quinta-feira, 23 de janeiro de 2020

Entrevista Gigi Jardim


2112. Seja bem vinda a esta esquizonave... Sente-se, aperte o cinto pois a viagem está apenas começando.
Gigi. Obrigada pela oportunidade de exercer minha verdadeira identidade de loiralien, como diz milorde querido, Cezar Heavy, piloto da nave e baixista excepcional da Tublues.
2112. Podemos começar falando sobre a atual cena que tem se mostrado ampla, madura e bem diversificada. O que mais te chama atenção numa banda como profissional da área e como fã?
Gigi. Numa banda, como produtora, sempre verifico a sonoridade e a postura de palco, além de pesquisar se a banda tem real interesse em ser profissional, mesmo que num cenário underground. Mas, sobretudo, eu preciso GOSTAR do conjunto (sonoridade, mais postura de palco, mais maturidade profissional). Até porque postura de palco e maturidade dá pra construir, tesão e talento ou o músico tem ou não tem. E eu só gosto de quem tem.
2112. Tenho ouvido (e entrevistado) bandas incríveis.  Vejo que o que falta é uma infraestrutura para acolher melhor as bandas. Mas para isso precisamos de uma mudança de comportamento por parte do público e dos próprios músicos ao enxergar sua banda como uma empresa que precisa gerar lucro para se manter. Chegar de ter uma visão romanceada da cena e sermos mais realistas neste sentido.
Gigi. Tenho gastado grande parte dos meus neurônios tentando descobrir uma fórmula realmente eficaz de trazer o público de volta aos shows. Tivemos uma experiência deliciosa na Festa de 11 Anos da RÁDIO WEB STAY ROCK BRAZIL, com ótima presença de público. Não só pagante, mas dançante e bangueador. Infelizmente, como uma rádio web é feita de amor, porque não tem patrocinadores, a paga, aos músicos foi muito aquém do que mereceram. Todas as bandas foram espetaculares e o público correspondeu. Então não é a questão da banda ser menos romântica quanto ao cenário, mas o cenário ser mais atrativo FINANCEIRAMENTE para que a banda se renda ao inevitável e chatíssimo mundo das burocracias, juntamente com o fabuloso e ainda misterioso mundo da publicidade virtual. O problema não é a falta de profissionalismo, mas a falta de espaços de massa consagrados (eu tô falando de trilha sonora de novela, programação em rádio antena, destaque em caderno cultural, inserção na programação regular de cultura das cidades, destaque na programação de eventos musicais). Vivemos no século XXI, mas as pessoas que superlotam perfis de artistas e programas no Instagram e Facebook são as mesmas que assistem a novela, os programas milhados de auditório, as mesmas rádios-antena de sempre. Então, é urgente que as mídias de massa absorvam essa produção underground, desde que a produção seja BOA. Não é pra todo mundo não, que tem gente ruim pra caramba no mercado. Mas, se cabe duzentas mil duplas sertanejas que cantam a mesma coisa com a mesma voz, deve ter espaço pro rock & metal & blues & punk do Brasil. Isso é ser profissional, é pensar em bloco e abrir frentes. As rádios webs, tvs web e blogs TEM QUE SER MONETIZADOS. Tem que ter patrocinadores, propaganda e poder de fogo. É pra isso que eu me levanto todos os dias.
2112. Uma coisa que sempre gosto de conversar com os músicos é a questão de ouvir outros sons que não seja o que ele está acostumado a ouvir. Essa abertura dá a ele uma visão mais ampla e uma identidade própria para a sua música. Qual a sua opinião acerca disso?
Gigi. Sou a porra de uma eclética assumida e entusiasta. Amo clássicos (de todas a vertentes- erudito, rock, música brasileira, jazz, blues – e, por clássico entenda Mozart, Led Zeppelin, Chico Buarque, Miles Davis, Muddy Waters etc), ouço música regional de outros países, adoro sons experimentalistas. Meu primeiro amor foi Ray Charles, então nunca me peça pra escolher entre um soul ou qualquer coisa. A música tem que mexer nos sentidos da gente. Eu sou um ser plural. E ouvir outros tipos de som, acredito, deve servir para ampliar o leque de possibilidades na hora de compor e musicar. Acredito que permita ao músico propor combinações mais ousadas, ou suaves, ou inesperadas graças a esse “cardápio”. Mas nesse aspecto é pura conjectura, que não sou musicista, né? Meu barato é escrever.
2112. Outra questão séria é quanto aos fãs que praticamente pressiona as bandas a ficarem se auto repetindo. Lembra do caso Mettalica e o disco da capa preta? A banda conquistou novos fãs... mas perdeu outros. Um músico precisa de liberdade para criar, não é?
Gigi. O músico é um artista e é um trabalhador. A arte serve a si mesmo, o trabalho deve agradar ao patrão rsrsrsrsrs Não vejo nenhum problema se uma banda quer manter o mesmo estilo sonoro o tempo todo, ou ainda se ela resolve ousar em tudo ou ousar em doses. TUDO está relacionado à exposição que o fã teve do trabalho do músico. O fã da Mettalica que só ouviu Master of Puppets teve imensa dificuldade em se abrir para o diferente. Então, se a banda vai mudar o ritmo, se fez um disco diferente do que o público está habituado tem sim que investir em divulgação ANTES de se aventurar em um show. E pode acontecer de ter fãs que não vão “perdoar” as mudanças. Isso acontece em toda mudança, mesmo fora do mundo musical, né? Toda unanimidade é burra. O importante é tocar com paixão. E isso quem disse foi Beethoven. :)
2112. O Black Sabbath também tentou uma mudança de direção no álbum Technical Ecstasy (1976) ao incluir elementos de jazz em algumas músicas mas sofreu forte pressão por parte da gravadora e dos próprios fãs o que levou a banda a voltar atrás e talvez tenha sido isso um dos motivos que levou Ozzy a sair da banda...

