terça-feira, 11 de setembro de 2018

Entrevista banda Centro da Terra



Enquanto as rádios e as gravadoras despejam toneladas e toneladas de lixo sonoro em seus ouvidos o underground mantém bandas maravilhosas como o Centro da Terra. Sua mistura de blues rock + MPB + psicodelismo gera uma sonzeira que fará as paredes do seu quarto tremer nas bases. Esta banda foi uma das grandes descobertas da minha vida rock’n’roll... e será também na sua!!

2112. Confesso que desde que ouvi o cd “Ao Vivo - Ritual Elétrico” fiquei fascinado com o trabalho desenvolvido por vocês. Parabéns pelo trabalho... é blues rock em altíssima voltagem!

Fred Pala. No Brasil atual as únicas forças que nos mantem ativos na música são os elogios e a paixão que temos, pois ganhos financeiros são mínimos.  

2112. Este álbum ao contrário do “Tarde no Quintal” é constituído apenas de releituras de grandes clássicos do blues e da MPB. O que levou vocês a optarem por este formato? E qual o critério usado por vocês na hora da escolha das músicas?  

Fred Pala. Existe também uma faixa blues de improviso. Esse disco foi um convite do jornalista Fernando Marques que nos convidou de supetão para gravarmos algumas de nossas influências e na época eram essas que estávamos tocando nas gigs.

2112. Achei incrível os arranjos para “Mal Secreto” de Jards Macalé, “You Don’t Know Me” do Caetano Veloso e “Nega” do Gilberto Gil. Acredito que eles ficariam orgulhosos de ouvir as releituras que vocês fizeram de suas obras visto que eles sempre estiveram abertos a todo tipo de experiências sonoras, não é?

Fred Pala. Gosto de pensar que sim, porem com exceção do Jards, acho que eles perderam suas essências com o passar dos anos e seus valores mudaram muito especialmente em relação a música.

2112. Gostei muito também de Voodoo Child Blues, Red House e Never In My Life do Mountain... peso, ousadia e muito feeling!

Fred Pala. Obrigado. Sempre tocamos com muito improviso e isso foi gravado tudo em um take só. Essas gravações foram bem complicadas pois não estávamos nos ouvindo bem, a bateria estava em outra sala, a comunicação visual estava bem difícil pois apesar do estúdio ser muito bom, não tinham o costume de gravar bandas ao vivo, muito menos de rock’n’roll e blues.

2112. E falando em releituras sempre imaginei como ficaria as composições do sambista Cartola vertidas para o blues. Acho sua poesia tão visceral quanto as do Robert Johnson... Sei que os radicais vão me crucificar mas o samba de raiz não deixa de ser uma extensão do blues, não é?

Fred Pala. O blues é o sofrimento o amor e a simplicidade em sua essência. Releituras são complicadas pois não devem tirar a “alma” da música, seria um desafio fazê-lo mas o Centro da Terra sempre buscou desafios.

2112. Essa é de praxe... Como a banda foi formada?

Fred Pala. Tive uma passagem pela Europa em 2010, tocando pelas ruas de 7 países em trabalho solo, esse tempo me trouxe uma confiança muito grande e a vontade de formar uma banda ritualística com suas raízes no blues. Ao regressar formei com meu irmão o Centro da Terra, que teve algumas formações até chegarmos ao Zeca, que é psicodélico por si só.

2112. Vocês usam com muita propriedade as influências do rock 60/70 para criar um paredão sonoro como a muito não se ouvia em terras brazuca. Além de Jimi Hendrix que outras bandas influenciam o trabalho de vocês?

Fred Pala. Somos pesquisadores sonoros, a cada dia escutamos novas bandas e sons experimentais que vão se acumulando em nossos inconscientes, isso traz a mistura que gostamos de chamar de Ritual Elétrico. Desde bandas japonesas como a Osamu Kitajima à musicistas do Gypsy Jazz como Django Reinhardt, mas nossas primeiras influências vieram do erudito e mais tardar as clássicas Howlin Wolf, Led Zeppelin, Jimi Hendrix...

2112. Vejo que temos algo em comum que é o amor pela música do Jimi Hendrix. O seu legado é eterno... A propósito vocês conhecem um bootleg chamado “Woke Up This Morning” em que Hendrix divide o palco com Buddy Miles, Johnny Winter, Jim Morrison entre outros músicos. O som é perfeito e vem em duas versões: mono e estéreo. É fabuloso ouvir Hendrix e Winter tocando juntos pelo puro prazer de tocar...

Fred Pala. Sim conheço muito bacana! Os dois eram muito amigos, tive a honra de assistir o Johnny Winter e lembro dele tocar Voodoo Child e dedicar carinhosamente ao Hendrix cheguei a me emocionar, showzaço!! Já li uma vez também que eles tinham tanto respeito um pelo outro que era um pouco complicado pois havia sempre uma espera à ver quem iria solar primeiro, um demasiado cuidado para não ser desrespeitoso (musicalmente falando).

