segunda-feira, 10 de abril de 2023

Entrevista Miguel Barella

2112. Você é conhecido não apenas por ser um dos grandes guitarristas brasileiros mas também por ter participado de bandas seminais como Agentss, Voluntários da Pátria, Akira S e As Garotas que Erraram, Alvos Móveis, Blue Beast, Gang 90, LCD etc. Mas como foi o seu início na música? 

Miguel. O Brasil tem uma quantidade enorme de guitarristas incríveis em todos os gêneros musicais, eu sou apenas mais um no meio do bolo. Comecei tocando violão no final dos anos 60… aulas com professora do bairro, nada muito incrível era a época da Jovem Guarda, que eu assistia sem perder um programa, da Beatlemania e dos grandes festivais. Tudo isso servia como motivação para aprender violão ou guitarra, que eram os instrumentos icônicos.

2112. Você presenciou a ascensão do punk rock que passou como um furacão desgovernado derrubando diversos pilares sagrados do rock. Como essas mudanças te afetaram e o que você ouvia até então?

Miguel. Comecei ouvindo Beatles Jovem Guarda, depois passei para outras bandas como Rolling Stones, Grateful Dead, Creedence, Jethro Tull, the Who, Pink Floyd, Santana, Grand Funk… rock de maneira geral até chegar no progressivo com King Crimson, Emerson, Lake & Palmer etc. Nos anos 70 ouvi muito jazz rock e fusion: Miles, Weather Report, Mahavishnu Orchestra, Return to Forever, Hermeto Paschoal, Egberto Gismonti mas me causou uma certa saturação de tanto virtuosismo e voltei para os clássicos como Rolling Stones. Numa certa altura ouvi New York Dolls e percebi que as coisas estavam mudando… aí veio o Horses da Patti Smith e depois os punks mais tradicionais com Dead Boys, Sex Pistols, Clash, Ramones… bandas que eram um “detox” do virtuosismo do fusion e jazz-rock.

2112. ... quais bandas mais te impactou?

Miguel. Muitas… Miles Davis, ELP, King Crimson, Devo, Eno (carreira solo), Television, Talking Heads, Devo, Contortions, Police… muita coisa.

2112. É dessa época o Ratos do Beco com você no baixo, RH (guitarra e vocal), Xepa (vocal) e Roberto Refinetti (bateria)?

Miguel.  O Ratos durou de setembro a dezembro de 1978. Tem mais informações aqui: https://sacimusic.wixsite.com/ratos-do-beco

Dá para ouvir aqui: https://nadanadadiscos.bandcamp.com/album/ratos-do-beco-demo-1978

E comprar aqui: https://www.nadanadadiscos.com/pd-941edc-ratos-do-beco-demo-1978.html?ct=&p=1&s=1

2112. A R.B. era apenas uma banda de garagem ou vocês mandavam ver nos shows? Vocês compunham material próprio ou apenas faziam covers? Existe algum registro da banda?

Miguel. Em 1978 não tinha espaço para uma banda como o Ratos tocar, então ficamos só na garagem. Sim, tem um compacto lançado recentemente (março/2023) pela Nada Nada discos com quatro composições nossas e um encarte com fotos e um texto contextualizando a banda na época. Recomendo esse disco e o encarte para quem quiser entender o que era ter uma banda punk em 1978.

2112. Quando foi que você migrou do baixo para a guitarra? 

Miguel. Quando começaram os ensaios do Agentss em 1981.

2112. Você tem um estilo próprio de tocar guitarra o que leva muitos a identificarem de imediato os seus riffs e acordes. Que músicos mais o influencia?

Miguel. A resposta pode ser muito longa pois tudo o que eu ouvi em algum momento aparece no que eu toco hoje. Vou citar alguns em “ordem de bagunça”: Jon Hassell, Rick Cox,Brian Eno, Miles Davis, James Chance, Tom Verlaine, John McLaughlin, Robert Smith, Andy Gill, Andy Summers, Pat Place, Robert Fripp, Adrian Belew, Keith Richards… a lista é grande.