Gigi. Foi o que Frejat fez com o Cazuza quando ele quis cantar Cartola: somos uma banda de rock’n’roll, vai cantar samba noutra freguesia. E ele foi e fez o Exagerado. Sucesso. O Black Sabbath é Ozzy Ousbourne. Som pesado, soturno, fabril. Isso é o Black Sabbath. Dio não é Black Sabbath, jazz de cu é rola no Black Sabbath. Não dá! Simples assim. Os idealizadores de tal disco deveriam ter feito como projeto paralelo. Solo, sei lá. Alguém pode imaginar Mr. Ozzy de terno e gravata, num bar em New Orleans? Eu não posso. Eu sou Black Sabbath maníaca. Longa vida, Ozzy!
2112. Acho bacana quando um músico da magnitude de um Eduardo Migdiablo mostra para o público o seu gosto pelo jazz. Isso é muito importante pois prepara os fãs para possíveis mudanças no futuro.
Gigi. Mas o Cozinha dos Infernos é muito jazz. Jazz metal. O Ricardo Ravache que inventou! Um fã do Cozinha dos Infernos, de repente, ESPERA que a dupla ouça jazz. Eu acho absolutamente natural.

2112. Uma coisa que me incomoda é quanto a questão de usar o termo "influências" para as bandas gringas e o famoso bordão "se parece com a banda x" quando se trata das nossas bandas. Porque será que o brasileiro é tão preconceituoso?
Gigi. Desculpe, mas sofremos SIM influência de bandas gringas, porque o ritmo rock e suas vertentes NÃO SÃO legitimamente brasileiros, oras! Um grupo de samba criado em Tokio, capital do Japão, provavelmente sofreu influência de Nelson Cavaquinho ou Paulinho da Viola ou Jorge Aragão ou João Nogueira, concorda? Apesar de fazer um samba japonês. É como uma banda dizer que tem influência de Deep Purple ou Faust ou Jerry Lee Lewis ou Ramones ou Sex Pistol, é normal e ajuda no processo de escolha de um fã, sobretudo nesse mundo underground, onde as novas bandas (algumas com décadas de existência) ainda capitaneiam seus fãs a partir de uma isca de alguma estrela influencer. Apesar da produção musical-cultural-autoral dessas bandas ser legítimo produto nacional brasileiro. Não tem nada de errado ter influências. Errado é não ter coragem de abrir as asas e voar por sua conta e risco e achar lindo ser eternamente cover.
2112. ... tá na hora da gente quebrar essa barreira, não?
Gigi. Demorou para a mídia convencional abrir espaço para o rock brasileiro. Demorou para as agências de publicidade incluírem as mídias digitais no plano de divulgação de seus clientes. Demorou para que os governos municipais e estaduais acreditem na produção musical de rock brasileiro, feito no Brasil, composto por brasileiros, executados por brasileiros e estrangeiros. Está mais do que na hora do governo federal tratar a produção cultural brasileira como trabalho, mercado fonográfico e todo o mercado adjacente de merchandising, moda, e way of life. Mas só vai acontecer se a vontade for genuinamente coletiva. E ainda não conquistamos essa vontade.
2112. Confesso que sinto um puta orgulho de bandas como Picanha de Chernobyl, Javali, Black Pantera, StringBreaker & Stuffbreakers, Cólera, Sunroad... que estão lutando para conquistar o mercado externo. Isso a grande mídia raramente menciona em seus veículos de comunicação.
Gigi. A cultura, de um modo geral, está tristemente inserida nas manchetes dos veículos de comunicação de massa. O Sepultura lota estádios europeus há décadas e muitas bandas de metal, sobretudo, cantam em inglês justamente para penetrarem no mercado internacional. Eu queria ver uma banda como o Salário Mínimo, cantando em português, lotando estádio. E nem precisava ser na gringa, como você diz. Meu sonho era um Caio Pompeu de Toledo abarrotado, pra ver um line up saído do Quem Sabe Faz Autoral, com banda cantando em português. E, é claro, com espaço para todas as outras línguas, particularmente o inglês, né? <3 Eu não morri, China Lee não morreu, enquanto tiver um soprinho aqui dentro, vou sonhar por isso. Mas vou sonhar trabalhando.

