domingo, 19 de agosto de 2018

Entrevista Água Brava


Há muito que acompanho o trabalho desta magnífica banda e tive a sorte de assistir a um show da banda na minha cidade. E agora depois de tantos anos a procura de informações sobre a banda eis que estou entrevistando dois de seus membros... Isso é foda! Isso é Rock’n’Roll... e eu gosto!              

2112. A vida é mesmo cheia de imprevistos... Por vários anos procurei notícias da banda e ninguém sabia me dizer nada e de repente estou aqui entrevistando vocês. Que tal começarmos contando um pouco sobre o surgimento da banda?

Ivo Ricardo. Muito obrigado pela oportunidade de estarmos aqui para falar um pouco sobre o Água Brava. Tudo começou em 1980 quando conheci as Cataratas das 7 Quedas antes de serem alagadas para fazer o Lago de Itaipu em uma viagem com o primeiro guitarrista da banda, o Rogério. Estava começando a tocar, e fazia guitarra base, rs. Depois conhecemos o Jacaré e começamos a tocar em festas. Depois, ainda teve o Alex Frias na guitarra, quando as nossas primeiras gravações tocaram na Flu FM e depois o Dani, que consolidou o conceito do trabalho.

2112. E você Daniel como entrou na banda?  

Daniel Cheese. Eu fui convocado após a saída do Alex Frias, eu tinha a experiência de bandas instrumentais em Niterói o "Nirvana"… fizemos uma jam na casa do Ivo e antes de terminar a primeira música veio o convite, daí começou um árduo trabalho, muito ensaios e basicamente 2/3 shows por semana. Esse processo ajudou a desenvolver a nossa sonoridade. Antes de tocarmos a primeira vez no Circo Voador, fizemos todo um circuito alternativo.
2112. Vocês já se conheciam antes de montarem a banda?

Daniel Cheese. Temos um grande amigo em comum o Carlinhos Queiroz, ele fez a ponte, mas antes o Nirvana tinha dividido um show com o Água em Angra dos Reis.

2112. Diferente das outras bandas do período que em sua maioria tocavam reggae, pop rock... o Água Brava se enveredou pelo hard rock angariando fãs por todos os lugares que tocavam. Que bandas influenciavam o som de vocês?

Daniel Cheese. Engraçado eu sempre achei o Água rock’n’roll, mas devido a sua intensidade, a pegada foi ficando mais firme, compacta e alto pra caraio… fazendo com que todos achassem que éramos heavy metal. Claro que tinham composições que davam essa conotação, as roupas de alguns shows, bateria gigante, montes de Marshalls, tínhamos uma boa organização na época, roadies, técnicos de PA, tudo ajudava a embalar os shows de forma compacta. Isso era um diferencial na época….

Ivo Ricardo. Led, Purple, Rush, Black Sabbath, AC/DC, Iron e outras bandas boas!

2112. Vocês faziam releitura de clássicos ou já começaram com trabalho autoral?

Ivo Ricardo. Já começamos com autorais. Só no início da banda que tocávamos algumas músicas que não eram nossas. Era um trabalho coletivo de composição. A maioria das letras eram do Jacaré.

Daniel Cheese. Nós tocávamos muitos classics: Iron, Led, Rush, mas as composições eram natas.
2112. A letra de Pressão apesar de ter sido escrita a tantos anos soa cada vez mais atual ao narrar a dura realidade que vivenciamos todos os dias, não é?  

Daniel Cheese. Pois é, as letras de Pressão, Enquanto a bomba não vem, Apocalipse são atualíssimas. Parece que quase nada mudou...

Ivo Ricardo. Estávamos na época da transição, do fim da ditadura. Muita coisa ainda era complicada.

2112. A letra gruda na cabeça de uma tal maneira que não tem como não cantar. Isso deve ser fantásticos nos shows...

Daniel Cheese. Sim, a galera curtia muito, aproximava o público, entretia... Houve grandes momento no Circo Voador e em outros lugares, o Jacaré tinha muito carisma.

Ivo Ricardo. Sim, sempre foi! Enquanto a bomba não vem, idem.
2112. O solo da guitarra é do carvalho... Os meus pais e meus vizinhos ficavam putos porque além de ouvir bem alto ainda cantava junto. Um desastre total...

Daniel Cheese. Rsss...