2112. Você ouve todo tipo de música?

Miguel. A lista é extensa… rock, jazz, música étnica e alguns clássicos. Ficam fora as coisas muito comerciais e sem personalidade.

2112. As pessoas costumam ter uma visão turva da realidade vivida por um artista. Como é sobreviver de música num país onde a cultura é sempre relegada a segundo plano?

Miguel. Eu nunca vivi de música, desde 1980 trabalho como engenheiro mecânico que é a minha formação. Tenho muitos amigos que são músicos profissionais tanto no rock quanto no clássico e vivem exclusivamente de música. Posso dizer que viver de música é muito puxado.

2112. Além dessa questão, não podemos deixar de mencionar a falta de união entre os próprios músicos e uma grande parcela do público que não valoriza o produto interno. Qual seria a solução para esse problema?

Miguel. Não dá para generalizar. Tem estilos bem populares nos quais os músicos têm a agenda lotada, ou seja: tem muito público. O Brasil tem uma variedade enorme de estilos musicais com muito público então não acho que exista um problema de valorização do produto interno.

2112. ... em algum momento você pensou em desistir de trabalhar com bandas e ser apenas produtor, músico de estúdio ou compositor?

Miguel. Eu produzi a gravação de demos para várias bandas nos anos 80, era uma coisa que gostava bastante, mas nunca pensei como profissão. Músico de estúdio: não. Compositor: sou autor ou co-autor de todas as músicas que estão nos discos das bandas que participei

2112. Você ministra aulas?

Miguel. Não, nunca me interessou. Imagino ter uma didática péssima.

2112. Você gravou Cidade Industrial/Professor Digital com o Agentss pela WEA. Como foi gravar numa época que os produtores e técnicos de estúdio não estavam "devidamente preparados" para este estilo de música? 

Miguel. Agentss e Voluntários da Pátria sofreram com essa falta de preparo. A gente levava discos como exemplo do som que a gente queria e os técnicos davam risada e diziam que estava mal gravado e mal mixado, sendo que um dos exemplos foi o Closer do Joy Division.

2112. Recentemente tomei conhecimento de um ao vivo gravado no Teatro Ilhas do Sul em 1982 com ótima qualidade de som. Você sabe me dizer se esse álbum é oficial ou bootleg?

Miguel. Em maio sai pela Nada Nada discos um LP duplo do Agentss com músicas desse show e do show do Carbono 14 masterizadas. No pacote tem um livreto contando a história do grupo e muitas fotos.

2112. O interessante é que algumas faixas ganharam arranjos mais experimentais que as versões originais que tinham um certo apelo dançante. Você participou desse show?

Miguel. Eu sou membro fundador do Agentss junto com o Kodiak Bachine e o Eduardo Amarante. Estive em todos os ensaios, gravações e shows do primeiro ao último dia.

2112. O que te levou a deixar a banda e entrar na Voluntários da Pátria?

Miguel. As bandas começam e terminam… aconteceu naturalmente. O Kodiak estava interessado em trabalhar com vídeo e seguir outro caminho. Criou o excelente vídeo “Eletricidade” e seguiu com projetos solo. O Eduardo estava ensaiando com o Azul 29 e já estavam fazendo shows em lugares pequenos. Eu comecei a tocar com o Thomas Pappon e deu muito certo, a gente teve muita liga logo no primeiro ensaio. O Agentss era uma banda difícil de colocar no palco, muito equipamento, muitas necessidades que lugares pequenos e alternativos não tinham. Isso incentivou a mim e ao Eduardo a procurar alternativas para poder tocar mais ao vivo.

2112. A banda V.d.P. gravou um único álbum que é cultuado ainda hoje. Isso te surpreende? 

Miguel. De certa forma sim, a gente não imaginava que quarenta anos depois nosso LP ainda atrairia novos ouvintes.