2112. Não podemos deixar de mencionar a Amargo Malte que está tendo uma ótima recepção em Portugal. Isso me deixa muito, muito orgulhoso.
Gigi. Sim, eles são ótimos e o público de Portugal também se sente feliz com uma banda talentosa cantando em seu idioma. A música se torna mais íntima quanto mais o ouvinte se apropria dela. E cantar junto ainda é um canal indiscutível. Sem mencionar a fabulosa Taty Pacheco, com sua presença de palco cheia de classe e rock’n’roll. Eles merecem conquistar o mundo.
2112. O Brasil tem uma das melhores cenas musicais do planeta: grandes bandas, grandes instrumentistas, grandes compositores e uma riqueza sonora incrível... mas que tem uma visão pequena desse todo. É o público que reclama de pagar 20,00 e mesmo a desunião num show e tem a questão de desunião da cena. Qual seria a solução para esta questão?
Gigi. O público quer ver um show, um espetáculo de luz e cenário e figurino e quer estar presente num show de uma banda que ele ouviu na rádio, na tv, no app do celular. O valor do ingresso não interfere diretamente no volume do público. Não é que o público considere R$ 20,00 “caro”. A questão é: quem vamos aplaudir por 20, 40, 100, 1.000? De novo: tem muito pouca coisa nova na rádio antena. Não tem NADA de rock & metal & blues na televisão. Enquanto não houver ocupação das mídias convencionais, enquanto não houver patrocinador pras mídias virtuais, enquanto as bandas tiverem que se virar com perfis de Facebook e Instagram, disputando espaço com a Anitta e o MC das Couves, de maneira injusta e desigual, vai ficar muito difícil para um novo músico de rock brasileiro se tornar expoente. A culpa não é só do público.
2112. Um ponto que confirma o que eu disse acima é que raramente vemos músicos brasileiros fazendo discos/shows tributos para bandas brasileiras. Temos uma infinidades de bandas fodas que estão a anos na labuta e que muitas das vezes encerram suas carreiras e amargam um total ostracismo. Precisamos reverter isso também...
Gigi. A Rádio Web Stay Rock Brazil já fez mais de um tributo para bandas brasileiras. Seria bom que isso acontecesse com uma frequência pré determinada, mas a gente depende da disponibilidade dos artistas, porque, de novo, são eles quem “bancam” as gravações para os tributos. Se tivéssemos patrocinador para esse projeto, se pudéssemos pagar pelos custos da produção musical, com certeza teríamos uma sazonalidade com maior constância para esses tributos. Temos excelentes bandas com longevidade apropriada para serem homenageadas, algumas ainda na ativa como a Made in Brazil. A Stay Rock Brazil está trabalhando em um projeto que vai de encontro a sua pergunta. Aguarde!
2112. Outro ponto: porque bandas maiores não convida bandas menores para abrirem seus shows? Mesmo que fosse apenas quatro ou cinco músicas seria uma maneira positiva de expor seu trabalho para um público maior e diferente do seu. Acredito que seria uma saída, não?
Gigi. Geralmente, o organizador do show, que produz o line up, ou já tem ele “pensado” ou atende ao exigido pela casa ou patrocinador. Locais como o SESC, por exemplo, não aceitam bandas de abertura. Acredito que os festivais mesclados que são produzidos no cenário autoral brasileiro seja bastante eclético e responda afirmativamente essa pergunta. O Picanha de Chernobyl é cultuado pela Made in Brazil, só pra citar um exemplo. Sempre lembrada e que já se apresentou “abrindo” o show. Por que o seu blog não faz uma seção fixa chamada “O Astro Apresenta”. Aí pode perguntar diretamente pras bandas essa questão. Para a produção a conta é simples: quem traz mais público é a primeira a ser lembrada. Então as bandas menores tem que ter essa gana de ser grande também. Se portar como grande, investir como grande, frequentar os shows como público, prestigiar a cena. O coletivo do rock é como qualquer outro coletivo. Tem que se fazer presente. E tem se diferenciar na massa.