Ivo Ricardo. Que ótimo! Rs
2112. A banda surgiu num momento crucial em que o rock brasileiro retornou com grande força contando com o apoio da Rádio Fluminense, das revistas Bizz, Pipoca Moderna, Metal, Roll, Rock Brigade, vários zines, festivais e mesmo as grandes gravadoras de olho em tudo. O que foram esses anos para vocês do Água Brava?

Daniel Cheese. Estávamos no momento certo, mas fomos derrubados pela inocência, falta de uma produção de "verdade", empresários, nós resolvíamos tudo "colocando sempre o coração em primeiro lugar ".

Ivo Ricardo. Foi uma fase inesquecível. Nossos shows eram um rolo compressor. Aquela alegria em cada nota, em cada palco, em cada aplauso. Sentimos o gostinho do que poderia ter sido nossas vidas. Mas...
2112. Confesso que até hoje não entendo porque a banda não aconteceu como merecia. Vocês tinham tudo a favor: ótimos músicos, hard pesado... mas radiofônico, letras bacanas em português, apoio da platéia. O que deu errado?

Ivo Ricardo. Também gostaria de saber! Mas uma soma de fatores não nos favoreceu. Desde o mercado em si até questões de panelinhas musicais.

Daniel Cheese. Hoje eu entendo mais do "mercado", mas aos 20 anos é difícil ter a real dimensão, tudo era de primeira, mas o "profissionalismo", o foco, o direcionamento profissional de ser contratado por uma gravadora nos deixou a deriva, no palco dava tudo certo, mas nos bastidores não se encaixava.

2112. ... é estranho porque naquele período o hard estava em alta no mundo inteiro, vocês fizeram shows ovacionados em palcos lendários como Canecão, Circo Voador, Parque Lage, Noites Cariocas, Mistura Fina, Sesc etc. O terreno estava bem propício, não é?

Daniel Cheese. Sim, fizemos shows antológicos em todos esses lugares, mas a premiação final "conseguir uma gravadora" nos embarreirou, incluído a não participação no Rock In Rio 1.

Ivo Ricardo. Sim, ficamos a um triz de gravarmos em duas multinacionais mas não rolou!
2112. Várias pessoas ainda hoje ouvem com total veneração o trabalho de vocês, guardam recortes, ingressos, cartazes e fotos da época, o single... Enfim como é o relacionamento Água Brava/fãs?         

Daniel Cheese. Sempre muito carinhoso, sinto falta de não poder colocar o Água mais ativo.

Ivo Ricardo. Eu me surpreendo várias vezes. Do nada aparecem fãs que lembram de shows, momentos e lugares que me deixa bastante emocionado.

2112. Vocês lançaram somente um single com o hit Pressão pelo selo do Billy Bond ex-Joelho de Porco. Como surgiu esse contato?

Daniel Cheese. O Billy era um visionário e sacou o potencial de vários artistas que se destacavam naquele momento, gravamos o single "Pressão" e "De que adianta", fizemos um clip, mas a falta de um corpo empresarial não vingou.

Ivo Ricardo. Era para o LP sair logo após o compacto mas o Billy nos deixou esperando o "Bond" até hoje.

2112. O single hoje é um ítem raríssimo, disputado entre os fãs da banda e do próprio rock. O meu infelizmente foi roubado... Vocês poderiam contar um pouco sobre as gravações deste trabalho?

Daniel Cheese. Pois é, essa música continua atual, eu sempre tive uma idéia de transforma-la num clip "desenho animado" … fica a dica pra quem é do ramo… rsss … a gravação foi rápida e com um detalhe, gravamos com um amp de guitarra de verdade… rsss… pra época isso era raro…rss

Ivo Ricardo. Tivemos que gravar bem rápido!

2112. O resultado final agradou vocês? 

Ivo Ricardo. Não ficou do jeito que nós queríamos. Inclusive a capa do compacto, que ficou pavorosa. Nossa idéia era reverter aquilo tudo no LP!

Daniel Cheese. Eu gostei, era um retrato daquele momento, a gravação dela no cd acho mais "malandra"…rsss

2112. Houve uma promoção bacana nas rádios? E a distribuição do singles nas lojas deu o resultado esperado por vocês e pelo selo?  

Daniel Cheese. Como eu disse, tudo é um bloco, não tínhamos um escritório "profissa" que se dispusesse a movimentar a canção.

Ivo Ricardo. A promoção foi feita por nós com a ajuda de alguns amigos da imprensa da época.
2112. Porque que motivos vocês nunca gravaram um trabalho inteiro?