2112. Você (guitarra), Nasi (vocal), Giuseppe Lenti (guitarra), Ricardo Gaspa (baixo) e Thomas Pappon (bateria) já fizeram alguns comebacks. Existe possibilidades de vocês registrarem um novo álbum?

Miguel. Lançamos duas músicas inéditas em 2022: O Voluntário e Ainda Estamos Juntos que estão em todas as plataformas digitais.

2112. É sério que você estudou com o Robert Fripp? O que mudou no seu modo de tocar depois de estudar com ele?

Miguel. Sim, Guitar Craft Seminars em 1987. Depois fiz mais cursos, mas esse foi o primeiro. Muda muito e é difícil explicar de forma resumida. Muda a relação com o instrumento, a percepção do que está ao redor. Uma coisa muito intensa. Os dois CDs do Alvos Móveis (duo com o Giuseppe Lenti e eu) traduzem um pouco a transformação que o Guitar Craft Seminar causa. Principalmente o primeiro CD.

2112. Como é o Fripp fora dos palcos e longe da mídia? Você ainda mantém contato com ele?

Miguel. É uma pessoa reservada. Mantenho contato esporádico.

2112. Você curte fazer longos solos de guitarra? 

Miguel. Não. Deixo isso para o Giuseppe Lenti, que é um mestre quando se trata de solos.

2112. O álbum Akira S & As Garotas que Erraram é outro álbum maravilhoso. Você poderia falar sobre a criação/gravação do álbum? 

Miguel. Eu toquei guitarra na música Sobre as Pernas, que está na coletânea Não São Paulo. No LP toquei na música Trago Boas e Más Notícias, que é um arranjo da música Brown Rice do Don Cherry.

2112. Me explica uma coisa: onde foi que as garotas erraram?

Miguel. Quando elas declinaram o convite de tocar na banda. Fato verídico.

2112. Outro trabalho phoda é Alvos Móveis que você gravou em parceria com o Giuseppe Lenti. O álbum soa bem experimental e me lembrou muito uma trilha sonora... Era essa a intenção?

Miguel. O projeto Alvos Móveis foi criado por mim e pelo Giuseppe Lenti quando voltei do primeiro Guitar Craft Seminar. O Voluntários da Pátria tinha terminado (ou suspendido as atividades) e nós queríamos continuar desenvolvendo o trabalho de guitarras iniciado com o Voluntários. Eu voltei muito animado do Guitar Craft e apresentei a nova afinação para o Giuseppe… começamos a compor e arranjar as músicas num porta estúdio, a gravação foi consequência natural do trabalho. Tem mais informações aqui:

https://sacimusic.wixsite.com/alvosmoveis

https://www.facebook.com/profile.php?id=100028941532491

E dois vídeos:

https://youtu.be/cOIvgjS-7Tw

https://www.facebook.com/100028941532491/videos/1292473787761635

2112. Além de vocês, houve a participação de outros músicos no estúdio?

Miguel. O primeiro Alvos Móveis foi produzido pelo Geraldo D’Arbilly, que tocou percussão em dias faixas e ajudou a programar a bateria. O AkiraS tocou baixo e Stick além de ajudar nas programações e ser o engenheiro de som junto com o Geraldo. Teve o Fábio Golfetti na cítara, Armando Tibério na tabla, Tenisson Caldas no trumpete e o Fabio Gavi no baixo acústico. No segundo CD “Slow Link” teve o Célio Barros no baixo acústico, Armando Tibério na tabla, Eduardo Contrera na percussão, Kuki Stolarski na bateria, Nahor Gomes no trumpete e o Tuca Nemeth no MiniMoog.

2112. Você poderia descrever como eram os grupos Blue Beast e LCD. Não consegui nenhuma informação sobre elas. Existe gravações dessas bandas?

