quarta-feira, 28 de fevereiro de 2018

Entrevista Albert Pavão



A história do surgimento do rock brasileiro sempre foi um mistério pois não existia gravações disponíveis ou livros enfocando o assunto... Somente em 1976 com o sucesso da novela Estúpido Cúpido tivemos acesso a algumas gravações incluídas em sua trilha sonora. Depois foi lançado as coletâneas Rock dos anos 60, Censurar ninguém se atreve (da Wop Bob de Rene Ferri!) e os livros Rock Brasileiro 1955-65 e Do Blues à Jovem Guarda, passando pelo Rock’N’Roll; escrita por um dos seus sobreviventes: o cantor e escritor Albert Pavão para que tivéssemos informações precisas dos heróis que abriram espaço para a atual cena rocker. Go, go, lets rock’n’roll!     


2112. Primeiramente peço que fale um pouco de sua carreira como cantor... Infelizmente estamos num país em que a memória musical é praticamente “zero”. Se não fosse livros como o seu estaríamos ainda na idade das trevas.  


Albert Pavão. Minha carreira como cantor foi relativamente curta. Meu objetivo era fazer uma faculdade (acabei fazendo duas) e depois arrumar um bom emprego e ganhar um dinheiro que me desse uma vida tranquila e sem maiores problemas.  Assim, eu comecei a cantar em festinhas quando ainda não estava na faculdade e no ano em que entrei no curso de Economia em São Paulo, acabei gravando meu primeiro disco que foi o rock "Move It" com acompanhamento do grupo The Hits. Isto aconteceu em 1962 e em 63 gravei minha música mais conhecida: "Vigésimo andar", versão de 20 flight rock. Em 64 fui para a gravadora Chantecler onde gravei "Biquininho" e "Meu broto só pensa em estudar" e em 65 voltei a Elvis Presley ao gravar "Mulher de cabeça dura" e "A garota do meu melhor amigo".  Em 1966 fiz meu último disco na Chantecler que foi "Tio Patinhas". Em 1967 estava cursando pós-graduação em Economia, mas mesmo assim tentei lançar um disco independente, mas não deu certo. Essas gravações só saíram num compacto, em 1975.  Eram elas: "Filhinho de Papai" que os Brazilian Bitles lançaram em 1967 e "A Batalha de Waterloo" que ainda era inédita. Todas estão no you tube.


2112. Muitos nem ao menos sabem que foi Nora Ney uma conhecida cantora de rádio que gravou por indicação de sua gravadora o primeiro disco de rock no Brasil... uma versão do maior hit de Bill Halley Rock Around the Clock. Isso era muito comum na época, não é? 


Albert Pavão. O rock chegou ao Brasil com a gravação de "Rock Around The Clock" por Nora Ney.  Isto foi no final de 1955 e eu era apenas um apreciador do Bill Haley And His Comets. Foi o único rock que a Nora Ney gravou. Dos cantores populares, o Cauby Peixoto era o que se dedicava mais ao rock.


2112. Havia muitos compositores autorais neste período?


Albert Pavão. De compositores, nessa segunda metade dos anos 50, havia o Betinho e o Miguel Gustavo, que fez "Rock and roll em Copacabana" que Cauby lançou em maio de 1957. O versionista Fred Jorge apareceu nesta área em 1958, ao fazer a versão de "Diana" do Paul Anka, para o Carlos Gonzaga gravar.


2112. E a cena musical da época era muito competitiva?


Albert Pavão. Era um cena musical muito simples. Estava tudo começando!

2112. Mesmo após o sucesso de Nora Ney as rádios relutaram muito em divulgar o crescente rock brasileiro... Como vocês conseguiam discos e informações para ficarem sempre atualizados?


Albert Pavão. Nora Ney seguiu cantando samba-canção e boleros e nada mais fez de rock. A divulgação do gênero era normal, mas tinha gente que não gostava. 


2112. Você veio do princípio da formação do rock e sabe que todo começo é mais difícil até que tudo deixe de ser uma novidade e se torne uma realidade. Quando você decidiu ser cantor e quais músicos ou bandas mais o influenciou?


Albert Pavão. Como eu escrevi antes, eu decidi começar a cantar quando aprendi a cantar músicas do Elvis, do Little Richard e do Gene Vincent, entre outros, me acompanhando no violão. Isto foi pelos idos de 1957 ou 58.


2112. Como disse antes você é do período de ícones como Celly e Tony Campelo, Demétrius, Meire Pavão, Renato e seus Blue Caps, Wanderley Cardoso, Wilson Miranda, Jerry Adriani... Havia muito espaço para shows?      

Albert Pavão. Nesse início eu só fazia apresentações em festinhas, mas nos anos 60, com discos lançados, viajei bastante para diversos lugares. O mais longe que fui foi Recife, onde cantei na TV Jornal do Comércio local e numa boate.


2212. Com o crescente sucesso do movimento muitas rádios tiveram que se render as novas músicas criando programas dedicados ao novo rítmo que dominava a juventude cansada de boleros, sons orquestrais etc... Quais eram os programas mais bacanas?   


Albert Pavão. Dos programas de rádio, eu gostava dos programas do Antônio Aguillar, do Ademar Dutra e do Ferreira Martins sobre música jovem.


