso de parceiros para viabilizar isto.

2112. ... o microfone é seu!
Luiz Zamith. Gostaria de te agradecer pela oportunidade de estar aqui falando de meu trabalho solo. Admiro muito pessoas como você que doam o seu tempo para divulgar trabalhos autorais. Tenho acompanhado as suas postagens e vejo o esforço que você faz neste sentido. Realmente dentro deste cenário caótico que estamos vivendo, onde as manifestações culturais são menosprezadas pela grande mídia, dependemos muito de canais alternativos de divulgação. Seu trabalho neste sentido é louvável. E da minha parte continuarei buscando espaços para divulgar minha música sempre que possível. Se encontro receptividade de pessoas que vão aos shows e compram o CD já tenho o estimulo que preciso. 
 
  
Próxima entrevista: Stereo51, dia 22 

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