Miguel. O Blue Beast é resultado da parceria com a holandesa/americana Truus de Groot (Plus Instruments).  “Devil May Care” foi o primeiro CD do grupo lançado no final de 2016 com excelentes críticas na imprensa européia. “Roaring” é o segundo álbum do Blue Beast e foi finalizado uma semana antes do início da pandemia, tendo o seu lançamento interrompido. Com doze músicas inéditas, no estilo desenvolvido no primeiro álbum “Devil May Care”, o álbum passeia por texturas impressionistas e vocais marcantes e traz uma estética densa e muito própria da dupla.  Já o EP “Bar Tears” (em K7) - produzido por Apollo Nove - mostra uma outra face do grupo com quatro canções melancólicas na voz expressiva de Truus, refletindo o momento difícil da pandemia e seus desdobramentos afetivos. O EP conta com a participação de músicos de vários países, como Paulo Bira (baixo), Apollo Nove (teclado), Kuki Stolarski (bateria), Edward Capel (sax). Mais informações sobre o Blue Beast:.

http://blue-beast.weebly.com/

https://bluebeast.bandcamp.com/

https://www.youtube.com/playlist?list=PL83GmPgavABLcC7YMg8NahVzsSxVrPcas

Jazz Pt (crítica): http://jazz.pt/ponto-escuta/2017/01/05/blue-beast-devil-may-care-dewclaw-ditties/

Vital Weekly (crítica): http://www.vitalweekly.net/1067.html

 CD Baby (loja virtual): https://www.cdbaby.com/cd/bluebeast

O projeto LCD é formado por Paulo Beto, sintetizadores, samplers, kaos pad e baixo elétrico; Eloi Silvestre, instrumentos eletrônicos inventados, mac performa e apple II; e eu na guitarra processada e micro teclado casio processado. Fazemos improvisações livres voltadas para o experimentalismo, para o 'retro-futurismo' e para a música de vanguarda. Influências: Raymond Scott (precursor dos sintetizadores na década de 30), Brian Eno e Jon Hassell (texturas e timbres processados eletronicamente), John Cage (o acaso na música), Pierre Shaeffer (explorador de loops e ruídos na música) entre outros artistas da cena eletrônica. A ficção científica e o horror no cinema e na literatura têm grande influência na estética do LCD. O nome do grupo se inspirou numa entrevista com José Mojica Marins, (aka Zé do Caixão) - onde ele se refere ao LSD como LCD, dizendo ainda "que era a droga que os jovens tomavam para ver Deus". O grupo se apresentou em diversos festivais com o Sonar (edição brasileira), 4Hype (SESC). LEM (Barcelona) fez shows com o Zé do Caixão e outros convidados. Deixou uma gravação lançada pelo Selo Testing Ground de Barcelona. Tem vários vídeos do grupo no YouTube.

2112. O que você tem feito em termos musicais ultimamente?

Miguel. Meu projeto principal é o Blue Beast. É nele que passo a maior parte do tempo criando. Também faço parte do MARV, quarteto formado por mim, Alex Antunes, Rodrigo Gobet e Vitor da Trindade. Tocamos no SESC Jazz junto com o Lelo Nazário. Com o Lelo também fizemos um show que foi gravado e em alguma hora sai um LP. Mais informações aqui: https://sacimusic.wixsite.com/marv

Vídeos aqui:

https://youtu.be/aFBTV5XQ7S4

https://www.youtube.com/live/mcVto3FB9d0?feature=share

Também participo do projeto Death Disco Machine do Alex Antunes como convidado. Toco no disco e nos shows sempre que dá.

2112. Existe projeto de gravar um álbum solo? 

Miguel. Não. Prefiro trabalhar com parceiros e no momento o BLue Beast é tudo que preciso para me expressar.

2112. Qual o telefone/e-mail para contratar você ou as bandas que você participa?

Miguel. Pode ser pelo Facebook:  https://www.facebook.com/miguel.barella

Obs.: Todas as fotos usadas nesta postagem foram retiradas do facebook da entrevistado.