Ivo Ricardo. O combinado com o selo era esse mas não rolou...

Daniel Cheese. Bem na época a acessibilidade de se gravar era muito dispendiosa, não havia a proliferação de estúdios com existem hoje… é claro que se naquele momento tivéssemos tido a ousadia de fazer um independente, a história hoje seria diferente.

2112. Em 1999 Jacaré morre sendo substituído por Sergio Naciffe. O que ocasionou a sua morte e porque 90% dos roqueiros não ficaram sabendo disso? Cara, é um total descaso da grande “mídia” com os fãs da banda e do próprio rock...

Ivo Ricardo. Eu já não tinha mais contato com ele. Mas a causa foi por complicações de uma tuberculose.

Daniel Cheese. Eu sai em 85, depois houve um vácuo de alguns anos, o Jacah falece, acabei montando um estúdio, gravei 2 cds solos, até que um dia o Ivo me contacta e propõe de gravarmos o material "inédito" pois começou a rolar uma cobrança desse material. Começamos a trabalhar duro, que foi muito bom, emoções afloraram, e conseguimos dar uma direção bacana pro CD , quem gravou a bateria foi o Cezinha , que entendeu o espirito do Água, depois o Naciffe fez os shows, é que claro que a curva de amadurecimento foi muito boa. O Água voltou a forma, eu tenho um registro de um ensaio antes do show no Circo Voador que é foda pra caraio … é só colocar a voz e mixar, tá tudo ali, o Água a todo vapor.
2112. Sem querer desmerecer ninguém mas Jacaré era parte essencial do grupo. Sua bateria tinha peso e feeling como poucos bateristas... Ele está na mesma categoria de um Keith Moon, Ginger Baker na minha humilde opinião! 

Ivo Ricardo. Sim, ele era especial!

Daniel Cheese. O espirito do Jacah, é uma parte essencial, além de ter fundado, o talento dele impressionava, contribuía pra sonoridade da banda. Como disse na fase inicial a ralação era enorme, todos os dias ensaiávamos, mesmo, tocávamos juntos pelo menos mais de 300 dias num ano e isso ajudou a amadurecer a nossa sonoridade, ajudava nas dificuldades de falta de equipamentos, técnicos etc … enfim, era no peito e na raça, superávamos os obstáculos "falta de recursos" e isso incendiava, contagiava quem nos visse.

2112. Comparar o Jacaré ao Keith e ao Baker não é exagero ou sortilégio... precisamos parar de achar que nossos músicos, nossas bandas e nossa música são inferiores ao produzido lá fora. É isso que torna a cena fraca...

Daniel Cheese. Concordo, ele tinha um diferencial naquela época, era grande, soava grande e isso despertava, inspirava a sermos músicos melhores.

Ivo Ricardo. E na época tocar o que ele tocava sem termos acesso à equipamentos bons era uma proeza.

2112. Sempre digo que o melhor do rock está no underground... grandes bandas, grandes sacadas musicais, festivais super antenados, publicações reais e não merdas como a Rolling Stone que coloca um monte de porcaria na capa e todo mundo acha top. O que vocês tem visto de bacana no cenário?

Daniel Cheese. Pouca coisa, que é chato, a cena está diluída, as poucas publicações e shows afastam futuros públicos, eu diria que está uma grande merda. Mas temos que persistir, botar o pé na porta, resistir…

Ivo Ricardo. Para mim é como achar uma agulha no palheiro. Tento ouvir muitas coisas mas acabo parando nos primeiros 30 segundos.

2112. Vamos falar um pouco sobre o novo cd. Porque esperaram 25 anos para nos presentear com este magnífico trabalho? Havia muita cobrança dos fãs?

Ivo Ricardo. A cobrança era nossa. Aquela atmosfera e energia boa precisava ficar registrada.

Daniel Cheese. Acho que é um belo disco, conseguimos transpor uma barreira e executar com grandiosidade as idéias iniciais, sem perder o vigor. O disco não é frouxo de velhinhos aposentados tentando …rssss… é pau duro! E fazer o Água soar Água foi a parte mais difícil, mas creio ter conseguido. É claro que hoje passado alguns anos, eu amadureci "literalmente" principalmente pelo fatos de estar tocando direto, acho que os fãs curtiram esse disco… mas eu estou doido mesmo é de tocar, em alto e bom som…. O Água ao vivo é muito bom e o Naciffe, mais o Antonio Saraiva de guitarra base ajudam a dar esse foco.