2112. Você era muito assediado pelas garotas nas ruas e nos shows?


Albert Pavão. Assédio das garotas sempre existia, pois a gente era jovem!


2112. As gravações em estúdio neste período eram produzidas quase que ao vivo, não é? 


Albert Pavão. As gravações em estúdio evoluíram, pois em 1962, no meu primeiro disco eu gravei direto, sem playback. Já a partir de 1963, a gente fazia o playback antes e cantava em cima dele.

2112. Em pouco tempo Celly Campelo se casa, larga a carreira e aí aparece a Jovem Guarda com Roberto Carlos a frente da nova onda. Vocês se sentiram traídos ou mesmo excluídos?  


Albert Pavão. Eu gostei muito quando apareceu o programa Jovem Guarda, mas só acompanhei até 1966, pois depois passei a ter outras preocupações.


2112. Poderia falar um pouco sobre sua irmã Meire Pavão?


Albert Pavão. A minha irmã Meire Pavão, sempre cantou com os grupos que nosso pai formava. Foi assim com As Garotas Violonistas e Conjunto Alvorada. Em 1964 ela teve a oportunidade de gravar como cantora individual e optou pelo rock de então e chegou a fazer sucesso. 

2112. Parece que ela dividia as atenções com Cely, não é?


Albert Pavão. Meire era nascida de Taubaté, terra dos irmãos Campello. Quando Meire começou a despontar, Celly já não estava mais na ativa. Muita gente achou que Meire se parecia bastante com a Celly em termos de repertório.


2112. Mesmo após a Jovem Guarda e o Tropicalismo vocês continuaram gravando?


Albert Pavão. A Jovem Guarda e o Tropicalismo estavam em evidência no final de 1967. A Meire nesse ano, trabalhou na TV Tupi do Rio e participou até de um programa de humor ao lado de Brandão Filho e Ema D´Avila, mas em 1968 voltou para São Paulo e gravou "Monteiro Lobato" que fez algum sucesso. Nesse ano de 1968, Meire fez uma novela na TV Tupi de SP chamada "Sozinho no mundo".  Em 1969, ela resolveu voltar a estudar.


2112. Não podemos deixar de mencionar a importância da novela “Estúpido Cúpido” e do álbum “Censurar ninguém se atreve” que incluiu vários hits deste período levando uma nova geração a conhecer o trabalho de vocês, não é? 


Albert Pavão. A novela "Estúpido Cupido" ajudou bastante na divulgação dessa época de ótimas músicas. Antes de "Censurar ninguém se atreve", tivemos o LP "Rock dos anos 60" que também ajudou a divulgar bastante a canção pré-jovem guarda.

2112. Bacana, mas falemos agora sobre o livro “Do Blues à Jovem Guarda, passando pelo Rock’N’Roll”. O que te impulsionou a escrevê-lo?


Albert Pavão. Meu livro "Do blues à jovem guarda" foi meu segundo livro.  Eu lancei em 1990, em São Paulo, o livro "Rock Brasileiro 1955-65" que foi o primeiro livro que abordou a entrada do rock and roll no Brasil. Mas eu queria fazer uma obra mais analítica e em 2014, pude lançar "Do blues à jovem guarda" com 400 páginas, contando como o blues virou rock and roll. 


2112. Acredito que a pesquisa para a construção dos seus textos deve ter sido bem difícil e com certeza levou um bom tempo até ser concluído. Havia muita divergência de informações como datas erradas, dados incorretos dos artistas e coisa e tal. O que mais foi difícil?


Albert Pavão. Como eu tenho muitas obras de fora, a minha pesquisa foi basicamente com material próprio. O que eu não achava em casa eu procurava em outras publicações!


2112. Então você guardava bastante material em casa, não é?


Albert Pavão. Tenho sim, muito material guardado, que servirão para a segunda edição desse livro. 


2112. Achei muito curioso o título “Do Blues à Jovem Guarda...”. Onde o blues entra nessa história? Pergunto pois o blues é uma corrente musical muito diferente do rock que vocês e a própria Jovem Guarda faziam, não é?


Albert Pavão. Voltando às fontes de fora, na minha sala tem pelo menos uns dez livros americanos sobre o assunto. Se você tivesse meu livro, iria ver que cito os que utilizei como fonte!
2112. Os artistas enfocados no livro ajudaram na pesquisa?


Albert Pavão. Os artistas que conheço não chegaram a me ajudar, porque eu prefiro fazer sozinho. Mas conversei com alguns para esclarecer alguns dados mais obscuros.


2112. Você é do tipo nostálgico? O que gosta de ouvir quando está em casa? 


Albert Pavão. Eu praticamente não escuto o rock produzido por aqui atualmente. Só escutei até os anos 80. Ouço muitas canções de todos os tempos. Aquelas que chamamos de eternas. 

2112. Há projetos de lançar outros livros?


Albert Pavão. Meu projeto atual é a terceira edição do livro "Rock Brasileiro 1955-65". Ele terá muita coisa nova, a começar pela discografia com muitas alterações. No final dos anos 60, para matar as saudades eu escrevi uma coluna de rock e jovem guarda na revista paulistana São Paulo na TV.  Pretendo, um dia, colocar o que escrevi num livro. Espero ter atendido plenamente a sua solicitação. Qualquer dúvida, fico aqui à disposição! Abraços.

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