2112. Essa mesma estratégia poderia se aplicar também as tours internacionais. Seria um grande avanço...
Gigi. Exatamente o mesmo problema que no mercado interno, com o agravante de que, para tours internacionais, existe o custo altíssimo das viagens, hospedagem, alimentação. Se o organizador assume o risco desses custos, acredito que haverá generosidade entre as bandas. Agora, se as bandas se cotizam e dividem os custos e os lucros, as associações ocorrem naturalmente. Não tenho expertise com tour internacional, por isso, minha fala é de palpiteira. Para isso é melhor falar com Pedro Kaluf. Esse entende de show business estrangeiro. Confesso que me sinto infantil respondendo a isso. E por falar em internacionais, DEMOROU para o governo federal promulgar uma lei de proteção ao rock brasileiro, exigindo que QUALQUER atração internacional fosse antecedida, nos shows, por artista BRASILEIRO. Mas os governos tupiniquins, desde 1500, tratam a Cultura como perfumaria. Ou folclore. É uma realidade bem patética.
2112. Quero deixar claro que não estou reclamando de nada ou de ninguém especificamente mas mostrando que a saída é a união. Certa vez entrevistei uma banda que além de não promover o link da própria entrevista me disse que essa parte cabia a mim. Confesso que nem respondi...
Gigi. Pois é. Vou responder a essa pergunta com um poema de Ricardo Reis, um heterônimo de Fernando Pessoa:
“Para ser grande, sê inteiro: 
nada teu exagera ou exclui.

Sê todo em cada coisa. 
Põe quanto és no mínimo que fazes.

Assim, em cada lago, a lua toda brilha
porque alta ela vive.”

Por que se importar com quem não se importa nem consigo mesmo?

2112. O que mais te irrita numa banda e na própria cena?

Gigi. O que mais me irrita numa banda é não respeitar horários e regras no show: antes, durante e depois. O que mais me irrita na cena é o excesso de bandas covers e a preguiça inexplicável de organizadores e curadores em sair fora das mesmices e experimentar o novo. Mas experimentar como se deve: com paga justa e divulgação de rockstar.

2112. Na sua opinião...  você acha necessário uma banda que mal se formou gravar de imediato? Não seria mais correto amadurecer primeiro o som para depois procurar um estúdio? Qual a sua visão acerca disso?

Gigi.
Se tem grana, vai pro estúdio, prensa o disco, contrata profissionais gabaritados pra fazer show, pagar jabá e mete a cara. O público vai dizer se ele jogou o dinheiro no ralo ou não. Eu sou produtora, tô aqui no mundo pra conseguir filé mignon a preço de acém. Pra conseguir Marshall em casa que o dono não sabe o que é um fio banana-banana. Pra conseguir que a musa da novela das sete suba no palco e faça uma selfie com o guitarrista. Essa é a minha praia. Não sou especialista em produção musical para julgar com propriedade a maturidade de uma banda. Porque uso meu coração antes do cérebro. Se me pegar na emoção, não me importa se o som está maduro. Lembra que eu disse que gosto de experimentalismo? O cru é bem experimental. Sugiro uma entrevista com Miguel Aranega, Roberto do Nascimento, Marcello Pompeu. Esses caras tem feeling de produção de musical infinitamente superior ao meu. PS: tá com grana? Me contrata!