2112. E como foram os trabalhos em estúdio?

Daniel Cheese. Duros, rss … houve uma pré-produção de meses antes de entrar no estúdio, relembrar as músicas, esquadrinhá-las, ordenar tudo pra ser colocadas em um disco. Com o Jacah, éramos mais livres, transformávamos as canções durante sua execução, era uma jam e claro que a atmosfera da época ajudava, hoje o ficar "careta" é bom, tempos modernos.

Ivo Ricardo. Daniel pilotou a gravação com extrema competência e bom gosto.

2112. Achei o resultado final expetacular ao mixturar equilibradamente heavy metal + progressivo + hard rock = Água Brava. Vocês estão sempre atentos as novidades do mercado?

Daniel Cheese.  Como falei, fazíamos canções de acordo com a inspiração, sem objetivo de soar a, b ou c, ainda existe algumas inéditas que um dia será colocadas num novo disco.

Ivo Ricardo. Às vezes é a mistura disso com o energia, o extinto de preservação do Rock'n Roll!

2112. Sempre falo que um músico precisa ter a mente aberta para ouvir vários tipos de músicas para criar uma sonoridade própria. Vocês concordam com isso? O que vocês ouvem quando estão em casa?

Daniel Cheese. Sempre aberto a tudo, eu desde sempre escuto tudo, não sou setorista, eu gosto de ouvir, e faço disso um hábito desde meus 13 anos até hoje recém 58 anos. E depois que montei o projeto OLDSTOCK toco todas as músicas que sempre gostei, mas sempre tive muito pudor e respeito em executa-las. Deixei isso de lado e faço isso com muito gosto

Ivo Ricardo. Ouço bandas antigas que não ouvia quando era mais novo.

2112. No cd quem participa na bateria é o Cesinha que tem um currículum invejável dentro e fora do rock. Como surgiu essa parceria? Ele agora é membro oficial da banda?
 
Daniel Cheese. Sou amigo do Cesinha há muito tempo e estava procurando o "batera" pro disco… aí ele veio gravar e comentou que tinha que dar uma aula de 2 bumbos "Motörhead" prum aluno… não prestou… rsss… gravou o disco todo em 2 ou 3 dias. Foi uma bela comunhão, ele sacou o espirito do Água, foi muito bom.

Ivo Ricardo. Essa surpresa boa surgiu do contato entre Daniel e ele.

2112. Tony Plantão amigo de longa data e também ex vocalista da cult band Hojerizah participa na faixa De que adianta. Como surgiu a idéia da sua participação?

Ivo Ricardo. Queríamos uma voz marcante para essa música e como tenho participação na criação do Hojerizah e estudei com o Tony, acabou sendo uma opção natural que deu um brilho extra ao trabalho.
Daniel Cheese. Tony é amigo desde o início e foi perfeita a sua participação.

2112. É um pena não ter incluído o single como bônus, não é?

Daniel Cheese. Pois é...

Ivo Ricardo. Na época tudo era complicado.

2112. A banda foi homenageada recentemente na Exposição Maldita 3.0 com citações e material de acervo no Centro Cultural dos Correios pela contribuição dada ao rock do Rio de Janeiro. Isso é muito bacana!

Daniel Cheese. Espetacular, nós participamos desses momentos mágicos da Rádio Fluminense, Circo Voador... Só no Circo foram 28 shows.

Ivo Ricardo. Fiquei extremamente feliz! Muito bom esse reconhecimento.

2112. Quais são os projetos de vocês para esse ano?

Daniel Cheese. Eu gostaria de fazer ao menos 1 show ainda esse ano… mas existe a falta de lugar pra se tocar… estamos resolvendo.

Ivo Ricardo. Como estou morando fora do Rio ficamos um pouco afastados. Mas nesse ano teremos novidades, com certeza!

2112. O microfone é de vocês?
Ivo Ricardo. Muito obrigado pelo carinho e torcer para que mais pessoas continuem acreditando no Rock e em bons projetos de música. Reais, autênticos e de qualidade! Obrigadão!

Daniel Cheese. Bem, estamos prontos, barbante esticado, não existe papo de velhinhos aposentados ... rsss ... a porrada ainda come, existe uma crise nesse país que dá uma freiada na arte, mas… vamos em frente!

Contatos para show. 21 999966956
 
Esta entrevista é dedicada à memória do nosso eterno drummer man Jacaré!




Próxima entrevista... 


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