2112. Incomoda quando alguém fica comparando vocês ao Experience do Jimi Hendrix?

Fred Pala. De modo algum, ser comparado com um gênio da música é sempre estimulante.

2112. O país vive atualmente uma “desvalorização cultural” muito grande em todos os setores: literário, musical, educacional... Tá difícil lutar contra a maré?  

Fred Pala. rsss Dificílimo, são tantos passos de produção e preocupações financeiras que quase não temos tempo de realmente tocar.

2112. A internet no entanto criou um novo conceito de música colocando um ponto final em tudo que era convencional: mídia, gravadoras, estúdios... e abriu as portas para novas experimentações onde o músico é produtor, designer, divulgador, empresário... Isso de uma certa maneira assusta vocês?     

Fred Pala. Esse é o maior problema, pois o verdadeiro músico quer fazer música, ser musico e hoje em dia você tem que ser tudo menos músico se quer o sucesso ou reconhecimento.

2112. Particularmente eu ainda ouço bastante Cream, Jeff Beck Group, Jimi Hendrix, Beck, Bogart & Appice, Free/Bad Company, Led Zeppelin, Cream, Cactus... e não sinto a música atual tão ligada ao blues e ao rock’n’roll como nesta época. A atual cena do rock entusiasma vocês?

Fred Pala. Não rss, acho muito raro encontrar uma banda de rock’n’roll atual que tenha o feeling, a dedicação e o groove que me entusiasma, especialmente na melodia da voz. Às vezes aparecem algumas mas falta criatividade entre as faixas, até porque sempre exigiu-se por parte das corporações musicais um estilo bem definido para se fixar um público alvo.  
2112. A turma dos anos 60/70 sempre tiveram uma mente mais aberta quanto a influências e experimentações. Uma prova disso é o dvd No Quarter de Jimmy Page e Robert Plant que juntou a sua música orquestrações egípcias, indianas e música marroquina sem pedir permissão a ninguém. Vocês curtem esse tipo de experiências?

Fred Pala. Com certeza quanto mais experimentação melhor e o dificil é unir essas influências de um modo natural sem que se perca o feeling.

2112. ... Kashmir ficou ainda mais hipnótica!

Fred Pala. A música tradicional dessas regiões são por si só muito hipnóticas e isso também sempre me agradou, transcender pela música e através dela.

2112. Tarde no Quintal é constituído de oito faixas autorais o que dá mais credibilidade ao trabalho como um todo sem desmerecer o trabalho desenvolvido em Ritual Elétrico. Como é o processo de composição de vocês?

Fred Pala. Normalmente eu venho com a idéia básica da letra e harmonias, nos sentamos juntos e começam as discussões controladas. Rss O processo foi registrado no documentário feito pelo amigo Zé Tomaz e está online no YouTube Documentário: O Nascer do Som - Centro da Terra

2112. Os dois álbuns traz na capa a inscrição “ao vivo”. Vocês gravam tudo ao vivo no estúdio como faz Neil Young? Posteriormente vocês incluem ovedubs ou fica tudo como foi gravado?

Fred Pala. Esses dois discos são ao vivo sem edições posteriores. Do jeito que saiu está no disco, tanto que agora após quase 10 anos de banda que estamos lançando o primeiro disco de estúdio, que por sinal estamos muito satisfeitos com o resultado, recomendamos aos fãs da banda escutarem pois esse sim contém a “tela sonora” completa, com várias camadas de instrumentos e sons estranhos.

2112. O que vocês tem visto de interessante? Da nova geração gosto muito do Dudé & A Máfia, do Ari Frello, da StringBreaker etc que são ótimos exemplos de blues feito no Brasil...

Fred Pala. Da nova geração gostamos de Robin Trower... rss. Vemos algumas bandas muito boas na cena atual brasileira que dividem os palcos conosco em vários festivais pelo país. Podemos citar de momento o Davi Henn, Scarlett, Rinoceronte, Quarto Ácido, Quarto Astral, Cabeçote, Arcpélago, Estação da Luz, Big Blues, Lobo y Brujo entre muitas outras que não me lembro. A cena independente brasileira está muito mais criativa do que a do exterior.


2112. Vejo muitas bandas reclamarem da falta de locais para tocar, falta de mais eventos, falta de apoio do público...

Fred Pala. Em um país que a mídia cospe lixo diariamente na cara dos telespectadores, fica difícil para a massa pensar diferente e buscar cultura por si próprios.

2112. O microfone é de vocês...

Fred Pala. Faço questão de agradecer à você Carlos, pelo interesse na verdadeira cultura viva de nosso país, com perguntas relevantes, grande dedicação e apoio aos artistas que buscam a arte acima de tudo. Aos leitores deixo o agradecimento pelo interesse em nosso som e os convido a viajar conosco em nosso novo álbum duplo. Paz e amor! 

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