2112. O governo deu um corte nas verbas no que diz respeito a saúde, a educação e a cultura. O que já era difícil agora se tornou caótico... Que posição os artistas devem tomar?

Gigi. Os artistas devem continuar a produzir e batalhar seus espaços. Devem arregaçar as mangas e continuar trabalhando. Não acho que em algum momento da história do Brasil algum artista, de qualquer linguagem, pode – de fato – se beneficiar com verbas governamentais diretas. Atualmente (e desde há muito) o que falta é uma política pública para a cultura. Cultura é muito mais que aquilo que a gente gosta. Só unidos para pensar, propor e exigir execução de uma política pública para cultura é que as verbas estarão garantidas para a realização de eventos. Porque política pública de cultura é mais que uma política de eventos. Mas eu desconheço um lugar que o artista goste mais de estar que o palco, então a política pública tem que garantir, SIM, a presença do artista em situações de evidência e destaque. 

2112. A política cultural também não tem ajudo muito. Acompanho a luta de pessoas como a Inti Queiroz e vejo as muitas dificuldades enfrentadas. Isso é revoltante.

Gigi. A última Conferência de Cultura que teve em São Paulo foi em 2013 e ninguém se lembra das proposições aprovadas, das deliberações, quem eram os delegados, mas me lembro perfeitamente que o único movimento que veio unido, em bloco, para fazer exigências de classe foi o teatro. Em segundo lugar veio a dança. Artistas como músico, artesões, artistas plásticos foram sequer pressionar o poder público. Essa é a maior problemática. Porque o artista quer fazer arte, mesmo sabendo que essa arte é trabalho e trabalho dá bastante trabalho além de prazer. E nós, do backstage, que lutamos pela inclusão das linguagens como política pública, não somos a cara da demanda, entende? Quem tinha que estar conosco era o Branco Mello, o Frejat, a Pitty, o Luiz Carlini, o Oswaldo Vecchione, a Paula Toller, a Rita Lee.  Se eles se unissem e falassem publicamente: apoiamos a Inti Queiroz. Queremos que a Inti defenda nossos interesses nas questões de política pública. Nós exigimos dos governos que o rock brasileiro seja parte integrante de toda programação cultural das cidades como cultura urbana que é. Qualquer discurso assim no programa da Fatima Bernardes, no Silvio Santos, no Ratinho, na novela. Entende? Não é uma questão de revolta. É uma questão de estratégia. A gente precisa pensar em conjunto uma proposta factível e exigir que as promessas feitas sejam cumpridas. O rock de São Paulo já teve esse gostinho com o Forum Municipal, numa gestão passada. Deu-nos espaços nos cinco cantos da cidade, durante o mês de julho (mês do dia internacional do Rock, dia 13), só que as demais promessas, que eram muito mais consolidantes, foram deliberadamente esquecidas. Quando abordamos o novo secretário, fomos barrados pela estagiária que respondeu, textualmente: se houver alguma pauta sobre rock, chamamos vocês. Isso foi há 2 anos. E ainda não morremos. Não tenho tempo ou espaço para revolta. Estou muito ocupada procurar fazer as coisas do modo certo.

2112. Li uma postagem sua que dizia que um músico só deve beber após o show para comemorar e relaxar. Como vocês contornam essa situação?

Gigi. Olha, caro Carlos, está faltando contexto nessa pergunta. Não me imagino fazendo uma postagem tirana desse jeito, mas vou responder como se precisasse justificar algo do tipo: se a diversão vira obrigação está na hora de sair fora, companheiro. Se a bebida faz com que você faça um show porco, então não beba. Eu não sou fiscal de ninguém não. As pessoas querem ver um show foda, não se os integrantes da banda estão ou não chapados. Eu já fiz vários shows onde eu bebia antes, durante e depois. Faz muito tempo que descobri que depois é muito mais gostoso. Eu sou chata pra caralho trabalhando. Cobro muito. Detesto quem fica de enfeite na missão. Quer beber, beba. Mas não atrase meu rock’n’roll.

2112. Já houve caso de um músico ou banda criar problemas neste sentido?

Gigi. Nunca. Mas convidado de músico que bebe mais que músico já tive. E ficou chateado quando foi delicadamente impedido de extrapolar. Sou dessas. Tenho paciência infinita com público (convidado é público, né?) Mas meus ‘NÃOS’ costumam ser cimentados, engessados e imóveis. HAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHA

2112. Pelos anos trabalhando na cena você deve saber de histórias cabeludíssimas de várias bandas. Dá para contar algumas?

Gigi. Vou contar uma, sem citar nomes. No show de lançamento de um disco, numa pausa pra um músico para privilegiar um convidado que tocava o mesmo instrumento, a mulher dele invadiu o camarim e deu de cara com um desafeto, que estava lá apenas em caráter profissional (sic). A esposa oficial deu um “barraco” com a outra, que chorosa foi queixar-se à diva do show, fazendo a linha inocente. A diva consolou-a dizendo que a mulher do fulano tinha que entender que ser mulher de músico era assim mesmo, que não podia ser ciumenta, blá blá blá. Saia justíssima. Como não atrapalhou o andamento do show, não precisei fazer nada. Esse tipo de problema tem que ser administrado por quem causou. Sou maternal, amiga, irmã, parceira, faço coisas inconfessáveis pra deixar os músicos felizes, mas não dá pra ser partidária nas coisas do coração. Esse foi o mais recente e foi constrangedor, viu? Ah, isso foi.
2112. Você já pensou em escrever um livro tipo "Porra,  vou contar tudo?"

Gigi. Todo dia. HAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHA.

2112. ... brincadeiras a parte. A vida alheia deve ser preservada e não difamada. Mas no caladinho (juro que não conto pra ninguém)... já deu vontade?

Gigi. Tenho vontade de expor a filha da putagem alheia, que tem muito no meio. Vontade de desabafar ingratidões. Mas isso não leva à nada. Estou aprendendo a perdoar. Sou de perdões rápidos, mas tem coisas que desafiam minha natureza. Nesse caso conto com meus Orixás pra me ajudar. E Marcello Pato. Meu marido é generoso e pacificador. Estou treinando com ele a desarmar minhas ogivas interiores.

2112. Que estilos de música você ouve além do rock?

Gigi. Música boa. Só não escuto sertanojo nem xenhemnhem. Tecnobrega nunca. Mas se estiver tocando numa balada e eu estiver feliz e bem acompanhada, danço.

2112. Outro assunto polêmico é quanto a questão das bandas covers que diretamente invadem o espaço que legalmente pertence as bandas autorais. É uma luta desleal... parece um câncer. Na sua opinião, qual seria a solução para contornar esse problema?

Gigi. A solução seria que a banda cover abrisse para as bandas autorais. E se as músicas das bandas autorais forem tão conhecidas e marteladas como as das bandas tradicionais, logo teremos cover da Power Blues, cover do Golpe de Estado e por aí vai. Eu defendo a oportunidade do rock ser culturalmente aceito. Não acredito que tirar o espaço de ninguém vá favorecer o nosso. O pulo do gato é ampliar os espaços, não expulsar quem está neles.

2112. Vejo o público como os maiores culpados nesta questão pois acostumaram a beber guaraná achando que é whisky e virou um vício. É igual criança quando descobre o real sabor do açúcar...

Gigi. Acho muito difícil taxar uma só culpabilidade nesse assunto. A massa é manobrada de acordo com os interesses de quem os manobra. No caso de shows, tornou-se obrigatório reclamar em rede social do preço abusivo das atrações internacionais, além da quilometragem rodada dos músicos, mas é indispensável fazer live no mesmo show que se reclamou. A mídia de massa tem total interesse em que a gente fique em casa assistindo à programação, assim gera lead e garante a planilha de views pro patrocinador. A cultura da violência, a ausência de facilidades de acesso, as grandes casas de espetáculo que só querem apresentar “grandes” nomes (leia-se midiáticos / globais). Não adianta reclamar do público. O público quer ser conquistado, cativado, excitado, incentivado, compelido. O público tem que querer ir a um show independentemente do valor venal do ingresso. Nem tudo é culpa do dinheiro. Mas que do lado de cá, ajudava no processo de “aliciamento” desse público, ah, como ajudava! Repito: a questão não é tirar o cover de cena, mas inserir o autoral nela.

2112. Foi a partir dessa questão que você e a Tibet criaram o "Quem sabe faz autoral"? Qual o balanço que você faz desde o surgimento do movimento até o dia hoje?

Gigi. Apesar de alguns bons momentos, ainda não emplacamos como objeto de desejo, mas é a ideia mais linda que alguém já teve e cuja qual vou levantar, como bandeira, por toda a minha vida. Tá na minha tatuagem. A minha vida é rock’n’roll.

2112. Vejo que muitas bandas tem aderido ao movimento o que gera uma cena bem mais forte e autêntica, não?

Gigi. Temos muita gente engajada, incluindo feras do naipe do Korzus e da Nervosa, além de Torture Squad e Baranga Rock - que já abriu show pro Motorhead e Airbourne - mas o Brasil é gigante pela própria natureza, o que acaba tornando nossos esforços bem regionais. Quando vamos fazer um Festival bebemos nessa fonte: no Quem Sabe Faz Autoral. Semeamos nossa palavra e ela floresce nos campos férteis. Igual palavra sagrada. Porque é nossa religião.

2112. É muito difícil conseguir patrocínio para montar um festival?

Gigi. Acho que, se houvesse mais atrativos para as empresas, como as leis de incentivo fiscal, com menos burocracia, seria menos difícil. O empresário quer dar tiro certo, usar verdadeiramente o show como gancho para aumentar os seus próprios clientes. Tudo é monetizado, sobretudo a fama e o glamour. Por isso, mais do que nunca, unir nossa voz underground aos expoentes estelares é questão de sobrevivência. E tem gente boa pra caralho que merece tocar em qualquer dial. E falta VENDEDOR no sentido exato da palavra. Hoje em dia as pessoas querem ser analista de clientes, relações comerciais, agente de oportunidades. O que falta é VENDEDOR. Chegar na porta do interessante, com um projetinho rascunhado, numa apresentação bem foda, dessas de deixar água na boca e gosto de quero mais e VENDER o show.

2112. Na sua opinião como está o nível da cena?

Gigi. Estamos no nível médio. Tem gente que está estudando fervorosamente pra passar no vestibular, tem CDF que está só esperando o nome aparecer na lista de aprovados. Tem aquele cara ruim que jura que vai melhorar um dia. Tem os veteranos que dão força. Tem os veteranos que se esqueceram de onde vieram. É uma cena cheia de entusiasmo e tesão. Falta o óbvio: condições reais e concretas de visibilidade e ascensão.

2112. Vocês já pensaram em criar uma espécie de cooperativa para bancar shows, gravações, festivais...  ou é isso é muito complicado? Mas seria uma boa opção, não é?

Gigi. O Quem Sabe Faz Autoral é um coletivo, logo existe a cooperação. Mas eu gosto da ideia da gente ser um Clube, com valor de mensalidade e parceiros para minimizar os custos. Eu adorei a proposta! Vou ruminar e aceito, desde já parcerias e sugestões no meu e-mail. Mas, sugestão tem que vir com todas as letrinhas completas: W, H, W, W, H (quem, como – a parte principal – onde, para quem e quanto custa). Brainstorming, na minha idade, só rola ao vivo em cores e 3D e com whisky 12 anos à tiracolo.

2112. Que conselhos você daria para as bandas que já estão atuando na cena e para as que estão começando?

Gigi. Continue a nadar. Não perca oportunidade de se fazer presente. Prestigie o show dos seus amigos. Meta as caras na vida. O mundo é uma grande panela. Mas a panela é de pipoca. Sempre alguém pula fora e sobra espaço dentro pra quem quer vencer.

2112. ... o microfone é seu!

Gigi. Obrigada pela oportunidade de falar pelo backstage. Do lado de cá tem muito mais trabalho que glamour, tem muita bronca, mas tem muito colo também. Meu negócio é resolver, não tô aqui pra complicar. Sou fã do seu trabalho e agradeço o espaço que você proporciona ao rock brasileiro. Estou à disposição pelo whatsApp 11 984865537 e pelo e-mail gigijardim.produrocker@gmail.com.